DOSSIE
Recepção: 8 Junho 2021
Aprovação: 18 Outubro 2021
DOI: https://doi.org/10.9771/aa.v0i65.44960
Resumo: O presente artigo recupera fragmentos da vida do marinheiro Duarte José Martins da Costa, cujas experiências de escravidão e de liberdade estiveram nas encruzilhadas do comércio negreiro entre as costas ocidental e centro-ocidental da África e a do Brasil. Por meio de sua trajetória, cotejamos as conexões atlân- ticas que envolveram negociantes de pequeno porte, marítimos, agenciadores de cativos; libertos, escravizados, livres; europeus, americanos, africanos; brancos, negros e “mestiços”, os quais compõem o que denominamos de “rede miúda” do tráfico negreiro também responsável pela amplitude do comércio ilegal do Brasil do século XIX.
Palavras chave: Africanos, Libertos, Marinheiros, Tráfico atlântico de escravos, Escravidão.
Abstract: This article presents fragments of the life of Duarte José Martins da Costa, a sailor whose experiences of enslavement and freedom were at the cross- roads of the slave trade between West and Central-West Africa and Brazil. Through his trajectory, we examine the Atlantic connections betweensmall businesses, seafarers, captive brokers; freed, enslaved, and free people; Europeans, Americans, Africans; whites, blacks, and “mixed race” people who constituted what we call the “small network” of the slave trade and who were also responsible for its breadth illegal in nineteenth-century Brazil.
Keywords: Africans, Freed men, Sailors, Atlantic slave trade, Slavery.
Inúmeros africanos escravizados viveram experiências transconti- nentais de escravidão e de liberdade atravessando partes das Áfricas, Europas e Américas. Não poucos permaneceram muito tempo em portos, cais e conveses improvisados ou mesmo em temporadas oceânicas entre margens atlânticas. O africano Duarte José Martins da Costa foi um deles, embora ainda sejam desconhecidos muitos detalhes sobre a sua escravização, como dados sobre embarque para o Brasil, ocupações, primeiros senhores e a conquista da alforria.
Paradoxalmente sabemos mais sobre a atuação de Duarte como marinheiro e pequeno mercador do tráfico atlântico na primeira metade do século XIX. Seu percurso se cruza com aqueles de centenas de marinheiros africanos libertos e escravizados que atuaram em embarcações negreiras envolvidas no comércio ilegal nas décadas de 1830 e 1840. 1 Duarte teve registrados pedaços de sua vida, marcas, parentes, filhos, amigos e negócios espalhados em diferentes lugares. Em 1854, Duarte morava no Recife e, ao ditar o seu testamento, declarou que sua mulher e seu filho – com os quais não tinha contato havia mais de 15 anos – moravam no Rio de Janeiro. Certamente era um momento difícil para ele, com 55 anos, afastado de familiares, doente e ainda endividado. A separação da esposa, ocorrida no início da década de 1840, fora motivada, segundo ele próprio, por adultério em resposta às suas longas ausências. Duarte tinha 38 anos na ocasião e embarcara como marinheiro no Ermelinda, o mesmo navio em que viajou o cozinheiro africano Rufino José Maria. 2 Duarte foi descrito apenas como grumete, ou seja, aprendiz de marinheiro; de qualquer modo, ambos atuavam como pequenos negociantes, trazendo e levando mercadorias nos negreiros. Na carga do Ermelinda seriam anotadas tanto pipas de aguardente, açúcar e tabaco como caixas de doces e charutos, tudo transformado em moeda de troca na agenda mercantil desses marinheiros africanos. O aprisionamento do Ermelinda, seu envio para Serra Leoa e posterior julgamento em 1842 geraram prejuízos incalcu- láveis para Duarte, principalmente em relação aos produtos perecíveis que carregava. Não foi por outro motivo que entrou com uma ação judicial contra o governo inglês, solicitando ressarcimento de 978$000 réis, relativos ao valor da carga de sua propriedade acrescido de juros. Naquele ano de 1854, ao ditar seu testamento, muito endividado, Duarte listaria empréstimos que tinha feito junto a outros africanos, como 100$000 réis em razão de uma dívida contraída com o preto forro Francisco Manoel da Costa. 3 Duarte usara esse dinheiro para tratar da sua saúde, mas também para adquirir cativos. Comprara Benedita, uma preta velha, mas ainda não tinha quitado a dívida arcada nesse negócio. No testamento, Duarte listou tanto seus débitos como os seus créditos. Ao africano Rufino, devia 32$000 réis, pois este teria vendido a Duarte um escravizado de sua propriedade. As revelações de seu testamento – suposto adultério, ausências conjugais, afastamentos marítimos, confissões de dívidas e reconhe- cimento de créditos – desmascaram faces da extensa rede miúda do tráfico negreiro, as quais articularam Duarte e outros tantos africanos libertos, marinheiros, pequenos mercadores, negociantes e proprietários de escravizados em diversos espaços atlânticos. Ainda sabemos pouco sobre Duarte no Rio de Janeiro, onde moravam filho e mulher, ou sobre possíveis andanças por Salvador, onde Rufino havia também deixado filhos. Menos ainda sobre suas permanências no litoral africano, entre idas e vindas, nos ancoradouros, nas praias, nos barracões e nos entrepostos.
Nesse contexto, questionamo-nos: como funcionavam as redes tecidas por marinheiros africanos libertos que atuavam no tráfico? Em relação a várias cidades escravistas, a historiografia aponta evidências de que africanos atlânticos, como Duarte e outros, não só constituíram finas redes, como reorganizaram alianças e identidades. Por exemplo, Duarte seria um dos testamenteiros da africana Luzia Muniz, igualmente savalu como ele; ou seja, oriundos da área gbe na extensão do atual Golfo do Benin. Luzia era casada com o africano Manoel Maxado, também savalu. Esse casal e outros tantos africanos libertos no Recife detalhariam em seus testamentos a posse de escravizados da África. 4 Certamente Duarte fazia as mediações em torno das compras e das escolhas de africanos a serem adquiridos pelos vários libertos, uma vez que estava sempre em trânsito nas viagens atlânticas. Também através de Duarte muitos pequenos empreendedores africanos forros fizeram chegar seus produtos na costa da África, produzindo, assim, um comércio miúdo intra-atlântico sob controle e financiamento dos próprios africanos libertos no Brasil e seus intermediários.
Recuperando pedaços da vida de Duarte José Martins da Costa, entre experiências de escravidão, de liberdade e redes do comércio ilegal, cotejamos conexões atlânticas que envolveram negociantes de pequeno porte, marinheiros, agenciadores de cativos; libertos, escravizados, livres; europeus, brasileiros, africanos; brancos, negros e “mestiços”. 5 Nessas conexões, não só se reproduziam dimensões da mercancia negreira, como se disseminava o escravismo no tecido social, econômico e cultural das cercanias rurais e urbanas.
Em termos metodológicos, optamos por reduzir a escala para auscultar vidas, personagens e experiências, privilegiando a micro-história, 6 ajustando focos e lentes sobre a malha das relações inter- pessoais que dinamizaram o comércio, a vida social e as identidades entre partes diversas do Brasil e o interior do vasto continente africano. Nessa montagem de mosaicos de vidas e de experiências envolventes, conside- ramos o conceito de comunidade atlântica. Roquinaldo Ferreira refletiu acerca das organizações familiares, parentescos, negócios, aspectos religiosos e culturais que desempenharam papéis fundamentais na estrutura das relações sociais e econômicas dos envolvidos no “trato dos viventes”. A apropriação de códigos culturais não foi uma exclusividade das pessoas na África para reiterar hierarquias no interior de suas comuni- dades, mas também estratégia por parte dos europeus instalados em regiões interioranas como Angola. Do lado de cá do Atlântico, houve um amálgama informando conexões e relações pessoais e coletivas num extenso comércio entre costas continentais. 7
Para nos aproximarmos da experiência de Duarte, consideramos as perspectivas da história atlântica. A partir de investigações empíricas, em fontes textuais, em variados acervos, a produção historiográfica sobre tráfico e escravidão atlânticos tem oferecido originais contribuições, lançando luz sobre reconfigurações África-Brasil. 8 Dimensões que devem ter permanecido na diáspora não foram apenas “sobrevivências”, mas sim reinvenções. Sweet argumentou como tais percursos e trajetórias – entre ocultamentos e recordações – podem ser reveladores. 9 Biografias sobre africanos são possibilidades metodológicas igualmente importantes. 10 Começamos destacando o africano Mahommah Gardo Baquaqua, um dos mais conhecidos personagens do Atlântico. 11 Zephyr Frank utilizou a trajetória do africano congo Antônio Domingos Dutra para analisar os padrões de mobilidade e de acesso à mão de obra na sociedade escravista urbana do Rio de Janeiro, no século XIX. 12 Há ainda a análise da escra- vidão no Brasil meridional, na província do Rio Grande do Sul, partindo da trajetória do africano Manoel Congo. 13 Também surgiram estudos diversos analisando trajetórias tanto de africanos libertos no período colonial, acompanhando irmandades, como de africanos livres apresados, na década de 30 do século XIX, diante da legislação de combate ao tráfico atlântico, das expectativas da política imperial e dos projetos de “nação”. 14 Foram publicadas biografias de pessoas cativas de origem africana que conquistaram a alforria, revelando vidas religiosas tanto de Domingos Sodré, na Bahia oitocentista, como de Rufino José Maria, que viveu em quatro cidades brasileiras (Salvador, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Recife). 15 Surgiram também mudanças metodológicas nos estudos sobre as identidades na diáspora, a partir de abordagens analíticas acerca das biografias de africanos que circularam no Atlântico. Significados “étnicos” ou “nacionais” das identidades dos sujeitos sociais de origem africana apareceram em formatos diferentes, em fontes de natureza diversa. 16
Os trânsitos oceânicos do africano marinheiro Duarte, entre o Brasil e a África, são indícios para recuperarmos a demografia atlântica entre suas identidades e comunidades envolvendo litorais, sertões, portos e cidades em diferentes margens do Atlântico. Abordando distinções na lida do mar e nos negócios cativos da terra, amiúde, avançamos também no debate acerca das questões de gênero, relações de trabalho, escravidão e liberdade.
Camadas e gerações de africanos ocidentais no Rio de Janeiro
Africanos escravizados circularam no Atlântico também agenciando identi- dades. Este talvez tenha sido o caso de Duarte. Mas ele e tantos outros africanos ocidentais podem ter ficado encobertos pelas nomenclaturas que aparecem nas ambiências demográficas e paisagens étnicas cariocas urbanas do século XIX. Mary Karasch faz o principal estudo sobre as origens dos africanos no Rio de Janeiro urbano oitocentista. Com base em notações alfandegárias, listagens de navios e registros de impostos, de prisões e de sepultamentos da Santa Casa de Misericórdia, ela dividiu os africanos em grandes áreas geográficas, denominando-os como: africanos ocidentais, africanos centro-ocidentais e africanos orientais. Sobre os africanos ocidentais, relata-se índices de 1,5% a aproximadamente 7% (dependendo das fontes e dos períodos) do volume total de africanos no Rio, enquanto os africanos centrais (divididos em Congo Norte, Norte de Angola e Sul de Angola) alcançavam 79,7%, e os africanos orientais, 17,9%. 17
Como não foi possível localizar Duarte, tentamos nos aproximar dos padrões da demografia atlântica por meio das nomenclaturas dos africanos ocidentais no Rio de Janeiro. Analisamos registros de batizados de africanos nos livros das cinco maiores paróquias urbanas da cidade do Rio de Janeiro: Candelária, Sacramento, Santana, Santa Rita e São José. Analisamos o período de 1801 a 1830, ou seja, até a proibição do tráfico. Milhares e milhares de africanos desembarcaram nos portos cariocas – destacando-se o Valongo –, de onde eram redistribuídos para chegarem a todas as partes das áreas centrais da cidade, dos subúrbios, do recôncavo e de outras regiões interioranas. Vejamos detalhadamente os padrões de nomenclatura e identificações que aparecem em 1801-1830. Analisamos pouco mais de 16 mil registros de batizados de africanos adultos, nos quais os africanos ocidentais correspondem a 13,1%, aproximada- mente o dobro dos padrões apontados por Karasch. Os africanos orientais também duplicam, com 34,1%, enquanto os índices dos africanos centrais diminuem, ficando com 52,8%.
Os africanos ocidentais são a minoria, mas se concentram em pelo menos quatorze diferentes nomenclaturas: “mina”, “calaval” (ou “calabar”), “guiné”, “nagô”, “cabo verde”, “haussá”, “camarão”, “calaval novo” (ou “calabar novo”), “gabão”, “são tomé”, “bissau”, “mandinga” e “tapa”. Os denominados “mina” se destacam com 83%, acompanhados pelos “calabar” com 13%. Os africanos ocidentais que aparecem classificados como “nagô” (1,2%), “cabo verde” (1%) e “haussá” (0,3%) somam 3% desse grupo.
Temos um perfil aumentado de mulheres e de homens africanos ocidentais. Nos batizados, eles e elas somam 13,1% (2.191) das pessoas com regiões, áreas ou portos identificados. Acreditamos, a partir do que levantamos, que essa porcentagem refere-se sobretudo a mulheres e homens trazidos diretamente pelo tráfico atlântico e desembarcados no Rio de Janeiro, comprados, batizados, revendidos ou distribuídos para áreas urbanas ou rurais. Destacamos a manutenção da nomenclatura-identificação majoritária “mina” para a maioria deles (83%, correspondentes a 1.739 indivíduos). Verificamos o aparecimento de novas nomenclaturas – além daquela “cabo verde” – e especialmente o reaparecimento da identificação “guiné” (4,3%). Diferentemente do que argumentou Mariza Soares, talvez a terminologia “guiné” não tenha desaparecido totalmente. Avaliamos também que, no século XIX, tal nomenclatura “guiné”, de genérica, estava associada a determinadas origens de africanos ocidentais. Se as nossas hipóteses se confirmarem, essa explicação ajudaria a entender como outras redes do tráfico atlântico de África Ocidental continuaram a alcançar o Rio de Janeiro – talvez direta- mente e sem a passagem por Salvador – até meados do século XIX. 18
Através dos registros de batizados, aparecem variações importantes da demografia dos africanos no Rio de Janeiro, se compararmos tanto os registros de batizados pós-1830, quando o tráfico estava ilegal, como com os registros de batizados de adultos nas paróquias suburbanas, do recôncavo e do interior do Rio de Janeiro. Sobre o período da ilega- lidade do tráfico, o interessante é verificar como – apesar da diminuição expressiva – mulheres e homens africanos adultos continuaram sendo batizados nas paróquias urbanas (incluindo também aquelas semiurbanas da Glória e de Santo Antônio) até praticamente 1860. Consideramos 11 mil batizados de adultos(as). Em aproximadamente 25% (2.791) desses registros, não há qualquer informação sobre a origem da pessoa escravizada adulta; assim, um em cada quatro indivíduos adultos batizados não possui qualquer informação, sugerindo que a proibição do tráfico era burlada com apoio dos párocos que continuamente batizavam africanos(as), mas não mencionavam qualquer indicação a respeito da sua naturalidade. Porém, nem sempre houve necessidade de burlar. Encontramos aproximadamente 30% (3.265) dos(as) africanos(as) batizados(as) com a sumária nomen- clatura-identificação “de nação”. A falta de informação, nesses casos, era sobre a origem mais específica deles. Há um surpreendente aumento dos(as) africanos(as) ocidentais batizados(as), representando 16,1%. Já as pessoas de origem oriental diminuem para 22,5% e as da região central aumentam relativamente, indo para 61,4%. Esses padrões de batizados de africanos(as), de 1831 a 1860, alteram tanto os padrões do período anterior que apresentamos, como substantivamente os padrões apontados no estudo clássico de Karasch. Enfim, a distribuição dos índices das nomenclaturas-identificações, levando em conta as grandes áreas, regiões e portos africanos, é alterada. No caso, os classificados como “mina” aparecem com 88,7%, seguidos pelos “nagôs” (7,1%) e os “calabar” (2,7%). Entre as demais classificações-nomenclaturas aparecem “galinha”, “jeje”, “gabão”, “cabo verde” e “haussá”.
Embora tenhamos um surpreendente aumento no número de mulheres e de homens africanos ocidentais – sobretudo conside- rando a proibição do tráfico desde 1815 –, eles aparecem, no ínterim de 1831 a 1860, distribuídos em nove nomenclaturas-identificações. Consideramos a concentração das terminologias, pois, no período de 1801 a 1830, elas eram em maior número: havia 14 diferentes nomenclaturas-identificações. Africanos(as) “minas”, no primeiro período, concentravam 83% e, no segundo, este índice aumentou para 88,7%. Os(as) “nagôs” cresceram bastante, visto que apareciam com 7,1% no segundo período, e apenas 1,2% no primeiro. O inverso acontece com os(as) africanos(as) “calabar”, que representavam 12,2% em 1801-1830, e apenas 2,7% no período posterior. Os referidos dados, assim, levam-nos a concluir pela probabilidade de pessoas africanas originárias de regiões diferentes terem sido registradas sob a mesma terminologia.
Duarte pode ter permanecido com a identidade de “africano mina”, mas encobrindo outras identidades de africanos ocidentais na cidade do Rio de Janeiro, incluindo aqueles “calabar” ou tendo sido batizado como simplesmente “guiné” ou “jeje”. 19 Em seu testamento, Duarte declarou que era “saburu” (savalu), nascido no final do século XVIII no interior da costa ocidental africana, mais precisamente na área dos falantes de língua gbe. Embora tenha chegado ao Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XIX, ele era parte de novas camadas e gerações de africanos(as) ocidentais que adentravam os portos cariocas desde o alvorecer do período oitocentista. Conforme também já apontou Sweet, parte desse contingente advinha também da movimentação do tráfico interno que interligava as praças de Salvador e Recife ao Rio de Janeiro. 20
Essas diferentes gerações e camadas podem ser exemplificadas pela trajetória de dois africanos ilustres no Rio de Janeiro setecentista. Um deles foi Domingos Álvares, que era originário do tráfico da chamada “Costa dos Escravos”, África Ocidental, nascido provavelmente em 1710, na vila de Naogon, Agonli Cové, na região Mahi. Falante da língua gbe, era um curandeiro herdeiro de saberes de pais religiosos, sacerdotes chamados vodunon. Consta que, durante a expansão do reino do Daomé, a região Agonli Cové foi conquistada e os sacerdotes locais foram vendidos para os traficantes atlânticos, pois se temiam seus poderes sobrenaturais. 21 Por volta de 1730, partindo do porto de Jakin, Domingos foi trazido para as Américas, mais precisamente Pernambuco, no Brasil colonial. Ali teria sido um trabalhador escravizado em engenhos e plantações de açúcar. Conviveu com colonos brancos europeus, indígenas e africanos centrais que eram maioria, embora as pessoas da região ocidental do continente africano estivessem chegando com mais força a partir de 1730. Foi uma primeira etapa da vida atlântica de Domingos, em que ele conectou suas práticas de cura e de adivinhação com experiências religiosas, mágicas e curativas de outras origens na Europa, com pessoas indígenas e africanas de outras procedências. A atuação como curandeiro no Recife produziu tensões senhoriais e Domingos foi vendido e levado para o Rio de Janeiro, para as áreas urbanas no início da sua expansão setecentista. As práticas de cura e adivinhação que ele exercia foram retomadas e ele passou a ganhar mais prestígio como reputado curandeiro, atuando entre africanos(as), escravizados(as), libertos(as) e indivíduos nascidos na diáspora das Américas. No Brasil, tanto no Recife como no Rio de Janeiro, embora predominassem africanos(as) centrais, Domingos conviveu com diferentes gerações de pessoas de outras regiões da África, entre os quais “jejes”, que cultuavam os voduns. Conflitos com senhores também fizeram parte da rotina de Domingos, fazendo-o conhecer de perto intolerâncias e perseguições religiosas.
Etapas dessa trajetória de Domingos aparecem narradas a partir de 1742, quando ele foi preso e enviado para Portugal, diante de acusações de feitiçaria pelos visitadores do Tribunal da Inquisição. Em Lisboa, Domingos foi preso, interrogado, torturado e julgado por duas vezes, em 1744 e 1747; em seguida, foi banido para o Algarve e depois para as fronteiras da Espanha. Ele ficou próximo tanto de comuni- dades africanas instaladas em Lisboa, como de africanos(as) de diversas procedências também presos(as) pela Inquisição, enviados(as) do Brasil, geralmente, acusados(as) de feiticeiros(as) como ele. Além da história de um escravizado africano, a trajetória de Domingos, circulando entre trabalho, perseguição religiosa e costumes culturais, revela as possíveis reinvenções e interpretações que pessoas africanas de origens diversifi- cadas poderiam viver como escravizadas, diante de códigos, práticas e cosmogonias. Seus interrogatórios e os das testemunhas no Tribunal da Inquisição sugerem andanças, impressões atlânticas e universos culturais que Domingos conheceu e interpretou nos seus próprios termos africanos. Suas práticas de cura – vivamente perseguidas pela Inquisição – foram exemplos de cosmologias africanas transplantadas para as Américas, que não recebiam tão somente “escravos”, mas sobretudo africanos(as) escravizados(as), nunca despojados(as) de suas culturas e de suas visões de mundo. Através de suas experiências de adivinhação africana, Domingos fez também circular e reinventar culturas. Originário de uma tradição religiosa dos sacerdotes de Sakpata, vodun responsável pela cura da varíola, ele vai construir e traduzir percursos de superação e de resistência contra alienação, castigo e violência a partir dos voduns e das entidades dos seus antepassados.
Outro africano ocidental em terras cariocas foi Inácio Monte. Sua trajetória e a de sua esposa, Vitória da Costa, estão inteiramente articu- ladas a alguns grupos africanos ocidentais (a maior parte embarcada nos portos da Baía do Benim) que se organizaram em torno da Irmandade de Santo Elesbão e Santa Efigênia, fundada na cidade do Rio de Janeiro em 1740. Consta que a irmandade tinha sido inicialmente organizada por africanos minas, contando ainda com pessoas das regiões de Cabo Verde e São Tomé, além de gente oriunda da área oriental, como os chamados “moçambique”. 22 Esses grupos de africanos eram minoria na escravidão urbana, assim como nas levas de novos indivíduos que desembarcavam nos portos da capital fluminense. Na primeira metade do Setecentos, os(as) africanos(as) ocidentais atingiam no máximo 10% dos sujeitos sociais desembarcados na região, mas a classificação ou nomenclatura “costa da mina” esconde um complexo cenário de identidades, de denominações, de nações, de regiões e de áreas de procedência. Mulheres e homens africanos ocidentais eram muitos, complexos e diferentes, aparecendo com diversas denominações. Entre o Rio de Janeiro, Salvador e várias partes de Minas Gerais, além de Pernambuco, podiam ser “agolin”, “chamba”, “cobu”, “coura”, “fuam”, “mandinga”, “iano”, “jaquim”, “jeje”, “lada” (“aladá”), “mahi”, “maquim”, “nagô”, “saburu” (“savalu”) e “calabar”, entre outras classificações.
Inácio Monte e aquela que seria sua futura esposa, Vitória, foram ambos batizados em 1742, mas entraram no Brasil por diferentes vias. Inácio desembarcou na cidade do Rio de Janeiro, onde foi batizado. Já Vitória pode ter entrado por Salvador e ter sido levada para as áreas de mineração. Foi batizada na paróquia Nossa Senhora da Conceição, em Vila Rica, aparecendo como “preta mina courana” pertencente a Domingos Correa Campos. Já em seu testamento, Inácio declarou ser “natural da Costa da Mina, preto forro, e liberto”. Ele disse também que sua mulher Vitória era parente consanguínea: “em terceiro grau, por ser ela filha do meu avô”, que era um “conhecido rei que foi entre os gentios daquela costa” do Reino de Mahi ou Maqui.
Vitória migrou para o Rio de Janeiro em 1755, após pagar 180$000 réis a Domingues Rabello de Almeida, por sua alforria. Dois anos depois, Antônio Gonçalves da Costa, oficial de barbeiro, pagou a Domingos Gonçalves do Monte a quantia de 350$000 réis pela liberdade de Inácio. Em 1759, no registro de casamento, Inácio aparece como “mina-mahi” e Vitória, como “mina-coura”. Participando da Irmandade de Santo Elesbão e Santa Efigênia, o casal ingressou na “Congregação de Pretos Minas”, organização liderada por um grupo de pessoas “dagomés” (do Reino do Daomé). Inácio Monte logo se destacou na liderança da irmandade e conquistou proeminência sobre os demais africanos. Ele sucedeu ali os reinados dos africanos Pedro e depois Clemente. Entre as décadas de 1760 e 1780, acontecem disputas por sucessão e liderança na irmandade e na referida congregação. Não por mera coincidência, é o mesmo período dos conflitos no Benim, especialmente devido à expansão do reino do Daomé.
No Rio de Janeiro, a maior tensão ocorre na década de 1760,com dissidências e com a fundação da Congregação dos Pretos Minas do Reino de Mahi. Em 1786, três anos após a morte de Inácio, o africano Francisco Alves de Souza descreveu sobre a Congregação Mahi: “tempo se apartaram também as referidas nações que estavam com a de Maki, Agolin, Saburu cada um fazendo seu rei” e que os africanos das “nações Makii, Agolin, Iano, Saburu” optaram por saírem “do jugo dos Dagomé” e fazer o “Seu Rei”, escolhendo Inácio Monte, em 1762. 23
Como mostraram Mariza Soares e James Sweet, africanos ocidentais – nas várias margens atlânticas – atualizaram alianças, redes de proteção, rivalidades e disputas de poder e prestígio. Em torno dessa irmandade, reunia-se um grupo de escravizados e libertos barbeiros sangra- dores, que cada vez mais ganhava prestígio e dinheiro na cidade, atendendo à população negra. Trajetórias de africanos, como Inácio Monte, barbeiro que ganhou prestígio, poder e adquiriu riqueza, iluminam as reconstruções identitárias e étnicas em outras margens atlânticas. Irmandades podiam ser não necessariamente espaços de abdicação cultural, mas sobretudo de atuali- zação de símbolos, signos e significados étnicos. 24 Diversos estudos têm demonstrado como as identidades africanas atravessaram as margens dos Atlânticos e aqui ganhavam novas conformações, assim como os contextos africanos tinham repercussões nas Américas, influenciando alianças, conflitos e disputas atlânticas, como se fossem “histórias cruzadas”. 25
Nesses intercruzamentos de narrativas e de experiências, acompanharemos fragmentos dos percursos em que o preto “mina savalu” Duarte esteve emaranhado, negociando identidades transétnicas e transconti- nentais em perspectiva atlântica. 26
De marinheiro cativo a pequeno mercador liberto de escravos
Em 21 de dezembro de 1825, Duarte contraiu matrimônio com sua patrícia da Costa da Mina, a preta forra Felicidade Joaquina Gonsalves. O africano estava à época com 26 anos e já era liberto. Não sabemos quando conquistou a carta de alforria, mas é possível que tenha sido apreendido como cativo na África ainda criança. Conforme já discutiu a historiografia, data da primeira metade do século XVIII a presença de infantes embarcados como escravizados. As taxas de importação reduzidas e o menor índice de mortalidade na travessia atlântica figuravam entre as explicações dos negociantes negreiros para aquisição de crianças cativas. A praça do Rio de Janeiro foi o principal porto de desembarque de indivíduos pueris traficados para as Américas, seguido da Bahia e de Pernambuco. Do total de 9.451 crianças cativas, no ínterim de 1734 a 1769, 54% foram desembarcadas no porto fluminense; 29,4%, nas águas da Baía de Todos os Santos; 12,5%, no porto do Recife. 27 No século XIX, embora alguns setores da atividade agroexportadora, como o açúcar, estivessem passando por crises em decorrência da concorrência no mercado internacional, os compromissos dos traficantes permaneceram atrelados à expansão da escravização. Após 1831, quando o infame comércio caiu na ilegalidade por um decreto inglês, a presença de crianças passou a ser expressiva, não só por serem indefesas, mas por gastar-se menos com sua alimentação, tendo em vista que comiam em quantidades reduzidas em relação a uma pessoa adulta. Era uma forma de tornar a escravização mais longeva no Brasil. É importante frisar que a disseminação da escravidão, nas cidades, ampliou a demanda não só por crianças, mas, em particular, também por mulheres nas atividades de “portas adentro” e de “portas afora”. Ademais, aos olhos dos coloniza- dores, crianças, adolescentes e mulheres pareciam menos inclinados(as) às revoltas, especulando-se diminuição de prejuízos com o investimento vultoso do tráfico e mão de obra africana. 28
A preta Felicidade, cuja experiência de se tornar escravizada nos é pouco conhecida, era ex-cativa de um negociante de produtos de importação, Domingos Antônio Guimarães. Tudo indica que o comércio dele era de grande envergadura. No dia 27 de março de 1846, o patacho Invencível chegou de Montevidéu, no porto do Rio de Janeiro, com uma carga de vários gêneros para Domingos. 29
Embora não saibamos por quem Duarte foi escravizado, é possível que os ex-senhores desse casal de pretos minas tivessem alguma ligação ou tratativas comerciais. O africano, na década de 1830, já exercia a ocupação de marinheiro, transportando gente e objetos pelas águas do litoral flumi- nense. No dia 22 de junho de 1839, Duarte aportou, na corte, o patacho Luiza, com um carregamento de 200 arrobas de carne seca distribuídas em cinquenta malas. 30 São significativos os estudos sobre a participação de africanos escravizados e libertos como parte da tripulação dos negreiros atlânticos, mas ainda são parcas as pesquisas que se debruçaram sobre as investigações acerca da atuação dos marinheiros que atuavam na região costeira do continente americano, inclusive, no interior das provinciais, responsáveis pelo escoamento de mercadores, pelo transporte de pessoas e pela circulação de notícias. 31
A profissão de marinheiro era uma das mais duras para um homem, fosse branco ou negro, africano, europeu ou americano. Era um exercício cujo trabalhador vivia sob extrema subordinação, às vezes submetido a castigos e maus tratos, com baixa remuneração, suscetível de se tornar indigente. Os homens negros, porém, foram as maiores vítimas, senão dos maus tratos, dos preconceitos. Não se tem nenhuma informação a respeito de marinheiros africanos ou afro-brasileiros que tenham ascendido na hierarquia da marinha no século XIX. Entretanto, a presença de homens de origem africana foi imprescindível na lida do mar. Os africanos marinheiros nos navios eram indispensáveis como elos de comunicação entre a tripulação e os cativos embarcados. Era também comum o recru- tamento desses indivíduos em virtude de seus conhecimentos acerca das regiões no continente africano para onde rumavam os negreiros. Assim, muitos deles, ao se engajarem como marinheiros, conseguiam trilhar os caminhos de suas liberdades, alguns, na esperança de se alforriarem após longos períodos de trabalho a bordo; outros, como Duarte, almejando ser reconhecidos por seu trabalho e bem remunerados, para dar continuidade aos seus projetos de autonomia. 32
Além de marinheiro africano liberto, outras identidades foram gestadas a partir dos movimentos transatlânticos nas experiências de Duarte. Na posição de grumete, ou seja, aprendiz de marinheiro embarcado sem remuneração, participava de uma cultura marítima, atravessada por questões sociais, raciais e de gênero. Jaime Rodrigues trouxe importantes contribuições acerca do cotidiano dos homens do mar que emitiam luzes sobre o que “unia” e segregava os indivíduos na lida marítima. Destacou fortemente as hierarquias entre os tripulantes, nas quais os marinheiros negros, africanos e afro-diaspóricos ocupavam os postos mais baixos. Escravizados, libertos, livres seguiam como tripu- lantes nos navios exercendo as mais diversas funções subalternizadas. Para aqueles que, como Duarte, conseguiam vaga em uma embar- cação, levando seus próprios produtos para comercialização, como já enunciamos, as expectativas de ampliação material eram maiores; enquanto os cativos, servindo em um e outro navio, muitos escravizados do alto comando da embarcação, nutriam o sonho da alforria. Por outro lado, o serviço braçal era marcado por castigos corporais para reafirmar o poder senhorial e de mando; nesse aspecto, os homens negros eram os mais atingidos. 33 Aqui realçamos que a ideia de gênero masculino torna-se significativa para observarmos as relações de poder nos mundos do trabalho marítimo. Embora as dimensões entre as questões de gênero na historiografia sejam tradicionalmente focalizadas nas experiências das mulheres, consideramos pertinente reduzir essa lente de observação teórica também para iluminar a trajetória de homens, em particular, escravizados e libertos em espaços, como o da marinha, no qual a racia- lidade configurou-se como pertinente elemento de distinção.
Considerando, por outro lado, que Duarte viveu em uma sociedade oitocentista, as normatizações gestadas na ideologia patriarcal atravessaram também as relações entre os homens negros, que sempre estariam entre as posições mais baixas na hierarquia de um navio mercante. Vale ressaltar ainda que, no cotidiano árduo do mar, substantivos, como “força”, “bravura”, “coragem”, “lealdade”, “firmeza”, “honra”, elaborados pelo Iluminismo e consolidados na sociedade oitocentista, atravessavam esses sujeitos sociais, moldando não só comportamentos individuais, mas, sobretudo, organizações coletivas refletidas em parcerias, camaradagens, relações de trabalho, negócios, família e vizinhança, constituídos, em particular, pelos homens negros. 34 Em nome de sua honra, enquanto marido “traído”, Duarte reinventou-se, em outra cidade, teceu novas relações de amizade, de comércio, preterindo as águas costeiras em favor das atlânticas.
Conhecedor das águas costeiras fluminenses, como destacado, o marinheiro Duarte tinha também perícia em mares oceânicos. Antes de embarcar no famoso navio Ermelinda, ele realizara viagens diversas para a costa do continente africano. No dia 14 de abril de 1840, embarcou, no porto do Rio de Janeiro, com o filho Adriano – que na oportunidade tinha 9 anos – e com o cativo da família, José Moçambique, para a Costa da Mina, região de onde Duarte e Felicidade foram embarcados para o Brasil na condição de escravizados. Depois de três meses, Duarte seguiu novamente para a Costa da Mina, no bergantim Feliz Animozo, com um carregamento de seis rolos de fumo, uma marquesa e uma cômoda de jacarandá. De lá, fez nova viagem para Benguela, levando uma barrica de açúcar. 35
Trânsitos como esses realizados “de costa a costa” – para usar uma expressão de Jaime Rodrigues – por Duarte, ao rumar da Costa da Mina para Benguela, passaram a existir ou a serem mais intensos após a proibição do tráfico ao norte do Equador em 1815, o que favoreceu a expansão do tráfico na extensão geográfica de Angola e do Reino do Congo. Portos de Luanda e de Benguela passaram a ser os principais fornecedores de cativos para o Brasil. Rio de Janeiro e Recife estiveram entre os territórios que se articulavam diretamente com a costa africana sem a dependência de Portugal. Mariana Candido chamou a atenção para a atuação de comer- ciantes não europeus, negros, que se deslocavam para novos mercados diante das mudanças do comércio atlântico, pioneiros e auxiliares nos processos de exploração e de ocupação de novos territórios; além dos agentes locais, pombeiros, sertanejos entre outros pequenos negociantes de escravos cuja atuação foi bastante significativa na manutenção do tráfico atlântico. Embora já exista uma historiografia acerca da experiência desses indivíduos na região ocidental, ainda é pouco estudada a circulação na região da África Centro-Ocidental, inclusive Benguela, para onde Duarte rumou com suas barricas de açúcar – mercadoria que, decerto, seria acionada, segundo o costume, como moeda na aquisição de escra- vizados. Ações desse tipo, próprias não somente desse africano liberto, mas de tantos outros, concorreram para a criação de novos mercados e de espaços de comunicação e trocas culturais no Atlântico. 36
Vidas improvisadas
Duarte chegou à capital pernambucana no início da década de 1840, provavelmente após a suposta traição de Felicidade e depois de ter levado o filho para conhecer sua terra natal e ter mercadejado na Costa da Mina e em Benguela, quando já era dotado de razoável experiência como embarcadiço e comerciante atlântico. Já havia feito outras viagens para a região costeira africana, conforme mencionamos. Nesse período, a cidade passou por várias efervescentes reformas em sua paisagem urbana, frutos da modernização. Novas freguesias foram surgindo no Recife, como Graças, Afogados, Poço da Panela, Várzea, São Lourenço da Mata, Jaboatão, Muribeca, bem como áreas de manifestações populares, como fandangos, coco, bumba-meu-boi, sambas, presépios. 37 No centro, os bairros iam sendo desmembrados: o do Recife, nas freguesias de São Frei Pedro Gonçalves e Fora de Portas; o de Santo Antônio, no bairro de mesmo nome e no de São José; no da Boa Vista, surgiram a Soledade e Santo Amaro. O bairro do Recife era o mais movimentado e o de urbanização mais antiga. Seu desenvolvimento se devia ao porto, onde ocorria a circulação de mercadorias e de gente de todas as regiões do Império. Era o centro econômico da província, foco do comércio de grosso trato, tanto nacional como estrangeiro. Nele se encontravam as chancelarias dos cônsules instalados em Pernambuco, bancos, escritórios de várias compa- nhias de seguros marítimos e terrestres, os trapiches do algodão e do açúcar, casas especializadas na compra e na venda de cativos, a Associação Comercial Agrícola, a Associação Comercial Beneficente, o Arsenal da Marinha, a Alfândega e a Assembleia Provincial. Muitas tabernas e casas de má fama, onde trabalhavam prostitutas, principalmente escravizadas, completavam o cenário desse bairro. Nos primeiros anos do século XIX, era área de concentração dos homens negros canoeiros, sobretudo na localidade de Fora de Portas, devido ao expressivo volume de serviços braçais na freguesia decorrentes de suas atividades portuárias.
O africano de nação savalu, Duarte, foi morar na rua de Hortas, em Santo Antônio. Nesse bairro, estavam instalados prédios públicos, como o Palácio do Governo, as repartições de Polícia e de Obras Públicas, a Tesouraria Geral e Provincial, o Correio e o Teatro de Santa Isabel. O comércio, no entanto, era a característica mais forte do bairro. Boticas, armazéns de fazendas em grosso, lojas de calçados, chapéus, miudezas, armadores, empórios de carne seca, farinha de mandioca, ourives, relojoarias, livrarias, casas de vendas de cativos, entre outros ramos, predominavam nessa freguesia. Pelas ruas, becos e travessas de Santo Antônio negociava-se de tudo, inclusive gente. Os estabelecimentos de venda de escravizados localizavam-se em várias ruas, especialmente na rua onde Duarte fixou sua residência. O comércio era basicamente diurno, especialmente o de miudezas e o de retalhos, comandado, em particular, por escravizados e libertos. Entre os forros, havia artesãos de posses modestas, jornaleiros, aprendizes de diversos ofícios e uma gama de vendedores ambulantes. As mulheres cativas predominavam tanto nas atividades “de portas adentro” – ou seja, nos serviços domésticos das casas abastadas e dos sobrados luxuosos –, como nas “de portas afora”, nas lojas ou nas ruas como vendeiras. O bairro ficou bastante conhecido nas ocorrências policiais devido às “desordens” causadas pela circulação das vendedoras, quitandeiras, mulheres negras ao ganho. 38 Ao sul da antiga ilha de Antônio Vaz (bairro de Santo Antônio), estava a freguesia gêmea de São José. Enquanto Santo Antônio abrigava insígnias do progresso e da modernidade, o São José assistia ao aumento da pobreza decorrente do seu crescimento populacional desordenado.
Entre os bairros centrais, São José era onde menos se encontravam pessoas escravizadas. Tendo em vista que a posse de cativos era um indicativo de status social e econômico, nenhum outro bairro do centro tinha uma população tão precária como a sua. Em São José, habitavam muitas pessoas negras ganhadeiras que dispunham de limitada liberdade em seus movimentos, pois moravam distantes das vistas de seus senhores, tendo que semanalmente pagar-lhes jornais. Porém, libertos(as) e livres brancos(as) pobres também habitavam o bairro e viviam disputando os espaços de trabalho com os(as) escravizados(as). Entre os indivíduos forros, principalmente os africanos, havia um maior número de mulheres que desempenhavam ocupações de lavadeiras, de engomadeiras, de cozinheiras, entre os mais variados serviços domésticos. 39
O último bairro que formava o núcleo urbano era o da Boa Vista, localizado na parte continental que interligava o centro aos arrabaldes mais longínquos da cidade. Área caracteristicamente residencial,concentrava casas grandes voltadas para o rio, com quintais extensos, sítios, ruas bastante largas, algumas até macadamizadas. A presença africana estava por toda parte na Boa Vista, especialmente no pequeno comércio. No número 80 do aterro da Boa Vista (atual rua da Imperatriz), funcionava uma loja cujos produtos eram importados da África. Nesse endereço, vendiam-se esteiras grandes e pequenas (cuja pintura era de Cabinda), guardanapos de palha, amendoim novo, molhos de palha de carnaúba, latas de cola, casais de rolinhas, mel de pau novo. Todos esses produtos vindos de Angola, negociados a grosso e a retalho, eram consu- midos, em especial, pelas pessoas de origem africana libertas providas de certo cabedal, que moravam na cidade. 40
Mas qual era o perfil da comunidade africana no Recife, quando Duarte aportou nessa cidade? Pernambuco pode ser considerada a terceira babel africana da diáspora das Américas. As marcas e os falares de diversas etnias, nações, reinos e cidades do continente negro eram supre- macia entre a população que compunha a capital da província até o início do século XIX. O contingente populacional da África no Recife se avolumava pelas constantes importações ilegais, principalmente, entre as décadas de 1830 e 1840, período em que Duarte desempenhava suas atividades como trabalhador marítimo de cabotagem e atlântico. No início do Oitocentos, Pernambuco mantinha relações estreitas com a costa centro-ocidental do continente africano. Entre 1801 e 1825, isto é, nos primeiros vintes anos, 130.866 pessoas foram embarcadas nos portos centro-ocidentais da África com destino às praias do Recife. 41 Todavia, até o ano de 1815, os portos da área ocidental, do atual Golfo do Benim, também faziam parte das rotas dos traficantes mais remediados e com larga experiência. 42 Vale ressaltar que, após a assinatura do tratado de proibição do tráfico ao norte do Equador, em Viena (1815), as relações entre Pernambuco e a área centro-ocidental do continente africano se intensificaram e as negociações nas regiões de Benguela e de Luanda passaram a ser realizadas sem a interferência de Portugal. Isso concorreu para que a população oriunda do hinterland Angola-Congo fosse numericamente mais expressiva, em Pernambuco, do que a da região da qual Duarte dizia ser oriundo.
O fato de as pessoas originárias da região de nascimento de Duarte serem em número reduzido em Pernambuco, no século XIX,não significa que não eram notadas na paisagem urbana. As mulheres e os homens chamados de “pretos minas” se destacaram nas ações politizadas transformadoras de seu cotidiano que lhes asseguravam expectativas de liberdade, inclusive no momento de aquisição da carta de alforria.
Os “minas” no Recife se abrigavam muitas vezes em guarda-chuvas étnicos como “costa d’África”, “nação costa” e “costa da mina” para revelar, em alguns momentos mais íntimos, serem savalu, calabar, nagô, jeje, benim; constituidores de uma comunidade negra expressiva cujas mulheres e cujos homens libertos constituíram-se em lideranças político-sociais nas diligências de confrarias religiosas, organizações islâmicas, associações de trabalho, agremiações de brincantes. Alguns possuíram cabedal que os colocavam entre as pessoas mais afluentes e prósperas da sociedade recifense, como o casal de pretos minas, libertos, Alexandre Rodrigues d’Almeida e Thereza de Jesus de Souza, cujos inventários foram avaliados em 30:487$000 réis e 36:705$840 réis, respectivamente. A título de comparação, a fortuna de um dos homens mais aquinhoados da cidade do Recife, Henry Gibson, caixeiro que se dedicou ao comércio de fazendas de “grosso trato”, foi avaliada em 52:811$770 réis, no ano de 1873, por ocasião da assinatura do contrato nupcial de sua filha. 43 Mesmo que não haja ligações constatadas entre o marinheiro Duarte e o casal Alexandre e Thereza, possivelmente estiveram todos entrelaçados nas mesmas redes de amizade e de sociabilidade. Thereza fazia parte da Irmandade do Rosário dos Pretos de Santo Antônio, que abrigava grande porção da comunidade africana da cidade, como os parentes de nação e os testamenteiros de Duarte, dos quais falaremos mais adiante.
Enfim, Duarte, ao chegar no Recife, foi membro da comunidade de africanos minas, com relativa afluência econômica e certo prestígio social,e teceu redes estreitas de amizade. Como já destacamos, esse marinheiro foi morar no bairro de Santo Antônio, na rua de Hortas. Nessa artéria, morava também o preto mina, liberto, José Rodrigues Chaves, de nação calabar. Este foi ex-escravizado de um certo Francisco Rodrigues Chaves e de sua esposa, que eram ainda senhores de outros africanos minas: Antônio, João e Bonifácio. O calabar José, Antônio e João foram forrados no testamento de Francisco Rodrigues e herdeiros da referida casa da rua de Hortas. O preto João, depois que se tornou forro, decidiu sair daquela moradia, enquanto Antônio, Bonifácio e José continuaram no mesmo endereço. Além de parceiros de cativeiro e de liberdade, Bonifácio e José eram confrades da Irmandade do Rosário dos Pretos de Santo Antônio. O primeiro chegou a ocupar o cargo de definidor na mesa regedora. No dia 8 de junho de 1842, Antônio morreu sem deixar legatários e o calabar José passou a ser o único herdeiro daquela moradia, de número 68, da rua de Hortas, que se tornou um meio de ganhar a vida. Ele declarou, em seu testa- mento, que o único bem que possuía era essa casa, afora poucos utensílios domésticos e dívidas contraídas com terceiros para poder cuidar da saúde. 44 Na historiografia da escravidão e da liberdade, há parcos debates acerca da relevância do “teto próprio” nas experiências de mulheres e de homens libertos, inclusive africanos. Robert Slenes e Alberto da Costa de Silva foram os primeiros a contribuir com argumentos refinados sobre as estratégias articuladas pelos indivíduos para a aquisição da casa própria. 45 Havia certas vantagens na aquisição do “teto próprio”, como ter espaço mais independente – mormente para pessoas que decidiam dividir a vida a partir do enlace matrimonial –, desempenhar atividades longe das vistas de senhores, de senhoras, de feitores; acumular recursos para a alforria; efetuar rituais religiosos; e preparar alimentos. Também era vantagem o fortalecimento de laços culturais, tais como dormir em família e cuidar da educação de filhos e de filhas. Para mulheres e homens forros, representava a concretização do “viver sobre si”. 46 Ao que tudo indica, o marinheiro savalu Duarte não teve a mesma ventura que o calabar José Rodrigues e seus parceiros de escravidão e de liberdade. Segundo as próprias declarações do marinheiro, seus parcos bens se resumiam à pequena mobília doméstica já usada e uma cativa idosa cuja compra ele ainda estava por quitar. 47
Na freguesia da Boa Vista, na Rua Velha, artéria que estava em ligação direta com a ponte que dava acesso ao bairro onde Duarte morava, estava a residência dos confrades da Irmandade do Rosário de Santo Antônio, Manoel Maxado e sua esposa Luzia Muniz, que, como enunciamos no início deste artigo, também eram seus patrícios de nação savalu. O casal Alexandre Rodrigues e Thereza de Jesus morava na rua da Conquista, mas possuía diversos outros imóveis, espalhados nos demais bairros centrais, e escravizados. O censo de 1872 apontou esse bairro como o mais populoso, onde também se concentrava o maior número de cativos do núcleo central da capital pernambucana. 48 Por outro lado, os registros de batismos da matriz da Boa Vista, entre os anos de 1846 a 1890, apontam que 53,3% dos cativos recém-chegados tinham sido embarcados no porto de Luanda e 26,7%, originários dos portos da região Ocidental. 49 Quem sabe alguns dos cativos que adquiriram ao longo de suas vidas tenham sido também negociados com o marinheiro Duarte?
Essa foi a cidade, caracterizada pelo seu formato em três ilhas ou porções, onde Duarte decidiu fixar residência, decerto em decorrência de sua atividade econômica e das redes de negócios tecidas com comer- ciantes de grande porte, inclusive aqueles que estiveram intimamente ligados ao tráfico negreiro e fizeram grandes fortunas com a mercancia ilegal de pessoas. O angolano Joaquim Ribeiro de Brito, que era sócio do pernambucano José Francisco de Azevedo Lisboa (dono do Ermelinda, a última embarcação em que Duarte viajou como trabalhador marítimo), foi proprietário de várias embarcações negreiras, entre elas a N.ª S.ª da Boa Viagem, que partiu do porto do Recife rumo a Luanda e, em 1822, aportou no Rio de Janeiro com 239 pessoas a bordo para serem escra- vizadas. 50 Nessa época, Duarte ainda era solteiro e talvez trabalhasse na região portuária carioca já como marinheiro, transportando gente, objetos e comida na região flamenga. Além de Ribeiro de Brito, outro comerciante de grosso trato foi o rico traficante português Ângelo Francisco Carneiro, estabelecido na praça do Recife, mas com ramificações de seu comércio no Rio de Janeiro e em Angola. Entre os anos de 1820 e 1830, residiu na África, onde organizou seus negócios negreiros em conexão com o Brasil, tendo como sócio um cunhado que vivia em Pernambuco. 51
Essas conexões entre traficantes de Pernambuco, que decidiam fixar residência em Angola, remetem às antigas relações entre Recife e Luanda, seja nos tratos negreiros, seja nas circularidades culturais. Data da segunda metade do século XVII, mais precisamente com as guerras de reconquista lusas na província pernambucana contra a dominação holandesa, o fortalecimento do infame comércio bipolar entre Recife e Luanda para a retomada da economia de Pernambuco. Coube a João Fernandes Vieira, governador em Angola, e a André Vidal de Negreiros, então governador da capitania pernambucana, reordenar a aparelhagem administrativa nas duas costas atlânticas, demandando o envio de colonos pernambucanos para Luanda. Militares, precipuamente os que lutaram na expulsão batava, passaram a ocupar, além de postos de proteção da fronteira, cargos administrativos. Houve, por outro lado, o investi- mento de construção de portos para ampliar os cais e para construção de fortalezas, desembocando no alargamento das fronteiras territoriais. Pernambuco foi beneficiado com grande quantitativo de cativos e as ações desses governadores restauraram o prestígio da coroa portuguesa anteriormente perdido no período holandês. 52
Além das questões político-econômicas, a presença de colonos pernambucanos em Luanda – desde o século XVII – colaborou também com a formação da comunidade atlântica na qual estiveram envol- vidos Ângelo Carneiro e o próprio marinheiro Duarte. A intensidade dos fluxos entre as duas margens atlânticas, envolvendo mercadorias, gente, religião, educação e negócios, pode ser dimensionada a partir das trocas culturais, destacadamente no século XIX. Embora superfi- cialmente e carecendo de maiores análises e investigações arquivísticas, podemos dimensionar, por meio da imprensa local, notícias acerca dessa comunidade atlântica conectando Luanda ao Recife. Vejamos: em 27 de abril de 1837, o Diário de Pernambuco publicava uma lista dos estudantes matriculados, naquele ano, no curso jurídico de Olinda, onde figuravam naturais de Luanda como “Francisco de Queiros Coutinho Matoso da Camara, filho de Eusebio de Queiros Coutinho da Silva” e “Matoso de Andrade Camara, filho de Francisco Militao Matoso de Andrade”. Os dois estavam na turma do primeiro ano. 53
Em 8 de abril de 1831, ficamos sabendo que Antonio Luiz Goncalves Ferreira está legitimamente autorizado pela confraria da Santa Casa da Misericórdia da cidade de Luanda para arrendar por nove anos uma casa pertencente à mesma confraria, na rua do Livramento, que lhe foi legada pelo conselheiro o padre Joaquim Marques; e assim mais os foros dos solos em que estão edificados outras mais casas, em diversas ruas desta cidade (Recife), também legados pelo mesmo conselheiro a dita confraria, incluindo-se nesse contrato os laudémios que ocorrerem nesse período. Quem quiser fazer esse contrato procure ao anunciante na casa de sua residência no Aterro da Boa Vista, n. 3. 54
E, no dia 18 de março de 1833, na mesma rua onde estava sediada a Santa Casa da Misericórdia, ou seja, a do Livramento, um certo Gabriel Antônio requisitava um boticário da cidade para ir exercer sua arte em Luanda. Mesmo não dispondo, até o presente momento, de maiores informações sobre a viagem de algum boticário do Recife naquele ano para Luanda, seis anos depois, o pernambucano Manoel de Faria Marinho, já como morador da cidade de Luanda, por meio de seu correspondente, anunciava sua casa no Recife para tratar de negócios. 55
Voltando à relação entre esses homens atlânticos, o marinheiro Duarte chegou a mencionar Ângelo Carneiro como um dos proprie- tários da barca Ermelinda, que fora apreendida pela marinha inglesa em 1841. 56 Em seu testamento, Duarte declarou que os prejuízos que tivera com a viagem nessa embarcação deveriam ser ressarcidos por Carneiro. Quem sabe não foi o próprio Ângelo Carneiro que o incen- tivou a tentar reconstruir a vida íntima no Recife, onde poderiam também surgir oportunidades promissoras de viagens atlânticas, como foi o caso do valioso negócio com a Ermelinda? Mas esse não foi um empreendimento bem-sucedido, como foi enunciado na intro- dução deste artigo.
No ano de 1840, aos 38 anos, Duarte foi descrito como de estatura regular, rosto redondo, corpo robusto, quando embarcou, no porto do Recife, como “moço” na barca Ermelinda. Havia a bordo dezessete tripu- lantes: um mestre, cuja remuneração era de 200$000 réis; um piloto, com salário de 150$000 réis; um praticante ou imediato, que viajou sem receber remuneração; dois outros praticantes, um escrivão e quatro marinheiros, todos com salários de 40$000 réis; além de seis moços ( grumetes), entre os quais Duarte, o único grumete que viajou sem nenhuma remuneração. Na hierarquia do navio, sua posição era a mais baixa, depois da de cozinheiro, como vimos anteriormente. 57
Vários tripulantes levaram consigo produtos para serem comercia- lizados na África. Como já enunciado no início deste texto, Duarte levou 2,5 pipas de aguardente, 209 caixões de doce e 9 caixas de charuto. A carga, avaliada em 723$667 réis, equivalia a dois salários e meio de um mestre (capitão) de navio. Com essa quantia se comprava um bom cativo ou uma boa cativa no Brasil e ainda sobrava troco; em Luanda, talvez se adquirissem oito ou mais pessoas escravizadas em 1841. Duarte, mesmo estando no último escalão da hierarquia marítima, poderia ter lucrado um cabedal interessante com essa viagem. 58
O trabalho, que seria potencialmente lucrativo para esse marinheiro africano, não foi concluído. A barca foi apreendida no litoral angolano por Henry James Matson, comandante do brigue inglês Water Witch, no dia 27 de outubro de 1841, quatro meses após a saída do Recife. Os oficiais da marinha inglesa suspeitaram que a Ermelinda fosse empregada no tráfico de escravos, devido ao grande carregamento de água e de alimentos e ao estoque de farinha não listado no manifesto da barca, bem como a significativa quantidade de lenha. O capitão Matson notou, ainda, que o aparato de cozinha era suspeito: armado para grandes caldeirões, em quantidade muito maior que o necessário à tripu- lação. Ademais, o proprietário já era conhecido pelo seu envolvimento com o comércio ilegal de escravos. Após o apresamento, a Ermelinda foi julgada e absolvida pela Comissão Mista, em Serra Leoa, em 19 de janeiro de 1842. O juiz brasileiro, José Hermenegildo Nitheroy, considerou que as evidências eram insuficientes para condenar esse navio por tráfico negreiro. Outro fato interessante, no caso do julgamento da Ermelinda, foi que outro brasileiro, Joaquim Tomás do Amaral, visconde de Cabo Frio, ganhou, em uma espécie de jogo cara ou coroa, o voto de minerva na decisão do referido julgamento. O episódio foi considerado por L. Bethell como uma “ cause célèbre nos anais do tráfico de escravos brasileiro”, uma vez que a Ermelinda teria sido o único negreiro do Brasil até aquela data absolvido de seu crime. 59 No dia 5 de maio, o navio regressou a Recife, sem os passageiros esperados e ainda com grande parte da carga levada para ser comercializada na África. Provavelmente, os gêneros perecíveis se estragaram, como as caixas de doce de Duarte, pois não foram listadas na relação dos produtos retornados para Pernambuco ou entre aqueles gêneros que foram leiloados. 60
Para não ficarem no prejuízo, Duarte e outros carregadores que também perderam suas mercadorias se reuniram no dia 29 de maio de 1846, quatro anos após o retorno daquele navio para a cidade, em busca de soluções para seus danos. Um grupo de 25 pessoas, incluindo o africano, no escritório do tabelião Manoel Antônio Coelho de Oliveira, assinou uma procuração concedendo plenos poderes ao traficante de grosso trato Ângelo Francisco Carneiro, na praça de Pernambuco, e à Foster & Brothers Silva Companhia, em Londres, para representá-los na justiça contra o governo inglês. Em seu testamento, Duarte informou que deveria ser ressarcido em 978$000 réis, ou seja, o valor da carga mais os juros. Porém, o grupo de carregadores nada recebeu, pelo menos até o ano de 1867. 61
Mas não somente dívidas e enfermidades a lida do mar trouxe para Duarte. 62 Ele não viveu apenas de possíveis lucros da venda de doces, açúcar, aguardente, carne seca e fazendas em viagens atlân- ticas. Percebe-se que o africano de nação savalu fazia parte da extensa rede do tráfico escravo, sendo ele um negociante de pequeno porte, que alimentava o comércio miúdo e doméstico de cativos desde o tempo em que morava na corte do Rio de Janeiro, atividade que continuou intensamente na capital pernambucana. No Recife, até 1852, era possível comprar cativos, africanos e brasileiros, em várias casas especializadas no ramo. Nos bairros da cidade, os mercados situavam-se nas ruas da Cadeia, Cruz e Cacimba; no de Santo Antônio, nas ruas Nova, Laranjeiras, Hortas, da Matriz, Cruzes, Rangel e do Colégio; na freguesia de São José, na rua Direita; e no bairro da Boa Vista, na rua Larga do Rosário. Vê-se, portanto, que era no bairro onde Duarte habitava, Santo Antônio, que se concentrava o comércio de escravizados no período da ilegalidade. 63
Ademais, era possível negociar de “boca a boca” nos bancos de igrejas, nas reuniões de confrarias católicas e nas visitas que se fazia aos vizinhos mais próximos, camaradas e parceiros de escravidão e de liberdade; ou seja, era viável trabalhar com as encomendas de um, dois e até três cativos para as pessoas mais íntimas, sem ter que, necessariamente, utilizar alguma daquelas casas comerciais. São exemplos factíveis dessa forma personalizada de comércio ilegal de africanos em que Duarte atuava os perfis de seus fregueses devedores, como o preto Rufino José Maria (o alufá Rufino), cozinheiro na barca Ermelinda, e um certo Jorge de Lima,que assim como aquele morava no bairro do Recife. O alufá Rufino era certamente amigo dele de outros negócios, a ponto de lhe comprar cativos fiado, como constatamos pela dívida que o alufá tinha com Duarte. Já Jorge lhe devia o valor de dois escravizados que Duarte teria deixado em seu poder para serem revendidos em Luanda, além de uma quantia não especificada de outro negócio entre eles. Não sabemos se Jorge de Lima quitou seu débito com Duarte. Parece, todavia, que continuou desempenhando seu pequeno comércio de compra e venda de cativos. No dia 8 de abril de 1855, encon- tramos Jorge e a esposa Catharina Coelho levando à pia batismal o “párvulo” Joaquim, filho de Maria, ambos escravizados do casal. 64 Suspeitamos que a cativa Maria fosse até uma das pessoas capturadas no interior de Angola ou adquiridas no porto de Luanda, nos tempos em que Duarte e o próprio Jorge aventuravam-se na aquisição de cativos na África.
Essas negociações que Duarte estabeleceu com o alufá Rufino e com Jorge de Lima mostram a movimentação para obtenção de cativos no interior ou na costa da África, para comercializá-los em Luanda. Esse tipo de especulação era conhecido entre os pequenos traficantes nas duas margens atlânticas, ou seja, Brasil e África, e apropriado a um pequeno investidor que não quisesse correr riscos de ver seus negócios afundados nas águas do Atlântico. 65 Historiadores(as) do tráfico argumen- taram sobre a atuação de pombeiros no interior de Angola. A propósito, Jaime Rodrigues e Mariana Candido trouxeram narrativas detalhadas acerca da cultura dos pombeiros e de suas ações. 66 Homens, quase sempre negros e mulatos, desempenhavam a função de agenciadores de cativos nas regiões interioranas, negociavam com os chefes locais, sobas, entre outras lideranças comunitárias, as pessoas apreendidas nas guerras e razias para serem comercializadas no litoral do continente de onde seriam embarcadas para as Américas. Esses agentes eram muitas vezes ex-cativos que foram criados na casa de seu senhor e adquiriram certa expertise, como habilidades com a língua, astúcia e sutileza na hora das barganhas, e conquistavam a confiança dos traficantes de grosso trato, estrangeiros e nacionais.
Jaime Rodrigues recuperou a genealogia da palavra em quimbundo, mpumbu, que significa ponto de intersecção de rotas de comércio de escravizados e de produtos do interior. 67 No século XVI, o termo pombeiro estendeu-se aos mercadores lusos frequentadores dessas feiras e aos emissários dos comerciantes europeus estabelecidos no litoral, mas foram poucos os brancos europeus que exerceram essa função exclusiva dos pequenos traficantes negros no interior da África. As ações desses indivíduos, porém, extrapolavam as barreiras linguístico-culturais. Na região ocidental, na costa da Guiné, os tangomaus, resguardando certas peculiaridades, desempenhavam igual função. Esses indivíduos, diferentes dos pombeiros, eram donos de seus próprios bens e mais independentes de seus senhores. Datam do período quinhen- tista as primeiras referências aos tangomaus, cujas atividades poderiam lhes reservar o acúmulo de bens de valor significativo. Em Luanda e Benguela, os pombeiros, assim como os tangomaus da Guiné, mercade- javam não só escravizados, mas também produtos como marfim, urzela, cera, goma copal, gado e comida. 68 Seus carregamentos poderiam ser compostos também por tecidos, bebidas e alimentos, como o açúcar que Duarte transportou, em sua viagem para Benguela, em julho de 1840.
As ações dos pombeiros ou pequenos comerciantes de cativos, no interior de Angola, atingiam dimensões que fugiam ao controle das autoridades. Por vezes, tensionavam as relações entre traficantes portu- gueses e africanos do interior, estendendo os conflitos aos administradores coloniais, colonos brancos e mestiços de Angola vinculados ao comércio ilegal de escravizados. Desde o século XVIII, conflitos, riscos ou tensões misturavam-se à astúcia e ao desejo de angariar pecúlio pela pumbagem que atraía marinheiros, cativos e libertos, africanos e brasileiros, além de exilados e criminosos brancos europeus. Para os africanos e para os homens negros nascidos nas Américas, em especial, no Império do Brasil, esse foi um caminho promissor para a ampliação de suas expectativas de liberdade e de vida material.
Jorge de Lima, que ficou responsável pela venda de cativos em Luanda para Duarte, também tinha a sua identidade gestada nessa comunidade atlântica. Decerto, percebeu alguma semelhança entre aquele pequeno centro urbano de Luanda e a movimentada capital da província pernambucana. Aquela cidade africana era formada apenas por duas ruas calçadas que conectavam as partes alta e baixa da cidade, prédios como o da alfândega e a praça do comércio, ilustrando a dinâmica econômica do lugar intimamente vinculado ao tráfico, uma taverna para o jogo de bilhar e uma venda, onde os escravizados, marinheiros estrangeiros e o povo local consumiam genebra. Em contrapartida, as casas habitadas pelos colonizadores europeus exibiam luxo e conforto na arquitetura. Reis, Gomes e Carvalho, por meio das impressões do viajante alemão George Tams, ilustraram alguns detalhes, como as iguarias compostas de queijo inglês, vinho e cerveja que regavam os almoços e os jantares dos homens brancos educados aos moldes europeus que tratavam de negócios negreiros em meio aos grandes eventos que eram as reuniões em suas residências. Havia ainda festas religiosas, um pequeno teatro, onde aos domingos as pessoas da elite local se reuniam para assistir à banda militar que – pelas impressões do viajante – era pouco talentosa, ou seja, nada igualada aos maracatus e aos batuques do bairro de São José, na cidade do Recife. Porém, a relação íntima com a escravidão tornava Luanda e Recife, além do Rio de Janeiro e de Salvador, cidades semelhantes. Em 1842, aportaram em Luanda 11 navios vindos de Lisboa, 22 oriundos do Rio de Janeiro, 7 de Pernambuco e 6 da Bahia. O destaque na rota negreira Brasil-Luanda ficou para o Rio de Janeiro e para o Recife, cidades negras, onde o marinheiro Duarte, o endinheirado traficante Ângelo Carneiro e tantos outros africanos, europeus e brasileiros viveram entre as duas margens do Atlântico. 69
Afora Jorge de Lima e o alufá Rufino, outros comerciantes de médio e grande portes estiveram na “rede miúda” do comércio ilegal de pessoas à qual Duarte esteve intimamente ligado. O português Francisco José da Costa Ribeiro, para quem o marinheiro africano devia algumas parcelas da compra da preta velha Benedita, era um negociante de grande porte. Além do lucrativo comércio de escravos, ele era coproprietário de tabernas na rua do Rangel, no bairro de Santo Antônio, e na rua Corredor do Bispo, na freguesia da Boa Vista. Era dono de um armazém no Cais do Ramos, em Santo Antônio, 70 no qual empregava caixeiros portugueses e brasi- leiros. 71 Ao distinto preto forro, que figurava como jurado na 1ª Vara de crimes da capital, Francisco Manoel da Costa, 72 morador da rua do Ouro, no bairro Santo Antônio, Duarte devia a quantia de cem mil réis, dinheiro que tomou emprestado para cuidar de sua saúde.
Parentes de nação e religião
Alguns parentes de nação e irmãos de devoção de Duarte também estiveram envolvidos com o infame comércio, comprando e vendendo cativos na via pública ou trazendo-os quando encomendados por alguém. A preta mina Luzia Muniz escolheu o marinheiro para ser seu terceiro testamenteiro. Quando cativa, fora empregada no ganho, o que lhe proporcionou barganhar sua manumissão e, assim como tantas mulheres e tantos homens libertos, vivia das rendas de seus poucos cativos. Seu consorte Manoel Maxado foi tesoureiro da Irmandade do Rosário dos Pretos de Santo Antônio, na década de 1830. Luzia chegou também a sentar-se na mesa regedora feminina, ocupando o cargo de mordoma na mesma confraria. 73 O casal morava no número 38, da rua Velha, no bairro da Boa Vista, principal via de ligação com o bairro em que Duarte habitava. Ela e o marido possuíam alguns cativos, como Benedita, que já não estava mais sob o poder do casal quando Luzia elaborou seu testamento, mas que tivera um filho de nome Antônio, “cria da casa”, dela e do marido. Afora a cria, tinham também os escravizados João, Elena (ambos da Costa da Mina) e Maria do Rosário. É possível que alguns desses cativos de propriedade de Luzia e de seu esposo tivessem sido adquiridos das mãos de Duarte. O marinheiro, Luzia e Manoel Maxado (marido da africana) eram parentes de nação, de fé e de devoção e moravam bem próximos: bastava atravessar a ponte da Boa Vista para alcançar a rua Velha, destino certo de escravizados que Duarte trazia consigo para negociar com pessoas de suas redes de sociabilidade. 74
Duarte também desfrutava de amizade íntima com outros mesários de confrarias católicas. Os pretos libertos da Costa da Mina Fellipe Nery e Estevão José das Chagas, que figuraram como primeiro e segundo testamenteiros do marinheiro, chegaram a fazer carreira na mesa regedora da Irmandade do Rosário dos Pretos de Santo Antônio, ocupando diversos cargos. Estevão das Chagas foi definidor, procurador do Recife e eleito por duas vezes juiz. Ele presidiu também a Comissão de Administração de 3 de novembro de 1869, formada para criar estratégias equalizadoras das divergências no seio da hierarquia da irmandade. Sua atuação na instituição foi ímpar, principalmente durante a comissão, mas acabou falecendo em 24 de fevereiro de 1870, às vésperas da aprovação do Compromisso. Sua morte foi bastante lamentada pelos confrades. Fellipe Nery, primeiro testamenteiro e inventariante de Duarte, morava na rua do Livramento no bairro de Santo Antônio. Ingressou na Irmandade do Rosário em 1838, tornou-se definidor, escrivão e tesoureiro. 75 O terceiro testamenteiro de Duarte, o preto liberto José Vicente Ferreira Barros, mestre carpina que morava na rua do Jardim, freguesia de São José, era confrade da Irmandade de São José do Ribamar. Ele também ocupou o cargo de procurador na agremiação católica. No dia 12 de julho de 1846, Ferreira Barros entrou com um pedido para que as sepulturas da Irmandade de Nossa Senhora do Bom Parto, cujo orago também estava na Igreja de São José do Ribamar, fossem retiradas da igreja, mas ele foi voto vencido na reunião de ambas as confrarias. 76 Ao que parece, ele também tinha negócios na Corte e talvez sua ligação com Duarte fosse antiga. No dia 11 de maio de 1842, Ferreira Barros enviou seu escravo Sinzinando para o Rio de Janeiro, decerto para tratar de seus negócios – ou talvez essa viagem fosse em razão de mais uma comercialização ilegal de gente, na qual esses libertos africanos estiveram emaranhados. 77
O comércio ilegal de pessoas escravizadas, enfim, atenuava diferenças culturais e distinções sociorreligiosas entre os indivíduos envolvidos na atividade. Católicos, muçulmanos, grandes e pequenos negociantes, brasileiros e estrangeiros estabeleciam laços de amizade e estreitos vínculos de negócios. O cozinheiro Rufino chegou a viver da prática da religião depois que a Ermelinda foi apreendida. Por sua vez, o savalu Duarte era católico e, entre os amigos mais íntimos que figuraram como seus testamenteiros, estavam pessoas que ocuparam cargos de mesários em diferentes irmandades religiosas. O comércio miúdo de escravizados foi mais aglutinador do que qualquer filiação religiosa.
Considerações finais
No início desta narrativa, apontamos que vários foram os percursos do tripulante do patacho Luiza, do bergantim Feliz Animoso e da barca Ermelinda. No entanto, recuperamos, aqui, parcos pedaços da vida íntima e profissional do marinheiro savalu Duarte José Martins da Costa. Seu envolvimento nas rotas comerciais do Atlântico Negro e nas redes de grandes negociantes de cativos, ao que parece, foi uma expectativa promissora de outros africanos libertos que continuaram suas vidas no Rio de Janeiro, no Recife ou em Salvador. No Recife, além de Duarte, o nagô José Francisco da Costa e sua esposa, a calabar Maria Antônia de Souza, moradores do bairro de Santo Antônio, estiveram também emara- nhados na “cousa” miúda do comércio urbano de escravizados. O casal mina escolheu como uma das testemunhas de seu testamento Manuel Alves Guerra, um dos grandes proprietários de negreiros de Pernambuco, de quem Maria Antônia costumava comprar tecidos para revenda, em um de seus armazéns, na Rua da Cruz. 78
A trajetória de Duarte José Martins da Costa, ao que tudo indica,longe de ser uma história de excepcionalidade, 79 foi corriqueira entre homens negros, africanos e afrodiaspóricos, que estiveram entre margens e em diferentes trânsitos atlânticos de Áfricas, Américas e Europas. Além do envolvimento no tráfico atlântico, seus percursos revelam as dinâmicas do mundo capitalista da época. Liberto, de posses modestas, arriscava o pouco que tinha em busca de viagens vantajosas e saía com menos provisões que possuía quando marujo. Ele e seus companheiros de viagens atlânticas, como Jorge de Lima, o alufá Rufino, os demais tripu- lantes do Ermelinda e os de outras histórias negreiras não conseguiram ampliar suas expectativas de vida material, mas seus trabalhos tornam-se a chave para o acúmulo financeiro dos grandes empresários de “gente”, com os quais estiveram unidos pelos mares, dividindo o mesmo navio, porém separados pela hierarquia marítima e pelas encruzilhadas raciais e sociais. Ângelo Francisco Carneiro, um dos sócios do Ermelinda – que cogitamos ter tido algum tipo de ligação com Duarte antes de ele rumar para o Recife –, viu seu cabedal avolumar-se. Quando faleceu em agosto de 1858, quatro anos depois de Duarte, deixava para seus rebentos considerável patrimônio e investimentos públicos. O Teatro de Santa Isabel, o Hospital Pedro II e a Companhia de Beberibe são alguns exemplos de sua fortuna decorrente do comércio ilegal e infame de gente de África e da exploração da mão de obra de inúmeros grumetes, como o marinheiro savalu Duarte. 80
A comunidade atlântica, conceito que insistimos em elencar para aproximarmo-nos das experiências e dos trânsitos de Duarte, nunca horizontal para os sujeitos sociais, gestava as disputas e as compe- tições em torno do comércio entre mares. Todavia, pequenos, médios e grandes negociantes – em águas e em terra – mantinham o compromisso de manter a exportação e a importação de cativos e mercadorias diversas: açúcar, tabaco, cacau, têxteis, bebidas alcoólicas, objetos religiosos. Se do lado de lá do Atlântico, como frisou Mariana Candido, a demanda por armas de fogo e por tecidos luxuosos incentivava os conflitos bélicos para o abastecimento dos negreiros, 81 do lado de cá do Atlântico era o mercadejo miúdo de porta em porta, o boca a boca e até as pequenas e médias casas do ramo de venda de cativos, que sustentavam e estrutu- ravam a cultura e o sistema escravistas.
AGRADECIMENTO
Agradecemos a leitura e as sugestões para as versões preliminares deste texto feitas pelos editores e pareceristas anônimos da Afro-Ásia. Também agradecemos as indicações sobre Luanda noticiadas no Diário de Pernambuco, fornecidas por Roquinaldo Ferreira. Flávio Gomes agradece ainda o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na forma de uma bolsa de produtividade em pesquisa.
Referencia