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RELIGIÃO E IDENTIDADE CULTURAL NEGRA: AFRO-BRASILEIROS, CATÓLICOS E EVANGÉLICOS*
Afro-Ásia, núm. 56, pp. 83-128, 2017
Universidade Federal da Bahia

Artigos


Recepção: 6 Junho 2017

Aprovação: 22 Agosto 2017

Resumo: Nas últimas décadas, vários grupos religiosos têm se posicionado sobre a relação entre “identidade negra”, cultura e religião. Neste ensaio, pretendo apresentar algumas tendências do debate contemporâneo entre o campo religioso afro-brasileiro, o movimento negro católico e o evangélico. Sugiro que esse debate se constrói a partir de posições gestadas nas relações de uns com os outros e com as políticas públicas voltadas para a patrimonialização dos símbolos das heranças africanas no Brasil.

Palavras chave: religiões afro-brasileiras, catolicismo, evangélicos, movimento negro, identidade negra.

Abstract: In recent decades, various religious groups have positioned themselves with regard to the relationship between “black identity”, culture and religion. In this essay, I present some trends in the contemporary debate between the African-Brazilian religious field, the black Catholic and evangelical movements. I suggest that this debate is constructed from gestated positions in relation to each other as well as the public policies directed towards the patrimonialization of symbols of African heritage in Brazil.

Keywords: African-Brazilians religions, Catholicism, evangelicals, black movement, black identity.

Nos últimos tempos, discursos e ações de membros do campo religioso afro-brasileiro, católico e evangélico têm articulado conexões entre “identidade negra”, cultura e religião. Neste ensaio, pretendo apresentar algumas tendências do debate entre esses três campos religiosos. Sugiro que esse debate se constrói a partir de posições gestadas no interior desses campos e nos diálogos deles entre si e deles com as políticas públicas e identitárias mais amplas, nas quais os símbolos religiosos das mais variadas origens africanas (ou afro-brasileiros) são interpretados e realinhados em função dessas disputas. Como consequência, esses símbolos podem ser alçados à condição de patrimônios culturais que competiria ao Estado identificar e salvaguardar ou à condição de entraves para a formação de uma “nova” consciência negra. Identifico pelo menos três lógicas de ação nesses processos: 1) ênfase na centralidade das religiões afro-brasileiras na construção identitária negra patrocinada por agentes públicos, religiosos e não religiosos, do chamado movimento dos “povos de matriz africana”; nesse caso, a ênfase teria como consequência uma tendência que denominei “culturação” da religião; 2) apropriações de aspectos da religiosidade afro-brasileira pelo movimento negro católico, sobretudo pela Pastoral Afro-Brasileira, reinterpretando-os no âmbito do cristianismo; nesse caso, haveria um processo de “inculturação” da religião, visto sobretudo no âmbito das missas afros; e 3) negação (ou minimização) da legitimidade das religiões afro-brasileiras, patrocinada pelo movimento negro evangélico, como único eixo construtor da identidade negra; nesse caso, haveria um processo de “desculturação” das religiões afro-brasileiras.

Nesses processos, os agentes dos três campos religiosos em contato acabam afetando e sendo afetados uns pelos outros, numa lógica circular e transformacional mais ampla cuja inteligibilidade escapa à lógica interna de cada campo religioso em si. Tendo de falar e agir de um ponto de vista que não é apenas o do religioso (se é que se pode caracterizar o que seria esse ponto), essas lideranças acabam por pensar sua religião e a dos outros de forma reflexiva, num “efeito looping”, tal como descreveu a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha ao falar de um metadiscurso sobre a cultura, denominado por ela de “cultura com aspas”.1

Comecemos indicando algumas características desses campos e percorrendo, ainda que de forma seletiva, dado os objetivos desta abordagem, alguns fluxos de diálogos (pacíficos ou conflituosos) que mantêm entre si.

De “terreiros afro-brasileiros” a “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”

Não é necessário retomarmos a longa história de desenvolvimento das religiões afro-brasileiras para demonstrar a posição ambígua que ocuparam na vida pública e privada das classes sociais e dos grupos étnicos nacionais.

No período do domínio português, as práticas religiosas não católicas eram proibidas e passíveis de punições via Tribunal do Santo Ofício da Inquisição. Muitos africanos e seus descendentes foram punidos por praticarem-nas.

Na Constituição do Brasil Império, instaurado em 1822, o catolicismo permaneceu religião oficial, e a presença de outras religiões estava restrita ao espaço privado das casas domésticas ou edifícios sem aparência externa de templo. Datam dessa época as primeiras notícias de repressão a terreiros instalados em espaços urbanos divulgadas na imprensa recentemente instalada no país.

Na Constituição do Brasil republicano, instaurado em 1889, a separação entre Estado e Igreja se efetivou, mas a liberdade de culto não se realizou na prática, principalmente para os adeptos das religiões afro-brasileiras. O Código Penal Republicano, ao codificar o crime de espiritismo, magia e seus sortilégios (art. 157) e o de curandeirismo (art. 158), criou instrumentos legais pelos quais muitos de seus adeptos foram acusados, julgados e condenados.2

De qualquer forma, seja no período da Primeira seja no da Segunda República,3 embora reprimidos, os terreiros não deixaram de ser elementos fundamentais na constituição de uma sociabilidade negra e mestiça que se estendeu para a sociedade nacional. Por meio dos terreiros, articularam-se manifestações lúdicas e festivas como os cordões, os blocos carnavalescos e as escolas de samba no Rio de Janeiro, os maracatus em Pernambuco, os afoxés na Bahia, entre inúmeras outras festividades e celebrações espalhadas pelo Brasil tais como jongo, procissões e festas de largo, romarias etc. Algumas dessas manifestações passaram a ser, inclusive, marcadores positivos de uma singularidade cultural brasileira decantada dentro e fora do país. É impossível dissociar, por exemplo, na origem do samba carioca a presença de músicos filiados às casas de candomblé, como João da Baiana, Pixinguinha, entre muitos outros. Carmem Miranda, com sua indumentária estilizada de baiana ou mãe de santo, levou a música popular brasileira para o exterior cantando elementos dessa religiosidade.4 Na literatura, Jorge Amado, um dos mais populares escritores brasileiros, desde suas primeiras obras na década de 1930, escolhera o povo de santo5 baiano como inspiração para os seus heróis, heroínas e personagens míticos, como Antônio Balduíno, Jubiabá, Pedro Archanjo, Dona Flor, Vadinho etc.

Enfim, as religiões afro-brasileiras, situadas na posição ambivalente entre reconhecimento parcial em vista do seu “legado cultural” (patrocinada pelas políticas getulistas de integração cultural) e da repressão efetiva “enquanto religião” (dado seu caráter pouco legítimo diante da hegemonia católica),6 estabeleceram-se por meio de alianças, diálogos e conflitos entre o mundo originariamente negro dos terreiros e o mundo externo que, ao menos no espaço público, mantinha “distâncias estratégicas” dessa herança africana. São muitos os exemplos desta “esquizofrenia nacional” em relação às manifestações de origem negra. A capoeira, luta e dança intimamente relacionada com os terreiros, considerada crime pelo Código Penal de 1890, não foi mencionada no novo Código Penal de 1940 e passou a ser vista como esporte nacional com o apoio do presidente Getúlio Vargas. Esse Código Penal manteve, porém, os delitos de charlatanismo (art. 283) e curandeirismo (art. 284), com base nos quais os praticantes das religiões afro-brasileiras continuaram a ser acusados, e suas festas e cerimônias mantidas sob controle e fiscalização por parte do Estado, como os catimbós e xangôs do Nordeste. A Missão de Pesquisas Folclóricas, idealizada por Mário de Andrade, então diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, que tinha por objetivo filmar e gravar, em 1938, cenas e músicas de rituais religiosos afro-brasileiros e de festas populares no Norte e Nordeste, precisou de uma licença policial para poder realizar esses registros “da cultura brasileira” (Figura 1).


Figura 1
Autorização da Chefatura de Polícia do Maranhão dirigida a Luiz Saia, um dos integrantes da Missão de Pesquisas Folclóricas
Fonte: Acervo MPF-CCSP. Foto: Vagner Gonçalves da Silva, 2015.

E grande parte do acervo de peças etnográficas recolhidas pela missão, como as de Recife, foi doação da delegacia de polícia para onde foram levadas após as investidas policiais contra os terreiros. Nas Figuras 2 A, B e C, vemos um pátio de uma delegacia com algumas dessas peças religiosas. Ressalto, entretanto, que os termos técnicos “peças religiosas” ou “etnográficas” não fazem jus ao valor e à importância que esses objetos (vasos, quartinhas etc.), ferramentas e pedras (otás), consagrados como igbás (assentamentos) dos orixás têm para o povo de santo. Neles as várias divindades existem como força em si e fora de si. Neles, e por meio deles, foram estabelecidos, pela ação do rito e do mito, os vínculos que compõem algo de difícil definição, mas que, grosso modo, forma a relação entre a pessoa, divindade, terreiro, comunidade, família de santo, nação, natureza etc. Por isso é que tais “compostos” (assentamentos) são tratados como coisas vivas na conformação do cosmos do qual o terreiro faz parte. Quando são retirados do terreiro, tocados, dispostos, manuseados, misturados sem observar suas cosmologias e cosmogonias, a ordem das coisas ou o fluxo das energias entre viventes, ancestrais, divindades etc. são ameaçados, interrompidos e enfraquecidos. É o caso dos atabaques que aparecem no primeiro plano da Figura 2 A. Sendo seres vivos, por terem recebido o sangue sacrificial, os atabaques são os comunicadores por excelência na produção da música sacra e dos gestos (dança, cumprimentos, troca de bênçãos etc.) que a acompanham. Sua percussão está restrita à classe de homens indicados (e iniciados) para essa função. Até para retirá-los do terreiro, quando isso é possível, exigem-se alguns rituais. Transportá-los para fora do terreiro e, mais ainda, empilhá-los uns sobre os outros de cabeça para baixo é desrespeitar sua dimensão sagrada. O mesmo ilustra a Figura 2 B: dezenas de assentamentos de orixás foram retirados dos quartos de santo, local em que são cultuados e cujo acesso é restrito à comunidade do terreiro; além disso, foram dispostos de forma aleatória sem considerar que cada um deles está associado a uma divindade. No terreiro, são dispostos de modo a preservar o equilíbrio de suas energias que não podem ser misturadas (quente e frio, fogo e água). A Figura 2 C mostra que esses “compostos sagrados” foram “decompostos” no chão da delegacia, numa galáxia de objetos indistintos, tratados como material de descarte, uma vez que a eles nem mesmo se atribuiu alguma possível ou potencial sacralidade,7 numa demonstração do nível da violência contra a visão ontológica de mundo dos terreiros empreendida pelo Estado por meio de seus órgãos de segurança e “higiene mental”.


Figuras 2
A, B, C - Instrumentos e assentamentos religiosos em uma delegacia de polícia, Recife, Pernambuco.
Fonte: Acervo MPF-CCSP.

Mesmo após a emancipação das populações escravas, do advento da República e da oficialização da liberdade de culto, as religiões afro-brasileiras não angariaram respeito no espaço público. Ao contrário, ingressaram no século XX como “evidências” da inferioridade racial dos negros, conforme estabelecera seu primeiro etnógrafo oficial, o médico Nina Rodrigues, que classificou essas religiões de “animistas-fetichistas”, seguindo a conceituação evolucionista.8

Não é de se estranhar, portanto, que a adesão a essas religiões tenha sido feita sempre de modo reservado. E, no âmbito dos movimentos políticos negros, tenham sido colocadas de lado ou rejeitadas como elemento formador de autoestima. A Frente Negra Brasileira (1931-1937), o primeiro movimento desse tipo organizado em âmbito nacional, achava que a integração das populações negras à sociedade nacional poderia ser facilitada se elas se afastassem de tudo aquilo que era tido como manifestações de atraso cultural: danças “exóticas”, samba, batucadas, capoeira etc.9 Elementos do passado africano não eram vistos nesse contexto como estratégicos na afirmação das identidades contrastivas e da luta política por reconhecimento social e cultural.

Opinião semelhante também era defendida por militantes dos partidos de esquerda. Jorge Amado, membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) entre 1933 e 1954, apontava, em diversos de seus romances, a necessidade de o povo ultrapassar os supostos limites impostos pelas crenças populares em favor da luta política transformadora efetiva das condições de vida. Antonio Balduino, personagem de Jubiabá,10 é um bom exemplo. Menino pobre nascido nos morros de Salvador foi socializado na comunidade liderada pelo pai de santo Jubiabá. Cresceu passando por várias experiências de rejeição e discriminação racial até que, adulto, se tornou líder de movimento sindical e defendeu a greve como a única forma de ação contra a exploração das classes dominantes. Um dia, chegou a interromper uma festa de Oxóssi no terreiro de pai Jubiabá para convocar os presentes à greve:

— Meu povo, vocês [...] precisam ir para a greve. Negro faz greve, não é mais escravo. Que adianta negro rezar, negro vir cantar para Oxóssi. Os ricos manda fechar a festa de Oxóssi [...]. O que é que negro pode fazer? Negro não pode fazer nada, nem dançar para santo. Pois vocês não sabem de nada. Negro faz greve, pára tudo, pára guindastes, pára bonde, cadê luz? Só tem as estrelas. Negro é a luz, é os bondes. Negro e branco pobre, tudo é escravo, mas tem tudo na mão. É só não querer, não é mais escravo. Meu povo, vamos pra greve que a greve é como um colar. Tudo junto é mesmo bonito. Cai uma conta, as outras caem também. Gente, vamos pra lá.11

Ressalto que essa posição política do autor, transposta para muitos de seus personagens, não representava exatamente uma desqualificação do terreiro como espaço legítimo de produção de valores sociais. O próprio Jorge Amado foi um grande propagador da cultura popular e defensor da liberdade de culto. Como deputado do PCB, apresentou uma emenda à Constituição promulgada em 1946 que garantia a liberdade de culto no Brasil.

O filme Barravento (1962), de Glauber Rocha, é outro exemplo dessa visão da relação entre religiões afro-brasileiras, identidade e política. Filmado sob a égide do Cinema Novo — que utilizava, com grande simpatia, elementos da cultura popular, mas também criticava a submissão das populações pobres e negras ao que considerava a ideologia das classes dominantes —, vê-se, logo no início da projeção, um letreiro com os seguintes dizeres:

No litoral da Bahia vivem negros puxadores de ‘xereu’, cujos antepassados vieram escravos da África. Permanecem até hoje os cultos aos deuses africanos e todo esse povo é dominado por um misticismo trágico e fatalista. Aceitam a miséria, o analfabetismo e a exploração com a passividade característica daqueles que esperam o reino divino. Iemanjá é a rainha das águas, a velha mãe de Irecê, senhora do mar que ama e castiga os pescadores. Barravento é o momento em que as coisas da terra e do mar se transformam, quando no amor e na vida social ocorrem súbitas mudanças.12

Glauber Rocha explica os motivos dessa posição ao narrar suas concepções sobre o filme:

Um dia [Luís Paulino] foi me contar [o roteiro] em meu quarto e eu dormi. Candomblé. Misticismo. Alienação. [...] A mediocridade do protestantismo, a hipocrisia do catolicismo, a inconsciência servil do candomblé. Em Faulkner encontrava negros rebelados. Notícias das explosões negras norte-americanas. E a Revolução Cubana sacudia todas as pretensões líricas pequeno-burguesas [...] Larguei o roteiro e me aventurava em materializações arbitrárias. Reorganizava a mitologia negra segundo uma dialética religião/economia. Religião opium do povo. Abaixo o Pai. Abaixo o folclore. Abaixo a macumba. Viva o homem que pesca com rede, tarrafa, com as mãos. Abaixo a reza. Abaixo o misticismo. Ataquei Deus e o Diabo. Macumbeiro de Buraquinho, sem nunca ter entrado em uma camarilha fui refilmando segundo as verdadeiras leis da antropologia materialista. Cinema Novo.13

Naquele período, religião e pensamento político de esquerda se distanciavam, principalmente quando se tratava de religiões associadas ao “misticismo” e ao transe (que tomava de assalto a consciência). Afinal, esse pensamento de esquerda denunciava as estratégias burguesas de exploração baseadas na “alienação” das classes operárias e no “fetichismo da mercadoria”. E nada mais reacionária, nesse contexto, que uma ideologia religiosa de característica “fetichista”, como a dos cultos afro-brasileiros.14

As religiões afro-brasileiras continuaram sendo vistas sem muita relevância como elementos de mobilização política ou identitária até pelo menos os anos de 1970. A partir desse período, pelo menos três fatores determinaram uma guinada de rumo.

O primeiro deles foi o crescimento do movimento de lideranças religiosas por visibilidade, direitos e respeito. Desfrutando de maior prestígio social por conta de sua presença nos meios culturais, acadêmicos e da mídia, essas religiões (sobretudo o candomblé e a umbanda) passaram a ser vistas como possibilidades de conversão de massa legítima não somente para negros, mas também para mestiços, brancos, artistas, intelectuais e membros em geral da classe média urbana, como as populações cosmopolitas das metrópoles do Sudeste. Curiosamente, essa tendência enaltecia a vocação de conversão universal das religiões afro-brasileiras em detrimento do caráter étnico que essas tradições tinham em sua origem africana.15

O segundo fator diz respeito à diversificação das tendências ideológicas e partidárias possibilitada pela redemocratização, diversificação que possibilitou que as religiões afro-brasileiras fossem, aos poucos, mobilizadas no âmbito dos movimentos sociais negros e das políticas públicas de Estado. Nesse cenário, os terreiros passaram a ser vistos como espaços nos quais elementos culturais importantes da herança africana teriam se preservado, como línguas, rituais, valores filosóficos, culinária, vestimentas etc.

O advento do Movimento Negro Unificado (MNU), no final dos anos de 1970, e do processo de redemocratização do país, na década seguinte, foram cruciais nesse sentido.16 As pautas e ações desse movimento questionando a tão propalada “democracia racial brasileira” deram continuidade às discussões como o “quilombismo”, apresentado por Abdias do Nascimento, no qual as comunidades afro-brasileiras resistentes do presente deveriam ser vistas em conformidade com as lutas de seus antepassados. Os quilombos, como espaços de ação sociopolítica, e um dos seus mais famosos líderes, Zumbi dos Palmares, ressurgiram como símbolos de luta pelos direitos das populações afro-brasileiras e pela transformação efetiva da sociedade nacional. Nessa década, tem início uma série de ações do movimento negro e dos órgãos públicos de patrimônio como o tombamento da Serra da Barriga (onde se localizou o Quilombo de Palmares, em Alagoas), tornada monumento nacional. Não foi sem razão que, em 1988, a Marcha do Centenário da Abolição, realizada pelos movimentos sociais negros no Rio de Janeiro reivindicando maior participação do Estado brasileiro no combate ao racismo, também foi denominada de “Marcha de Zumbi contra a discriminação”. E a própria mudança da data da celebração da emancipação negra de 13 de maio (data da assinatura da Lei Áurea) para o dia 20 de novembro (dia tido como o da morte de Zumbi) também foi outro ato simbólico e político importante. O Quilombo de Palmares e o movimento de Canudos, tomados como exemplos da inferioridade racial e cultural das populações negras e mestiças pelos teóricos do século XIX, tornaram-se, na guinada interpretativa dos movimentos intelectuais e políticos do século XX, exemplos de resistência e autoestima dessas populações.

Nesse sentido, merece destaque o papel de Abdias do Nascimento como precursor no ativismo a favor do legado religioso afro-brasileiro e da valorização da África (pan-africanismo) como formas de luta política. O Teatro Experimental do Negro, fundado por ele em 1944, com o objetivo de valorizar atuação e dramaturgia negras e de denunciar o racismo, introduziu a temática religiosa como importante elemento da visão de mundo africana e afro-brasileira. Peças como Aruanda (1948), Filhos de santo (1949) e Sortilégio (1957) foram pioneiras ao entrelaçar crítica social e elementos das religiões afro-brasileiras — para além da visão marxista que as desconsiderava como formas de luta — por meio de dramas rituais protagonizados no palco por atores negros.17

Com a redemocratização do país, iniciou-se uma nova etapa na relação da sociedade civil com o Estado, tendo como marco legal a Constituição de 1988. As demandas do movimento negro passaram a integrar a agenda política. Foi nesse ano que se deu a criação da Fundação Palmares (vinculada ao Ministério da Cultura) com o objetivo de “promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”. Nesse contexto, também se estabeleceu o conceito de quilombos como o de áreas habitadas por remanescentes de afrodescendentes com direito à posse da terra. Nos anos de 1990, esse conceito estendeu-se para a área urbana, abrangendo, inclusive, terreiros de candomblé. Vale salientar que foi somente nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) que, finalmente, houve o reconhecimento oficial da existência do preconceito e da discriminação racial no Brasil.18 E nos governos seguintes, de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), houve um conjunto de ações direcionado para a população negra, entre as quais a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), a adoção de ações afirmativas e o estabelecimento da Lei nº 10.639, que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas.19

O terceiro fator refere-se aos movimentos culturais-artísticos que eclodem sobretudo na Bahia, capitaneados pelos blocos afros que propõem, inicialmente, um carnaval de rua alternativo ao desfile das escolas de samba cariocas e mesmo ao próprio carnaval soteropolitano marcado pela segregação étnico-espacial. Tendo como referência ritmos, cores, estéticas e danças de inspiração africana e afro-brasileira, esses blocos enfatizam suas ligações com a religiosidade afro-baiana, fornecendo uma versão atualizada (e globalizada) dos blocos carnavalescos do passado (como afoxés e maracatus) que, igualmente, nasceram atrelados aos terreiros. O Ilê Aiyê, criado em 1974, é um exemplo paradigmático desse movimento. Fundado pela família da mãe de santo Hilda Jitolu, o bloco atua enfatizando tanto seu vínculo religioso — antes de iniciar seu desfile executa ritos do candomblé pedindo bênção e proteção aos orixás —, como seu compromisso com o ativismo negro. Outros blocos que se seguiram também enfatizaram com maior ou menor intensidade essas relações, como Olodum (1979), Araketu (1980), Muzenza (1980) etc.20

Percebe-se o “efeito looping” nesse processo quando se vê que o crescente prestígio e legitimidade angariado pela cultura afro-brasileira afeta as políticas públicas governamentais por meio de seus órgãos de patrimônio, que passam a estabelecer estratégias de reconhecimento oficial e salvaguarda. Inicialmente, o tombamento de terreiros como bens materiais de preservação e, mais recentemente, a inscrição de festas, itens da culinária, estilos musicais, danças etc. como bens imateriais da cultura negra no Brasil é o corolário desse processo ainda em curso.21

Por outro lado, ou no sentido inverso, essas políticas públicas e movimentos sociais e artísticos impactam o campo religioso afro-brasileiro, sobretudo na disputa por prestígio e visibilidade entre as diferentes tradições ou modelos de rito também conhecidos por “nações de candomblé”. O primeiro efeito mais visível foi reforçar a valorização das nações de origem jeje-nagô (candomblé queto, jeje, tambor de mina maranhense, xangô pernambucano, batuque gaúcho etc.) no “segmento” do candomblé, em detrimento de outras modalidades de rito como angola, candomblé de caboclo, jurema etc., tidas como mais permeáveis às influências não negras. O segundo foi valorizar o candomblé em relação à umbanda. Numa relação de vinte e dois terreiros tombados entre 1985 e 2013 por órgãos governamentais federais, estaduais e municipais, vê-se que dezessete pertencem à tradição jeje-nagô, apenas quatro à nação angola e um à tradição da jurema. Até onde sei, nenhum terreiro de umbanda foi tombado até hoje (2016).22 Esses fatos certamente são decorrentes da ideia de que a umbanda, tida como mais “sincrética” ou “branca”, não teria o poder simbólico de preservar “padrões de africanidade”.23 Aliás, é significativa, nos últimos anos, a crescente utilização nos discursos de religiosos, militantes e acadêmicos de termos como “casas ou religiões de matriz africana” ou, ainda, “comunidades tradicionais de terreiros”, para designar os terreiros praticantes das nações jeje-nagô. Nessa dança das classificações, a expressão “religiões de matriz africana” indicaria as denominações praticantes dessas nações, como o candomblé, em contraste com a expressão “religiões afro-brasileiras”, que englobaria a umbanda e outras tidas como “mais sincréticas”.

Não julgo necessário retomar o processo histórico iniciado no século XIX de valorização das tradições jeje-nagôs ou iorubás derivada da ação conjugada de lideranças religiosas, políticas, acadêmicas e artísticas, entre outras. Gostaria apenas de mencionar que o processo de reafricanização e dessincretização pelo qual vêm passando, ao menos no discurso público, alguns terreiros de candomblé nas últimas décadas é consequência desse movimento do passado, mas que, no presente, adquire novo impulso em consequência da crescente presença e ação do Estado na mensuração e valorização da religiosidade afro-brasileira em termos de uma “tradição e cultura dos orixás”.

Entre os lastros mais recentes que conduziram essa tradição ao sucesso que desfruta hoje em nível nacional e internacional, certamente está o movimento de “orixalização” ou “iorubanização” das práticas religiosas da diáspora africana, para o qual contribuíram importantes ações como as várias edições da Conferência Mundial Tradição dos Orixás e Cultura, realizadas, a partir dos anos de 1980, por iniciativa de lideranças iorubás da Nigéria, como Wande Abimbola, em associação com lideranças religiosas da diáspora iorubá nas Américas. A partir dessas conferências, verificou-se um crescente movimento de enaltecimento da reafricanização do candomblé no Brasil. Nos anos de 1980, conheci alguns sacerdotes em São Paulo ativamente participantes desse movimento que preferiam usar o termo “tradição dos orixás” para designar o modelo de rito que praticavam em seus terreiros (chamados de “egbes”),24 em vez de “candomblé”,25 por considerar que esse termo remetia a um modelo “deturpado” de culto por reunir tradições que não eram estritamente de devoção aos deuses iorubás.26 Nesse movimento, há uma ideia, em geral reificada, da existência de uma “matriz africana” de culto, em razão da qual se deve tentar aproximar como forma de resgate da “autenticidade” e da “pureza” ritual, ou mesmo de que é necessário promover uma “descatolização” e “dessincretização” dos terreiros, para apagar as marcas da subjugação das práticas africanas herdadas.

São principalmente lideranças desse movimento ou muito próximas a ele que atuam junto aos órgãos de governo para o estabelecimento de diretrizes nas políticas públicas para o povo de santo.

Assim, distinções geradas a partir de lógicas internas do campo religioso se reproduzem, atualmente, na esfera das políticas públicas do Estado por motivos tanto estratégicos como conceituais, sendo, muitas vezes, impossível separar uns dos outros.

Do ponto de vista estratégico, as tradições que, supostamente, não teriam sucumbido ao catolicismo ou ao “sincretismo” seriam mais eficazes para ações do Estado amparadas pela identificação e patrimonialização de elementos provenientes dos “valores civilizatórios africanos”.27 Além disso, a visibilidade nacional conquistada por lideranças e comunidades dos terreiros dessas tradições (como o Terreiro do Gantois, o Ilê Axé Opô Afonjá etc.) contribuiria para articular o apoio necessário à implementação dessas políticas.

Do ponto de vista conceitual, trata-se de uma redefinição baseada na ideia de que, se os terreiros são “comunidades tradicionais” (definição anteriormente aplicada às comunidades indígenas), poderiam, nessa condição, angariar o apoio do Estado que, sendo oficialmente laico, não poderia, a princípio, apoiar grupos definidos exclusivamente por suas práticas religiosas. Não sendo definidos apenas por essas práticas religiosas, esses grupos se tornam, portanto, passíveis de ser beneficiados por essas políticas, sem atrair a oposição de grupos religiosos que se sentiriam prejudicados, como os neopentecostais.

Um exemplo recente encontra-se no texto do Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, 2013-2015, distribuído pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e Secretaria de Políticas para Comunidades Tradicionais, do Governo Federal, no qual se lê na capa: “Em defesa da ancestralidade africana” e “Por um Brasil sem racismo”. Há um cuidado no texto para não designar essas comunidades pelo termo “terreiro”, como demonstra uma legenda de uma foto de adeptas do terreiro do Bate Folha mencionado como “Território Tradicional do Bate Folha Manso Banduquenqué”.28 Voltarei a esse ponto adiante.

Enfim, no âmbito desse movimento aqui chamado de “culturalização”, vimos que o termo “religião” tende a ser substituído por “cultura” (entre aspas) assim como “terreiro” por “território”, “afro-brasileiro” por “matriz africana” etc. Mas essa passagem de “religião” para “cultura” adquire sentido diverso quando observada no âmbito do catolicismo dos Agentes de Pastoral Negros ou da Pastoral Afro-Brasileira, sob a égide de um conceito nativo batizado de “inculturação”.

O povo de santo e os santos do povo: o clamor ouvido pela Igreja Católica

O Concílio Vaticano II (1962) foi um marco em termos da abertura teológica da Igreja Católica para o mundo. Uma dessas transformações, no plano da liturgia, foi a permissão de que o rito da missa pudesse ser oficializado nas línguas vernáculas, além da incorporação de símbolos da tradição local dos diferentes povos. Gestou-se, para uma igreja de missão de conversão universal, a ideia inovadora de que as diferenças culturais (inclusive as religiosas) não apartariam os homens, pois as crenças específicas foram vistas como manifestações da presença de Deus, ponto flexivo de uma ação pastoral.29

A aplicação das diretrizes do Concílio Vaticano II na América Latina propiciou o fortalecimento da Teologia da Libertação e a formação de grupos de religiosos simpáticos ao discurso marxista e engajados na luta contra as injustiças sociais. Entre os mais atuantes desses grupos estavam as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), formadas nos anos de 1970 e 1980, geralmente em bairros periféricos, que conjugavam a ação religiosa e a mobilização política, visando a transformar as condições socioeconômicas das populações carentes.

Nesse ambiente, surgiram, em 1983, os Agentes de Pastoral Negros (APNs), um coletivo formado por padres, religiosos, clérigos e leigos que visava a denunciar as condições de exclusão social dos negros, inclusive na hierarquia da própria Igreja Católica.30 O grupo não era exclusivamente formado por católicos, contava com a presença de negros de outras religiões, inclusive das afro-brasileiras. Um marco da ação desse grupo foi a Campanha da Fraternidade de 1988 com o lema “Ouvi o clamor deste povo”, voltado para questionar a posição do negro (e de pobres) na sociedade nacional. Dos APNs surgiu a Pastoral Afro-Brasileira (PAB) criada no final dos anos de 1990.

No interior da Igreja Católica, esses grupos buscaram valorizar as manifestações centenárias do “catolicismo negro”, em geral marginalizadas, como festas das irmandades negras (de Nossa Senhora do Rosário, entre outras), congadas, moçambiques, ternos etc. Essas manifestações não só foram reavaliadas positivamente, como se tornaram exemplos de uma “teologia própria do negro”.

Em 1980, ocorreu o primeiro Seminário de Teologia Negra que aproximou, substancialmente, a Igreja dos movimentos negros, e o conhecido “sincretismo afrocatólico” (associação dos orixás aos santos católicos) não foi alvo de ataques, ao contrário, foi visto como afirmação da vitalidade de uma “fé genuína do povo negro”. Reconheceram nele valores cristãos, comunitários e ancestrais. Assim, elementos das religiões afro-brasileiras (como atabaques, música, dança, oferenda de alimentos, roupas com estampas coloridas etc.), geralmente designados de forma genérica como “elementos africanos”, foram trazidos para a liturgia da missa inculturada. Na celebração desta há, em geral, entonação de hinos com referências aos deuses africanos como Olurum, danças dos fiéis ao som dos atabaques e, em muitos casos, a presença no presbitério de sacerdotes das religiões afro-brasileiras trajados com suas vestes rituais. A alegria e a efusão são as principais marcas distintivas dessa missa. No ofertório, além do pão e vinho, que representam o corpo e sangue de Cristo, os alimentos tradicionalmente oferecidos aos orixás são colocados ao pé do altar.31 Aquilo que era “oferenda” no candomblé vira “oferta” na liturgia inculturada da missa afro, como se vê nas Figuras 4 e 5.


Figura 4
Oferenda das comidas dos orixás em um terreiro de candomblé em São Paulo.
Foto: Rosenilton Oliveira.


Figura 5
Ofertas de alimentos durante missa afro na Igreja da Achiropita, São Paulo.
Foto: Rosenilton Oliveira.

Em algumas dessas celebrações, o culto se dirige igualmente ao santo católico e ao orixá afro-brasileiro, como na Festa de Santa Barbara-Iansã organizada pela Igreja do Rosário dos Pretos no Largo do Pelourinho, em Salvador, Bahia. Nessa festa, registrada, em 2008, pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC) como patrimônio imaterial da Bahia no Livro das Celebrações, após a missa campal, é realizada uma procissão que reúne católicos, povo de santo e a população em geral. Durante as cerimônias, padres e a população saúdam a santa e invocam o orixá com o brado: “Eparrei Oya!”. Não é incomum que iniciados entrem em transe desse orixá em meio à multidão que se aglomera pelas ruas.

O léxico compartilhado entre o movimento negro e o catolicismo inculturado formam um campo semântico no qual é possível identificar os marcos mais usuais formadores de um quadro de referência.

O marco territorial é um deles. A falta de acesso ao espaço (terra, moradia etc.) é denunciada como uma das grandes mazelas impostas às populações camponesas, negras e indígenas. A Missa da Terra-Sem-Males (1978)32 e a Missa dos Quilombos (1981),33 ao homenagear, respectivamente, os povos indígenas e negros, celebraram-nos como comunidades expropriadas do direito à terra e clamavam a necessidade de transformação e reparação dessa situação. Esse mea culpa da Igreja Católica,34 ou ao menos de uma parcela dela, indicava, na liturgia acolhedora desses povos, uma mensagem a favor dessa transformação que a ação evangélica e social pretendia.

Não foi sem motivo, portanto, que os APNs escolheram o termo “quilombo” para nomear seus diretórios estaduais, os quais, por sua vez, eram formados por núcleos menores designados de “mocambos”. A sede dessa organização nacional localizada em São Paulo foi designada “Quilombo Central”.35 A vigília ecumênica organizada, em 1995, pelos APNs no alto da Serra da Barriga em homenagem a Zumbi dos Palmares indicava a continuidade e a comunhão entre a luta do passado e a do presente.

A ação dos APNs e da PAB se estendeu, também, para outros espaços tradicionais de cultura negra, religiosos ou não, como terreiros, escolas de samba, clubes de danças etc. Celebrações que não eram incomuns, como a realização de missas católicas comemorativas de aniversários dessas instituições ou dos seus membros, passaram a ter outra conotação quando realizadas por padres negros ou engajados nessa liturgia inculturada. Numa celebração do aniversário da Escola de Samba Unidos do Peruche, realizada em 2000, em São Paulo, pude assistir, após a missa católica, uma limpeza espiritual do espaço da quadra feita pelas mulheres da Ala das Baianas, muitas delas iniciadas nas religiões afro-brasileiras, que aspergiram água, com a ajuda do padre, utilizando folhas consagradas aos orixás.

Outro termo de mediação importante é a figura de Nossa Senhora Aparecida, tida como a padroeira negra do Brasil. A estátua da santa, originariamente a de uma Nossa Senhora da Conceição, teria sido achada em 1717, no rio Paraíba, em São Paulo, com a cabeça separada do corpo. As partes foram coladas e um rosário foi colocado em torno do pescoço para disfarçar a emenda, aproximando-a, assim, da imagem de Nossa Senhora do Rosário, devoção das populações negras. Temos aqui duas representações: Conceição, padroeira do império português, e Rosário, padroeira da população negra e oprimida. Como se a cabeça da santa fosse o Estado, e seu corpo, o povo. Desde então, e pelo fato de a cor da estátua ter “empretecido”, resultado para muitos da ação da água do rio, a imagem tem sido vista por uma parte da população como a padroeira negra do Brasil.36 Nas missas inculturadas, ela é exaltada como a “Senhora ou Mãe Quilombola”.

Outra importante devoção popular referenciada nessas missas é a da escrava Anastácia. Conta-se que ela teria sido torturada e morta por resistir ao assédio sexual de seu senhor, recusando-se, portanto, à condição de mãe de uma “mestiçagem forçada”. Sua estátua é a de um busto de mulher negra, curiosamente de olhos azuis, com instrumentos de tortura na boca e no pescoço.37 Indica, simbolicamente, que na cabeça concentra a força que a permitiu não entregar seu corpo ao abuso sexual do seu senhor. Curiosamente, este culto parece criar uma similaridade com a cabeça decepada de outro herói, Zumbi, e indicar o caminho inverso em relação à cabeça colada de Nossa Senhora Aparecida. No caso de Anastácia, a ausência imagética de seu corpo permitiria ao próprio povo corporificá-la simbolicamente. Afinal, ainda hoje os corpos negros continuam ameaçados por sua invisibilidade social. Nas missas afros, Anastácia tem sido invocada como santa, uma nova versão de mãe negra. Seu martírio associa-se ao de Jesus, pois ambos portam os instrumentos de tortura: a coroa de espinhos na cabeça ou a mordaça e o colar do cativeiro.38

Assim, no altar do movimento negro católico estão presentes, além dos santos já consagrados como São Benedito e Santa Efigênia, heróis e heroínas guerreiros/as, como Zumbi e Anastácia. E a imagem mediadora e bondosa da Virgem Maria cede lugar à grande Mãe Negra e Quilombola de Aparecida. Ao ir ao encontro desses heróis e santos, levando a Igreja (ou uma parcela dela) ao espaço público das lutas por justiça e cidadania, esse movimento negro católico acaba, também, por encontrar os povos de terreiro empunhando as mesmas bandeiras, “batendo cabeça”39 para as mesmas causas.

Qual é a cor da “religião mais negra do Brasil”? O Movimento Negro Evangélico

O tema da identidade cultural negra sempre foi espinhoso para as igrejas evangélicas e agravou-se, nas últimas décadas, com o ataque dos neopentecostais e das igrejas de outros segmentos contra as religiões afro-brasileiras e seus símbolos.

Se, nos Estados Unidos, as igrejas protestantes negras foram um importante espaço para a tomada de consciência étnica e a luta pelos direitos civis, no Brasil, nem de longe se constituíram com esse perfil.40 Primeiro, pela própria especificidade do racismo brasileiro. Segundo, pelas dificuldades para se identificar o que pode ser definido como “heranças negras ou africanas” na chamada “cultura mestiça” brasileira. E, terceiro, pelo tipo de missão evangelizadora dessas igrejas que enfatiza a universalidade do acesso aos dons do Espírito Santo e da prática de sua fé. Não podendo haver, nesse coletivo de irmãos convertidos, ódio, diferença e discriminação por qualquer motivo, inclusive a cor da pele, a missão de conversão tornar-se-ia o principal objetivo da ação proselitista cuja consequência natural seria a constituição de uma ordem social mais justa. Essas igrejas, portanto, mesmo tendo vivido sob um regime de exceção, como o período da ditatura militar, se mantiveram, com raras exceções, impermeáveis à influência de ideologias políticas de esquerda, ao contrário da Igreja Católica, com a Teologia da Libertação e as CEBs. Na verdade, as igrejas evangélicas temiam e combatiam o comunismo por sua pregação materialista e antirreligiosa. E, mesmo em período recente, após a redemocratização, a eleição de políticos evangélicos conservadores demonstra que essa tendência se manteve no perfil das igrejas que os apoiam.

Mas a ausência de um movimento negro no campo evangélico não significa que os problemas relativos à identidade negra não sejam postos nesse campo e que ações e iniciativas não sejam tomadas por parte de lideranças e religiosos negros visando à sua organização.41

Indícios de iniciativas recentes podem ser identificados, como apontou Burdick,42 em atuações pessoais, como a de Benedita da Silva, líder negra e evangélica, que foi eleita e participou da Subcomissão dos Negros, das Populações Indígenas e Minorias da Assembleia Nacional Constituinte (1988), e coletivas, como as denúncias de racismo, ainda que eventuais, feitas nos meios de divulgação e proselitismo das igrejas evangélicas. Ou, ainda, de forma mais sistemática, na criação de grupos de reflexão e militância negra surgidos no final dos anos de 1980, por ocasião do centenário da abolição. Foi nesse período que o movimento negro procurou congregar os diversos grupos voltados para a população negra, inclusive os de confissão religiosa. Surgiram, desde então, a Comissão Ecumênica Nacional de Combate ao Racismo (CENACORA), em 1985, integrada ao Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), e inúmeras outras organizações: Comunidade Martin Luther King Jr. (da Igreja Pentecostal Cristo em Deus), em 1985; Missão Quilombo (da Igreja Pentecostal Brasil para Cristo), em 1991; Pentecostais Negros do Rio de Janeiro etc.43 Atualmente, por meio de grupos dessa natureza, fóruns de discussão, sites de divulgação, redes sociais, como a Rede Afrokut, lançada em 2008, entre outras iniciativas, têm se configurado o Movimento Negro Evangélico. Entretanto, a desarticulação entre as tendências e a falta de consenso entre as diversas denominações têm sido alguns dos seus maiores desafios.

No livro O movimento negro evangélico, Hernani Francisco da Silva define a missão do movimento como sendo a de “promover a reflexão e o debate bíblico/teológico em uma perspectiva negra e combater toda forma de racismo”.44 Reconhece que as diversas denominações cristãs foram, ao longo da história e em diversos contextos, coniventes com a escravidão e o racismo, mas registra a existência de lideranças evangélicas que se opuseram ao racismo e, em referência a elas, o movimento evangélico poderia traçar sua origem ou buscar inspiração para atuar. Lembra, inclusive, que o iniciador do movimento pentecostal nos Estados Unidos, na primeira década do século XX, foi um pastor afro-americano, William Joseph Seymor, que acolheu em sua igreja brancos e negros indistintamente. Entretanto, os ensinamentos de Seymor teriam se perdido com a transformação causada pela presença de lideranças brancas. Para Silva, essas lideranças teriam sido responsáveis pela implementação, no Brasil, de um “pentecostalismo branco racista norte-americano de viés reformado”, no âmbito do qual os valores ocidentais brancos são vistos como superiores e os de outros povos não brancos são desqualificados teologicamente e demonizados: “Os valores e a cultura ocidental são divinos modelos para todos os povos e as outras culturas não são de Deus, são do diabo, como a cultura afro”.45

E mais, as igrejas neopentecostais reforçariam o viés racista ao introduzir pontos teológicos, como a teoria da prosperidade, maldições heréticas e batalha espiritual.

Na Doutrina da Prosperidade se mede o crente abençoado por seus bens, onde de uma maneira simplista se faz um diagnóstico da situação do povo negro: “é pobre porque é pecador e é oriundo de um continente idólatra e praticante da bruxaria”. Segundo as maldições heréticas, o povo negro é considerado uma raça maldita e para que o negro se livre desta maldição (aceitar Jesus não é suficiente) é necessário que ele faça uma espécie de cura interior se desvinculando de todos os seus antepassados, ou seja, não sendo mais negro. [...] A Batalha Espiritual reforça a demonização do povo negro: se olharmos cuidadosamente nos livros que tratam do assunto [...] veremos que no exército de Deus são todos brancos e louros e no exército do diabo são todos pretos e negros. (grifos meus).46

Um ponto de dissenso é exatamente o lugar atribuído às heranças africanas, principalmente às religiões afro-brasileiras, na agenda de luta do movimento negro evangélico. Ainda segundo o pastor Hernani, para muitos, a questão da demonização impede o diálogo entre igrejas e terreiros, diálogo que poderia ser uma ferramenta útil para a superação do racismo e da intolerância religiosa.47

O nome sugestivo e o conteúdo do livro de outra liderança desse movimento, pastor Marco Davi Oliveira, A religião mais negra do Brasil. Por que mais de oito milhões de negros são pentecostais?, permitem uma reflexão sobre esses desafios.

O livro tem por objetivo entender os significados das mudanças ocorridas no campo religioso do Brasil nas últimas décadas, no qual se verificou, segundo os censos demográficos, uma diminuição no número de fiéis católicos e um aumento no de evangélicos, sobretudo os pentecostais. Oliveira argumenta que o grande contingente de negros nas igrejas pentecostais demonstraria que elas se tornaram uma opção aos pobres e excluídos e, portanto, “a religião mais negra do Brasil”. Com base no Censo demográfico do IBGE de 2000, o autor constata que o catolicismo é a maior religião brasileira em número de adeptos declarados e que nele a proporção de pretos e pardos difere pouco da verificada na população brasileira. Entre os evangélicos declarados a proporção de pretos e pardos está um pouco acima da de negros e pardos na população em geral. E entre os que se autodeclararam das religiões afro-brasileiras, a proporção de pretos e pardos está acima da média encontrada na população em geral. Ou seja, no Censo de 2000, o catolicismo é a religião “mais negra do Brasil” em números absolutos, e as religiões afro-brasileiras, especialmente o candomblé, em termos proporcionais.48 Entretanto, argumenta Oliveira que a maioria dos negros que professa o catolicismo não seria praticante de fato, ao contrário dos negros pentecostais que se engajam, efetivamente, em suas igrejas e mantêm um comportamento distintivo. Além disso, em termos da liturgia, canto, linguagem e postura eclesiástica, o pentecostalismo expressaria sua maior aproximação com o povo negro.49 Esse argumento baseia-se na ideia de que o pentecostalismo, desde a sua origem nos Estados Unidos, valeu-se de uma “espiritualidade” dos antigos escravos, a qual, inclusive, os teria levado a produzir um estilo diferenciado de culto baseado em cantos religiosos efusivos e experiências de avivamento com alegria e dança. A presença do Espírito Santo teria permitido aos negros um renascimento espiritual baseado na experiência do corpo. Da mesma forma, o culto pentecostal negro no Brasil expressaria uma “brasilidade mais evidente”, pois se coadunaria “com o jeito mais solto e irreverente da cultura afrodescendente”.50 Assim, se, por um lado, a utilização do corpo, a musicalidade, expressa em ritmos como “o samba, o blues, o soul, o rap, o negro spiritual, o jazz e muitos outros”51 e a importância da ancestralidade são “reminiscências” de religiosidades africanas a serem valorizadas pelas igrejas evangélicas; por outro lado, elas também esbarram nas imagens negativas e combatidas da África — como local de práticas pagãs e de idolatria — e das religiões afro-brasileiras — supostamente dedicadas ao culto dos “demônios” de origem africana como os orixás e outros guias.

Oliveira procura questionar, então, o “mito do candomblé” — a religião afro-brasileira mais conhecida por sintetizar essas “reminiscências” e bastante incensada atualmente pelo movimento negro — como a opção religiosa mais adequada aos negros brasileiros. Primeiro, afirma que a diversidade religiosa dos africanos vindos para o Brasil vai muito além do candomblé, incluindo o islamismo. Segundo, alega que as religiões afro-brasileiras estariam cada vez mais distantes do povo pobre e negro em vista do custo elevado de suas oferendas e da falta de vida comunitária, comprometida pelas disputas e competição entre seus membros. Por fim, alega que o individualismo nas questões éticas e o exclusivismo levariam o candomblé à falta de estratégias de proselitismo comprometendo o seu crescimento, como demonstraria o baixo número de adeptos autodeclarados dessa religião nos últimos censos (0,3%).52

Oliveira, tal como afirma Silva, não pretende, contudo, argumentar a favor da intolerância religiosa neopentecostal que “demoniza tudo que vem da África”, promovendo uma atitude de racismo no interior do segmento evangélico. Vai mais longe ainda ao duvidar que esse segmento cristão seja realmente tão inclusivo em relação à sua membresia negra e considera que a participação desta nos quadros organizacionais e hierárquicos das instituições religiosas evangélicas não é proporcional ao seu tamanho populacional. O número baixo de casamentos entre negros evangélicos também demonstraria que essa população tem buscado casamento fora de seu grupo em razão da falta de consciência racial, aspecto negligenciado pelas igrejas. A ideologia do branqueamento ecoaria também por entre os bancos das igrejas evangélicas. Nesse aspecto, John Burdick é mais otimista, afirmando que, no pentecostalismo, se a consciência negra não se expressa em forma de discurso, ela se apresenta na experiência religiosa cotidiana.53 Nesse ambiente, os religiosos negros tendem a superar a “vergonha de sua cor”, melhorar a autoestima e ter maior consciência do preconceito existente fora da igreja por partilhar uma comunidade religiosa na qual não seriam vistos como inferiores, mas iguais. A maior ocorrência de casamento de mulheres negras com homens brancos mostraria que, nesse contexto, essas mulheres seriam menos vítimas do estereótipo existente fora da igreja que tende a “sexualizá-las” e diminuir suas chances de encontrar parceiros interessados em relacionamentos sérios.54

De qualquer forma, os paradoxos do movimento negro evangélico referem-se aos termos de mediação da cultura nacional. Como definir uma “brasilidade negra” sem passar pela África, e como passar pela África sem falar dos valores presentes nas religiões afro-brasileiras? Penso que esse movimento propõe algumas alternativas para enfrentar esse paradoxo.

Uma delas é a chamada Teologia Negra, uma variante da Teologia da Libertação, surgida nos anos de 1960 no âmbito das igrejas negras e protestantes dos Estados Unidos, que busca na Bíblia elementos que legitimem a luta do povo de Deus em nome da libertação de toda forma de jugo. O Êxodo do Egito, narrativa bíblica sobre a libertação do povo judeu, é uma das passagens mais citadas dessa experiência de libertação ocorrida em terras africanas. Essa alternativa não parece ser, entretanto, como a própria Teologia da Libertação, muito expressiva, atualmente, enquanto eixo de ação efetiva, embora mantenha-se como inspiração.

Outra alternativa tem sido a “reapropriação” de símbolos associados à herança africana no contexto (neo)pentecostal, dissociando-os, porém, de sua relação com as religiões afro-brasileiras. Um exemplo é a “capoeira de Cristo”, também chamada “capoeira evangélica” ou “capoeira gospel”, que tem sido usada como uma forma de evangelização e em cujas letras de músicas não há referências aos orixás ou santos católicos.55 O 1o. Encontro Nacional de Capoeiristas Evangélicos, ocorrido em 2005, em Goiânia, teve como tema: “Deus - o verdadeiro ancestral da capoeira”.56 Nesse contexto, há uma refutação da contribuição da espiritualidade africana (do candomblé) na formação da capoeira, como se vê na menção a “Deus” como o “verdadeiro ancestral”. Nas letras de suas músicas há uma forte ênfase do poder de Jesus:

Jesus/ Esse nome tem poder/ Quando eu entro na roda/ Peço pra me proteger/ Oi no calvário, Ele foi crucificado/ Com estacas e espinhos/ Seu sangue foi derramado/ Mas tudo isso não foi em vão/ Pois através de sua vida/ Nos oferece a salvação/ Iê! Viva meu Deus, camará!/ Iê! O Criador, camará!/ Iê! Viva Jesus, camará!/ Iê! Ressuscitou, camará!/ Iê! Pra nos salvar, camará!/ Iê! Dá volta ao mundo, camará!/ Ai, ai, ai dê.../ Puxa rede pescador...57

Outro exemplo é o “acarajé do Senhor”. Nos terreiros, o acarajé, um bolinho feito de feijão fradinho frito no azeite de dendê, é ofertado a vários orixás, principalmente a Iansã. Em Salvador, costuma ser comercializado nas ruas, fora do contexto religioso, pelas “baianas de acarajé” que, tradicionalmente, trabalham vestidas com uma indumentária comum nos terreiros: torços, saias brancas e colares de contas (guias). O processo de demonização dos ritos dos terreiros pelos neopentecostais atingiu, também, as comidas votivas ou “comidas de santo”. Segundo o bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus:

Todas as pessoas que se alimentam dos pratos vendidos pelas famosas “baianas” estão sujeitas, mais cedo ou mais tarde a sofrer do estômago. Quase todas essas baianas são “filhas de santo” ou “mães de santo” que “trabalham” a comida para terem boa venda. Algumas pessoas chegam a vomitar as coisas que comeram, mesmo que isso tenha sido há muito tempo. Parece até piada, ou história de crianças, mas aqueles que têm convivido conosco e assistido a nossos cultos conhecem de perto a atuação de satanás e seus anjos, através até mesmo de coisas simples como estas.58

Buscando “salvar” o bolinho de sua suposta consagração ao demônio,59 mulheres evangélicas, vestidas sem a indumentária típica das “baianas de acarajé”, passaram a produzi-lo — evitando, em muitos casos, fritá-los em azeite de dendê, alimento por excelência de Exu — e vendê-los em frente às igrejas neopentecostais. Vistos como abençoados por Jesus, esses “acarajés diferenciados” ficaram popularmente conhecidos por “bolinhos de Jesus” ou “acarajés do Senhor”.60

Negando as religiosidades afro-brasileiras ou redefinindo aspectos a elas vinculados, há um esforço do movimento negro evangélico de questionar os supostos “contornos de nossa brasilidade”. Esse questionamento visa a destituir as religiões afro-brasileiras de sua força, potencial ou efetiva, na definição das identidades negras e na luta por igualdade e justiça social amparadas pelo reconhecimento público e pelo Estado. Prega-se, portanto, a necessidade de “desculturalizar” o Brasil da influência dessas religiosidades e despolitizar seu campo de ação. Como afirma Edir Macedo,61 é preciso expulsar o “Exu tradição” que faz do Brasil um “vasto terreiro”.

Cor, pertença e identidade

A autodeclaração de cor dos religiosos nos censos demográficos certamente é em si insuficiente para analisarmos os modos pelos quais religião, cor, identidade e ação política se articulam. Contudo, como esse aspecto tem sido acionado como argumento pelos agentes religiosos, acho relevante observar o que ele indica.

O Censo de 2010 realizado pelo IBGE, conforme mostra a Tabela 1, apontou que o catolicismo, embora tenha perdido fiéis, continua sendo a religião declarada da maioria da população brasileira (64,6%); os evangélicos cresceram (22,2%), sendo as igrejas pentecostais as que mais cresceram neste segmento; e as religiões afro-brasileiras permaneceram estagnadas e professadas por uma minoria (0,3 %).

Tabela 1
Religião declarada, Censos de 2000 e 2010

Fonte: IBGE, Censos demográficos, 2000 e 2010.

Em relação à cor da população, a Tabela 2 mostra, inicialmente, que a população brasileira tem se declarado mais preta e parda e menos branca,62 numa taxa de 6,2%. Cruzando os dados de cor e religião, vemos que o catolicismo acompanhou essa mudança e manteve entre seus adeptos uma distribuição proporcional e equivalente em relação à população total. Os evangélicos ficaram mais pretos e pardos (53,9%), seguidos pelos afro-brasileiros (52%). No Censo de 2000, a situação era inversa: 48% de pretos e pardos estavam nas religiões afro-brasileiras, e 45,6%, nas evangélicas. O espiritismo continua sendo a religião mais branca do Brasil (68,7%), embora esse grupo tenha perdido terreno para os pretos e pardos.

Tabela 2
Religião e cor declaradas, Censos de 2000 e 2010

Fonte: IBGE, Censo demográfico 2000 e 2010

Examinando as denominações que formam o grupo das religiões evangélicas (evangélicas de missão e pentecostais) e afro-brasileiras (candomblé e umbanda), conforme exibe a Tabela 3, vemos que o candomblé aparece como a religião “mais preta” do Brasil (29,2%), a umbanda em segundo lugar (17,4%), seguidas de longe pelos evangélicos pentecostais pretos (8,5%) e católicos pretos (7,5%).

Tabela 3
Religião e cor declaradas, Censo 2010

Fonte: IBGE, Censo demográfico, 2010.

O candomblé exibe a maior taxa de presença de pretos mantida nos dois últimos censos. Era de 22,8% em 2000 (mais de três vezes a taxa da população total) e passou a 29,2% em 2010 (quase quatro vezes a mais da taxa da população total). Esse aumento torna-se ainda mais significativo se comparado com a taxa de crescimento de apenas 1,3% entre aqueles que se declararam pretos.

Somando-se pretos e pardos, o candomblé continua apresentando a maior taxa (68,5%) desse segmento populacional majoritário no Brasil.

Constata-se que a umbanda, por ser a segunda religião brasileira mais branca (54,1%), abaixo apenas do espiritismo, faz com que a taxa média de pretos e pardos caia no segmento afro-brasileiro. De forma inversa, é a maior presença dos pretos (8,5%) e pardos (48,7%) entre os pentecostais, em relação aos evangélicos de missão (ou históricos) mais brancos, o que eleva a taxa média dessas populações no segmento evangélico.

Por esses dados, podemos inferir que, em números absolutos, a maioria da população preta e parda brasileira é católica, e a composição por cor do catolicismo é a que mais se aproxima do perfil da população brasileira, o que favorece, diretamente, o movimento negro católico na retomada dessa memória popular cristã e afro-brasileira em meio à ação evangelizadora e política de resgate cultural e de reparação social.

Considerando-se os aspectos discursivos e litúrgicos da missa afro, essa retomada poderia ser vista como uma “espiral de bricolagem” na qual as mais variadas construções étnico-religiosas mobilizam tanto os símbolos e valores da laicidade quanto os da religião.63 Nesse caso, reside nos bancos da Igreja Católica um grande potencial para retomar esses símbolos tradicionais do catolicismo popular negro composto de inúmeras expressões denominadas “sincréticas” que se arraigaram na experiência dos religiosos dentro e fora da Igreja. Entretanto, a Pastoral Afro-Brasileira, para evitar que essa retomada seja vista pelos setores mais conservadores do catolicismo como uma abertura escancarada da Igreja Católica para as tradições dos terreiros, busca decupar os símbolos dessas tradições, “inculturando-os” em meio à mensagem cristã. Os orixás aparecem como “manifestações culturais de deus”.64

Curioso é que, num contexto passado de opressão social, racismo e escravidão, essa “bricolagem” levou o terreiro a um diálogo forçado com a Igreja Católica visível em suas práticas. Trata-se, então, de fazer o caminho contrário: trazer o terreiro para o interior da Igreja Católica, fazendo com que a missão evangelizadora passe pela troca de “experiências litúrgicas”, mas também pela luta por igualdade e justiça étnico-social. Nesse âmbito, orixás e santos católicos reafirmam sua “proximidade”, de forma legitimada pela Igreja Católica ou, ao menos, por uma parcela dela. Ou seja, ver Nossa Senhora Aparecida como Mãe Quilombola e santificar o poder de resistência da escrava Anastácia (ou de Zumbi) revelam a força desses símbolos, sobretudo para as camadas populares pretas e pardas católicas e das religiões afro-brasileiras. Intermediadores como Maria, santos e anjos, associados aos encantados africanos, novamente são acionados, mas em contexto de luta comum contra a opressão.

Considerando-se, entretanto, que os movimentos recentes de afirmação étnico-racial questionam as ideologias do Brasil como país mestiço, sincrético e igualitário, o apelo católico da Pastoral Afro pode soar, para muitos críticos e militantes, como uma nova estratégia de imposição de uma ideologia religiosa branca dominante, que mantém hierarquias, ainda que levada a cabo por agentes pastorais negros.

A Figura 9 pode fornecer uma boa metáfora dessa crítica. Durante uma festa de Iansã-Santa Bárbara, citada anteriormente, o padre da Igreja Católica (pardo?), encontra-se numa posição superior e se curva para baixo para receber das mãos de uma mulher de cor preta (praticante das religiões afro-brasileiras?) a “oferenda” do acarajé de Iansã que se torna “oferta” no altar de Santa Bárbara. Seus braços erguidos para o alto encontram-se com os braços do religioso que se curva para baixo.


Figura 9
Festa de Santa Bárbara - Iansã, Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Pelourinho, Salvador, Bahia
Fonte: Tribuna da Bahia, Salvador, 02/12/2013.

De fato, quando se trata de acionar símbolos da herança africana no Brasil, as religiões afro-brasileiras, ainda que declaradamente praticadas por uma parcela infinitamente menor da população (0,3%), ganham papel de destaque. Esse destaque é, entretanto, maior para o candomblé e menor para a umbanda, o que parece corresponder à variação de cor entre os membros dessas denominações. Embora o Censo não especifique as variações de nação (rito religioso) às quais os adeptos do candomblé pertencem, sabemos que as heranças tradicionais iorubás (ou jeje-nagôs) são vistas como mais próximas de uma “origem” tida como “pura” ou “autêntica” (“pedaços da África” no Brasil)65 e, portanto, mais aptas ao seu uso político, seja pelo movimento negro, seja pelo Estado que busca atender às suas demandas por meio de instrumentos de patrimonialização e valorização da memória. A Figura 10 apresenta o contínuo das religiões tratadas neste ensaio, com suas principais entidades, e as áreas de influência dos movimentos negros.

O candomblé angola, por cultuar divindades originárias dos povos bantos e dos caboclos, entidades que representam os espíritos da população indígena brasileira, desfruta de menos prestígio. E a umbanda, menos ainda. Esse imaginário que pesa sobre a umbanda coincide com os dados do Censo que apontam ser essa denominação “a mais branca” do segmento religioso afro-brasileiro, e a segunda mais branca no plano nacional. Imaginário, aliás, presente desde a formação dessa religião nos grandes centros urbanos do Sudeste. Se o “embranquecimento” das tradições negras — ou “a morte branca do feiticeiro negro”,66 para citar o emblemático título do livro de Renato Ortiz sobre esse processo — que a umbanda patrocinou nas primeiras décadas do século XX atraiu a classe média branca e garantiu seu sucesso, hoje é um fardo que pesa contra si, quando se trata de articular esse imaginário ao movimento de resgate “étnico-religioso”. Isso talvez seja um dos fatores que explica o seu decréscimo em comparação com o candomblé, que cresce se “empretecendo” cada vez mais do ponto de vista populacional e ideológico, independentemente da região do país observada.67 Por essas características, a umbanda estaria, em tese, mais alinhada com o movimento negro católico, que encontraria nela uma confluência maior dos valores morais cristãos.




De qualquer forma, essas denominações afro-brasileiras preteridas tendem a reagir, e já é possível presenciarmos um processo de reafricanização das tradições bantos e algumas transformações rituais na umbanda. Um exemplo do primeiro caso, verificado em São Paulo, é o terreiro Inzo Tumbansi liderado pelo tata (pai) Walmir Damasceno (Katujanvensi) que, por meio de suas viagens a Angola e da formação de uma rede religiosa com sacerdotes dessa região da África, tem procurado aproximar o culto praticado em sua comunidade no Brasil dos ritos africanos apreendidos e aos quais vem se submetendo.

No segundo caso, as mudanças na visão da participação dos escravizados no processo de combate à escravidão que levaram a escolha da data de 20 de novembro, em detrimento do dia 13 de maio, para as celebrações da consciência negra, tem gerado, na umbanda, indícios de uma reconfiguração do panteão no sentido de “ressuscitar” o “feiticeiro negro”. É o que parece ocorrer em alguns terreiros nos quais se verifica uma mudança no modo pelo qual os pretos-velhos se apresentam e são vistos. Essas entidades, cuja principal festa ocorre em torno do dia 13 de maio, são festejadas cotidianamente e se manifestam como espíritos de velhos africanos escravizados que, em geral, morreram no cativeiro. São sábios, generosos, bons conselheiros e conciliadores. Ultimamente, porém, também se manifestam como espíritos de negros revoltosos (quilombolas) que teriam morrido em rebeliões e fugas do cativeiro, indicando uma guinada para o ideário produzido pela figura de Zumbi dos Palmares, cuja imagem, aliás, passou a frequentar os altares umbandistas ao lado da imagem da escrava Anastácia.68

O movimento negro evangélico encontra na cor de sua população uma vantagem, mas que se revela também uma dificuldade. Possui o trunfo de ter superado as religiões afro-brasileiras e de apresentar um maior contingente de população preta e parda. Mas essa população cresceu justamente entre as igrejas pentecostais que se especializaram, principalmente as neopentecostais, na batalha contra os afro-brasileiros, cujas tradições religiosas têm sido reconhecidas nas últimas décadas pelas várias instâncias do Estado brasileiro como patrimônio cultural inalienável. Isso dificulta, certamente, o objetivo de se romper com a “tradição” do Brasil como um “vasto terreiro”69 ou com o “mito do candomblé” que a sustenta.70 Não é sem motivo que combatem, sempre que possível, o ensino nas escolas do tema “história e cultura africana e afro-brasileira” (Lei nº 11.645/08). Sob essa visão, “cultura” e “religião” se imbricam, estando a primeira contaminada pela segunda. Para o movimento negro evangélico, é preciso lutar por essa separação, combatendo quem a promove, inclusive, o próprio Estado por meio de suas políticas de patrimonialização e salvaguarda. Nesse caso, é preciso “desculturalizar” o segmento afro-brasileiro para garantir, no meio evangélico, a construção de uma visão “étnico-religiosa” legítima.

Um exemplo é esclarecedor. A Prefeitura de Salvador, como parte da restauração do Dique do Tororó, patrocinou a construção de estátuas representando os orixás, que foram fixadas sobre as águas, já que naquele espaço os praticantes do candomblé, desde pelo menos o século XIX, entregam oferendas. Houve oposição dos evangélicos, que argumentaram que um órgão público de um Estado laico não poderia patrocinar símbolos de uma religião específica. Em resposta, o prefeito alegou que as estátuas dos orixás não referendavam uma religião enquanto tal, mas uma cultura da qual faziam parte. Na cultura baiana, os orixás tornaram-se símbolos consagrados, e a localização dos principais terreiros em que são cultuados está disponível no mapa turístico oficial da cidade assinalados como pontos de interesse cultural.71 Por outro lado, recentemente (2015) a Câmara Municipal de Salvador aprovou a construção de uma Bíblia gigante no mesmo dique, que deverá ser sancionada ou não pelo prefeito. Dessa vez, foram os representantes evangélicos que usaram o “argumento laico” de “culturalizar” sua religião: a Bíblia representa a fé e a “cultura cristã” que o povo baiano também comunga.72

Considerações finais

Trazidas, compulsoriamente, às Américas, as religiões de grupos locais na África romperam suas fronteiras étnicas e se universalizaram para além das redes locais familiares, dando origem às estruturas religiosas complexas e hoje vistas como um dos principais fenômenos da diáspora negra. Mas seria possível falarmos, retroativamente, em termos de “religiões africanas”, se os grupos étnicos que as teriam formado sequer se viam pertencentes aos coletivos nos quais eles e seus descendentes foram enquadrados? E, mais ainda, o que dizer da classificação de suas práticas cosmológicas vistas por meio de termos como “religião”, “seita”, “culto” etc. que traduziram e reduziram suas experiências de participação integrativa entre as coisas e pessoas deste e de outros mundos? Ao que parece, essas cosmologias só se tornaram “africanas” por ampliação, ao saírem de seus agrupamentos específicos, e quando vistas desde a América; e “religiões” por redução de seu campo de ação a uma área específica da experiência social e existencial na modernidade. Processo semelhante também se deu com as denominações genericamente classificadas de “religiões afro-brasileiras”, que resultaram de uma experiência predominantemente brasileira, ainda que possamos identificar as orientações cognitivas nas fontes africanas de referência.73 O novo termo classificatório — “religiões de matriz africana” — parece, dessa vez, fornecer mais uma “volta do parafuso” neste “efeito looping” da cultura que se debruça sobre suas próprias transformações em busca de termos estáveis (matriz!?) que possam garantir nexos ou conexões significativas entre experiências do passado em função de demandas do presente e vice-versa.

De qualquer forma, ao se tornarem abertas ao mundo, essas cosmologias transformaram-se, e a articulação entre grupo étnico e “pertença” perdeu sua força no passado exatamente para dar força à ampliação de suas comunidades multiétnicas de pertença. Entretanto, expulsas pela porta dos fundos, as “bases étnicas” dessas religiosidades voltam pela porta da frente, articuladas em discursos e práticas nos quais “cor” e “religião” assumem um peso importante, sobretudo perante os processos reivindicatórios do Brasil contemporâneo.

Assim, pode-se dizer que, no âmbito dos três campos observados neste ensaio, por meio de processos nomeados de “culturalização”, “inculturaçao” e “desculturalização” da religião, seus agentes vivem um dilema entre convicções religiosas e políticas de apelo ético e étnico. Se uma “ala negra” da Igreja Católica quer abrir as portas para os orixás inculturando-os, alguns terreiros querem se separar dela, consequência em parte do discurso de repúdio ao sincretismo e à mestiçagem elaborado em certos segmentos do candomblé e do movimento negro. Para esses segmentos, mostrar que essas “religiosidades” pertencem a uma “matriz africana” é também uma forma de tentar reverter o efeito deletério provocado pela diáspora forçada e de neutralizar o impacto sofrido em vista do conceito de religião ocidental. Por isso é preciso “culturalizar” a vida dos povos tradicionais de terreiro, que devem ser vistos como comunidades em que o conceito de religião em si é insuficiente para definir sua complexa experiência social. A força dessa “culturalização”, que tem rendido às religiões afro-brasileiras alguns benefícios em termos de políticas públicas de patrimonialização e salvaguarda, é percebida pelo movimento evangélico negro como um desafio para sua própria ação proselitista e política. Até mesmo porque, se a ordem nesse movimento é fazer com que seus adeptos se afastem dos terreiros, é nas populosas igrejas neopentecostais que essa tarefa tende a fracassar, quando as entidades afro-brasileiras se apresentam no corpo dos fiéis como demônios muitas vezes vistos como “hereditários”. Então, é preciso mostrar que os terreiros não são os “melhores” pedaços da África no Brasil; “desculturalizá-los” seria retirar deles o monopólio de um saber tradicional, no qual religião e cultura se acoplam formando um patrimônio que até mesmo o Estado reconhece e protege.

Termino com um último exemplo dessa reflexividade de categorias que os usos da cultura e da política podem nos dar. A Figura 12 ilustra um material divulgado por um órgão federal que contém Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais.


Figura 12
Linha de frente (Iansã e Ogum)
Coleção particular Maria das Graças Santos74

A cena nos remete a um conhecido modelo de passeata reivindicatória na qual os militantes caminham em espaço público, formando uma combativa linha de frente e dando os braços uns aos outros em sinal de união e força. Nesse caso, note-se que os ativistas negros caminham ao lado de dois orixás, Ogum e Iansã, entidades guerreiras do fogo que, nos terreiros, dançam e guerreiam empunhando suas armas de ferro: a espada e a adaga.

Essa imagem seria improvável para a maioria dos ativistas políticos dos anos de 1960, como vimos acima. Primeiro, por colocar a religião na linha de frente como aliada no combate político. Segundo, por selecionar uma dada religião “subalternizada” que se organiza por uma lógica comunitária e que, raramente, era vista no espaço público formulando reinvindicações que não dissessem respeito ao seu próprio funcionamento enquanto religião.

Mas, se a presença dos deuses do candomblé nessa imagem indica que a “força simbólica” dos orixás guerreiros sai do terreiro e vira “mobilização de verdade” dos homens na esfera política, convido o leitor a ver, também, essa cena “desde dentro”, ou seja, o que ela significa no interior do terreiro, sem “as aspas” que adquiriu no espaço público.

Nos terreiros, o ato de um orixá entrelaçar seus braços com os de uma pessoa e assim caminhar acontece em momentos especiais, quando a divindade escolhe essa pessoa e, por meio desse gesto, indica que a está entronizando em um alto posto hierárquico da comunidade. O quadro exibe, assim, uma curiosa circularidade de sentidos na qual as lógicas simbólicas locais do terreiro (orixás da luta, empoderamento de adeptos etc.) caminham ao lado de uma prática política de reivindicação pública de direitos (passeata de rua). Dois planos, o religioso e o político, que se comunicam mutualmente e dissolvem suas fronteiras.

Num nível mais óbvio, talvez essa imagem queira dizer que, se as religiões afro-brasileiras, assim como outros símbolos de origem negra, tiveram um papel importante no estabelecimento da cultura e da identidade nacionais, os grupos negros que foram um dos seus principais gestores ainda se encontram em situação de desvantagem social e econômica e, principalmente, colocados à margem do protagonismo a que teriam direito. E, sob a ótica dessas populações, é chegada a hora de religião, cultura e política entrelaçar os braços e lutar por mais justiça social.


Figura 3
Abdias do Nascimento beija o solo do Quilombo de Palmares (Serra da Barriga). Presentes, entre outras lideranças: Lélia Gonzalez, Helena Theodoro, Joel Rufino, Mãe Hilda (Jitolu) e Ogã Agnelo da Casa Branca do Engenho Velho. Vê-se a articulação entre autoridades religiosas e políticas no movimento negro a partir dos anos de 1980.
Fonte: Acervo JG.Foto: Januário Garcia.)


Figura 6
“Castigo de escravos”, de J. E. Arago e N. Maurin, 1839.
Fonte: Acervo Biblioteca Nacional


Figura 7
Missa inculturada no encontro de comunidades negras na Basílica de Nossa Senhora Aparecida
Foto: Rosenilton Oliveira, 2015


Figura 8
Adeptos das religiões afro-brasileiras celebrando o Dia da Consciência Negra (20/10/2012), com a lavagem da imagem de Zumbi dos Palmares no Rio de Janeiro.
Fonte: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/11/20/dia-da-consciencia-negra-no-rio-comeca-com-lavagem-do-busto-de-zumbi.htm>.


Figura 11
Katuvanjesi (Walmir Damasceno, de terno branco), ao lado do rei (soba) do Bailundo, em Angola, 2015
Fonte: <http://inzotumbansi.org/home/>.

notas

1 Manuela Carneiro da Cunha, Cultura com aspas, São Paulo: Cosac Naify, 2009, p. 363.
3 Ficou conhecido como a Segunda República o período entre 1945 e 1964, no qual os diversos governos federais, incluindo o de Getúlio Vargas, privilegiaram plataformas políticas de cunho nacionalista e populista.
4 A relação entre religiões afro-brasileiras e música popular brasileira foi analisada em Rita Amaral e Vagner Gonçalves da Silva, “Foi conta pra todo canto. Música popular e cultura religiosa afro-brasileira”, in Marleine Paula Toledo (org.), Cultura brasileira: o jeito de ser e viver de um povo (São Paulo: Nankin, 2004), pp. 160-99. Também disponível em <http://www.doafroaobrasileiro.org/contacanto1.html>.
5 “Povo de santo” é o termo pelo qual popularmente ficaram conhecidos os/as praticantes das religiões afro-brasileiras.
6 Vale lembrar que essa hegemonia se manteve também como resultado das relações de proximidade entre Igreja Católica e Estado Republicano (declarado laico) em diferentes períodos históricos. A sagração de Nossa Senhora Aparecida como padroeira do Brasil e a inauguração da estátua do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, ambos em 1931, sob o governo de Getúlio Vargas, são bons exemplos dessa proximidade.
7 Se fosse necessário buscar uma comparação, poderíamos pensar no especial respeito e zelo que a Igreja Católica tem com as hóstias consagradas (transubstanciadas) durante o ofício da missa. As que não fizeram parte da comunhão (não foram consumidas pelos fiéis), mas que nem por isso perdem sua propriedade de ser o corpo de Cristo, devem ser guardadas no sacrário e protegidas contra alguma profanação. Da mesma forma, para um católico, vê-las retiradas da igreja e atiradas ao chão seria, certamente, um ato de vilipêndio de sua visão de mundo.
8 Raimundo Nina Rodrigues, O animismo fetichista dos negros bahianos, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1935.
9 Andreas Hofbauer, Uma história de branqueamento ou o negro em questão, São Paulo: UNESP, ٢٠٠٦, p. ٣٥٩.
10 Jorge Amado, Jubiabá, Rio de Janeiro: J. Olympio, 1935.
11 Amado, Jubiabá, p. 299.
12 Barravento, Dir. Glauber Rocha, Produção: Rex Schindler e Braga Neto, 1962.
13 Glauber Rocha, Revolução do Cinema Novo, São Paulo: Cosac Naify, 2004, p. 335.
14 Este antagonismo entre o campo religioso e a política de esquerda não foi, entretanto, totalmente insuperável, ao menos para alguns grupos do catolicismo organizados em torno do movimento das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) que se adensou a partir da década de 1970. Como veremos, esse movimento interpretava a missão cristã à luz da necessidade de luta por justiça social. A “opção pelos pobres” feita por esses grupos católicos aproximou-os tanto de organizações militantes que resistiam à ditatura militar, quanto de outros grupos religiosos populares como as comunidades dos terreiros.
15 Vagner Gonçalves da Silva, Orixás da metrópole, Petrópolis: Vozes, 1995.
16 Para uma visão geral da formação desse movimento, cf., entre outros: Wilson do Nascimento Barbosa (org,), Atrás do muro da noite; dinâmica das culturas afro-brasileiras, Brasília: Ministério da Cultura, Fundação Cultural Palmares, 1994; Abdias do Nascimento e Elisa Larkin Nascimento, “Reflexões sobre o movimento negro no Brasil, 1938-1997”, in Antônio Sérgio Guimarães e Lynn Huntley (orgs.), Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000); Michael Hanchard, Orfeu e o poder: o movimento negro no Rio de Janeiro e em São Paulo (1945-1988), Rio de Janeiro: EdUerj, 2001; Joselina da Silva, “A União dos Homens de Cor: aspectos do movimento negro dos anos 40 e 50”, Estudos Afro-Asiáticos, v. 25, n. 2 (2003); Marcia Contins, Lideranças negras, Rio de Janeiro: Aeroplano; FAPERJ, 2005; Hofbauer, Uma história do branqueamento; Verena Alberti e Amílcar Araújo Pereira (orgs.), Histórias do movimento negro no Brasil: depoimentos ao CPDOC, Rio de Janeiro: Pallas, 2007; Amauri Mendes Pereira, Trajetória e perspectivas do movimento negro brasileiro, Belo Horizonte: Nandyala, 2008; Joselina da Silva e Amauri Mendes Pereira (orgs.), O movimento negro brasileiro: escritos sobre os sentidos de democracia e justiça social no Brasil (Belo Horizonte: Nandyala, 2009); Amilcar Araujo Pereira, O mundo negro: relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil, Rio de Janeiro: Pallas, 2013.
17 Cf., entre outros: Elisa Larkin Nascimento, O sortilégio da cor, São Paulo: Selo Negro, 2003; Sandra Almada, Abdias Nascimento, São Paulo: Selo Negro, 2009; Luis Pereira André, “O pensamento social e político na obra de Abdias do Nascimento” (Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2011).
18 Veja o discurso proferido por esse presidente na abertura do “Seminário Multiculturalismo e Racismo” (1996), <http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/fernando-henrique-cardoso/discursos-1/1o-.mandato/copy_of_1996/02.pdf/at_download/file.
19 Alterada pela Lei nº 11.645/08, que introduziu o estudo dos povos indígenas.
20 Cf., entre outros: Antonio Risério, Carnaval ijexá, Salvador: Corrupio, 1981; Lívio Sansone e Jocélio T. dos Santos (orgs.), Ritmos em transe. Sócio-antropologia da música baiana, São Paulo: Dynamis, 1997; Goli Guerreiro, A trama dos tambores. A música afro-pop de Salvador, São Paulo: Editora 34, 2000; Michel Agier, Anthropologie du carnaval: la ville, la fête et l’Afrique à Bahia, Marseille: Parenthèses; IRD, 2000.
21 A relação desses itens tombados e inscritos em âmbito federal pode ser acessada via website do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), <http://portal.iphan.gov.br/>.
22 Ressalto uma exceção que talvez confirme a regra: o Estado do Rio de Janeiro declarou, em 2009, o candomblé e a umbanda como patrimônios imateriais. Dessa forma, o Estado contornou, sem entrar no mérito da questão, a disputa de prestígio entre as duas denominações.
23 Grosso modo, pode-se dizer que o sistema religioso multidimensional da umbanda é resultante de inúmeras contribuições, entre as quais as do candomblé, do catolicismo e do espiritismo kardecista.
24 Palavra iorubá que designa uma comunidade familiar, religiosa e territorial.
25 Para exemplificar desdobramentos dessa tendência atualmente, o babalorixá Ogundare, líder do Ilê Ode Lorecy (localizado em Embu das Artes, São Paulo), prefere usar o termo iorubá “ibilê” (culto às divindades da natureza ou terra), em vez de “candomblé”, para designar e diferenciar o culto que pratica de forte influência iorubá.
26 Silva, Orixás.
27 A expressão “valores civilizatórios” tem o objetivo de atribuir às sociedades africanas um status de importância que os termos “civilização” e “civilizado” adquiriram nos meios acadêmicos e no senso comum. Esses termos foram aplicados às sociedades europeias no período do evolucionismo social do século XIX em oposição aos termos que identificavam as sociedades não europeias tidas como bárbaras, primitivas, incivilizadas. A meu ver, utilizar essa expressão para classificar sociedades que não eram abrangidas por ela justifica-se como forma de combater uma visão hierarquizante entre os diferentes modelos de sociedade. Entretanto, esse uso apenas inverte o sentido da taxonomia, mas não produz uma crítica necessária a ela que possa revogá-la como parâmetro classificatório.
28 Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, 2013-2015, Brasília: SEPPIR, 2013, p. 19.
29 Rosenilton Silva de Oliveira, Orixás. A manifestação cultural de deus: um estudo das liturgias católicas inculturadas, Rio de Janeiro: Mar de Letras, 2016.
30 Sobre APNs, Pastoral Afro e características das liturgias inculturadas, cf., entre outros: Caetana Damasceno, “Cantando pra subir: orixá no altar, santo no peji” (Dissertação de Mestrado, Museu Nacional UFRJ, 1990); Ana Lúcia E. Farah Valente, O negro e a Igreja Católica: espaço concedido, espaço reivindicado, Campo Grande: UFMS, 1994; Rosangela Borges, Axé, Madona Achiropita!: presença da cultura afro-brasileira nas celebrações da Igreja Nossa Senhora Achiropita em São Paulo, São Paulo: Pulsar, 2001; Taynar de Cássia Santos Pereira, “Igreja do Rosário dos Pretos do Pelourinho: um clamor com axé! Identidade negra e inculturação afro-brasileira na Igreja do Rosário dos Pretos” (Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, 2001); Vilson Caetano Souza Jr., “Roda o balaio na porta da igreja minha filha que o santo é de candomblé” (Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2001); Pierre Sanchis, “Inculturação? Da cultura à identidade, um itinerário político no campo religioso: o caso dos agentes de pastoral negros”, in Carlos Caroso e Jeferson Bacelar (orgs.), Faces da tradição afro-brasileira: religiosidade, sincretismo, antisincretismo, reafricanização, práticas terapêuticas, etnobotânica e comida (Rio de Janeiro: Pallas; Salvador: CNPq, 2002); Gabriel Gonzaga Bina, O atabaque na Igreja: a caminho da inculturação litúrgica em meios afro-brasileiros, Mogi das Cruzes: Brasil, 2002; John Burdick. “The Catholic Afro Mass and the Dance of Eurocentrism in Brazil”, in Henry Goldsmidt e Elizabeth McAlister (eds,), Race, Nation, and Religion in the Americas (New York: Oxford University Press, 2004); Oliveira, Orixás.
31 Uma análise dessas liturgias praticadas em São Paulo foi feita em Oliveira, Orixás.
32 Celebrada por D. Pedro Casaldáglia, bispo de São Félix do Araguaia, Goiânia, em 1978, em memória do martírio de três missionários jesuítas e, também, da própria população indígena apud Oliveira, Orixás, p. 146.
33 Homenagem aos 350 anos da morte de Zumbi realizada no dia 20 de novembro de 1981, na Praça Campos, em Recife, local carregado de simbolismo, pois nele teria sido exibida a cabeça de Zumbi que fora decapitado em Palmares. Imagem da cabeça de Zumbi também se tornará um ícone no monumento em sua homenagem localizado na Praça Onze, Rio de Janeiro, local também marcado pela presença da cultura negra.
34 Nunca é demais lembrar que a Igreja Católica sob o colonialismo foi parte das forças que contribuíram para a submissão e a destruição das sociedades indígenas e deram suporte à escravidão.
35 Oliveira, Orixás, p. 59.
36 Sobre esse processo de “empretecimento” da imagem da santa, cf. Lourival dos Santos, “A cor da santa: Nossa Senhora Aparecida e a construção do imaginário sobre a padroeira do Brasil”, in Vagner Gonçalves da Silva (org.), Imaginário, cotidiano e poder (São Paulo: Summus; Selo Negro, 2007). Coleção Memória Afro-Brasileira, v. 3.
37 A origem da imagem da escrava Anastácia parece ser o desenho “Castigo de escravos”, de J. E. Arago e N. Maurin, publicado em 1839 (disponível na Biblioteca Nacional).
38 Sobre a escrava Anastácia, cf., entre outros, John Burdick, Blessed Anastácia. Women, Race, and Popular Christianity in Brazil, New York; London: Routledge, 1998; Mônica Dias de Souza, “Escrava Anastácia e pretos-velhos: a rebelião silenciosa da memória popular”, in Vagner Gonçalves da Silva (org.), Imaginário, cotidiano e poder (São Paulo: Summus; Selo Negro, 2007), pp. 15-42. Coleção Memória Afro-Brasileira, v. 3. E também o documentário “O fio da memória”, de Eduardo Coutinho.
39 Nas religiões afro-brasileiras, a cabeça é a sede do axé (energia), e “fazer a cabeça” significa se iniciar, pois é sobre ela que uma série de ritos são executados (raspagem, sacrifício etc.). Da mesma forma, “bater a cabeça” (levar a cabeça ao chão) diante de uma pessoa ou assentamento significa reverenciar aquela emanação de energia vital.
40 Para uma comparação entre pentecostais negros no Brasil e nos Estados Unidos, cf. Marcia Contins, “Tornando-se pentecostal: um estudo comparativo sobre pentecostais negros nos EUA e no Brasil” (Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1995); Marcia Contins, “Pentecostalismo e umbanda: identidade étnica e religião entre pentecostais negros no Rio de Janeiro”, Interseções, n. 2 (2002), pp. 83-98; Marcia Contins, “Convivendo com o inimigo. Pentecostais negros no Brasil e nos Estados Unidos”, Caminhos, v. 1, n. 2 (2003).
41 Mesmo porque os grupos evangélicos têm na população pobre (e, portanto, negra) sua maior base de apoio.
42 John Burdick, “Pentecostalismo e identidade negra no Brasil: mistura possível?”, in Yvonne Maggie e Claudia Barcellos Rezende (orgs.), Raça como retórica. A construção da diferença (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002), p. 189.
43 Burdick, “Pentencostalismo”; Hernani Francisco da Silva, O movimento negro evangélico. Um mover do Espírito Santo, São Paulo: Negritude Cristã, 2011.
44 Silva, O movimento, p. 16.
45 Silva, O movimento, p. 23.
46 Silva, O movimento, p. 25.
47 Silva, O movimento, p. 26.
48 Na próxima seção, serão retomados esses dados comparando-os os do Censo de 2010.
49 Marco Davi Oliveira, A religião mais negra do Brasil, São Paulo: Mundo Cristão, 2004, p. 20.
50 Oliveira, A religião, p. 68.
51 Oliveira, A religião, p. 69.
52 Oliveira, A religião, p. 101.
53 Burdick, “Pentencostalismo”.
54 Burdick, “Pentencostalismo”, p. 193.
55 Sobre a capoeira gospel, cf. Diolino Pereira de Brito, “A capoeira de braços para o ar. Um estudo da capoeira gospel no ABC Paulista” (Dissertação de Mestrado, Universidade Metodista de São Paulo, 2007).
57 Mestre Lobo (Pr. Jessé Claudionor de Lima), CD Capoeira Gospel, JC Produções, s/d.
58 Edir Macedo, Orixás, caboclos e guias: deuses ou demônios?, Rio de Janeiro: Universal, 1996, p. 48.
59 Geralmente, justifica-se a proibição de comê-lo com base nos versículos 1º Coríntios 10: 18-22 da Bíblia, nos quais se proclama “Não podeis beber do cálice do Senhor e do cálice dos demônios. Não podeis participar da mesa do Senhor e da mesa dos demônios” (1º Coríntios 10: 21). Nesse caso, na “mesa dos demônios” estariam as “comidas de santo” dos terreiros.
60 Abordei este tema em Vagner Gonçalves da Silva, “Entre a Gira de Fé e Jesus de Nazaré: relações sócio-estruturais entre neopentecostalismo e religiões afro-brasileiras”, in Vagner G. da Silva (org.), Intolerância religiosa. Impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro (São Paulo: EDUSP, 2007); Vagner Gonçalves da Silva, “Exu Brasil. O senhor de muitos nomes” (Tese de Livre-Docência, Universidade de São Paulo, 2013). Em 2005, o “Ofício das Baianas do Acarajé” foi inscrito como bem cultural de natureza imaterial no Livro dos Saberes, pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Atento à salvaguarda desse ofício, a Prefeitura de Salvador tem pressionado as vendedoras evangélicas a usarem as roupas típicas das baianas desse ofício.
61 Macedo, Orixás.
62 Reproduzo a classificação por cor do IBGE.
63 Danièle Hervieu-Léger, O peregrino e o convertido. A religião em movimiento, Petrópolis: Vozes, 1999, p. 222.
64 Oliveira, Orixás.
65 Roger Bastide, O candomblé da Bahia: rito nagô, São Paulo: Nacional, 1978, p. 67.
66 Renato Ortiz, A morte branca do feiticeiro negro, Rio de Janeiro: Vozes, 1978.
67 Luciana Duccini e Miriam Rabelo mostram que a distribuição por cor das religiões afro-brasileiras na população dos estados, segundo o Censo de 2010, confirma a tendência identificada no plano nacional de haver uma maior presença de pretos nessas religiões independentemente “da participação diferencial deste segmento na população local”. Afirmam que “embora esses dados não permitem concluir, de modo inequívoco, a existência de uma correlação entre processos de valorização da identidade negra e pertença às religiões afro-brasileiras, são um forte indício de que esta relação pode existir”. Luciana Duccini e Miriam Rabelo, “As religiões afro-brasileiras no Censo de 2010”, in Faustino Teixeira e Renata Menezes (orgs), Religiões em movimento (Petrópolis: Vozes, 2013), p. 228.
68 Souza, “Escrava Anastácia”.
69 Macedo, Orixás.
70 Oliveira, A religião.
71 Jocélio Teles dos Santos, O poder da cultura e a cultura no poder. A disputa simbólica da herança cultural negra no Brasil, Salvador: Edfuba, 2005; Roger Sansi, Fetishes & Monuments - Afro-Brazilian Art and Culture in the 20th Century, New York: Berghahn Books, 2007.
72 Tribuna da Bahia, Salvador, 27/11/2015, <http://www.tribunadabahia.com.br/2015/11/27/instalacao-de-biblia-gigante-no-dique-do-tororo-aprovada-na-camara>, acessado em 02/12/2015.
73 Sidney Mintz e Richard Price, O nascimento da cultura afro-americana, Rio de Janeiro: Pallas, 2003.
74 SECAD, Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2006 (Figura da quarta capa).

Autor notes

(Em memória de Rita Amaral)
* Este texto é uma versão traduzida, revista e ampliada do artigo “Religion and Black Cultural Identity: Roman Catholics, Afro-Brazilians and Neopentecostalism”, publicado em Virtual Brazilian Anthropology, v. 11, n. 2 (2014). Agradeço a todos/as que, desde a primeira versão, têm me apontado valiosas sugestões, principalmente a Rosenilton Silva de Oliveira, cujo tema é foco de sua tese de doutorado: Rosenilton Silva de Oliveira. “A cor da fé: ‘identidade negra’ e religião” (Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo e Ecole de Hautes Etudes en Sciences Sociales, 2017).


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