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COLONIALISMO TARDIO E POLÍTICA DE POVOAMENTO: O COLONATO DO SÁBIÈ E A EXPROPRIAÇÃO DE TERRAS DOS CAMPONESES AFRICANOS, 1956-1974
Afro-Ásia, núm. 58, pp. 155-185, 2018
Universidade Federal da Bahia

Articles


Recepção: 08 Outubro 2017

Aprovação: 22 Março 2018

Resumo: Este artigo analisa o estabelecimento de colonos portugueses no Vale do Sábiè e o papel desempenhado pelas autoridades coloniais na ocupação de terras pelos colonos brancos e o reassentamento da população africana. Demonstra que, com o estabelecimento dos colonos brancos no Vale do Sábiè entre 1955 e 1974, muitos camponeses africanos locais foram expulsos das suas terras ancestrais e forçados a fixar-se em terras de sequeiro que dependiam das chuvas para agricultura e em terras baixas que inundavam com frequência destruindo as suas culturas alimentares.

Palavras-chave: povoamento colonial, colonatos, expropriação de terras, conflitos de terras, economia camponesa.

Abstract: This article examines the establishment of Portuguese white settlers in the Sábiè Valley and the role played by the colonial authorities in land occupation by white settlers and the relocation of African population. It shows that with the establishment of white settlers in the Sábiè Valley between 1955 and 1974, many local African peasants were evicted from their ancestral lands and were forced to relocate to dry lands that depended on rainfall for agriculture, and lowlands that fiooded very often destroying their crops.

Keywords: colonial settlement, colonato, land expropriation, confiict over land, peasant economy.

A política de povoamento das colónias portuguesas particularmente de Moçambique entre os meados da década 1950, durante a década 1960 e princípios dos anos 1970 mereceram uma atenção especial no seio dos acadêmicos nacionais e estrangeiros. A maior parte de seus estudos incidiu sobre as razões por detrás dessa política num contexto de descolonização por toda a África, seus propósitos e alcance. No caso de Moçambique, estudos de caso foram feitos em algumas áreas, destacando-se o colonato do Limpopo e o colonato de Sussundenga. Mas foi o colonato de Limpopo que atraiu maior atenção no seio dos acadêmicos e investigadores nacionais e estrangeiros em detrimento de outras áreas.1 Isso se deve em parte ao facto de o vale do Limpopo ser de maior dimensão e com maiores terras férteis e, por conseguinte, ter atraído maior atenção do Estado colonial que para lá canalizou enormes recursos financeiros e técnicos e, sobretudo, ter encorajado a fixação massiva de colonos brancos portugueses. Evidentemente que os efeitos da fixação massiva de colonos nessa área do país foram desastrosos para a população africana local que se viu desprovida das suas terras. Pode-se apontar como outros efeitos imprevisíveis o aumento da emigração da mão de obra masculina local para as minas da África do Sul, maior envolvimento das mulheres no trabalho agrícola e aumento dos insumos agrícolas (ex. charruas e gado) como resultado das importações feitas pelos trabalhadores emigrantes que acabariam por encorajar a produção camponesa local. Um outro aspecto que pode ser referido como responsável pela atracção dos estudiosos por essa área tem a ver com a importância que o governo pós-colonial liderado pela FRELIMO atribuiu ao vale do Limpopo, considerando-o como o celeiro da nação. Todavia, a incidência dos vários estudos sobre essa área descurou as outras áreas de estudo que foram objecto da política colonial de povoamento, muito em particular a área do Sábiè. Com efeito, o nosso conhecimento sobre a natureza e o alcance da política dos colonatos continuará a ser parcial e incompleto sem uma análise do que foi o colonato do Sábiè e doutros que foram estabelecidos um pouco por todo o país.2

Este artigo examina o processo de fixação de colonos portugueses no vale do Sábiè e o papel desempenhado pelos administradores coloniais e chefes africanos na ocupação de terras por colonos e reafixação da população africana.3 Nele, demonstro que a fixação e a instalação de colonos no vale do Sábiè entre 1956 e 1974 foi feita de modo gradual e obedecendo a duas formas de povoamento: livre ou espontâneo e orientado. Ambas as formas coexistiram e deram origem à expropriação de terras dos camponeses africanos, tendo estes sido relegados para as terras de sequeiro e baixas que não ofereciam condições propícias para a actividade agrícola. Demonstro que as concessões de terra que foram feitas a colonos na área junto aos Libombos ao sul de Macaene para a actividade pecuária forçaram muitos camponeses africanos a abandonar as suas terras favoráveis à pastagem para as menos propícias a essa actividade.

Colonialismo tardio: política de povoamento e colonatos

Portugal começou a encarar com maior seriedade a questão do povoamento das suas colónias a partir dos meados da década 1950, numa altura em que foi pressionado para descolonizar e quando esse processo já havia se iniciado nos restantes países africanos. Enquanto as restantes potências europeias iniciam o processo de descolonização pressionadas, em certa medida, pelos movimentos nacionalistas e procuram uma resposta neocolonial para os territórios anteriormente ocupados, Portugal adopta uma outra estratégia, reforçando, em contrapartida, a integração das suas colónias à metrópole, transformadas desde 1961 em províncias ultramarinas e promovendo a emigração dos seus cidadãos para as colónias.4 Tal como vários outros autores escreveram sobre o contexto deste período, Cláudia Castelo observa que,

Anacronicamente, o grande colonato oficial projectado pelo Estado Novo para o vale do Limpopo (Moçambique), à semelhança do que sucedeu na Cela e no Cunene (Angola), será concretizado no contexto do pós-II Guerra Mundial, quando estava em marcha o processo de descolonização, primeiro na Ásia e depois em África. Na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) a autodeterminação fora consignada como direito fundamental, e a Organização das Nações Unidas, que Portugal integrou em 1955, atribuiu às potências coloniais a obrigação de prepararem os territórios sob sua administração para a independência. [...]. Perante a comunidade internacional, [Portugal] argumentava que não possuía colónias, mas apenas províncias ultramarinas, parte integrante da unidade nacional. Em termos ideológicos, o povoamento europeu do ultramar era apresentado como meio de promoção social das populações das províncias portuguesas em África e constituição de verdadeiras sociedades multirraciais.5

Com isso, a metrópole procurava travar o avanço dos movimentos de libertação dentro dos seus próprios territórios.6 Efectivamente, a partir dos princípios dos anos 1960, verifica-se um certo desenvolvimento dos movimentos nacionalistas e a eclosão das lutas de libertação nos territórios coloniais portugueses, particularmente em Angola e Moçambique.7

Na concretização dessa política ultramarina, típica de um colonialismo tardio, a metrópole apostou em várias frentes que incluíam, entre outras, a “construção de infra-estruturas, colonização dirigida com base no regadio, estímulo à colonização espontânea”, esta última que parece ter contribuído muito mais em relação às outras formas de povoamento (dirigido e orientado) para o aumento substancial da população metropolitana em Moçambique.8 A composição social dessa população emigrante também era bastante diversificada, não se podendo falar de uma população homogénea. A esmagadora maioria da população metropolitana que se fixou nos grandes centros urbanos de Moçambique (Lourenço Marques e Beira) era proveniente, “em primeiro lugar, de Lisboa e tinha um nível de escolarização superior à média nacional e maiores índices de habilitações profissionais com empregos na administração pública, comércio e serviços". Apesar de uma parte significativa dessa população colona ter-se sido empregue como técnicos de baixa remuneração, trabalhadores agrícolas, dos caminhos de ferro, fábricas e outros empreendimentos coloniais tinham privilégios em comparação com a maioria da população africana que era sujeita a discriminação racial, violência física e mental e outros tipos de abuso.9 A política de povoamento colonial também assentou na emigração de portugueses na sua maioria dos extractos sociais mais baixos, constituídos essencialmente por camponeses desalojados e, inclusive, desempregados.10 Por exemplo, os colonos que foram selecionados para o povoamento do vale do Limpopo eram provenientes dos extractos sociais mais desfavorecidos da metrópole, e contavam-se entre eles “simples jornaleiros, trabalhadores rurais ou, mais raramente, pequenos empresários familiares, regra geral analfabetos, sem formação profissional e muito pobres".11 O esforço empreendido pelo regime colonial em levar para as colónias os seus cidadãos pode, de algum modo, ser explicado com base em duas premissas avançadas por Marc Wuyts. A primeira tinha por objetivo manter o colono dentro da jurisdição de Portugal de modo a contribuir para o rendimento nacional e torná-lo disponível para o serviço militar. A segunda visava transformar uma força revolucionária em potência numa pequena burguesia colonial e/ou aristocracia operária. Desse modo, constituiria uma força reaccionária que, na tentativa de preservar os seus interesses materiais, fortaleceria a base de apoio do regime.12

Um dos factores que motivou e permitiu a implementação da política de povoamento entre os meados dos anos 1950 e 1974 foi a existência de capitais. Antes desse período, Portugal não dispunha de capacidade e recursos financeiros capazes de engendrar uma política de emigração massiva de colonos. Somente após a II Guerra Mundial, a metrópole passou a contar com recursos adicionais que tiveram a sua origem na própria guerra.13

De facto, a guerra veio permitir o processo de acumulação da burguesia portuguesa. Portugal reforçou o seu comércio externo com as suas colónias, e o fluxo constante de divisas provenientes desse comércio permitiram uma maior acumulação de reservas e a duplicação das receitas públicas. O facto de essa metrópole não se ter envolvido directamente na guerra levou com que a sua economia não fosse afectada. Com o fim da guerra, a revolução industrial portuguesa avançou com mais rapidez e surgiu uma tendência para a concentração e o crescimento do poder do capital industrial e bancário.14

Esse processo permitiu que o capital português investisse mais nas suas colónias a fim de promover mais os seus lucros,15 dando corpo à Política de Integração do Espaço Económico Português (P.I.E.E.P.).16 Além disso, é preciso considerar os capitais provenientes dos planos de desenvolvimento do pós-II Guerra Mundial, o Plano Marshall, destinado à reconstrução da Europa do pós-guerra17 que foram, em certa medida, aplicados na construção de infraestruturas que vieram a encorajar e favorecer a instalação de cidadãos portugueses.

O crescimento da população colona especialmente nas zonas rurais de Moçambique a partir dos meados da década 1950 foi impulsionado por uma política consciente de povoamento que reforçou a emigração especialmente de desempregados, ex-militares e despojados das suas terras.18 A emigração de colonos para áreas com potencial agrícola - por exemplo, os vales do Limpopo, Sussudenga e Sábiè durante o pós-guerra e sobretudo nas décadas 1960 e 1970 - foi facilitada pelo próprio Estado colonial mediante o pagamento de passagens e de custos de instalação dos colonos com base nas verbas provenientes dos Planos de Fomento.19 O grande enfoque do governo colonial com a promoção da emigração de colonos brancos para as zonas rurais assentava no estabelecimento de colonatos.

Colonização do Sábiè

O Sábiè é povoado essencialmente por populações falantes do ronga, changane, swazi e zulo.20 A sua população é maioritariamente do grupo ou etnia tonga ou thonga.21 A área encontrava-se subdividida em regulados ou regedorias, sendo os mais importantes os de Mangalane, Sepembane, Manengul, Vaja, Chiquizela e Magauana,22 que estavam, por seu turno, subdivididos por chefes de terra. O regulado de Mangalane era constituído pelos chefes Boi, Cossetine, Langa, Mabibine, Magunela, Mucacaza. O regulado de Sepembane era composto pelos cabos de terra Daimane, Gabaza, Góchua, Languana, Ligongolo, Maguemane e Mahungo.23 A regedoria Manengul era formada por chefes de terra Maguzulana, Machanza e Comáti.24 A regedoria Vaja subdividia-se pelos cabos de terra Uachalela, Bube, Macunhula e Muculo. Chiquizela subdividia-se em Tirrel, Chabana, Mulombo I e Mulombo II. Jone era o único cabo de terra da regedoria Magauana.25 Também se podia encontrar na área quatro principais povoações comerciais nomeadamente de Sábiè, Incomanine, Machatuine e Macaene, localizadas nas terras dos chefes de terra e regulados Chiquizela, Sepembane, Cossetine e Mucacaza, respectivamente.26 Por volta de 1969, a área a norte do rio Sábiè de Machatuine possuía cerca de 2.666 famílias africanas com 12.910 pessoas.27 Os regulados de Mangalane e Sepembane com 5.924 e 3.540 pessoas, respectivamente, apresentavam-se como os mais representativos.

Os colonos estabeleceram-se no vale do Sábie sem o apoio financeiro directo do Estado colonial.28 Entre 1956, altura em que são feitas as primeiras concessões de terra a colonos brancos, até por volta de 1969, quando a Junta Provincial de Povoamento (JPP) passou a desempenhar um papel mais visível na fixação de colonos, a modalidade de povoamento seguida nessa área foi livre ou espontânea, resultando da determinação e livre escolha do indivíduo em se instalar como agricultor e criador de gado numa determinada área, sem o auxílio financeiro directo do Estado. Embora o Estado colonial tivesse desempenhado algum papel na fixação dos colonos por meio da JPP e dos administradores do posto, durante o período acima referido, os colonos se fixavam sem obedecer a um plano de povoamento que só ficou concluído em 1969.29

Entretanto, importa referir que foi com base no Decreto n° 43.895, de 6 de Setembro de 1961, que se criaram as bases para a instituição das Juntas Provinciais de Povoamento nas províncias ultramarinas de Angola e Moçambique. Essa instituição era um órgão superior da administração pública responsável pela condução ou orientação de todas as actividades, quer privadas, quer públicas, referentes ao povoamento, independentemente da modalidade em causa, assim como da proveniência dos colonos. Era um organismo dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira. A direcção do órgão era feita por um presidente nomeado pelo Ministro do Ultramar. As receitas da Junta provinham do orçamento geral da província e dos planos de fomento destinados a fins de povoamento, e a instituição dependia do orçamento e da actuação do Governador-Geral e Ministro do Ultramar. As receitas provinham, também, do produto dos reembolsos efectuados ao Estado pelos colonos dos núcleos de povoamento dirigido; dos donativos e legados ou subsídios. Entre as suas funções e competências, a Junta tinha a responsabilidade de efectuar estudos ligados ao povoamento; impulsionar e dirigir a formação e o desenvolvimento de núcleos de povoamento agrário. Ademais, a Junta tinha que efectuar reconhecimentos gerais e pormenorizados e outros estudos que pudessem permitir a fixação agrária livre, orientada e dirigida, assim como fazer a selecção, o recrutamento e a instalação dos colonos agrários.30 Entretanto, Schaedel observa que a Junta Provincial de Povoamento preocupou-se muito mais com os projectos de povoamento tendentes ao estabelecimento de colonos portugueses, embora tivesse competências para incentivar projectos de povoamento ou ordenamento agrícola das populações africanas. Sustenta que os projectos para a fixação de colonos brancos foram mais encorajados após a criação dessa instituição e que o Estado colonial declarou largas áreas que apresentavam óptimas condições, especialmente agroclimáticas, para a fixação de colonos como sendo do Estado. Desse modo, as terras poderiam estar subordinadas à JPP para a planificação dos povoamentos. É nesse contexto que todo o então distrito de Lourenço Marques, partes de Gaza, Inhambane, Manica e Sofala passaram para a responsabilidade da JPP. 31

Foi dentro desse quadro jurídico e institucional que, a partir de 1969, o Estado colonial começou a mostrar algum interesse em relação à fixação de colonos ao longo do vale do Sábie e noutras áreas de Machatuine. É ainda nesse contexto que a JPP efectuou estudos preliminares32 que conduziram à elaboração do projecto de parcelamento de Machatuine com vista a facilitar a fixação de colonos. Também tinha por objectivo proceder ao ordenamento da população africana expropriada das suas terras em consequência do parcelamento de terras a colonos, reservando-lhes terras para a actividade agrícola e a criação de gado.

Embora não haja estudos e relatórios relacionados com a execução do referido projecto,33 há evidências do envolvimento da Junta no apoio à fixação de colonos mediante a construção de canais, diques, represas, tanques carrecicidas e no próprio parcelamento de terras.34 Para ilustrar, em 1970, fixaram-se no Sábie oito colonos, constituindo, desse modo, o maior número de colonos fixados apenas num ano. Esse apoio concedido pelo Estado colonial por meio da JPP deu lugar a uma outra forma específica de povoamento, neste caso, orientado, que tinha lugar em zonas previamente seleccionadas, estudadas e parceladas, obedecendo a uma planificação e orientação do Estado, que contribuía com infraestruturas de base, mas, no entanto, o colono se instalava sem nenhum auxílio financeiro do Estado. Contudo, o colono se beneficiava de passagens pagas pelo Estado.35 Por outro lado, o povoamento dirigido, por exemplo, consistia na instalação de colonos em núcleos de povoamento criados em zonas seleccionadas e planificadas contando com o apoio financeiro e assistência técnica total do Estado. Nessa modalidade de povoamento agrário, os colonos beneficiavam-se de um grande apoio do Estado que incluía passagens pagas, financiamento na sua fixação, embora reembolsáveis a longo prazo, assistência médica, medicamentosa e hospitalar gratuita na fase de instalação.36 Essa forma de povoamento foi mais encorajada para os núcleos de povoamento agrícola de Moçambique e custou ao Estado colonial somas avultadas de dinheiro e recursos. O colonato do Limpopo constitui um dos exemplos mais emblemáticos do povoamento dirigido.37

Entretanto, segundo o nosso informante Cândido Frudel, o primeiro colono a fixar-se no vale do Sábie foi Amaral Gomes do Amaral (cognominado Wamazambane), em 1955.38 Depois de produzir batata durante uma campanha, levou consigo uma amostra para a Cooperativa dos Produtores de Batata com o propósito de mostrar aos funcionários a fertilidade das terras das margens do rio Sábiè para a produção dessa cultura. Com efeito, sua introdução foi feita em 1956 com resultados positivos, o que deve ter encorajado a fixação de mais colonos.39 O apoio concedido pela Cooperativa desde o início também serviu para impulsionar ainda mais a colonização do vale.40

Outros pioneiros da colonização fixaram-se entre 1955 e 1960 e eram Amadeu A. Gonçalves, Arlindo G. Lavandeira, António Mendes (Wachinhocane), Ibraimo Jamal, Victor A. Rodrigues, José Cobelo, e outros.41 Nos anos 1960-1968, uma segunda vaga de colonos se fi composta por Victor A. Rodrigues, Mirlô Amaral, Abobocar Sade Sidino, José e Manuel Dias Roxo, Homero Romão dos Santos, César dos Santos Lopes, João Valdir (Sasseka),42 José Alferes, José Baptista, Mário Santos Gil entre outros.43 O maior número de colonos estava concentrado na área ao norte do rio Sábiè a partir de Machatuine, prolongando-se até a área ao norte do rio Incomati, na regedoria Vaja. Nessas áreas, os colonos deviam dedicar-se principalmente à actividade agrícola, ao passo que na área ao sul de Macaene e junto aos Libombos, onde foram feitas largas concessões de terra, deviam dedicar-se à pecuária.

O crescimento da população colona, entre os princípios da década1960 e, de uma forma mais acelerada, a partir de 1969, deve estar relacionado com o desenvolvimento de Lourenço Marques, principal mercado; melhoria das principais vias de comunicação;44 conclusão do projecto de parcelamento; e promulgação do Decreto n° 43.894 que aprovou o regulamento da ocupação e concessão de terrenos nas províncias ultramarinas.45 Ao abrigo das disposições desse regulamento, pretendia-se encurtar os termos do processo de concessão de terras, assegurar o melhor aproveitamento dos terrenos e garantir às populações direitos sobre os terrenos por elas ocupados e explorados com habitações e culturas. Todos poderiam obter concessões de terra, direitos de propriedade, e era admitida a transmissão desses direitos. Não eram exigidas provas de capacidade financeira nem planos de exploração para aqueles indivíduos cujas pretensões não iam para além de 100 hectares. Também era admitida a simultaneidade de concessões por aproveitar, de modo que os interessados pudessem ter a possibilidade de obter concessões em diversas povoações onde tivessem necessidade de exercer a sua actividade. Os colonos podiam receber concessões de terra gratuitamente desde que fossem indivíduos estabelecidos em zonas atribuídas a Juntas Provinciais de Povoamento agrário. Nessas concessões, o aproveitamento da terra devia reger-se segundo os planos de povoamento agrário das zonas definidas ou, em caso de não haver, deviam reger-se de acordo com o regulamento em referência. Após dois anos sobre o aproveitamento completo do terreno, o colono poderia requerer a propriedade plena do terreno que lhe seria conferida gratuitamente. Contudo, a propriedade plena da terra poderia ser concedida ofi iosamente ao concessionário desde que tivesse feito seu aproveitamento completo durante vinte anos.46 Todavia, e segundo Schaedel, esta legislação visava em parte promover novos investimentos no sector agrícola e acelerar o povoamento nas colónias com agricultores brancos vindos da metrópole.4747 O autor refere que a classificação de terrenos, especialmente de segunda classe, feita nessa altura, serviu para confinar os camponeses e pequenos proprietários de terra africanos em áreas limitadas e marginais, ao passo que os colonos ficavam com grandes extensões de terra e de grande fertilidade, particularmente, nas margens dos rios.48 Se, entre 1950 e 1961, o total de áreas concedidas para a agricultura tinha aumentado em 23%, nos nove anos seguintes, após a promulgação do decreto acima referido, estas áreas aumentaram em 55%.4949 O número de empreendimentos agrícolas subiu em 124%, reflectindo um crescimento da importância das farmas dos colonos em oposição às plantações. O maior aumento do número de concessões de terra teve lugar em Lourenço Marques, que já apresentava a maior densidade da população em 1961.50

Entretanto, havia um número significativo de colonos estabelecidos no Sábiè, por iniciativa individual, que já se encontravam a viver há alguns anos em Moçambique. Com efeito, Amade Patel refere que,

[...] alguns colonos vieram por conta própria e outros saíram do Limpopo para o Sábiè, uma vez que, tinham ouvido falar que esta terra era produtora de batata e outras culturas. Também havia colonos que vieram de Portugal. No entanto, muitos colonos vieram do Limpopo entre os anos 1960 e 1970. Depois de chegarem, adquiriram terras e puseram-se a trabalhar.51

Amadeu Alcino Gonçalves foi um dos primeiros colonos a estabelecer-se no Sábiè, por iniciativa individual, em 1955.52 Para além de ter sido agricultor, era um cantineiro relativamente próspero.

Amadeu Alcino Gonçalves tinha muitas lojas em Matunganhane, Ressano Garcia, Macaene e Incomanine. Eram lojas que já vinham desde o pai dele. O pai de Amadeu tinha 60 lojas, metade das quais se encontravam em Ressano Garcia, mas nessa altura, eram lojas palhotas […] mas há muitos anos.53

Antes de se estabelecer no Sábiè, Amadeu A. Gonçalves esteve em Massintonto, Matunganhane e Incomanine.54

Embora o nosso informante José Freitas não tivesse adquirido terras no Sábiè e tenha passado a maior parte da sua vida como empregado comercial,55 a sua deslocação ao Sábiè assemelha-se à de muitos outros colonos portugueses que se fixaram no Sábie, quer como agricultores e criadores de gado, quer como empregados comerciais de cantineiros. Segundo o seu relato,

Em 1963, cheguei a Moçambique acompanhado dos meus pais. Nessa altura, tinha apenas 13 anos. Ao chegarmos fomos directos para o Limpopo. Abandonamos o Limpopo e fomos residir em Macaene. Logo depois, fomos nos fixar em Matunganhane a 15 km daqui. Deixei lá os meus pais e vim me estabelecer aqui no Sábiè (localidade) como empregado comercial em finais de 1965.56

Outros colonos abandonaram os serviços públicos ou privados e adquiriram terras no Sábiè para se dedicarem à actividade agrícola e à pecuária. É o caso de António Mendes que, mesmo antes de abandonar os Caminhos de Ferro de Lourenço Marques, já possuía lojas, machambas e criação de gado leiteiro no Sábiè.57

Os ex-soldados coloniais, provenientes do norte de Moçambique, nos finais da década 1960 e princípios da década 1970, eram empregues no Sábiè como encarregados de machambas e lojas, camionistas e tractoristas. Esses empregos correspondiam muito com o perfil social dos soldados coloniais que eram, na sua maioria, de origem humilde, com poucas ligações com a elite metropolitana, com os naturais e mesmo com os brancos que tinham enriquecido na colónia.58 Sulemane Batata fala sobre o tipo de emprego concedido aos ex-soldados coloniais:

Eram os próprios colonos machambeiros que já estavam aqui a cultivar que empregavam os ex-soldados como encarregados das suas lojas e como motoristas. Por exemplo, Júlio ao sair da tropa, tornou-se empregado de Arlindo Lavandeira; o Carlos foi empregado de Amadeu A. Gonçalves; João Pereira também foi militar e, quando saiu da tropa, tornou-se empregado de Mário João dos Santos. Era motorista e empregado de balcão, e trabalhei com ele. De facto, em alguns casos os empregados de balcão, motoristas e encarregados eram ex-soldados […] outros ex-militares vinham para cá ter com os pais […] os motoristas e empregados iam para o interior comprar o milho das populações.59

Em geral, os colonos portugueses eram na sua maioria originários dos Trás-dos-Montes, Madeira, Alentejo e Ribatejo.60 Muitos deles eram “pés descalços e as suas mulheres vestiam sacos de sisal de 90 quilos”61 e tinham sido orientados para colonizarem o vale do Sábiè. A maioria dos colonos pegava na enxada, na catana e em juntas de boi para desbravar e cultivar a terra, actividades essas que eram desempenhadas com a ajuda dos restantes membros da família. Com efeito, tratavam-se de casais de colonos com dois, três a quatro filhos em média, com as idades compreendidas entre 13 e 16 anos. Cândido Frudel descreve as condições socioeconómicas dos colonos nos seguintes termos:

Os colonos e as suas famílias tinham que desbravar a mata, preparar o terreno para a sua machamba. Não dispunham de recursos para contratarem trabalhadores. É o caso de José António e o outro José que eu vi chegarem sem nada nem dinheiro para pagarem trabalhadores.62

Durante a década 1970, encontravam-se cerca de dez colonos com uma relativa prosperidade em quase todo o vale. São os casos de António Jordão, Amaral G. do Amaral, Amadeu A. Gonçalves, António Mendes, Homero R. dos Santos, José Valdir, João Draque, João Cobelo, Guardino Melo e Mário Santos Gil.63 Por volta de 1972, o número total de colonos ao longo do vale do Sábiè era de cerca de 50.64

Expropriação de terras

A falta de apoio financeiro directo do Estado colonial impôs sérias limitações à expansão da agricultura colona. Por causa dos elevados custos no aluguer de tractores e máquinas agrícolas, os colonos eram forçados a usar catanas e enxadas para preparar a terra para o cultivo. Uma vez que o uso de instrumentos agrícolas “rudimentares” causava o desgaste físico e retardava o processo de abate das matas e preparação dos terrenos, muitos colonos optaram em ocupar as terras já desbravadas pelos camponeses africanos locais. Samuel Lamula conta-nos como se efectivou o processo de ocupação de terras dos camponeses africanos locais:

Uma vez que os colonos não tinham máquinas bulldozers para lavrarem as terras, eles levaram as nossas terras. Nós saímos e fomos desbravar o mato e abrimos novas machambas. Também fomos empurrados para as terras baixas (Tchotchoane, Chiahene, Mandlakazi e Tshonguene) onde se enchia de água nos períodos de chuva […] depois de abrirmos novas machambas e quando a terra fosse boa, os colonos vinham nos arrancar […] os bulldozers são recentes.65

Em circunstâncias normais, os colonos, mesmo com o auxílio da mão de obra familiar, usando catanas e machados, levariam pelo menos dois a três anos a derrubar uma mata de 62 hectares.66 Ademais, o próprio processo de abate de florestas preparação da terra e cultivo expunha os colonos e as suas famílias a enormes sacrifícios, tais como períodos de fome e nudez.

A ausência de um apoio financeiro directo do Estado colonial reflectiu-se, sobretudo, na fase de instalação dos colonos, por exemplo, no facto de terem construído palhotas para nelas habitar. Ao longo do tempo e consoante os rendimentos que obtinham da produção agrícola, construíam casas de alvenaria. Em geral, e numa fase inicial, a produção colona era feita com juntas de bois, enxadas e catanas usando a mão de obra familiar. Na sua maioria, os colonos continuaram a usar esses instrumentos de produção até 1974. Em alguns casos, os colonos sem tractores pediam emprestado àqueles que os tivessem.67 Refira-se que somente nos princípios da década 1960 surgiram os primeiros camiões e tractores entre os colonos do vale do Sábiè.68

Os chefes de posto em coordenação com os régulos e indunas procediam à identificação das áreas a serem ocupadas pelos colonos. Aos régulos cabia a tarefa de informar e ordenar a retirada da população das terras destinadas à ocupação por colonos. 69Entretanto, o papel e a intervenção do Estado colonial nos povoamentos livre ou espontâneo e orientado restringiu-se e limitou-se a facilidades dadas pelos chefes de posto e restantes instâncias da administração envolvidas na alienação. Eram, com efeito, a pedra angular do processo de fixação de colonos. Amade Sulemane Patel descreve os mecanismos de coordenação entre os chefes de posto, régulos e indunas no processo de alienação de terras:

Quando vinha um branco ia para a administração pedir uma grande área para ser vedada com o propósito de praticar a agricultura e criar gado. Era nessa altura que viam que a área que querem ocupar tinha populações e então tiravam as populações para colocar o branco. Diziam que já tinham comprado as terras e que todas as pessoas tinham que sair. E estas tinham mesmo que sair. Não atingiam os régulos, mas chamavam atenção ao régulo para não permitir que determinadas áreas fossem tocadas ou interferissem. Qualquer área onde a terra fosse boa diziam para as pessoas saírem. O régulo é que devia saber do seu pessoal. Chamavam o régulo e lhe diziam que na sua zona há uma área que vai ser ocupada por um branco. E então diziam ao régulo para preparar o seu pessoal para sair dali e mais nada. Ou, então, o novo dono da terra, o colono, chegava ali e encontrava as pessoas a fazerem mudança e dizia para andarem mais depressa. Não davam satisfação a mais ninguém. Nem pagavam indemnização a ninguém.70

Lucas Mussila, camponês local, desabafa a sua frustração em relação à ocupação de terras dos camponeses africanos locais:

Como o governo era dos colonos portugueses, bastava chegarem os colonos iam ter com o chefe do posto administrativo. Perguntavam-lhe se podiam encontrar algum local onde pudessem fixar-se para trabalharem, e o chefe de posto concedia-lhes. Era o chefe da administração quem lhes mostrava o local onde pudessem trabalhar.71

Sucessivos chefes de posto em coordenação com os régulos Chimuco, no início, e, mais tarde, com Ernesto M. Lamula, prestaram o seu auxílio aos colonos.72

Houve certa preferência na concessão de terras do vale do Sábiè a determinados indivíduos assimilados constituídos essencialmente por mestiços de origem indiana e europeia e alguns indianos. Embora existissem alguns negros assimilados, como é o caso de Cândido Frudel, Misare Mucassa, Mogogwene Cuamba, não tiveram privilégios no acesso às terras das margens do Sábiè. A discriminação no acesso à terra aos não assimilados também era extensiva à obtenção de créditos, equipamentos agrícolas, adubos, fertilizantes e sementes:

Os colonos diziam para que nos assimilássemos para que pudéssemos comprar certas coisas e tivéssemos documentos de assimilados […] nas machambas próximo das margens do rio, tiravam as pessoas que não fossem assimiladas e colocavam-nas longe, mais para o interior, nas terras "espera de chuva". E, dessa forma, ficavam com as terras das margens do rio.73

Ibraimo Jamal, Abobocar Jamal Sade Sidino e Abdula Isakji eram alguns dos assimilados de origem indiana. Havia em todo o Posto Administrativo do Sábiè cerca de 70 assimilados.74

Parcelamento de terras a colonos e ordenamento da população africana

Em certa medida, o processo de parcelamento e concessão de terras a colonos foi acompanhado pelo ordenamento das populações africanas desalojadas. Em termos gerais, as áreas destinadas a colonos eram constituídas por 36.324,5 ha sem incluir as parcelas 86 a 123,75 ao passo que tinham sido reservados apenas 92.57 ha para a restante população africana que deveria usar de acordo com as normas definidas para as terras de segunda classe.76 Também tinham sido repartidas terras que estariam sujeitas ao regime florestal, estradas e povoações com 2.715 ha, 1.007,5 ha e 472,5 ha, respectivamente.77

Uma vez que as autoridades coloniais encaravam a população africana de uma forma paternalista, apresentaram e justificaram o ordenamento como uma estratégia de promover o seu desenvolvimento socioeconómico. Definia-se como alguns dos objectivos do ordenamento das “explorações tradicionais” a sua reestruturação em condições mais favoráveis de terra e dimensão com vista a acelerar o seu progresso técnico-económico com possível recurso à mecanização; apoiar e fomentar o estabelecimento de infraestruturas económicas e sociais depois de eliminada a dispersão da população; acelerar o processo de desenvolvimento do espírito associativo e criação de ambiente favorável a iniciativas de ordem social. O ordenamento era visto como uma forma de combater a dispersão e o emprego de tecnologia primitiva que constituíam uma espécie de travagem para o desenvolvimento social e económico e do espírito associativo.78 Dentro das previsões do IV Plano de Fomento, esperavam-se ordenar 1.000 “explorações tradicionais”79 que envolveriam 5.000 habitantes e com um orçamento que devia cobrir o período entre 1974 e 1979.80 Nesse orçamento, não foi levada em consideração a componente social do ordenamento, contrariando os pressupostos definidos para esta actividade.

Na prática, o ordenamento serviu para confinar a população africana nas terras marginais e menos férteis. Já nessa altura, a Junta Provincial de Povoamento reconhecia abertamente a existência de uma situação crítica em termos de terras disponíveis para pastagens do gado em muitas áreas devido às concessões de terras feitas a colonos e empresas pecuárias: por exemplo, em todos os chefados das regedorias Manengul, Vaja e Sepembane e no chefado do grupo Boi da regedoria Mangalane.81

Assim, a área ao norte do rio Sábiè entre Machatuine e Incomanine deve ter tido uma concentração da população nos blocos XIV, XV e XVI em resultado das concessões de terras feitas nas parcelas 86 a 107,82 ao passo que os camponeses que se encontravam nas parcelas 108-114, 115-118 e 119-123 podem ter tido como destino os blocos XIX, XX e XXI, respectivamente.83 É possível observar que as áreas de destino dos africanos encontravam-se mais para o interior e longe do rio Sábiè e Incomati.

Embora não se sabendo ao certo quais foram as parcelas concedidas e que ficaram por conceder na área junto aos Libombos e ao sul de Macaene, há evidências de que a maioria da população africana teria sido retirada das suas terras. Por exemplo, na parcela 131 com uma área de 2.617,5 ha viviam cerca de 105 famílias camponesas que deveriam ser realocadas no bloco XXV com apenas 1.507,5 ha, onde partilhariam a mesma área com os restantes camponeses provenientes das parcelas 130 e 132. Assim, o bloco XXV passaria a comportar 1.047 famílias.84 Cerca de 1.639 famílias que anteriormente ocupavam uma área de 10.652 ha correspondentes às parcelas 136 a 141 seriam retiradas dessas terras e reinstaladas no bloco XXIX com somente 2.680 ha.85

Se, antes, as populações da regedoria Vaja podiam desfrutar de pelo menos 540 ha de terras férteis junto ao rio Incomati referentes às parcelas 124 a 129, com a concessão dessas áreas a colonos, uma parte substancial dos camponeses foi concentrada no bloco XXIII.86

A inexistência de dados estatísticos independentes da JPP, precisos e com maior detalhe torna difícil ter a percepção do número mais aproximado de camponeses expropriados das suas terras. Além disso, essa situação remete-nos aos dados produzidos por aquela instituição que, por sinal, esteve por detrás da expropriação de terras dos camponeses africanos. Pelo menos esses dados são reveladores das pretensões de alienação de terras.

Paradoxalmente e não obstante as concessões de terra que vinha fazendo, a Junta Provincial de Povoamento propunha soluções para resolver os problemas de acesso a terras de cultivo e de pastagem pelos camponeses que incluíam a partilha de áreas de pastagem implicando a transferência do gado de um grupo para o outro. A título de exemplo, as áreas de pasto comuns dos blocos XXVI, XXVII, XXVIII e XXIX deveriam ser partilhadas entre o gado do grupo Mucacaza e do grupo chefiado pelo próprio régulo Mangalane.87 Essa medida visava beneficiar sobretudo a população da regedoria Mucacaza cuja escassez de terras se fez sentir com maior intensidade. A Junta reconhecia que essa situação tinha sido provocada pelo facto de não ter atribuído terras suficientes para pastagens a essa regedoria e da presença de uma empresa pecuária na área.88

Considerações finais

O povoamento por colonos brancos do vale do Sábiè processou-se de uma forma gradual e obedecendo a duas modalidades de povoamento: livre ou espontâneo e orientado. A colonização desse vale originou a expropriação de terras dos camponeses locais tendo sido forçados a praticar uma agricultura essencialmente de sequeiro e a explorar com maior intensidade as terras baixas de Tchotchoane, Chiahene, Mandlakazi e Tshonguene. A concessão de grandes extensões de terra a colonos para o exercício da actividade pecuária, pelo menos na área junto aos Libombos e ao sul de Macaene, teve como efeito a concentração da população africana em áreas pouco propícias para a criação de gado. Os chefes de posto e os régulos desempenharam um papel determinante na fixação de colonos. Tinham a tarefa de identificar as áreas para a ocupação de colonos; e os régulos deviam ordenar a retirada das populações para as terras baixas ou interiores do seu regulado.

Em 1973, o IV Plano de Fomento recomendou o fim dos colonatos, uma vez que representavam altos investimentos sem possibilidade de retornos nos períodos previamente definidos. Na prática, os colonatos resultaram em altos custos de transporte de colonos portugueses da Europa para Moçambique, altos custos de habitação e infraestruturas que não trouxeram grandes lucros ao governo colonial.89 O golpe de estado de 25 de Abril de 1974, que derrubou o regime fascista em Portugal, teve repercussões negativas sobre a economia colona levando ao abandono de propriedades de terras nos colonatos. O pico do abandono dos colonos registou-se entre o período que medeia os Acordos de Lusaka, em 7 de Setembro de 1974, e a proclamação da independência, a 25 de Junho de 1975.90 Depois da independência, um novo discurso para o desenvolvimento das áreas rurais é veiculado e concretizado em 1977, durante o III Congresso da FRELIMO. O novo governo nacionalista adopta uma ideologia marxista-leninista, economia planificada e centralizada nas mãos do Estado que se repercutiu na implantação de empresas agrícolas estatais. Grande parte delas foi instalada nas áreas anteriormente ocupadas pelos colonos com vista a fazer-se o aproveitamento integral das potencialidades ali existentes. Além disso, a política do novo governo para o sector rural também defendia a implantação de cooperativas e das aldeias comunais.91 Assim, 1974 marca, de alguma forma, um ponto de ruptura com o modo de produção anteriormente vigente assente na economia colona no vale do Sabié com o que foi implantado após a independência.

Todavia, tal como em outras regiões de Moçambique, as políticas adoptadas pelo novo governo para as áreas rurais após o III Congresso em 1977 frustraram as expectativas e anseios das populações africanas locais do Sábie, que tinham depositado muita confiança de que a independência iria marcar uma nova era e que as terras herdadas dos seus ancestrais seriam restituídas e os sistemas de produção anteriores à expropriação e ocupação das suas terras também seriam restabelecidos. Nesse sentido, pode-se afirmar que há uma continuidade das práticas desenvolvimentistas do Estado colonial e pós-colonial no sentido em que a economia camponesa é marginalizada, embora tenha um contributo bastante significativo na economia do país.92

ANEXOS

Tabela 1
Relação de colonos e empresas agropecuárias estabelecidas no Sábiè-Machatuine

Fonte: Lima e Marques, Terras da Moamba, pp. 64-7.

Tabela 2
Relação cronológica dos chefes do Posto Administrativo do Sábiè-Machatuine, 1953-1974

Fonte: Lima e Marques, Terras da Moamba, p. 49

Tabela 3
Orçamento previsto no IV Plano de Fomento (1974-1979) para o ordenamento

Fonte: Presidência do Conselho, IV Plano de Fomento, 1974-1979, p. 154.


Descrição da execução do orçamento (unidade: contos)

Fonte: Direcção dos Serviços de Planeamento e Integração Económica (DSPIE). IV Plano de Fomento, v. 1, 1973, pp. 216-7.


Calendário de investimentos para o triénio 1974-1976 (unidade: contos)

Fonte: DSPIE, IV Plano de Fomento, v. 1, 1973, pp. 216-7.


Calendário de investimentos para o triénio 1977-1979 (unidade: contos)

Fonte: DSPIE, IV Plano de Fomento, v. 1, 1973, p. 219.

Tabela 4
Áreas defnidas para a reinstalação dos camponeses africanos no âmbito do ordenamento

* Áreas de origem dos camponeses

Tabela 5
Total das áreas destinadas aos camponeses a norte do Rio Sábiè com base no Projecto de Parcelamento de Machatuine

Tabela 6
Total das áreas destinadas a colonos a norte do rio Sábiè com base no Projecto de Parcelamento de Machatuíne

Fonte: Junta Provincial de Povoamento, Projecto de Parcelamento da Região do Sábiè, v. 2, 1969.

Notas

1 Entre os trabalhos sobre o Colonato do Limpopo contam-se os seguintes: Otto Roesh, “Socialism and Rural Development in Mozambique: The Case Study of Aldeia Comunal 24 de Julho” (Ph. D. Thesis, University of Toronto, 1986); Ana João da Silva, “Diferenciação camponesa e agricultura colonial: o caso do Baixo Limpopo, Distrito de Xai-Xai, 1950-1974" (Tese de Licenciatura, Instituto Superior Pedagógico, Faculdade de Ciências Sociais, Maputo, 1992); Luís A. Covane, “Migrant Labour and Agriculture in Southern Mozambique with Special Reference to the Lower Limpopo Valley 1920- 1992” (Ph. D. Thesis, University of London, 1996); Salimo Valá, “A história da posse da terra na região agrária de Chókwè (1975-1995)” (Tese de Licenciatura, Universidade Eduardo Mondlane, 1996); Kenneth Hermele, “Lutas contemporâneas pela terra no Vale do Limpopo: estudo de caso do Chokwé, Moçambique, 1950-1985”, Estudos Moçambicanos, n. 5/6 (1986), pp. 53-81; Kenneth Hermele, Land Struggles and Social Differentiation in Southern Mozambique: a Case Study of Chokwe, Limpopo 1950-1987, Uppsala: Scandinavian Institute of African Studies, 1988. Entre os trabalhos feitos no período colonial podem-se apontar os de Carlos do Amaral Osório, “Pontos de vista sobre colonização: a propósito da irrigação do Vale do Limpopo”, BSECM, n. 17 (1934), pp. 193-204; J. Granger, “Irrigação do Vale do Limpopo”, BSECM, n. 19 (1934), pp. 227-61; Ed. Correia de Matos, “Parecer sobre aproveitamento agro-pecuário dos terrenos irrigáveis dos Vales dos Rios Limpopo e Umbeluzi”, BSECM, n. 1 (1935), pp. 47-59; José Maria Gaspar, "Angola e Moçambique e o problema do seu povoamento nos séculos XIX e actual”, Estudos Ultramarinos, n. 3 (1961). Parte dos estudos aqui referidos apontam para os debates havidos entre os projectos de aproveitamento do Vale do Limpopo, elaborados pelos engenheiros inglês e português Balfour e Trigo de Morais, respectivamente.
2 Colonatos eram regiões de ordenamento e fixação de colonos europeus organizados de forma a tentar recriar, em Moçambique, a pequena propriedade rústica portuguesa. Também tinham o objectivo de estabelecer zonas que deviam constituir barreira ao avanço de qualquer movimento nacionalista. Ver David Hedges, Aurélio Rocha et al., História de Moçambique. Moçambique no auge do colonialismo, 1930-1961, v. 3, Maputo: Departamento de História, Faculdade de Letras, Universidade Eduardo Mondlane, 1993, p. 165. Os portugueses adquiriram a experiência dos colonatos sobretudo em Israel, para onde foram enviadas missões de estudo. Para aprofundar este aspecto, ver Viriato Faria da Fonseca, Colonização (Relatório de uma missão de estudo a Israel), Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar; Centro de Estudos Políticos e Sociais, 1960.
3 Entre 1955 e 1972, o actual Posto Administrativo do Sábiè (PAS) tinha a designação de Machatuine. Por isso, neste artigo, faz-se alusão a Machatuine. Foi em 1958 que foram definidos claramente os seus actuais limites geográficos. Ver Portaria n. 12.624, de 19 de Agosto de 1958, I Série, n. 33, p. 676. O posto administrativo do Sábiè constitui um dos quatro postos que compõem o distrito da Moamba e possui uma área de cerca de 2.013 km². Encontra-se entre as coordenadas 25º 19’,6” de latitude sul e 32º 14’,0 de longitude este estando a sua sede localizada na vila de Sábie. Os seus limites geográficos são os seguintes: ao norte e a oeste, encontra-se o distrito de Magude; ao sul, faz limite com os postos administrativos de Ressano Garcia e Moamba sede, tendo como linha divisória o rio Incómati; e a este, o seu limite é com a RAS. Esse posto é constituído actualmente pelas localidades de Sábiè sede, Macaene, Rengue, Malengane e Matunganhane.
4 Joana H. M. P. Pereira Leite, “La formation de l’économie coloniale au Mozambique. Pacte colonial et industrialisation: du colonialisme portugais aux réseaux informels de sujétion marchand - 1930/1974” (Tese de Doutoramento, École de Hautes Études en Sciences Sociales, 1989), pp. 221-54; Cláudia Castelo, “O branco do mato de Lisboa: A colonização agrícola dirigida e os seus fantasmas”, in Cláudia Castelo et al. (orgs), Os outros da colonização: ensaios sobre o colonialismo tardio em Moçambique, Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2012, pp. 28-9. Cláudia Castelo refere que a acção do Estado colonial em relação ao povoamento dirigido era quase nula nos princípios dos anos 1950, ao passo que a colonização espontânea era desencorajada sobretudo quando envolvesse portugueses sem capital ou qualificações escolares e profissionais necessárias. Isso tinha a ver com o receio da suposta cafrealização ou o fantasma dos brancos pobres. Em resultado disso, grande parte dos emigrantes da metrópole era constituída por “pessoal especializado, quadros técnicos e dirigentes do sector público e privado, articulando-se com uma colonização assente na exploração económica das matérias-primas e da mão-de-obra africanas”. Castelo, “O branco do mato”, pp. 28-9.
5 Castelo, “O branco do mato”, p. 29.
6 Marc Wuyts, “Economia política do colonialismo português em Moçambique”, Estudos Moçambicanos, n. 1 (1980), p. 21.
7 Wuyts, “Economia política”, p. 21. Ver João Paulo B. C. Coelho, “Protected Villages and Communal Villages in the Mozambican Province of Tete (1968-1982): A History of State Resettlement Policies, Development and War” (Ph. D. Thesis, University of Bradford, 1993), pp. 150-2.
8 Castelo, “O branco do mato”, p. 30.
9 Jeanne Marie Penvenne, African Workers and Colonial Racism: Mozambican Strategies and Struggles in Lourenço Marques, 1877-1962, Portsmouth; Johannesburg; London: Heinemann; Witwatersrand University Press; James Currey, 1995; Allen Isaacman, Cotton is the Mother of Poverty: Peasants, Work, and Rural Struggle in Colonial Mozambique, 1938-1961, Portsmouth; Cape Town; London: Heinemann; David Philip; James Currey, 1996; Omar Ribeiro Thomaz, “Duas meninas brancas”, in Elena Brugioni et al. (orgs), Itinerâncias: percursos e representações da pós-colonialidade (Braga: Universidade do Minho, 2012), p. 413.
10 Penvenne, African Workers; Isaacman, Cotton is the Mother; Thomaz, “Duas meninas brancas”.
11 Castelo, “O branco do mato”, p. 35.
12 Wuyts, “Economia política”, p. 19.
13 Ver Leite, “La formation de l’économie”, pp. 227-81.
14 Hedges, Rocha et al., História de Moçambique, p. 161.
15 Hedges, Rocha et al., História de Moçambique, p. 161.
16 Leite, “La formation de l’économie”, pp. 289-98.
17 David Hedges, “Perspectives on the History of Maputo Province” (Venda, September 15-18, 1995, mimeo), 3; Robert D’A. Henderson, “Two Aspects of Land Settlement Policy in Mozambique, 1900 - 1961”, in The Society of Southern Africa in the 19th and 20th Centuries, v. 6 (University of London, Institute of Commonwealth Studies, 1976), p. 144; Leite, “La Formation de l’Économie”, p. 223.
18 Hedges, Rocha et al., História de Moçambique, p. 164; Hermele, Land Struggles, p. 10; Camilo Silveira da Costa, "A fixação do militar desmobilizado em Moçambique", Boletim Geral do Ultramar, v. 43, n. 507 (1967), pp. 69, 87-96; Castelo, “O branco do mato”, p. 29. Castelo apresenta a evolução da população metropolitana em Moçambique.
19 Hedges, Rocha et al., História de Moçambique, p. 165. Importa referir que a Missão de Fomento e Povoamento do Vale do Zambeze (MFPZ), entidade responsável pela elaboração do projecto de construção da Barragem de Cahora Bassa e pelo desenvolvimento de vários tipos de indústrias (alimentar, mineira, madeireira, etc), tinha planos de atrair para a região do vale do Zambeze cerca de um milhão de colonos para a prática agrícola nos colonatos. As restantes componentes do projecto não foram concretizadas excepto a Barragem de Cahora Bassa. Apesar disso, e tal como os colonatos, Cahora Bassa é um exemplo sintomático do alto-modernismo do colonialismo tardio português que visava essencialmente cimentar a presença colonial em Moçambique. Ver Eléusio Filipe, ‘“The Dam Brought Us Hunger’: A History of the Building of Cahora Bassa Dam, Work, Aldeamentos, and the Social, Economic and Environmental Transformations in Mutarara and Sena, 1969-2000” (MA Thesis, University of Minnesota, 2003) (Capítulo 1); Allen F. Isaacman e Barbara S. Isaacman, Dams, Displacement, and the Delusion of Development: Cahora Bassa and Its Legacies in Mozambique, Ohio: Ohio University Press, 2013 (capítulo 1).
20 A. Rita-Ferreira, Agrupamento e caracterização étnica dos indígenas de Moçambique, Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1958, p. 33; Alfredo Pereira de Lima e António Rodrigues Marques, Terras da Moamba, Lourenço Marques: Câmara Municipal de Lourenço Marques, 1973, pp. 51-5.
21 Henrique A. Junod, Usos e costumes dos Bantus: A vida duma tribo do Sul de África, Tomo I: Vida Económica e Social, Lourenço Marques: Imprensa Nacional de Moçambique, 1974, pp. 21-39.
22 Lima e Marques, Terras da Moamba, p. 54; Junta Provincial de Povoamento, Projecto de Parcelamento da Região do Sábiè, v. 2: Zona de Machatuine, Lourenço Marques, 1969.
23 Lima e Marques, Terras da Moamba, p. 54.
24 JPP, Projecto de Parcelamento da Região do Sábiè.
25 Lima e Marques, Terras da Moamba, p. 54; JPP, Projecto de Parcelamento.
26 Administração da Circunscrição do Sábiè, Monografia psicossocial, Posto Administrativo de Machatuine, 1963, p. 3.
27 JPP, Projecto de Parcelamento, p. 13. Esses dados foram obtidos no decurso da elaboração do projecto de parcelamento da área a norte do rio Sábiè.
28 A pesquisa incidiu nos ex-regulados de Chiquizela e Sepembane. Neste último regulado foi possível visitar as áreas dos ex-chefes de terra Daimane e Ligongolo. No período colonial, a área de Daimane foi ocupada pelo Instituto do Algodão de Moçambique (I.A.M.) e pelos colonos. Depois da independência, foi constituída uma machamba estatal na área, precisamente no bloco 48. Actualmente, essas áreas pertencem ao sector familiar no regadio. As terras do actual sector privado, especialmente o bloco 5, também foram ocupadas por colonos e mais tarde por cooperativas. No geral, o regadio do Sábiè faz parte da área de estudo, uma vez que os colonos ocuparam essas terras. Também foi possível visitar as terras baixas e áreas circunvizinhas: Tchotchoana e Tchongwene, Mandlakazi, Chiahene e Mwamarime.
29 JPP, Projecto de Parcelamento; Lima e Marques, Terras da Moamba, p. 63.
30 Decreto n. 43.895, de 6 de setembro de 1961, Boletim Oficial de Moçambique, n. 36 (1961), Série I.
31 M. Schaedel, Eingeborenen-Arbeit: Formen der Ausbeutung unter der Portugiesischen Kolonialherschaft in Mosambiki (Native Labour: Forms of Exploitation under Portuguese Colonial rule in Mozambique), Koln: Pahl-Rugenstein Verlag, 1984, p. 43.
32 O projecto foi antecedido da elaboração de estudos preliminares, relacionados com o cadastro da zona, o inquérito sobre a ocupação da zona por camponeses africanos e o esboço de uma carta de aptidão pecuária e de aproveitamento agrícola. O primeiro estudo consistiu no levantamento e indicação da situação jurídica dos terrenos e seu aproveitamento. O segundo, no reconhecimento da ocupação da zona pelos camponeses africanos e do seu efectivo pecuário e a delimitação da divisão administrativa tradicional. O último estudo consistiu no levantamento do tipo de revestimento vegetal e a estimativa da carga pecuária potencial. JPP, Projecto de Parcelamento da Região do Sábiè.
33 Os relatórios sobre a execução do projecto de parcelamento poderiam permitir avaliar, com maior profundidade, a dimensão da fixação de colonos e a consequente expropriação de terras. Contudo, as entrevistas efectuadas no campo permitem ter a ideia do impacto da expropriação de terras sobre a economia camponesa.
34 Entrevistas com Felismina Escudo Mulhovo, PAS, 13/07/1999; José João Viana, Alexandre Tovela, PAS, 16/07/1999. As infraestruturas criadas com o propósito de permitir a fixação de colonos tais como os canais de rega, diques e represas encontram-se actualmente sob gestão do Gabinete de Gestão do Regadio Sábiè-Inkomati (GAGER). Todos os informantes asseguram que tais infraestruturas incluindo os tanques carrecicidas foram construídos no período colonial na “altura em que se estava a fomentar o Sábiè”. Na área de Sábiè, encontravam-se a funcionar 14 tanques carrecicidas.
35 Direcção dos Serviços de Planeamento e Integração Económica, IV Plano de Fomento, v. 1: Fomento Agrário (Parte III- Relatórios Sectoriais; Tomo I- Desenvolvimento Agrário), Lourenço Marques, 1973, pp. 140-1. São alguns exemplos desta modalidade de povoamento agrário, as zonas referidas e inseridas no IV Plano de Fomento. Ver Presidência do Conselho, IV Plano de Fomento, 1974-1979, Moçambique, p. 147. Também se pode referir o colonato de Sussudenga em Manica. Ver Joel das Neves Tembe, “Economy, Society and Labour Migration in Central Mozambique, 1930-c.1965: A Case Study of Manica Province” (Ph. D. Thesis, University of London, SOAS, 1998).
36 Arnaldo A. Reis Figueira, “O povoamento dirigido: factores condicionantes, principais causas de insucesso”, Ultramar, v. 11, n. 41/42 (1970), p. 105; DSPIE, IV Plano de Fomento, v. 1, p. 140. Para uma abordagem sobre esta temática, pode-se ver também os artigos de Nunes dos Santos, “Colonização e povoamento”, Estudos de Ciências Políticas e Sociais, n. 33 (1960), pp. 19-47; João Maria Gaspar, “Sistemas de povoamento”, Estudos de Ciências Políticas e Sociais, n. 33 (1960), pp. 51-65; Nunes Morgado, “Perspectivas demo-económicas do povoamento”, Estudos de Ciências Políticas e Sociais, n. 33 (1960), pp. 105-23.
37 Ver Hermele, Land Struggles; Hedges, Rocha et al., História de Moçambique; Covane, “Migrant Labour”; Valá, “A história da posse”. Claúdia Castelo revisita as análises sobre as formas de povoamento mais encorajadas pelo governo colonial português, incidindo também sobre a heterogeneidade dos colonos metropolitanos e a evolução do colonato do Limpopo. Castelo, “O branco do mato”, pp. 30, 32-43.
38 Entrevista com Cândido Afonso Frudel, PAS, 19/07/1999; ver Philip Raikes [SL/SD], p. 21. Entretanto, a obra de Lima e Marques, Terras da Moamba, e o informante Daniel Escudo Mulhovo sugerem-nos que o primeiro agricultor branco a estabelecer-se no Sábiè foi Francisco Maria Freire, em 1925, que deve ter se fixado na área do chefe de terras Dinguidava do regulado Sepembane e abandonado a área devido as cheias de 1937 (cheias de Mutchape).
39 Lima e Marques, Terras da Moamba, p. 63.
40 Entrevistas com Cândido Afonso Frudel, 19/07/1999; Armando Mulhovo, PAS, 15/07/1999 e Jorge Mussa, PAS, 19/07/1999.
41 Lima e Marques, Terras da Moamba, pp. 64-7. Entrevistas com Cândido Afonso Frudel, PAS, 19/07/1999; Sulemane Batata, PAS, 21/07/1999; Catarina Covane e Regina Ngovene, PAS, 15/07/1999. Ver, nos anexos, a Tabela 1.
42 Este colono também possuía terras ao longo do vale do Sábiè no regulado Vaja. Entrevista com José Freitas, PAS, 30/07/1999.
43 Lima e Marques, Terras da Moamba, pp. 64-7. Entrevista com Cândido Afonso Frudel, PAS, 19/07/1999 e Sulemane Batata, PAS, 21/07/1999. Ver nos anexos a Tabela 1.
44 Lima e Marques, Terras da Moamba, p. 63.
45 Decreto n. 43.894, de 6 de setembro de 1961, do Boletim Oficial de Moçambique, n. 36 (1961), Série I.
46 Decreto n. 43.894, de 6 de setembro de 1961, do Boletim Oficial de Moçambique, n. 36 (1961), Série I..
47 Schaedel, Eingeborenen-Arbeit, p. 41. Em relação ao impacto e signifi da legislação promulgada a 6 de Setembro de 1961 na perspectiva colonial, ver César Augusto Ferreira de Castro Coelho, As Reformas de 6 de Setembro de 1961 e a sua Incidência Política Social em Moçambique” (Tese de Licenciatura, I.S.C.S.P.U, 1964).
48 Ver Schaedel, Eingeborenen-Arbeit, pp. 44-5. Entretanto, Schaedel, pp. 44-7, mostra que, entre 1955 e 1961, quase todo o vale do Maputo encontrava-se sob posse dos colonos brancos, e somente pequenas parcelas de terra permaneceram com os africanos que ali viviam e cultivavam. Depois de 1961, processos similares tiveram lugar ao longo do Incómati, Matola, outras partes do Limpopo e ao longo do Révuè. Schaedel apresenta exemplos interessantes de expropriação de terras e marginalização dos camponeses referentes ao então distrito de Inhambane.
49 Schaedel, Eingeborenen-Arbei, p. 45.
50 Schaedel, Eingeborenen-Arbei, p. 45.
51 Entrevista com Amade Sulemane Patel, PAS, 13/07/1999.
52 Lima e Marques, Terras da Moamba, p. 66. Entrevistas com José Loureiro, PAS, 19/07/1999; José Freitas, PAS, 30/07/1999 e com Cheeuasse Maholela e Cacilda Miochua, PAS, 15/07/1999.
53 Entrevista com José Freitas, PAS, 30/07/1999. O informante foi empregado comercial de uma das lojas de Amadeu no Sábiè e nos relata que, na altura em que as lojas eram feitas de palhotas, os colonos portugueses não tinham casas (de alvenaria) e transportavam as suas mercadorias entre Sábiè e Lourenço Marques com juntas de bois puxando carroças. Nesse percurso, levavam uma semana. Por exemplo, “o Amadeu tinha cerca de 7 a 8 juntas de bois com carroças e levava uma semana do Sábiè para Lourenço e vice-versa com mercadorias. Saía numa semana e voltava na semana seguinte”. Pelo menos até aos princípios da década 1970, muitas lojas passaram a ser de madeira e zinco.
54 Entrevista com José Loureiro, PAS, 19/07/1999. De acordo com esse entrevistado, Amadeu A. Gonçalves esteve no Massintonto com o pai próximo da plantação São Tiago. Seu pai desenvolvia a actividade comercial, a agricultura e a criação de gado. Devido a desavenças com o pai, Amadeu abandonou o pai e seu irmão mais novo, Mário, tendo se fixado em Matucanhane como proprietário de uma padaria e, mais tarde, em Incomanine como cantineiro. Na localidade de Sábiè, Amadeu Alcino Gonçalves também se tornou agricultor, criador de gado e cantineiro. Note-se que, para além deste, havia outros colonos que antes de se estabelecerem no Sábiè desenvolviam a actividade comercial como é o caso de João Valdir (Sasseka).
55 O entrevistado nos revelou tal facto, e também foi nos dado a saber por meio dos outros entrevistados.
56 Entrevista com José Freitas, PAS, 30/07/1999. Tal como Cláudia Castelo observa, “as duras condições de trabalho e de vida levaram muitos portugueses a abandonar o colonato [do Limpopo]”. Castelo. “O branco do mato”, p. 36.
57 Entrevista com Zamudine Agy Amisse Abdula, PAS, 28/07/1999. As ruínas das casas de António Mendes ainda são visíveis no regadio de Sábiè. Era possuidor de grandes machambas no Sábiè, onde plantava batata e arroz, e em Matunganhane, onde plantava milho. Também possuía lojas em Matunganhane e outras tantas em Mavhila (Chiquizela). Fazia criação de gado leiteiro, caprino, suíno e alguns carneiros.
58 Thomaz, “Duas meninas brancas”, p. 415; Omar Ribeiro Thomaz e Sebastião Nascimento, "Nem Rodésia, nem Congo: Moçambique e os dias do fim das comunidades de origem europeia e asiática”, in Cláudia Castelo et al. (orgs.), Os outros da colonização: Ensaios sobre o colonialismo tardio em Moçambique (Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2012), p. 329. Usando duas narrativas de duas meninas brancas uma de nome Isabela e a outra Isabella, Thomaz problematiza as diferentes experiências de vida da população colona em Moçambique. O autor nos lembra que a população colona nunca foi homogênea na sua composição e suas aspirações. Ver, também, Thomaz e Nascimento. “Nem Rodésia, nem Congo”. pp. 326-30.
59 Entrevista com Sulemane Batata, PAS, 21/07/1999. Sobre essa matéria, ver Camilo Silveira da Costa, "A fixação do militar desmobilizado em Moçambique", Boletim Geral do Ultramar, n. 507 (1967), pp. 61-97.
60 Entrevista com José Freitas, PAS, 30/07/1999. Ver também Castelo, “O branco do mato”, pp. 34-5.
61 Entrevistas com José Freitas, PAS, 30/07/1999 e Cândido Afonso Frudel, PAS, 19/07/1999. Tratavam-se, com efeito, de sacos de sisal usados para a comercialização de milho dos camponeses africanos. Os sacos vazios podiam chegar a pesar quase dois quilos. As mulheres dos colonos cortavam os sacos e usavam-nos como saias.
62 Entrevista com Cândido Afonso Frudel, PAS, 19/07/1999.
63 Entrevista com José Freitas, PAS, 30/07/1999. Segundo o mesmo informante, Jordão e João Cobelo plantavam cerca de 150 a 100 toneladas de sementes de batata, respectivamente, em cada campanha.
64 Ver Tabela 1. Para além dos colonos já referidos, encontravam-se no vale do Sábiè os seguintes: José Coveiro, Azevedo, “Wachinengane” e seu genro, “Kuchatika”, “Makuarana”, “Mungista”, “Chidjumana” e outros. A população africana local atribuía aos colonos nomes africanos consoante as características físicas e a personalidade. Segundo referem os nossos entrevistados Catarina Covane, Cândido Frudel, Suleimane Batata, José Loureiro e José Freitas, a população africana atribuía esses nomes aos colonos em forma de gozo. A título de exemplo, o nome Sasseka, atribuído a João Valdir, se devia ao facto de manter a sua loja constantemente limpa, segundo nos revela José Freitas, 30/07/1999.
65 Entrevista com Samuel Lamula, PAS, 14/07/1999.
66 Entrevista com Amade Patel. Por exemplo, esse informante adquiriu um terreno de 62 hectares em Magauana, nas margens do Incómati, em 1964. Devido a falta de máquinas para desbravar, empregou catanas e machados para o efeito, o que lhe levou três anos.
67 Entrevista com Amade Patel.
68 Amadeu A. Gonçalves foi o primeiro colono a introduzir um camião de marca Chevrolet no Sábiè por volta de 1961 e 1962. Logo depois, seguiu-lhe Daúde Bemate, de origem indiana, que também comprou um camião da mesma marca. Até 1963, existiam apenas três tractores de marca Massey Ferguson. Entrevista com José Freitas, PAS, 30/07/1999.
69 Até meados da década 1960, o régulo de Chiquizela era Chimuco. Ver Administração da Circunscrição do Sábiè, Monografia psicossocial, Posto Administrativo de Machatuine, 10/10/1963 (Arquivo Histórico de Moçambique). Com a morte de Chimuco, o régulo passou a ser Ernesto Machate Lamula, sobrinho do primeiro, até a altura da independência.
70 Entrevista com Amade Sulemane Patel, PAS, 21/07/1999.
71 Entrevista com Lucas Mussila, PAS, 21/07/1999.
72 Ver Tabela 2.
73 Entrevista com Lucas Mussila, PAS, 21/07/1999.
74 Dados colhidos com base no livro de cobrança de impostos na sede da administração do Sábiè.
75 Ver Tabela 6.
76 Ver Tabela 4 e Tabela 5.
77 JPP, Projecto de Parcelamento da Região do Sábiè, v. 2. Estes dados podem ser observados na Tabela 4, referente a repartição geral das terras incluída no projecto de parcelamento.
78 Presidência do Conselho, IV Plano de Fomento, p. 140; Direcção dos Serviços de Planeamento e Integração Económica, IV Plano de Fomento, v. 1, Fomento Agrário (Parte III - Relatórios Sectoriais; Tomo I - Desenvolvimento Agrário), Lourenço Marques, 1973, p. 215.
79 Cada uma das explorações era constituída por um determinado número de famílias.
80 Presidência do Conselho, IV Plano de Fomento, 1974-1979, pp. 140, 145, 154. Ver Tabela 3.
81 JPP, Projecto de Parcelamento da Região do Sábiè, v. 2, p. 17.
82 Ver Tabela 4 e Tabela 5.
83 Não é possível ter uma ideia do número de camponeses afectados nem da dimensão das parcelas e blocos em causa, uma vez que constam do volume 1 do projecto de parcelamento, a que não foi possível ter acesso.
84 JPP, Projecto de Parcelamento da Região do Sábiè.
85 Ver Tabela 4 e Tabela 5.
86 Ver Tabela 4 e Tabela 5.
87 Ver Tabela 4 e Tabela 5.
88 JPP, Projecto de Parcelamento da Região do Sábiè, p. 18.
89 José Negrão, “One Hundred Years of African Rural Family Economy: The Zambezi Delta in Retrospective Analysis” (Ph. D. Thesis, University of Lund, 1995), p. 120; Covane refere que, mesmo antes das transformações económicas e políticas ocorridas em Moçambique em resultado do golpe de estado de 25 de Abril de 1974, a administração colonial já se sentia seriamente desapontada com os fracos rendimentos e a incapacidade da economia colona. Covane, “Migrant Labour”, p. 285.
90 Covane, “Migrant Labour,” p. 285; Hermele, Land Struggles, vê o abandono do colonato do Limpopo em resultado do impacto da independência nacional e estende a sua análise ao impacto causado pelas medidas ou decisões tomadas pelo III Congresso em 1977, sobre a política agrária em geral e, muito em particular, sobre o colonato do Limpopo. Sustenta que as medidas tomadas durante o congresso levaram à retirada dos últimos colonos. Valá, “A história da posse”, considera que o golpe de estado de 25 de Abril acelerou o abandono do colonato do Limpopo por portugueses.
91 Philip Raikes, Agricultural Production in the Sabié Valley, Southern Mozambique (Relatório), [S. l.: s. d.] (mimeo) (Centro de Estudos Africanos, Universidade Eduardo Mondlane), pp. 7-10; FRELIMO, O Partido e as classes trabalhadoras moçambicanas na edificação da democracia popular (Relatório do Comité Central ao 3º Congresso), Maputo, 1977, pp. 117-27; FRELIMO, Directivas económicas e sociais (Documentos do Terceiro Congresso), Maputo, 1977, pp. 32-48; CEA/UEM, Reforma agrária e desenvolvimento rural na República Popular de Moçambique - Documento Preparado para a Conferência Mundial sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, Julho de 1978, pp. 9-22, 25-31; Merle Luanne Bowen, “Let’s Build Agricultural Producer Cooperatives: Socialist Agricultural Development Strategy in Mozambique, 1975-1983” (Ph. D. Thesis, University of Toronto, 1986), pp. 101-13.
92 O período após a independência está fora do âmbito deste artigo e merece um tratamento mais profundo num outro trabalho. No entanto, para uma análise da transição de Moçambique à independência, adopção de uma ideologia marxista-leninista, economia centralizada e seus efeitos, ver: Margaret Hall e Tom Young, Confronting Leviathan: Mozambique Since Independence, Athens; Ohio: Ohio University Press, 1997; Joseph Hanlon, Mozambique: The Revolution Under Fire, London; New Jersey: Zed Books Ltd, 1990; M. Anne Pitcher, “Recreating Colonialism or Reconstructing the State? Privatization and Politics in Mozambique”, Journal of Southern African Studies, v. 22, n. 1 (1996), Special Issue: State and Development, pp. 49-74; Hans Abrahamsson e Anders Nilsson, Moçambique em transição: um estudo de desenvolvimento durante o período 1974-1992, Maputo: Padrigu; CEEI-ISRI, 1994; 1998; Patrick Chabal, “Mozambique”, in Patrick Chabal et al. (eds), A History of Postcolonial Lusophone Africa (Bloomington; Indianapolis: Indiana University Press, 2002), pp. 227-31; Thomas H. Henriksen, Revolution and Counterrevolution: Mozambique War of Independence, 1964-1974, London: GreenWoods Press, 1983; João Mosca, Economia de Moçambique: Século XX, Lisboa: Instituto Piaget, 2005; Barry Munslow, Mozambique: The Revolution and its Origins, London: Longman, 1983; Kathleen E. Sheldon, Pounders of Grain: A History of Women, Work, and Politics in Mozambique, Portsmouth: Heinemann, 2002; Christian Geffray, A causa das armas: antropologia da guerra contemporânea em Moçambique, Porto: Afrontamento, 1991.


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