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O LUGAR DOS AFRICANOS NA ESTATÍSTICA BRASILEIRA DO SÉCULO XIX
Afro-Ásia, núm. 56, pp. 41-81, 2017
Universidade Federal da Bahia

Artigos


Recepção: 23 Abril 2017

Aprovação: 14 Agosto 2017

Resumo: Ao longo do século XIX, o “lugar” dos africanos passou por transformações na sociedade brasileira, relacionadas, por exemplo, com as leis de repressão ao tráfico atlântico e com a crescente visão de “civilização” baseada em valores europeus. O objetivo deste texto é explorar como os africanos foram representados nas estatísticas produzidas no período. Entende-se “estatística” em seu sentido etimológico, como uma ciência aplicada pelos Estados nacionais para obter uma leitura sinóptica de seus recursos por meio da linguagem matemática. São analisados censos locais do período colonial, a proposta de recenseamento de 1852, o Censo da Corte de 1870 e, por fim, o Recenseamento Geral do Império, de 1872, observando-se, em cada um deles, como os critérios de classificação (especialmente de cor/raça, condição social e nacionalidade) estabeleceram “lugares” para o registro dos africanos no Brasil oitocentista.

Palavras chave: africanos, estatística, Estado imperial brasileiro.

Abstract: The 19th century saw transformations in the “place” attributed to Africans within Brazilian society, such as thoserelated to the laws thatrepressed the Atlantic slave trade and the rising view of a “civilization” based on European values. The aim of this paper, therefore, is to explore how Africans were represented in the statistics produced during this period. “Statistics” are here understood by its etymological meaning, as a science applied by nation states to obtain a synoptic reading of its resources through mathematical language. The analysis includes local censuses from the colonial period, the proposed 1852 census, the Census of the Court (Rio de Janeiro, 1870), and the “General Census of 1872”, observing in each of these cases, how classification criteria (especially those of color/race, social condition and nationality) established “places” in which Africans could be registered in 19th century Brazil.

Keywords: Africans, statistics, Brazilian imperial state.

O lugar dos africanos na sociedade brasileira ao longo do século XIX sofreu várias alterações decorrentes das dinâmicas relacionadas com o fechamento do tráfico atlântico, medida que visava a pôr termo à escravidão, de uma crescente valorização de indivíduos europeus e da apropriação de ideias científicas acerca das diferenças raciais e seus impactos na “civilização” de um país. Essa conjuntura acentuou-se nas últimas décadas do século, especialmente após a Lei do Ventre Livre, a explosão do abolicionismo e a crescente política para atração de imigrantes europeus.

Com o transcorrer do século, as pressões internacionais pelo fim do tráfico e o medo de potenciais — e prováveis — sublevações violentas foram transformando o “lugar” dos africanos, de uma mão de obra vital e necessária, ainda que nem sempre vista com os melhores olhos, a elemento indesejado na composição social brasileira. Indesejado, porém indelével, motivo pelo qual sua presença — e a de seus descendentes — não poderia ser ignorada: estavam nas ruas e praças, nas casas de família, nas grandes e pequenas lavouras, nos portos e nas obras públicas. A sociedade brasileira já era nitidamente permeada pela influência africana. Os africanos e seus descendentes ocupavam “lugares” sociais, políticos e culturais na formação do novo país e têm sido objeto de estudo a partir da documentação disponível referente ao trabalho, à justiça, à religiosidade, às festividades e a tantas outras dimensões da vida social. Entre os mais variados registros que servem de fonte, o registro estatístico, aparentemente um dos mais inertes, foi o que despertou a questão que objetiva este texto. Qual era o lugar dos africanos nas estatísticas do Império do Brasil?

Essa problemática encontrou pertinência e um de seus primeiros motores na esteira dos impactos, nem sempre evidentes, da Lei de 7 de novembro de 1831, que proibira, pela primeira vez, o tráfico atlântico de escravos para o Império do Brasil. Todo africano importado após essa data deveria ser considerado livre e “reexportado” para a África.1 No entanto, na maior parte dos casos, o que se viu foram trajetórias de escravização ilegal, de tutela não fiscalizada, de negligência por parte do Estado. Beatriz Mamigonian explora um caso em que um africano liberto de nome José Thomaz de Sousa, morando no Uruguai, pede auxílio diplomático brasileiro por estar sendo coagido ao recrutamento no país vizinho.2 Pôs-se em dúvida se esse africano seria de fato um brasileiro por ter-se alforriado no Brasil, ou seja, se a alforria produziria a naturalização da pessoa. Caso afirmativo, Sousa seria protegido do recrutamento na Banda Oriental. O Brasil lidava com a importante questão da cidadania desde a sua independência e, especificamente, desde a Constituição de 1824, quando os estrangeiros que mais preocupavam eram os portugueses e sua relação com a “causa” da independência. Nesse outro momento, o africano ocupava um lugar importante na questão, pois não era um estrangeiro voluntário e convencional. O africano a que Mamigonian se refere não teve amparo diplomático brasileiro, pois o Conselho de Estado considerou que alforria não naturalizava uma pessoa e que sua origem africana não lhe garantia desligar-se de seu país de origem para vir a tornar-se brasileiro.3 Os africanos estavam juridicamente no limbo. Como as estatísticas lidariam com essa questão? Como senhores de escravos, recenseadores e o próprio Estado viriam a registrar esses africanos nas coletas oficiais de dados estatísticos?

De imediato, é impossível falar de uma estatística brasileira, dada a fragmentação dessa produção ao longo do século XIX. O recenseamento geral, inicialmente proposto para 1852, encontrou as ruas apenas em 1872, vinte anos após o primeiro intento e cinquenta após a Independência. Nesse período, apenas estimativas e contagens parciais foram realizadas, por iniciativas muitas vezes individuais de autoridades locais e provinciais. Se, até os anos 1870, essas contagens, por sua heterogeneidade, pouco serviram para lançar o país no rol das “nações civilizadas”, não deixaram de empregar classificações da população recenseada que indicam sob quais rubricas os recenseados foram classificados — sexo, idade, cor/raça, nacionalidade, condição social —, além de critérios principais, geralmente presentes, que dividem os formulários com colunas mais específicas que inquiriam sobre renda, profissão/ocupação, local de nascimento, religião, escolaridade, entre outros que se constituíam em objetos de interesse para o Estado.

Essas contagens, ainda que parciais, já contêm elementos que auxiliam na problematização das categorias sob as quais os africanos foram registrados desde o fim do período colonial até o recenseamento de 1872. Alguma atenção também será dada à proposta do censo de 1852 que, apesar de cancelado, deixou em sua legislação as marcas das suas intenções quanto à classificação da população. Por fim, maior concentração será dada ao entorno da década de 1870, em que há considerável concomitância de empreendimentos estatísticos. A saber, o Censo da Corte e a Lei nº 1829, que determinou a realização de censos nacionais a cada dez anos (1870), a criação da Diretoria Geral de Estatística (DGE), repartição exclusiva para o serviço do recenseamento que se executou, em (quase) todo o Império em 1872, ano esse em que, paralelamente, o Brasil participou, pela primeira vez, de um Congresso Internacional de Estatística e em que, internamente, entrou em vigor um outro cadastro estatístico de importância, a matrícula dos escravos, vinculada à Lei do Ventre Livre de 1871.

Entendemos a estatística como uma ciência que em tudo depende de escolhas políticas. Um censo é, pois, junto com outras medidas centralizadoras, um ato de poder e uma busca pela visão estatal sobre seu território, seus recursos, sua população. Na perspectiva de James Scott, a “legibilidade” se constitui como “problema central para o estadismo [statecraft]”.4 No anseio de sair de um estado de cegueira administrativa e política, os Estados modernos passaram a rejeitar o local, o costumeiro e o heterogêneo em busca de uma “simplificação” que envolvia não apenas coação física como também reformas padronizadoras que permitissem “ler” a população e seus recursos:

A criação de sobrenomes permanentes, a padronização de pesos e medidas, o estabelecimento de mapas cadastrais e registros populacionais […], a padronização da língua e do discurso legal, o traçado urbano e a organização do transporte pareceram compreensíveis enquanto tentativas de legibilidade e simplificação.5

No relatório da Diretoria Geral de Estatística (DGE) de 1872, o diretor geral interino, Joaquim de Medeiros e Albuquerque, assim sintetizou:

A estatística não é menos necessária à vida pública dos povos, do que à sua existência privada; é por meio dos seus trabalhos e investigações que os grandes interesses do Estado são esclarecidos e aprofundados. A ausência deste meio de governo caracteriza a ignorância e a barbárie de uma época, de um país ou de uma administração.6

Escrita no ano em que o censo havia sido realizado, a declaração de que a estatística serviria aos interesses do Estado não está baseada apenas na obtenção de conhecimento para “esclarecer” e “aprofundar” seus interesses, mas em marcar uma oposição clara à “ignorância” e à “barbárie”. Essa afirmação elucida propósitos políticos do censo de 1872 — por um lado, gerar dados úteis à administração e, por outro, projetar uma imagem civilizada do Brasil ante as demais nações ditas “civilizadas” —. propósitos esses que ora se complementam, ora pendem com forças diferentes, o que notamos ao analisarmos a documentação escrita disponível, especialmente relatórios oficiais.

Por exemplo, no relatório de 1875, assinado por José Maria do Couto, diretor interino, tecem-se descrições ufanistas sobre a importância da estatística:

A estatística é a história dos fatos sociais expressos pela eloquente e irrecusável linguagem dos algarismos; é, como diz Forjaz Sampaio, a luz do legislador, do ministro de Estado e do diplomata, a prova e o comentário de toda a história e o único fundamento dos cálculos do porvir.7

Por outro lado, em relatório do mesmo diretor interino, datado de dois anos antes, a comparação internacional é inevitável: “A importância da estatística reconhecida por quase todos os países civilizados da Europa, infelizmente ainda é pouco apreciada entre nós”.8

Entre a utilidade administrativa e o anseio de exibir estatísticas para o mundo “civilizado” é que o censo de 1872 seria construído. Quanto aos censos anteriores, que também nos servem de fonte, reiteramos que são produtos variados e geralmente desconexos entre si, fruto da fraca institucionalização da estatística no país até a década de 1870 (e, dir-se-ia, mesmo depois dela). Feitas essas ressalvas, esses documentos podem ser lidos como instrumentos de Estado que tinham o poder de “alocar” pessoas em categorias e, portanto, servem aos propósitos de nossa análise. O procedimento de um recenseamento geral e de um arrolamento paroquial não diferem tanto entre si, se analisados em relação a três etapas operacionais essenciais: a elaboração de um instrumento de coleta de dados (ficha, formulário, tabela) que já contenha uma gama limitada de quesitos a serem investigados; a prestação de informações por parte dos chefes de domicílios, que se utilizarão da margem de manobra possível dentro do instrumento de coleta a eles imposto; e, por fim, o processamento dos dados, realizado longe do alcance da população recenseada, que procura traduzir o que foi dito e narrado em números mais facilmente agregáveis.

Não será em todas as contagens que encontraremos informações sobre as três etapas, visto que grande parte dos formulários que intermedeiam a operação censitária eram geralmente descartados. Em alguns casos, há menções a contagens populacionais sem que as próprias tabelas tenham sobrevivido.9 Daí a necessidade de explorarem-se outras estatísticas anteriores ao censo de 1872 em busca das classificações possíveis para os africanos nos instrumentos de coleta, as formas com que poderiam ser declarados — eles próprios, ou seus senhores ou chefes do domicílio no qual residiam —, e como acabaram, por fim, sendo divulgados nas tabelas finais de um censo. A primeira e a terceira etapa correspondem, respectivamente, aos atributos que o Estado gostaria de “ver” (na coleta) e de “mostrar” (na divulgação) a respeito de sua população: nesse caso, requer-se atenção para os direcionamentos que as tabelas produzem em nossa leitura. A segunda etapa, por sua vez, é o único momento que conta com a participação, ainda que limitada, dos habitantes recenseados: nas poucas fontes disponíveis, pode-se observar a diversidade e a heterogeneidade “lutando”, de certo modo, com as linhas uniformes do formulário censitário.

Em todo momento, embora o foco da questão resida sobre o “africano” — cuja classificação é em si problemática também —, os crioulos e toda a população de cor não passam ao largo, visto que se conectam à discussão. Afinal, a presença africana não se reduz a indivíduos nascidos na África, mas a todo um “pacote” de cultura e atributos morais que o século XIX viu ser elaborado e que se aplicavam também a seus descendentes. É por isso que esta análise, sobretudo sobre as formas de se produzir estatística, não pode estar desconectada do debate político mais amplo, especialmente no que tange à lei de proibição do tráfico, de 1831, e à Lei do Ventre Livre, de 1871, cujos efeitos, sugerimos, de alguma forma impactam o registro dos africanos nas estatísticas.

Formas de classificar: africanos no cenário colonial (1796-1820)

A sociedade brasileira colonial era tradicionalmente marcada por critérios hierárquicos do Antigo Regime expressos na ideia de natural desigualdade entre os seres humanos determinada pela “pureza de sangue”.10 Essa pureza envolvia critérios religiosos e genealógicos que seriam tanto superiores, quanto mais se aproximassem do catolicismo romano e mais se afastassem da mestiçagem, do paganismo e da escravidão. A lógica, vigente inicialmente na Península Ibérica e incidente com mais força sobre mouros, judeus e ciganos, acabou ressoando no ultramar português, recaindo sobre populações indígenas e africanas, por exemplo.

No entanto, mesmo que essa linha de “pureza” impedisse a ascensão social de vários grupos por várias gerações, todos eram, estatisticamente falando, entendidos, de certo modo, como súditos do Império português, integrantes de um único corpo social. As três tabelas que se seguem são excertos e adaptações de mapas populacionais que foram simplificados para a análise sem que perdessem, no entanto, a ordem e a nomenclatura das categorias recenseadas. São documentos enviados por autoridades da Capitania de Santa Catarina, em 1796, 1812 e 1820, respectivamente.

Na Tabela 1, a população de quase 24 mil habitantes que ocupava a Ilha de Santa Catarina e algumas paróquias na faixa litorânea foi classificada, primeiramente, pela condição social, isto é, pelo estatuto jurídico: livres, forros, escravos. Cada uma dessas categorias apresenta distribuições diferentes: os livres por sexo e faixa etária, e os forros e os escravos por cor e, a seguir, sexo. Logo, o direcionamento da leitura indica que, para os livres, não há interesse em saber-se a cor do indivíduo, presumindo-se que todos os brancos aí se encontrem, somados a pardos e pretos ingênuos. A distribuição por idades poderia estar relacionada com atividades produtivas, tributação e recrutamento, mas nenhum desses atributos seria exclusivo dos livres. A falta de uniformidade pode ser intencional nesse caso, mas, em outros, parece resultar de uma falta de apreço à fixação de nomenclaturas: o sexo dos livres é “masculino” ou “feminino”; aos forros, a divisão caiu junto à cor: “pardos” e “pardas”, “pretos” e “pretas”; aos escravos, “machos” e “fêmeas”. Esse agregado social não está diferenciado por local de nascimento ou nacionalidade. Logo, os africanos estão diluídos na tabela, imperceptíveis entre os livres e sob a cor “preta” entre os forros e escravos.

Tabela 1
Transcrição simplificada do mapa da população de Santa Catarina referente a 179611

[Livres]

Fonte: Rezumo geral de toda a população pertencente ao Governo da Ilha de Santa Catharina formado pelos mappas que deram aos officiaes de cada hum dos Distritos do mesmo Governo. Em 1º de janeiro de 1796. Ofício do tenente-coronel João Alberto Miranda Ribeiro ao vice-rei do Estado e mapas referentes à extensão e limites da Ilha de Santa Catharina e distritos de sua jurisdição. Arquivo Histórico Ultramarino, Projeto Resgate Barão do Rio Branco, Documentos Avulsos, Santa Catarina. Caixa 6, doc. 387.

Em outra contagem, de 1812 (Tabela 2), o capitão Luiz Maurício da Silveira, apresenta outra “diagramação” para a população:

Tabela 2
Transcrição simplificada do mapa da população de Santa Catarina referente a 181212

Fonte: Resumo geral de toda a população pertencente ao Governo da Capitania da Ilha de Santa Catarina, extrahido dos Mapas que derão os Comandantes dos Destritos do ano de 1812. Ofício de D. Luiz Mauricio da Silveira ao Conde de Aguiar, Sta. Catarina, 6 de agosto de 1813. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, I-31, 29, 18, n. 4.

Nessa tabela, “homens” e “mulheres” devem ser automaticamente lidos como “livres”, sendo que os escravos vêm em segundo lugar, seguidos dos forros, em uma ordem que parece seguir as proporções quantitativas de cada segmento, mas não reflete a gradação de ascensão social via alforria. Estranhamente, a “cor” só é indicada para os forros e, ainda assim, apresentada de tal forma que acaba nada informando explicitamente. Apenas nos indica que pareceu importante, por algum motivo, avisar que os forros poderiam ser compostos de pardos e pretos. Então, os escravos seriam todos pretos?

O critério de cor é um dos mais complexos porque não indica apenas aspectos fenotípicos ou de mestiçagem, mas pode estar vinculado a posições sociais. Como afirma Hebe Mattos, conquanto não fosse regra, o termo “preto” era o mais próximo da escravidão, sendo atribuído também aos forros, mas raramente aos livres de cor. Por outro lado, o termo “pardo” acabava produzindo um efeito de ascensão social, de distanciamento do cativeiro, indicado, às vezes, com a ênfase que combinava cor e condição: “pardo livre”.13 Também Tarcísio Botelho apontou a complexa correlação entre a cor, a condição social e mesmo o lugar de nascimento:

Em geral, os descendentes de africanos nascidos no Brasil eram classificados como crioulos ou, no caso daqueles nascidos de relações inter-raciais, como mulatos, pardos e/ou mestiços. Em contraposição, os africanos tendiam a aparecer como negros ou pretos. Eventualmente, a diferença entre africanos e crioulos desaparecia sob a denominação de negros ou pretos.14

Em 1820, outro “mapa” de população (Tabela 3) demonstra uma terceira possibilidade de registro, ainda dentro do período colonial:

Tabela 3
Transcrição simplificada do mapa da população de Santa Catarina referente a 182015

Fonte: Mappa da População do Governo de Santa Catarina segundo as Listas dos Capitães Mores, dadas em o ultimo de Dezembro de 1820, Confrontando com as do último de Dezembro de 1819. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, I-31, 29, 18 n. 9.

A tabela de 1820 é mais completa que a de 1812 e lembra muito a de 1796, tendo, entretanto, uma diferença no critério que se considerou como cisão fundamental da sociedade: em vez da condição social, a opção foi pela “cor” dos indivíduos. De alguma forma, parece se tratar de uma simples inversão, em que a tríade livre-forro-escravo é substituída por branco-pardo-preto, inclusive nos detalhes: os brancos estão distribuídos por idades (assim como o foram os “livres” em 1796) e os pardos e pretos, por condição social (como na tabela de Miranda Ribeiro, só que ao contrário). No entanto, esse jogo de inversão, tendo sido intencional ou nem tanto, causa uma legibilidade bastante diferente da população: em primeiro lugar, indica que a cor, que é um atributo mais próximo ao biológico (apesar de suas variações sociais já mencionadas), passa a ser mais importante que a condição social, um atributo mutável ao longo de uma vida. Os brancos, por definição, já se pressupõem livres. Pardos e pretos, mesmo que livres, ficam para trás.

É importante notar que a nomenclatura das classificações é deveras confusa: pardos e pretos são distribuídos em “libertos” e “cativos”, mas não se encontra espaço para os “livres” dentre esses grupos. Teriam sido branqueados? Ou o termo “liberto” foi utilizado para indicar “livre” de forma genérica, não apenas os forros? A análise dos números encontrados não responde bem à questão: os “livres” de 1796 correspondem a 76,31% da população, incluindo-se aí os brancos e uma suposta camada de pardos e pretos livres. Já os “brancos” de 1820 correspondem a 72,65%, uma ligeira diminuição que poderia representar a parcela de “livres de cor”, ou apenas uma oscilação demográfica, ou diferenças causadas pela própria metodologia da contagem. Qualquer que seja a interpretação correta, haverá problemas com a leitura dessa tabela: ou ela “branqueará” a população livre, ou ela alargará o sentido de “liberto” para incluir os livres de cor e, nesse caso, perde-se a noção da quantidade dos reais libertos, ou seja, dos alforriados.

Para além dessa confusão, o Mappa da População de 1820 revela uma preocupação em explicitar “estrangeiros” e “sacerdotes”, que são colocados próximos aos “brancos”, mas não estão somados junto a eles. Não são categorizados por idade, nem por cor, nem por sexo. Podemos presumi-los “brancos” e “homens” em sua maioria, mas não é uma informação evidente na tabela. O que fica evidente, no entanto, é que os africanos, fossem livres ou escravos, não eram considerados “estrangeiros”, mas, sim, vinculados ao corpo social da colônia, composto, certamente, por pessoas de todas as “cores”, nascidas no Brasil, mas também em Portugal e na África. O estrangeiro aqui, o “outro”, certamente se refere ao viajante ou ao imigrante vindo de fora da órbita do Império português. Essa situação teria uma ligeira alteração nos censos — propostos e realizados — do Império do Brasil.

Formas de investigar: a lista de famílias do recenseamento não realizado (1852)

Do advento da Independência até a década de 1850, nenhum censo foi realizado no país apesar de algumas tentativas.16 Os períodos conturbados do Primeiro Reinado e da Regência, em que pesem seus avanços, especialmente na legislação organizacional do Império, deixaram pouco espaço para a implantação de sistemas de simplificação e legibilidade mais aprofundados, uniformes e contínuos. Em 1851, estando a situação do país mais próxima do sossego interno, o governo imperial lançou os conhecidos decretos nº 797 e 798, ambos em 18 de junho. Previam os documentos que se estabelecesse no país o registro civil de nascimentos e óbitos e que, em julho do ano seguinte, fosse realizado o primeiro recenseamento geral do Império. As duas medidas enfrentaram certa resistência no interior de algumas províncias do Nordeste e foram canceladas às vésperas de sua realização. Nesse episódio, em cidades como Pau d’Alho, Pernambuco, a população rasgou os editais dessas medidas afixados nas portas da matriz e intimou funcionários públicos a não executarem o registro civil.

Poderíamos aqui abrir uma longa seção para discutir as motivações da revolta — conhecida como Guerra dos Marimbondos ou Ronco da Abelha, dependendo do lugar —, a maneira como ela foi tratada pelas autoridades imperiais, o porquê do cancelamento do censo e do registro civil e, por fim, como a historiografia trabalhou esse episódio ao longo do tempo.17 O que nos cabe aqui, é constatar que a “lei do cativeiro”, como ficou conhecida, resultou em um amargo experimento de medição de forças entre as ambições centralizadoras e padronizadoras do Estado, ainda parcialmente “cego”, e a população sujeita a ele, invadida em seus hábitos, costumes e valores.18

Independentemente de sua realização, o censo de 1852 foi regulamentado pelo já referido Decreto nº 797, e essa legislação serve de guia para indicar algumas das intenções da contagem. Todas as pessoas do Império seriam recenseadas entre 1º e 15 de julho de 1852, sendo o “cabeça de família”19 o responsável pela prestação de informações. Segundo o artigo 9º do documento, “o alistamento se fará por fogos, efetuando-se por listas de família”.20 Convenientemente, o próprio decreto foi provido de uma lista preenchida, o Modelo nº 1, transcrito a seguir (Figura 1).


Figura 1
Modelo Nº 1 contendo a lista de família para o censo, Brasil, 1852
Fonte: “Anexo: Modelo nº1”. Decreto nº 797, de 18 de junho de 1851.

Essa lista de família elucida o que temos disponível quanto ao censo de 1852: o resquício da primeira fase da operação censitária, a definição daquilo que o Estado brasileiro gostaria de “ver”. Ela merece mais atenção, em vista da complexidade com que buscou tratar de algumas informações, ao passo que ignorou completamente outras.

De um lado, a questão da “nacionalidade” aparece com força ao exigir dos recenseados a declaração do “lugar de nascimento” e, dependendo da resposta, a inclusão de informações nas três colunas subsequentes: se estrangeiro, de qual “nação”; se brasileiro, nato ou naturalizado; e, se indígena, de qual tribo. Nota-se a busca pelo “brasileiro” em oposição às demais nações, fossem externas, fossem internas. Por outro lado, em termos demográficos, trata-se de um censo que já nasceria com uma grande deformidade, perceptível no Modelo nº1 e embasado no artigo 11 do Decreto: “As listas deverão conter: 1º. Os nomes de todas as pessoas da família, menos dos escravos, dos quais bastará referir o número por sexo”.21

Um escravo não era digno de nota naquele momento, sequer de idade. Uma vez liberto, no entanto, ascenderia a uma posição na qual precisaria declarar lugar de nascimento, profissão, idade, estado civil, dentre outros. Embora a sociedade permanecesse hierarquizada em três “condições sociais”, uma delas era marcada pela invisibilidade, um deslocamento para a margem do corpo social, ao passo que a categoria intermediária dos “libertos” associa-se aos livres de nascimento (ingênuos) não importando a cor. Note-se que não há lugar algum na tabela em que a cor é questionada formalmente. Mais uma vez, poderíamos conjecturar sobre a cor de libertos e escravos, mas não a dos livres. E mesmo assim, deduzir a cor por meio da condição social não é a mesma coisa que declarar a cor num campo específico do formulário.

Os africanos, no censo proposto, somente seriam notados se fossem forros. No caso dos cativos, entre os quais se encontravam milhares deles, o Estado propôs uma solução bastante omissa que em nada parece estar dissociada das discussões sobre a ilegalidade do tráfico atlântico. Mesmo o fechamento causado pela lei Eusébio de Queirós não poderia “legalizar” os quase 700 mil africanos importados ilegalmente desde 1831.22 Bastante tranquila deve ter parecido a solução de eliminar por completo qualquer possibilidade de o recenseamento incriminar qualquer senhor: todos os escravos seriam reduzidos a um número estéril que não feriria a propriedade dos senhores, não apenas na fase da tabulação dos dados, mas já no próprio instrumento de coleta.

Essa precaução metodológica provavelmente não importava tanto na colônia, não apenas porque o tráfico ainda não havia sido declarado extinto, como também os arrolamentos eram, muitas vezes, feitos pela autoridade local com maior acesso às populações, provavelmente tomando notas por meio de intermediários, mas sem a geração de fichas para cada um dos domicílios. O censo de 1852, ao utilizar uma lista de família e exigir uma lista nominal padronizada para todo o território nacional, aproximava-se das preconizações que se fariam, ainda naquela década, nos Congressos Internacionais de Estatística.23

No censo de 1852, os africanos só apareceriam nessa tabela se fossem libertos ou livres e, ainda assim, estariam na coluna dos “estrangeiros” e não sob a rubrica “brasileiros”. E mais, uma vez que seus filhos nascessem em solo nacional, a ausência de “cor” apagaria dos dados estatísticos a sua passagem pelo cativeiro. Notamos que o que Scott chamou de busca por um “cidadão sem marcas” seria posto em prática com grande maestria: o número bruto esconderia os africanos e minimizaria a escravidão como um todo e a ausência de cor apagaria os libertos.

A “liberdade” em oposição à escravidão e a nacionalidade “brasileira” em oposição à estrangeira tornar-se-iam, ao longo do século, duas marcas essenciais nas contagens populacionais. A primeira marca estava associada à desigualdade estrutural da sociedade, herdada e mantida desde os tempos coloniais. No entanto, já trazia diferenças, que se notam cada vez mais: a omissão dos libertos e a polarização entre “escravo” e “livre” vai se acentuar, como veremos. A nacionalidade era um elemento muito mais recente, vinculado não só ao processo desencadeado após 1822 (ou 1808), mas também à própria ideia de Estado nacional que se buscava consolidar no Brasil. Segundo Tarcísio Botelho, tratava-se de estabelecer a “supremacia da nação sobre as diversas pátrias regionais” que coexistiam no país, feito que obteve mais êxito após o golpe da Maioridade:

Os anos que se seguiram até os princípios da década de 1850 marcaram o triunfo, no Brasil, do conceito de Estado-nação. A partir daí, seus líderes políticos passaram a concentrar as atenções na complementação das estruturas estatais e na busca da consolidação da nacionalidade, tarefas essas facilitadas pelo surgimento de uma nova geração da elite política que considerava a nacionalidade brasileira axiomática, pois já nascera sob o predomínio do Estado independente.24

O próprio recenseamento seria um instrumento importante para a “complementação das estruturas estatais” e para a “consolidação da nacionalidade”. Ele é um inquérito estatal, portanto, um instrumento de controle. Ao mesmo tempo, é o produtor de um quadro, de uma autoimagem que será difundida interna e externamente. Entendida dessa forma, a estatística é, ao mesmo tempo, intérprete da realidade e, também, legitimadora dessa mesma realidade ao consagrá-la em quadros com ares de perpetuidade.

Os parâmetros que classificam uma população não são neutros. À parte os dados aparentemente óbvios dados de sexo e idade, os censos são preenchidos com classificações que buscam “localizar” cada indivíduo naquele universo populacional específico. A “nacionalidade” é um critério florescente no século XIX e, no Brasil, entendia-se, de acordo com a Constituição de 1824, principalmente atrelada ao “local de nascimento”. Assim, o Brasil enquanto território deveria ser sinônimo de uma única nacionalidade, fenômeno que grande parte dos Estados europeus não conseguiu superar, recorrendo a marcadores religiosos e étnico-linguísticos para diferenciar suas nações internas. Por outro lado, no Brasil, assim como em outros países americanos, a existência formal da escravidão e a gradação de cores produzida pelos traços dos escravos e seus descendentes criaram outras formas de segmentação que não tinham paralelo algum na Europa.

Isso posto, é importante notar que o africano passa a “localizar-se” num ambiente cada vez mais complicado em termos estatísticos. Ele é plenamente incorporado ao corpo social brasileiro por causa de sua migração forçada, do seu status de propriedade de alguém — geralmente um brasileiro —, por sua inserção nas dinâmicas econômicas e círculos sociais do país. Ele seria culturalmente um “brasileiro”, um dos elementos constituintes dessa “nação”. Por outro lado, seu local de nascimento é “fora do Brasil”, alheio ao território sobre o qual o Estado imperial exerce sua jurisdição. Essa observação marcará a análise referente ao recenseamento geral do Império, de 1872.

Formas de responder ao censo: africanos no “Recenseamento Geral” (1872)

“O progresso nacional não se compadece com a ignorância em que estamos acerca do algarismo exato da população do país…”, afirmou, em 1869, o ministro dos Negócios do Império, Paulino José Soares de Souza.25 No relatório daquele mesmo ano, apresentou um estudo anexo, realizado por Joaquim Norberto de Souza e Silva, que compilava outros estudos e estimativas e chegava a resultados entre 10,4 e 11,7 milhões de habitantes para o Brasil.26

No entanto, apesar do válido esforço matemático, era sabido que essa estimativa baseada em censos parciais, de épocas diferentes e com metodologias díspares, não poderia resolver a questão. O ministro Soares de Souza referia-se a um recenseamento, que é a contagem individual e universal de toda a população, realizado numa data-base e, preferencialmente, repetido com certa regularidade. Desde a Independência, o Brasil não havia realizado nenhuma contagem total de sua população:

[...] há províncias em que de então até hoje não mais se procedeu a arrolamento algum; algumas em que se malograram as tentativas nesse sentido; outras em que se conseguiu algum resultado, mas incompleto,

queixou-se o ministro Paulino de Souza no mesmo relatório.27

Os vinte anos decorridos entre a tentativa malograda e o sucesso posteriormente ufanado viram transformações significativas em relação à questão dos africanos, especialmente dos africanos livres cuja tutela de 14 anos havia se desdobrado em múltiplos que pareciam não ter fim. A questão Christie evidenciou a importância da resolução da “questão” africana; em 1864, o Brasil emancipou oficialmente seus “africanos livres” de suas tutelas28 e, nos anos seguintes, a movimentação parlamentar levou à aprovação da Lei do Ventre Livre em 1871. Além de libertar o ventre das mães escravas, criar o fundo de emancipação e outras medidas, a lei obrigava o registro geral de todos os escravos para iniciar-se no ano seguinte, certamente outro instrumento de visão. A matrícula organizou a propriedade escrava no Brasil em vários sentidos e, de alguma forma, legitimou a posse de muitos senhores sobre seus africanos ilegalmente importados e seus descendentes. Ao mesmo tempo, dotou o governo de um controle mais específico sobre a manutenção e a transmissão dessa propriedade, retomando, de certo modo, as rédeas descontroladas desde 1831.29

O “recenseamento geral” de 1872 deu-se nesse contexto. Em sua elaboração, ele não buscou apenas dar conta da realidade social do Brasil, mas também incorporar discussões científicas e padrões internacionais na área de estatística. É notória a participação de Francisco Adolfo de Varnhagen ao Congresso Internacional de Estatística, realizado, em agosto de 1872, em São Petersburgo.30

Nesse contexto político e cultural, a organização do censo em 1872 foi bastante diferenciada em relação à de 1852. De um lado, percebe-se a centralização política mais evidente: em 1852, o censo seria coordenado por uma comissão especial na capital do Império, e a tabulação dos dados finais seria feita em escalas: das vilas às províncias, das províncias à Corte. Em 1872, o censo ficou a cargo de uma repartição específica criada para planejar, executar, tabular e divulgar seus resultados, a Diretoria Geral de Estatística, subordinada ao Ministério dos Negócios do Império. Todo o material censitário que foi despachado para as províncias no início daquele ano deveria ser retornado à Corte ao final da contagem: isso incluía não só as fichas de família originais como também as cadernetas dos recenseadores e outras anotações. Todo o processamento de dados se deu na Corte, realizado nas salas apertadas da Diretoria pelos seus funcionários e mais 40 pessoas contratadas temporariamente.31

No nível local, o censo seria operado por uma comissão indicada em cada paróquia pelo presidente da província. Essas comissões distribuiriam as listas a partir da data-base de 1º de agosto e as recolheriam até quinze dias depois, devidamente preenchidas.32 A lista trazia algumas alterações, como se pode notar na Figura 2.


Figura 2
Lista de família do recenseamento geral, Brasil, 1872
Fonte: Recenseamento Geral do Império de 1872: Lista de família. IBGE, A3-G1, <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/instrumentos_de_coleta/doc1101.pdf>, acessado em 20/04/2017.

Mais autoexplicativa, a lista de família procurou limitar a quantidade de respostas possíveis aos cidadãos: “responde-se sim ou não”, “no Brasil” ou “fora do Brasil”, “católico” ou “acatólico”?33 O critério de “cor” volta a aparecer, e devidamente orientado: “declara-se se a pessoa é branca, parda, cabocla ou preta, compreendidas na designação de caboclas as de raça indígena”.34 Da mesma forma, requeriam-se os dados completos de todos os recenseados, não apenas dos livres e libertos. A operação estatística montada para 1872 foi, certamente, um empreendimento de fôlego, o que não a poupou de alguns deslizes desde a concepção da lista de família. Conforme aponta Nelson Senra, não há lugar específico para mencionar-se o sexo dos indivíduos, o que teve de ser apurado sem automatismo, lendo-se os nomes um a um, com grande chance de erros.35 Outra estranha omissão é a classificação por “condição social”, o que intrigará qualquer curioso que consulte as tabelas finais do recenseamento e encontre a população de todas as paróquias do Império divididas em “livres” e “escravos”.

Cabe aqui atentar para a segunda parte proposta da operação censitária, na qual os chefes de família encontram meios para declarar informações, servindo-se do material (a lista) que lhes foi imposta. Os “elementos originais” de 1872 não sobreviveram, exceto fragmentos encontrados cá e lá, como a relativamente conhecida lista da família Gravatá, da Paróquia de Nossa Senhora da Vitória, do município de Salvador, na Bahia. Essa ficha, guardada no IBGE, encontra-se preenchida e, segundo Nelson Senra, trata-se de um exemplar não recolhido e não computado daquele censo.36

Nesse domicílio, composto por 14 pessoas, listam-se primeiramente os membros diretos da família, conforme orientação do Decreto nº 4856, que regulamentou o recenseamento de 1872. Logo após o casal proprietário, Antônio Gravatá e D. Luísa, encontramos a primeira escrava, Flora, nascida “n’África”, portanto, “estrangeira”, com “mais de 40” anos de idade. A indicação de sua condição social está explicitada na última coluna, intitulada “Condições Especiais e Observações”, que estaria destinada, segundo as instruções da própria lista de família, a indicar pessoas ausentes, deficiências físicas e frequência (ou não) das crianças em escolas. No entanto, o que se nota é que a coluna foi, nesta lista específica, apropriada para indicar a condição social dos indivíduos

A Figura 3 é um excerto da lista de família desse domicílio. A margem de enganos dos chefes de família poder-se-á presumir espantosa após breve análise dessas colunas: a quantidade de termos “idem” é um dos elementos que dificultou e atrasou a apuração do censo, fato notado por Nelson Senra, somando-se a isso a própria grafia de cada proprietário.37 A idade em “meses” do pequeno Hypolito foi registrada na coluna de “anos” completos; os nascidos fora do Brasil foram registrados na coluna “no Brasil”, sendo novamente transcritos na coluna “fora do Brasil”, causando dois registros. Por fim, a condição social, como já mencionamos, se encontra em observações quase à margem da lista: Flora é escrava, e os próximos cinco indivíduos, “idem”. Adão, por sua vez, é um liberto sob a condição de continuar prestando serviços aos seus antigos senhores. Todos os demais abaixo dele, “idem”, exceto Hypolito, nascido de ventre livre.


Figura 3
Excerto da lista de família de Antônio Gravatá, Salvador, Bahia, 1872
Fonte: Recenseamento Geral do Império de 1872: Lista de família. IBGE, A3-G1. Transcrição auxiliada por consulta a Clotilde Paiva et al. Publicação Crítica do Recenseamento Geral do Império do Brasil de 1872. Relatório. Cedeplar/UFMG (jan. 2012), p. 15.

Os africanos são cinco, duas escravas, três libertos, e todos eles, convenientemente, com “mais de 40” anos. “Convenientemente” porque o arredondamento foi aplicado apenas aos africanos e com uma idade que garantiria a legalidade da propriedade sobre eles, em relação à data de 1831. Poderá ter sido mero desconhecimento de sua idade exata, mas, talvez, uma forma de camuflar as idades reais de africanos ilegalmente importados.

Para não basear conclusões na fragilidade de uma amostra tão pequena, podemos recorrer a uma contagem da qual se preservaram listas de algumas centenas de famílias. Trata-se do recenseamento da Corte de 1870, do qual temos acesso às listas de família de três quarteirões da Paróquia de São Cristóvão.

Formas de simplificar: analisando as listas de famílias da Paróquia de São Cristóvão, do Censo da Corte (1870)

O censo da Corte, realizado em 1870, é anterior à criação da Diretoria Geral de Estatística, mas já se encontrava no âmbito de discussão de um futuro censo nacional. Recensear a Corte era um modo de executar um “experimento quase laboratorial” para testar a metodologia, demonstrar sua aplicação tanto à população quanto às autoridades.38 A proximidade do poder e a influência da Corte sobre o país foram fatores que motivaram essa contagem, cujos resultados, em 1871, apontaram 235.381 habitantes residindo no Município Neutro.39 Dirigido por Jerônimo Martiniano Figueira de Mello, o Censo da Corte é, também, anterior à Lei do Ventre Livre e do possível conforto que ela poderia gerar em relação à propriedade de escravos africanos ilegalmente adquiridos.

As listas de família remanescentes de São Cristóvão englobam 1.539 moradores do 1º ao 3º quarteirão do bairro que, à época, já estava relativamente integrado ao cenário urbano da Corte, sendo predominantemente residencial, incluindo nele a própria Quinta da Boa Vista, além de hospital, hospícios e cemitérios.40 A paróquia como um todo possuía 9.272 habitantes.41 Como é sabido, nem todos os domicílios possuíam escravos. Na verdade, os 343 escravos listados nesses três quarteirões de São Cristóvão pertenciam a um terço dos domicílios (32,4%). Quanto à origem, 27% deles (93 indivíduos) foram declarados africanos, e é sobre esses que focaremos nossa atenção.

Para começar, nessas listas de famílias, os africanos aparecem sob variadas denominações, algumas genéricas, outras específicas. Por genéricas, compreendemos apenas a menção ao nascimento na África: “africano” ou “de nação”, por exemplo; por específicas, aquelas que indicam alguma “nação” própria ou um agrupamento com base no porto de embarque, como era costumeiro: “Mina”, “Angola”, “Cabinda”, entre outros. Citando Mary Karasch, Eneida Sela comenta esse fenômeno da percepção das “nações” na Corte, no século XIX:

Pode-se afirmar, porém, que entre os nomes mais citados estão Angola, Congo e Moçambique, seguidos por Benguela, Cabinda e Mina, segundo endossa também a avaliação de Mary Karasch, que ainda ressalta dois fatores importantíssimos: de um lado, esses registros dos viajantes expressam possibilidades de reagrupamentos identitários empreendidos pelos próprios escravos; de outro, apontam como o restante da população poderia, por sua vez, construir, reconhecer ou legitimar certas nomenclaturas.42

Dos 93 africanos escravizados listados nos quarteirões estudados, 38 foram designados “genericamente” africanos, e 55 tiveram uma “nação” atribuída ao seu nome. Dentre essas “nações” mencionadas, constam 12 “Angola”, 9 “Moçambique”, 9 “Benguela” seguidos, em terceiro lugar, por 6 “Cabinda” e 6 “Congo” e, em quarto, por 5 “Mina” e 5 “Rebolo”. Por fim, existem três “nações” que aparecem apenas uma vez cada uma: “Inhambane”, “Cassange” e “Monjolo”.

Toda essa diversidade haveria de desaparecer quando esses dados, depois de tabulados na terceira etapa da operação censitária, fossem todos transformados em “africanos”, ou, ainda mais radicalmente, como ocorreria em algumas tabelas de 1870, em “estrangeiros”, como se nota na Figura 4, que se refere à síntese do 1º quarteirão.


Figura 4
Esquema do mapa do 1º quarteirão de São Cristóvão, 187043
Fonte: Recenseamento 1870: São Cristóvão. IBGE, microfilme, rolos n. 332-334. Também disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv25453_v1.pdf>, acessado em 20/04/2017.

Cruzando-se a linha “escravos” com a de “estrangeiros”, temos os africanos. Mas, quais africanos? Minas, benguelas ou moçambiques? É certo que a mesma generalização vale para os livres nesse caso, dada a natureza simplificadora própria da estatística: não sabemos se há portugueses, franceses ou espanhóis, apenas “estrangeiros”. No entanto, ao contrário dos estrangeiros “livres” — que eram livres por estatuto e também em sua autonomia para migrar para o Brasil —, os “estrangeiros escravos” ou “escravos estrangeiros”, como se quiser ler, fazem menção a um estrangeiro que só se tornou tal por ter sido arrancado à força de sua “nação” de origem, não tendo voluntariamente assumido essa identidade.

Voltando um pouco à esfera doméstica e à etapa em que os senhores declararam seus escravos e outros moradores do domicílio, detectamos facilmente 14 africanos que foram registrados entre 20 e 39 anos de idade, o que configuraria, em 1870, flagrante ilegalidade. Esse dado indica que 15% dos africanos desses quarteirões eram ilegais e explicitamente declarados por seus proprietários. É o caso de Maria, 30 anos, solteira e de nacionalidade declarada “Cabinda”. Nada consta além de seus dados principais na sua ficha. Era escrava de dona Maria Agostinha do Amaral, 60 anos, brasileira, viúva, moradoras da casa D da Rua da Feira.44 Do mesmo modo, encontramos “João, da nação Congo”, documentado sem maior problema com seus 38 anos, como cozinheiro da casa de Francisco Ferreira Pitança, carpinteiro português de 56 anos, casado, também residente na Rua da Feira.45

Em outras listas, encontramos Ivo, mina de 32 anos;46 Inácio, 35 anos, de nação47 ou Lucrécia, 35 anos, “Benguela”,48 dentre outros. Em nenhum dos casos, há qualquer menção ou justificativa sobre sua possível ilegalidade. Não sabemos se os senhores ignoravam a lei de 1831 — o que é pouco provável — ou simplesmente confiaram no seu direito como proprietários legítimos de tais escravos. Mas a questão etária não acaba aqui. A Figura 5 indica as faixas etárias desses africanos escravizados de São Cristóvão:


Figura 5
Composição etária dos africanos em São Cristóvão, 187049
Fonte: Produzido pelo autor com base na análise das fichas dos três quarteirões de São Cristóvão. Recenseamento 1870: São Cristóvão, IBGE.

A base estreita indica poucos jovens, dado o encerramento mais contundente do tráfico a partir de 1850: ninguém com menos de 20 anos. Um pouco acima, os mencionados ilegais “declarados”. E, na maior barra, os africanos com idades entre 40 e 44 anos, com 28 indivíduos nela registrados. Mais acima, as barras voltam a diminuir, mas indicam grande concentração entre as idades de 45 e 54 anos.

De referência ao ano de 1870, é plausível acreditar que 60% de uma população cativa africana tenha entre 40 e 50 anos? Seriam, realmente, os remanescentes daquela geração anterior ao encerramento do tráfico na década de 1830 ou os proprietários estariam mascarando suas idades para se livrarem de eventuais comprometimentos legais? Apesar de arredondamentos de idade serem relativamente comuns pela dificuldade de serem obtidos registros confiáveis de nascimento, 22 africanos foram registrados com exatos 40 anos, ou seja, 23,1% da amostra total de africanos. Essa faixa alongada pode, de alguma forma, indicar uma concentração remanescente do tráfico, bem como um arredondamento “aproximado” de idade, mas, por que não considerar que parte dela — terceira alternativa — seja de escravos cuja idade foi arredondada convenientemente para cima? Não estaremos diante de um subterfúgio dos moradores? A contagem de 1870, como preparatória para o censo de dois anos depois, tinha um caráter estatístico e não fiscal ou jurídico. É provável que muitos dos moradores, temendo que a verdade não fosse bem essa, tivessem elevado a idade de seus africanos para acima dos 40 anos como precaução para o caso de a informação ser utilizada por algum outro departamento de governo que não o meramente estatístico. É claro que a existência de pessoas que declararam, sem pudores aparentes, serem seus escravos mais jovens que 39 anos indica que haveria os que, justamente ao contrário, não deveriam ter visto problema algum em ser sinceros com os recenseadores.

É nesse ponto que a operação da estatística se mostra repleta de opções políticas. Na primeira etapa, a produção da lista de família, os agentes estatais responsáveis pela contagem produziram uma lista de família que pedia aos chefes de domicílios, em relação a cada morador, o nome, a idade, a religião, a nacionalidade, o estado civil e a profissão. Havia uma coluna para “Observações”, e cada pessoa deveria ser registrada em uma das três categorias: “Membros da família”, “Agregados” ou “Escravos”. Dentro dessas orientações e limitados pela estrutura do formulário, os chefes de família lançaram as informações como lhes pareceu conveniente dentro de suas percepções daquilo que estava acontecendo. Em muitos casos, apenas ditaram as informações ao recenseador, tomando-se em conta o alto índice de analfabetismo. Nessa fase, muitos arredondaram idades de africanos, outros explicitaram a ilegalidade sem aparentes temores. Mas como a operação não parou por aí, a terceira fase, a da apuração dos dados, é a que mais direciona nossa leitura e obscurece alguns aspectos da realidade. Os dados são tabulados de forma que se torne impossível encontrar as ilegalidades outrora tão flagrantes: nas tabelas finais do censo da Corte, não há como cruzar dados que nos permitam reencontrar “Maria, Cabinda, 30 anos”. Ela é um algarismo, uma unidade, na coluna de “estrangeiros” cruzando com a de “escravos”; ela é também uma unidade na coluna de “mulheres” cruzando com a de “maiores [de 21 anos]”. Assim como perdemos o rastro de Maria nesse tipo de documentação, também o perdemos dos outros 14 africanos ilegais, dos outros tantos sob suspeita, fora os de todos os demais quarteirões de que não dispomos de listas de família. O que argumentamos é que, se o senhor ou a senhora de escravos não viu problema em registrar o que era ilegal, o próprio Estado se encarregou de resolver a questão. Talvez o desejo de “esconder” os africanos não tenha sido tão consciente ou óbvio, mas a natureza radicalmente simplificadora da estatística se encarregou de borrar esses registros com a ajuda, claro, da ênfase dada a outras categorias, como “livre – escravo” e “brasileiro – estrangeiro”. Está em tempo de averiguar como o recenseamento geral de 1872 resolveu a questão de publicação e divulgação dos resultados.

Formas de apresentar e ler os resultados: publicações e relatórios sobre o “Recenseamento Geral” (1875, 1876)

Quando buscamos por “Recenseamento do Brasil em 1872”, encontramos, geralmente, uma coleção digitalizada de 23 volumes: 22 para as províncias50 e um para a síntese do país. Essa publicação é decepcionantemente lacônica: ela se inicia com tabelas que parecem “falar por si sós” e dispensa qualquer introdução textual ou contextual. Imediatamente, somos postos a ler a primeira tabela: “Quadro geral da população livre considerada em relação aos sexos, estados civis, raça, religião, nacionalidades e grau de instrução, com indicação do número de casas e fogos”. Logo abaixo, em boa tipografia, encontramos todos esses dados, referentes apenas à “população livre”. A página seguinte apresenta a mesma síntese, dedicada, porém, à “população escrava”.

Como se nota pelo fac-símile do cabeçalho da primeira tabela do referido compêndio, cada categoria era distribuída por sexo e, a seguir, por quesitos específicos. Por exemplo, “nacionalidade” distribuía-se em “dos homens” e “das mulheres” e, homens e mulheres, distribuíam-se em “brasileira” e “estrangeira” (Figura 2).

Ou seja, para localizar, nessas primeiras tabelas, um africano que estivesse vivendo no Império do Brasil precisaríamos, primeiro, escolher qual a tabela — a dos livres ou a dos escravos — e, depois, encontrá-lo como “estrangeiro” no quadro de “nacionalidade”.

O censo contou 9.930.478 habitantes no Brasil, distribuídos, primeiramente, pela sua condição social (inclusive, em tabelas em páginas separadas): 8.419.672 livres e 1.510.806 escravos — respectivamente, 84,8% e 15,2% da população. A população africana no Império pode ser encontrada, nos quadros que indicam a “nacionalidade” dos indivíduos, tanto entre os livres quanto entre os escravos. Temos, segundo o censo, 138.560 africanos escravizados — 9,2% dos cativos — e 49.982 africanos livres — o segundo maior contingente livre “estrangeiro” após os portugueses, que compunham pouco menos de 120 mil pessoas.

É certo que todos esses números são passíveis de revisão, e há vários trabalhos que se dedicaram, de alguma forma, a repensar alguns desses dados.51 O que pretendemos não é tanto considerar os números obtidos e em sua confiabilidade, mas chamar a atenção para as formas de “localização” dos indivíduos e a inevitável simplificação. Mais uma vez, o problema não está na redução causada pela natureza do censo, mas na especificidade do africano em relação aos demais estrangeiros, especificidade essa que vai transparecer mais adiante, quando o censo apresenta uma tabela de “População considerada quanto à nacionalidade estrangeira”. Nela, indicam-se, especificamente, os habitantes estrangeiros de todas as províncias e os países de procedência. Basta-nos examinar seu cabeçalho e tecer algumas considerações

Para o censo de 1872, portanto, africanos são uma nação — e uma só nação. E, mais especial ainda, a única nação que precisa de uma subdivisão de condição social entre livres e escravos. Obviamente, a nação “africana” do censo não era um reconhecimento diplomático da existência de um Estado africano, mas uma adaptação metodológica empregada para suprir a coluna “local de origem” e situar, confortavelmente, os indivíduos nascidos naquele continente mas residentes no Brasil à época do censo. Se parece incoerente a África se tornar, “para fins estatísticos”, um país, não é menos incoerente ela ser transformada em um só país, ignorando-se ou desprezando-se quaisquer diferenciações internas daquele continente ou qualquer Estado mais ou menos consolidado ou reconhecido internacionalmente. Ademais, ao afirmar a existência de uma África, ainda que estatística e indiferenciada, assim como de uma Alemanha ou de uma Bélgica, criava-se o efeito de alteridade necessário para se reafirmar, em contrapartida, uma nacionalidade brasileira, estabelecendo suas fronteiras. O africano não está dentro delas.

Para obter um pouco mais de “caldo” para essa discussão, recorremos a um documento que procurou dar algumas interpretações e direcionamentos de leitura a essas figuras: trata-se do relatório da Diretoria Geral de Estatística, datado de dezembro de 1876 e assinado pelo diretor geral Manoel Francisco Correia. Nesse relatório, a DGE fez uma apresentação temática sobre as principais conclusões do recenseamento. A forma de apresentação das tabelas muda um pouco, e surgem os comentários escritos, que são menos opacos que as tabelas solitárias.

Os quadros referentes à “nacionalidade” nesse relatório em muito se parecem com os das tabelas anteriores: os livres são distribuídos em “brasileiros” e “estrangeiros” e os escravos, em “brasileiros” e “africanos” em uma explicitação da única “nação” possível de origem para um estrangeiro escravizado. Essa seção é bastante problemática por ter de lidar com o fato de existirem estrangeiros livres e outros não.

Por exemplo, ao tratar das ocupações econômicas dos estrangeiros, diz-se: “entre os que nasceram em país estrangeiro, distinguem-se principalmente a classe dos agricultores, a qual conta 80.981 pessoas, não incluindo os escravos africanos (21,19 por 100 do total)”.52 A preocupação da Diretoria em cruzar os estrangeiros com suas atividades econômicas ao longo dessa seção revela o caráter utilitário que se procurava nos imigrantes: mão de obra. E, nesse critério, os africanos entram na soma, mas não permanecem:

Os africanos escravos entram em todos esses cálculos como estrangeiros. Deduzidos os escravos [africanos], que eram na época do recenseamento 138.560, o número de estrangeiros ficará reduzido a 243.481, e as proporções das sobreditas classes [de ocupação profissional] serão [...].53

O que se depreende dessa citação é que foi matematicamente necessário fazer menção aos africanos, mas logo foram excluídos porque não eram eles o público-alvo da política imigrantista. Eram outros os estrangeiros desejados, sobre os quais se investigaram as habilidades profissionais. A própria seção é introduzida de uma forma a se pensar no estrangeiro como um imigrante voluntário: “investigar a origem das populações, e o número daqueles que não tendo nascido no país, fixaram entre nós sua residência, é assunto digno de atenção”.54 Talvez os leitores da época não tenham percebido a construção da frase dessa mesma maneira, mas o que nos parece é que a voz ativa empregada no verbo “fixar” denota uma atitude ativa e autônoma de fixação em determinado lugar, somada à ideia de acolhimento produzida pela expressão “entre nós”. Some-se, ainda, que a frase não só propõe um direcionamento aos imigrantes voluntários, como também aponta a necessidade de “investigar a origem” deles, não sendo bem-vindos quaisquer estrangeiros, precaução essa que não se dirigiria apenas aos africanos mas a muitas etnias europeias e asiáticas também.

Outra seção desse relatório também aborda os africanos: a categoria de “cor” que, apesar de assim estar descrita na lista de família, aparece no relatório de 1876 como “população segundo as raças”.55 A pequena tabela que se apresenta nessa seção é precedida pelo seguinte enunciado: “o Brasil é habitado por três raçasdistintas, a saber: A branca [...], a africana [...], a indígena [...]”.56 O texto prossegue e apresenta a quarta categoria, não incluída na listagem acima, mas num parágrafo que lembra uma nota de rodapé: a dos pardos. Segundo o texto, “do cruzamento da raça africana com as outras resultou a classe dos pardos […]”.57

Essa divisão do país em três “raças” não mestiças e uma “classe” racial mestiça não encontra paralelo em outros trabalhos da mesma repartição. Não é assim que se apresentou na lista de família, nem na legislação. Tampouco citam-se autores que embasariam essa divisão. No entanto, é importante notar que, nesse caso, o termo “africano” serviu para designar a cor “preta”, agora transformada em “raça”. É certo que os discursos racialistas começaram a tomar espaço no Brasil na década de 1870, mas não se sabe o que causou a mudança do termo “cor” (na lista de família em 1872) para o termo “raça” (no relatório da Diretoria, e também nas tabelas oficiais do censo, exploradas anteriormente). O fato é que essa definição não estava bem esclarecida, nem para os membros da DGE. Prova disso é que, nessa mesma curta seção, as categorias apresentam incrível fluidez: a tabela em que figuram os dados coletados do censo assim classifica as raças: “branca”, “negra”, “indígena”, “pardos”.58 E, não bastasse essa alteração, o texto subsequente à tabela de dados muda ainda, mais uma vez, os nomes das categorias:

[...] este quadro mostra que as proporções, em que as diferentes raças estão para o total da população são os seguintes: em 1000 habitantes encontram-se 381 brancos, 197 pretos, 39 caboclos e 383 pardos.59

Portanto, agora os “africanos/negros” são também “pretos”. E os “indígenas” são “caboclos”.

Se a fluidez não era algo novo nem dentro da estatística, nem fora dela, não isenta totalmente a Diretoria de ater-se a denominações padronizadas, em um trabalho que passou por meses de planejamento e anos de execução e que “deve em tudo guardar completa e inteira uniformidade”, nas palavras do diretor interino José Maria do Couto.60 O mesmo interino, na mesma correspondência, também indica o porquê dessa preocupação: “[...] não só porque custando isso ao Estado soma crescida deve ser isento de imperfeições, como porque têm de ser apreciado no país e no estrangeiro”.61 Os custos deveriam ser levados em consideração, mas a divulgação do censo, especialmente fora do Brasil, era um dos alvos políticos certamente cobiçados tanto pela Diretoria, ao longo de sua meia década de operação censitária, quanto pelos próprios gabinetes conservadores que haviam bancado a empreitada desde 1870.

Da análise dos dados divulgados acerca do recenseamento de 1872, seja nas tabelas oficiais, impressas entre 1875 e 1876, seja por meio da leitura do relatório de 1876, apreendemos que as antigas gradações de origem e pureza de sangue do período colonial sucumbem a outros critérios, como o da nacionalidade, que anteriormente não interessava. Mantém-se o inquérito sobre a cor, mas ele ganha conotações mais raciais e menos alusivas à posição social dos indivíduos. Serve, portanto, mais para medir um futuro “branqueamento” populacional com base na imigração europeia, do que para distinguir os indivíduos da forma tradicional, a partir de sua ascensão na escala de condição social. Esse trânsito entre condições sociais, aliás, foi simplificado ao máximo, considerando-se apenas “livres” e “escravos”, sem a importante camada de libertos. Para demonstrar, em poucas palavras, o impacto dessa medida, basta lembrar que, na casa dos Gravatá, cinco pessoas tinham sua liberdade condicionada a acompanhar seus antigos senhores. Recenseados como “livres”, eles certamente viveram com uma autonomia muito reduzida, mais próxima, provavelmente, da dos escravos da casa do que da de seus antigos proprietários aos quais permaneciam vinculados.

Por fim, para reiterar o impacto da “nacionalidade” como um dos marcadores censitários importantes, basta lembrar o deslocamento que ela causou aos africanos escravizados no país, tirando-os do corpo social “brasileiro” e inserindo-os entre os “estrangeiros”. O mesmo não aconteceu com os crioulos: a violência do cativeiro os separa dos “livres” na tabela, mas os inclui entre os “brasileiros”, o que lhes confere algum grau de pertencimento. Quanto aos africanos, que não só passavam pelos mesmos rigores do cativeiro que os crioulos, como também haviam experimentado os traumas da captura, da travessia atlântica e da adaptação a um novo sistema cultural, somava-se a expatriação censitária. Brasileiros em tudo, mas “não tendo nascido no país”, tornaram-se africanos de uma África estatisticamente homogeneizada para onde não poderiam — e, talvez, não quisessem — voltar.

Considerações sobre o recenseamento e as suas “fatias de realidade”

Para James Scott, os Estados nacionais europeus, em busca de modernização, utilizaram as mesmas técnicas de simplificação e legibilidade que os silvicultores saxões do século XVIII: podas regulares, redução de espécies, plantio geométrico e outras técnicas garantiram uma floresta homogênea, de rápida “leitura” e muita lucratividade. O recenseamento, como ferramenta de “simplificação e legibilidade”, não é mais do que uma tecnologia aplicada para se obter, não a realidade, mas “apenas uma fatia dela que interesse ao observador oficial”.62 Essa fatia depende do enfoque dado pela parte interessada que, no caso, são os agentes que têm poder e influência e compõem o que chamamos de Estado. Indivíduos que, na época do Império, vinculavam-se principalmente às atividades agrícolas, com uma crescente, embora ainda diminuta, camada média urbana à medida que o século chegava ao seu fim. Esse “Estado” personificado e seus “grandes interesses” reflete as transformações que se sentiam desde as esferas mais altas da administração imperial até o domicílio dos Gravatá, a exemplo do bebê Hypolito, nascido de ventre livre de mãe escrava e assim recenseado: um efeito real e sensível de um processo que tramitou por anos pelas esferas do Estado. Da mesma forma, o recenseamento, ao apresentar escolhas, enfoques e omissões, não está falando em nome de uma entidade estatal monolítica, mas de segmentos da sociedade e da administração que, imbuídos de ideias modernas junto a outras bastante tradicionais, elaboraram um recenseamento que, pela primeira vez, contou (quase) todos os brasileiros — aqui no sentido de todos os que residiam no Brasil.

Para essas pessoas, a lista de família continha os itens que eles desejavam ver e “aprofundar” em nome dos “grandes interesses do Estado”: a nacionalidade, a religião, o grau de instrução, a cor/raça, entre outros. O retrato que se produziu respondeu, segundo Tarcísio Botelho, aos anseios daquela época:

O censo de 1872 foi bastante eficaz em dar uma resposta ao anseio da elite letrada imperial por uma descrição da nação, a qual refletia em suas clivagens aquilo que a elite gostaria de ver: uma nação homogênea quanto aos aspectos culturais, mas hierarquizada quanto à sua condição social e quanto à cor.63

É sempre bom recordar que a Diretoria Geral de Estatística não estava produzindo uma fonte para os historiadores, embora quisesse, sim, monumentalizar o Estado e seu próprio esforço.64

Pensando mais amplamente, para incluir as várias contagens abordadas ao longo do século XIX, notamos como a produção da estatística é dependente das operações de elaboração de material, prestação de informações e apuração de dados e como as suas mais suaves variações causam leituras diferentes e, portanto, alocam as pessoas em papéis distintos. A política maior também influenciou, ora fazendo com que o Estado nada indagasse sobre os escravos — nem idade, nem origem, como no censo proposto de 1852 —, ora fazendo com que todos os dados fossem requisitados, como no censo da Corte de 1870 — nesse caso, quem entra em cena é o proprietário, que decide como vai ou não declarar seus africanos ilegalmente importados. E, por fim, entra, mais uma vez o Estado, processando os dados e, direcionando a leitura, indicando os lugares das pessoas.

Quanto aos africanos, seu lugar sofre um sensível deslocamento ao longo da constituição do que seria o Brasil enquanto nação. De integrante do corpo social apto a ascender socialmente por meio de alforria e de seus descendentes nascidos “crioulos”, o africano passa a ser visto sob a óptica do Estado nacional: pelo simples critério de nascimento, ele é um “estrangeiro”. Mesmo livre, permanece estrangeiro. Sendo escravo, tanto pior, porque recai sobre ele ainda outra clivagem, essa, sim, mais antiga: a da condição social. A soma das duas, produzindo especialmente um “escravo estrangeiro”, é o resultado específico do recenseamento geral de 1872 em relação aos africanos. Some-se a isso as transformações na forma de ler a condição social — sem a camada de libertos — e a cor — mais racializada e também menos indicativa de ascensão social —, a omissão sobre suas profissões no quadro de estrangeiros, entre outros aspectos que ainda podem ser explorados. Temos aí a “fatia de realidade” produzida pelo Império do Brasil, para ser apreciada “no país e no estrangeiro”.


Figura 6
Fac-símile do cabeçalho do quadro geral da população livre, Brasil, 1872
Fonte: IBGE, Recenseamento do Brazil em 1872, não-paginado.


Figura 7
Fac-símile de parte do cabeçalho da tabela “População considerada quanto à nacionalidade estrangeira”, Brasil, 1872
Fonte: IBGE, Recenseamento do Brazil em 1872, não paginado.

notas

1 A “Lei Feijó”, de 7 de novembro de 1831, e o seu decreto regulamentador, de abril de 1832, previam a “reexportação” dos africanos às expensas dos importadores. O que acabou prevalecendo, no entanto, foi sua manutenção no Brasil sob um sistema de tutela que havia sido previsto ainda nos acordos entre Inglaterra e Portugal, anteriores à Independência. Cf. Beatriz G. Mamigonian, “O direito de ser africano livre: os escravos e as interpretações da lei de 1831”, in Silvia H. Lara e Joseli N. Mendonça (orgs.), DireitosejustiçasnoBrasil (Campinas: Editora Unicamp, 2006).
2 Beatriz G. Mamigonian. “Razões de direito e considerações políticas: os direitos dos africanos no Brasil oitocentista em contexto atlântico”, in XEncontrodaBrazilianStudiesAssociation (Brasília, 2010).
3 Mamigonian, “Razões de direito”, p. 11.
4 James C. Scott. SeeingLikeaState: HowCertainSchemestoImprovetheHumanConditionHaveFailed, New Haven: Yale University Press, 1998, p. 2.
5 Scott, SeeingLikeaState, p. 2.
6 Diretoria Geral de Estatística, RelatoriodaDirectoriaGeraldeEstatisticaanexoaoRelatoriodoMinisteriodosNegociosdoImperioapresentadoemmaiode1872, Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1872, p. 43.
7 Diretoria Geral de Estatística, RelatorioeTrabalhosEstastisticosapresentadosaoIllm. EExcm. Sr. ConselheiroDr. JoãoAlfredoCorrêadeOliveira, MinistroeSecretariodosNegociosdoImperiopeloDirectorGeralInterinoDr. JoséMariadoCouttoem30deabrilde1875, Rio de Janeiro: Typographia de Pinto, Brandão & Comp., 1875, seção “Recenseamento da população do império”, p. 1.
8 Diretoria Geral de Estatística, RelatórioeTrabalhosEstatísticosapresentadosaoIllm. EExm. Sr. ConselheiroDr. JoãoAlfredoCorrêadeOliveira, MinistroeSecretariodEstadodosNegociosdoImperiopeloDiretorGeralInternoDr. JoséMariadoCoutto, Rio de Janeiro: Typographia de Hyppolito José Pinto, 1873, p. 42.
9 Joaquim Norberto de Sousa e Silva, “inventariante” das estatísticas produzidas até o ano de 1869, a pedido do Ministério dos Negócios do Império, assinalou essa situação em vários trechos de seu compêndio, como no caso de Santa Catarina, em 1839: “Com[o] o relatório do ano seguinte do referido Brigadeiro Presidente deixou de ser igualmente distribuído o mapa [populacional] e tenho ainda de me socorrer às suas expressões para saber que o número de habitantes elevava-se a 65.638 [...]”. Joaquim Norberto de Souza e Silva, InvestigaçõessobreosrecenseamentosdapopulaçãogeraldoImpérioedecadaprovínciadepersitentadosdesdeostemposcoloniaisatéhoje, Rio de Janeiro: Tipografia Perseverança, 1870, p. 120.
10 Hebe M. Mattos, “A escravidão moderna nos quadros do Império português: o Antigo Regime em perspectiva atlântica”, in João Fragoso (org.), OAntigoRegimenostrópicos: adinâmicaimperialportuguesa (séculosXVI-XVIII), (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001), p. 144.
11 Para melhor leitura e visualização, foram feitas as seguintes alterações em relação à tabela original: (a) foi inserida a legenda relativa aos “Livres”, que não constava; (b) a linha única que continha o cabeçalho transcrito foi cindida em duas; (c) foram omitidas colunas que não serão analisadas neste texto (lista de Distritos, Fogos e “Notícias das alterações que sucederam no ano de 1795”); (d) foram mantidos apenas os números finais dos recenseados, eliminando-se as linhas de cada Distrito.
12 Omitimos a coluna que apresenta a lista de Distritos, a qual não será analisada. Foram mantidos apenas os números finais dos recenseados, eliminando-se as linhas referentes a cada distrito.
13 Hebe M. Mattos, “Racialização e cidadania no Império do Brasil”, in José M. de Carvalho e Lúcia M. B. P. Neves (orgs.), RepensandooBrasildoOitocentos: Cidadania, PolíticaeLiberdade (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009), p. 357.
14 Tarcísio R. Botelho, “Censos e construção nacional no Brasil Imperial”, TempoSocial, v. 17, n. 1 (2005), p. 326.
15 Para melhor leitura e visualização, foram feitas as seguintes alterações em relação à tabela original: (a) alguns itens foram dispostos em escrita vertical; (b) a linha única que continha o cabeçalho transcrito foi cindida em duas; (c) foram omitidas colunas que não serão analisadas neste texto (lista de Vilas, Freguesias, Fogos e Igrejas, bem como “Nascimentos” e “Óbitos” ao final); (d) foram mantidos apenas os números finais dos recenseados, eliminando-se as linhas de cada Distrito.
16 Para uma noção panorâmica da trajetória de tentativas de implementação estatística no Brasil imperial, conferir Nelson Senra, Históriadasestatísticasbrasileiras, v. 1: As estatísticas desejadas (1822-c.1889), Rio de Janeiro: IBGE, 2006. O autor enfatiza o “desejo” de se obterem estatísticas que perpassa todo o período imperial brasileiro, mas que se reduzia, na maior parte das vezes, à elaboração de legislações que não encontravam aplicação prática, à aplicação de censos locais, à produção de “corografias” de caráter mais descritivo e à fundação de instituições de efêmera duração, como a Sociedade Estatística do Brasil (1854-1855).
17 Um trabalho de referência é o de Guillermo Palacios, “Revoltas camponesas no Brasil escravista: a ‘Guerra dos Marimbondos’ (Pernambuco, 1851-1852)”, AlmanackBraziliense, n. 3 (2006), pp. 9-39; com esse já dialogaram e debateram Hebe Mattos, “Identidade camponesa, racialização e cidadania no Brasil monárquico: o caso da ‘Guerra dos Marimbondos’ em Pernambuco a partir da leitura de Guillermo Palacios”, AlmanackBraziliense, n. 3 (2006), pp. 40-6; Mara Loveman, “Blinded Like a State: The Revolt against Civil Registration in Nineteenth-Century Brazil”, ComparativeStudiesinSocietyandHistory, v. 49, n. 1 (2007), pp. 5-39; Maria Luiza Ferreira Oliveira, “O ronco da abelha: resistência popular e conflito na consolidação do Estado nacional, 1851-1852”, AlmanackBraziliense, n. 1 (2005), pp. 120-7), e outros.
18 Loveman, “Blinded Like a State”, p. 10 e Botelho, “Censos e construção nacional”, p. 330.
19 Decreto nº 797, de 18 de junho de 1851, art. 9º.
20 O conceito de família renderia outras importantes discussões por sua variação dentro de um mesmo momento e ao longo do tempo. De modo geral, o censo de 1852 tratou família como sinônimo de “fogo”, entendido esse termo como uma unidade doméstica de alguma forma economicamente autônoma, mas não necessariamente implicando a posse da terra ou do edifício em que habitam seus moradores. Bert Barickman, ao analisar censos paroquiais do Recôncavo baiano da década de 1830, abre uma discussão sobre a questão do “fogo” e da “família” entendidos como unidades censitárias básicas. Bert J. Barickman, “Reading the 1835 Parish Censuses from Bahia: Citizenship, Kinship, Slavery, and Household in Early Nineteenth-Century Brazil”, TheAmericas, v. 59, n. 3 (2003). O censo de 1872, com maior precaução, apontaria a concepção de “família” na própria legislação regulamentadora, no artigo 3º do Decreto nº 4.856, de 30 de dezembro de 1871.
21 Decreto nº 797, art. 11.
22 David Eltis e David Richardson, “Os mercados de escravos africanos recém-chegados às Américas: padrões de preços, 1673-1865”, Topoi, v. 4, n. 6 (2003), pp. 9-46.
23 Na sessão de Bruxelas (1853), recomendou-se que os censos fossem nominativos, averiguados por uma lista de família [bulletinparfamille], a qual fosse uniforme em todo o território recenseado e que se inquirisse sobre nome, idade, lugar de nascimento, língua falada, religião, estado civil, profissão, entre outros critérios. Conferir Compte-RenduGénéraldesTravauxduCongrèsInternationaldeStatistiquedanslessessionsdeBruxelles, 1853 ; Paris, 1855 ; Vienne, 1857 ; Londres, 186, etBerlin, 1863publiéparordreduMinisteredelAgriculture, deLIndustrieetduCommercesousladirectionduDr. PierreMaestri, DirecteurduBureauRoyaldeStatistiquedeFlorence, Florença: Imprimerie de G. Barbèra, 1866, p. 34.
24 Botelho, “Censos e construção nacional”, p. 324.
25 Ministério dos Negócios do Império. RelatórioapresentadoáAssembléaGeralnasegundasessãodadécimaquartalegislaturapeloMinistroeSecretáriodeEstadodosNegóciosdoImpérioPaulinoJoséSoaresdeSouza, Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1870, p. 25.
26 Ministério dos Negócios do Império, Relatório(1870), Anexo D, p. 167.
27 Ministério dos Negócios do Império, Relatório(1870), p. 24.
28 Os que já tivessem cumprido 14 anos tutelados.
29 Por questões de foco do texto, não compararemos os dados e as metodologias do censo com os da matrícula, inclusive por considerá-los empreendimentos com marcantes diferenças em suas formas de produção e operacionalização, apesar do paralelo cronológico em que foram aplicados. Para uma visão geral dessa comparação, recomendo o conhecido artigo de Robert Slenes, “O que Rui Barbosa não queimou: novas fontes para o estudo da escravidão no século XIX”, EstudosEconômicos, v. 13, n. 1 (1983), pp. 117-49.
30 Conferir “Relatório acerca dos trabalhos do Congresso Estatístico de S. Petersburgo em agosto de 1872 apresentado ao governo imperial pelo delegado oficial do Brasil, Barão de Porto Seguro”, in Ministério dos Negócios do Império, RelatórioapresentadoaAssembléaGeralemaditamentoaode8demaiode1872peloMinistroeSecretáriodeEstadodosNegóciosdoImpérioDr. JoãoAlfredoCorrêadeOliveira, Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1872. Conferir, também, Senra, Históriadasestatísticasbrasileiras, capítulo 12.
31 Diretoria Geral de Estatística, RelatórioeTrabalhosEstatísticosapresentadosaoIllm. eExm. Sr. ConselheiroDr. JoãoAlfredoCorrêadeOliveira, MinistroeSecretariodEstadodosNegociosdoImperiopeloDirectorGeralConselheiroManoelFranciscoCorreia, Rio de Janeiro: Typographia Franco-Americana, 1874, p. 50.
32 Regulamento anexo ao Decreto nº 4.856, de 30 de dezembro de 1871, art. 10.
33 RecenseamentoGeraldoImpériode1872: Listadefamília. IBGE, A3-G1, <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/instrumentos_de_coleta/doc1101.pdf>, acessado em 20/04/2017.
34 RecenseamentoGeraldoImpériode1872: Listadefamília.
35 Senra, Históriadasestatísticasbrasileiras, p. 360.
36 Senra, Históriadasestatísticasbrasileiras, p. 358.
37 Senra, Históriadasestatísticasbrasileiras, p. 361.
38 Senra, Históriadasestatísticasbrasileiras, p. 317.
39 Ministério dos Negócios do Império, RelatórioapresentadoáAssembléaGeralnaterceirasessãodadécimaquartalegislaturapeloMinistroeSecretáriodosNegóciosdoImpérioDr. JoãoAlfredoCorrêadeOliveira, Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1871, p. 7.
40 José F. Motta, Nelson Nozoe e Iraci N. Costa, “Às vésperas da abolição: um estudo sobre a estrutura da posse de escravos em São Cristóvão (RJ), 1870”, EstudosEconômicos, v. 34, n. 1 (2004), p. 161.
41 Ministério dos Negócios do Império. Relatório (1871), Anexo C, p. 15.
42 Eneida Sela, Modosdeser, modosdever: viajanteseuropeuseescravosnoRiodeJaneiro. Campinas: Editora Unicamp, 2008, p. 319, fazendo referência também a Mary C. Karasch, AvidadosescravosnoRiodeJaneiro, 1808-1850, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
43 Foram excluídas algumas colunas referentes às profissões. Algumas legendas foram dispostas de forma vertical para adequar-se à melhor visualização na página.
44 Recenseamento1870: SãoCristóvão, IBGE, ficha 0014.
45 Recenseamento1870: SãoCristóvão, IBGE, ficha 0049.
46 Recenseamento1870: SãoCristóvão, IBGE, ficha 0130.
47 Recenseamento1870: SãoCristóvão, IBGE, ficha 0254.
48 Recenseamento1870: SãoCristóvão, IBGE, ficha 0143.
49 Coluna: faixas etárias; Linha: quantidade de indivíduos registrados nessas faixas.
50 Um volume para o Município Neutro e outros para as 20 províncias (Minas Gerais foi dividida em dois volumes).
51 Conferir Paiva et al., PublicaçãocríticadoRecenseamentoGeraldoImpériodoBrasilde1872 e outros trabalhos do Cedeplar/UFMG, por exemplo.
52 Diretoria Geral de Estatística, RelatorioeTrabalhosEstatisticosapresentadosaoillm. eexm. sr. ConselheiroDr. JoséBentodaCunhaeFigueiredo, MinistroeSecretáriodeEstadodosNegóciosdoImpériopeloDiretorGeralConselheiroManoelFranciscoCorreiaem31dedezembrode1876. Rio de Janeiro, Tipografia de Hyppolito José Pinto, 1877, p. 15.
53 Diretoria Geral de Estatística, Relatório(1877), p. 15.
54 Diretoria Geral de Estatística, Relatório(1877), p. 14.
55 Diretoria Geral de Estatística, Relatório(1877), p. 13.
56 Diretoria Geral de Estatística, Relatório(1877), p. 13, grifos nossos.
57 Diretoria Geral de Estatística, Relatório(1877), p. 13.
58 Diretoria Geral de Estatística, Relatório(1877), p. 14.
59 Diretoria Geral de Estatística, Relatório(1877), p. 14, grifos nossos.
60 Informaçãosobreaspropostaspara [aimpressãod]orecenseamentodaspopulaçõesdasprovínciasdoRioGrandedoNorte, CearáeSta. Catharina.15/04/1874. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, GIFI 6J-76.
61 Informaçãosobreaspropostas
62 Scott, SeeingLikeaState, p. 3.
63 Botelho, “Censos e construção nacional”, p. 336.
64 O Relatório da DGE, de dezembro 1876, p. 6, aponta, inclusive, uma correspondência recebida do chefe de estatística uruguaia, que considerou o recenseamento brasileiro como “um verdadeiro monumento, digno de figurar entre os melhores do seu gênero”.


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