HOMENAGEM
OJÚWONI BÍI KÁKÚ, ÒRÌṢÀ NIKÒ GBÓHÙN AṢÌKÀ!… OLABIYI BABALOLA YAI (1939 – 2020)
OJÚWONI BÍI KÁKÚ, ÒRÌṢÀ NIKÒ GBÓHÙN AṢÌKÀ!… OLABIYI BABALOLA YAI (1939 – 2020)
Afro-Ásia, núm. 65, pp. 648-670, 2022
Universidade Federal da Bahia
Gbé ̣nàgbé ̣nà ti s ̣e tirè ̣ tán
O kú só ̣wó ̣ o ̣ gbé ̣nugbé ̣nu 1
The perception of tradition as iteration of individual and collective orí’s acts based on choice in an infinite figure of contiguity is the inspiration behind the often heard and seemingly oxymoronic statement by many a Yorùbá artist:
“ Our tradition is very modern” 2
Olabiyi Babalola Yai, The Path is Open
Sábado, dia 5 de dezembro de 2020, uma hora da tarde (horário de Exú), praticamente no meio da rua (conforme afirmou sua filha maior que o acompanhava nas últimas semanas da sua vida), na encruzilhada da entrada do hospital das clínicas Centre National Hospitalier et Universitaire Hubert Koutoukou Maga (CNHU), em Cotonou, capital econômica da República do Benim (antigo Daomé), enquanto aguardava ser regulado para internamento na UTI para trata- mento de um câncer na coluna e após ter sido submetido ao teste obrigatório de covid-19, faleceu Olabiyi Babalola Joseph Yai, professor, poeta,ensaísta, crítico literário, linguista, poliglota, embaixador e, sobretudo, pan-africanista, humanista e defensor das causas mais profundas da identidade negro-africana.
Biografia
Nasceu em Sabé, cidade ancestral iorubá cujo rei-fundador, Oníṣàbẹ, era contado como um dos sete netos de Odùduwà, herói-fundador da nação iorubá, portanto irmão carnal dos fundadores dos outros seis reinos primordiais nascidos da primeira expansão da dinastia iorubá relatados no mito da dispersão que se teria produzido na mítica Cúpula de Ìtá Ajerò. O historiador-missionário iorubá Samuel Johnson deu os nomes dos demais irmãos de Onís ̣àbe ̣ que participaram dessa cúpula primordial: Aláketu (rei de Queto), Ò ̣ràngún (rei de Ìlá), Onípópó (rei de Popo), O ̣ba (rei de Benin), Olówu (rei de Òwu) e Ò ̣rànmíyàn (rei-fundador de Ò ̣yó ̣). 3 S ̣ábe ̣, pronunciado Tchabé pelos autóctones, mas grafado como Savé pela administração colonial francesa, era um reino importante localizado na atual República do Benim (antigo Daomé) e pertencia ao grupo étnico denominado como nàgó pelos vizinhos daomeanos, nome que viria a ser aplicado a todos os povos iorubá-falantes na diáspora brasileira (nagô).
Foi nesse importante reino nagô-iorubá que nasceu O ̣labíyi Babalo ̣lá Yáyì, em 12 de março de 1939. O sobrenome Yáyì, que em língua iorubá significa “aquele que possui ou ganhou ( yá) muita honra ( iyì)”, foi grafado no cartório pelo escrivão, obviamente um funcionário francês da administração colonial, simplesmente como Yaï na certidão de nasci- mento. Outro fato curioso ligado à biografia desse filho único de um dos príncipes herdeiros mais cotados na época para ascender ao trono de S ̣ábe ̣4foi que, na hora de matriculá-lo na escola colonial, sem poder apresentar sua certidão original, documento obrigatório para ingressar na escola, seu pai teve que lhe arranjar um atestado assinado pelo administrador colonial ( commandant de cercle), que, por algum motivo inexplicável, errou a data de nascimento e atribuiu o ano de 1942 como o do nascimento de O ̣labíyi.
Graças à conversão de seus pais ao cristianismo, O ̣labíyi Babalo ̣lá foi batizado com o nome de Joseph na igreja Metodista. Assim, ele ingressou na escola fundamental de sua terra natal, Savé, com o nome completo de O ̣labíyi Babalo ̣lá Joseph Yai. Em 1953, terminado o primeiro ciclo do ensino básico colonial em Savé, teve que seguir para Porto Novo, capital da colônia daomeana, onde foi matriculado no Colégio Victor Ballot, então uma das pouquíssimas escolas de ensino médio em toda a África Ocidental Francesa (AOF) que, dois anos mais tarde (1955), seria promovida ao nível de um liceu, ao lado de três outros liceus com os quais a administração colonial francesa dotaria toda a região que cobria desde o Senegal até o então Sudão francês, um vastíssimo território que hoje recobre mais de 16 países. Após a independência, em 1960, o Liceu Victor Ballot seria rebatizado com o nome de um dos reis daomeanos que mais resistiu ao domínio francês e até hoje mantém este glorioso nome: Lycée Béhanzin.
Formação acadêmica e ativismo estudantil O ̣labíyi Babalo ̣lá concluiu o ensino médio no Liceu Béhanzin no mesmo ano da independência do Daomé (1960) e, no ano seguinte, seguiu para Dacar, onde ingressou no curso de Letras na Universidade de Dacar, na época a única universidade de toda a AOF. Tendo se filiado ao Partido Africano pela Independência (PAI) desde seus anos no Liceu Béhanzin, o jovem O ̣labíyi Babalo ̣lá continuou esse ativismo estudantil na Universidade de Dacar, ao filiar-se à União Geral dos Estudantes da África Ocidental (UGEAO). Na qualidade de membro executivo desse grupo, O ̣labíyi Babalo ̣lá ficaria encarregado de distribuir panfletos com conteúdo hostil ao primeiro presidente do Daomé, Hubert Maga (aquele mesmo que deu nome ao hospital onde O ̣labíyi Babalo ̣lá viria a falecer em 2020).
O ano era 1963, e o presidente daomeano estava fazendo uma visita oficial ao Senegal a convite do então presidente senegalês, Léopold Sédar Senghor. O presidente Maga não teria gostado nada desse ato de subversão praticado pelos jovens daomeanos e teria exigido de seu anfitrião um castigo exemplar para os culpados. A polícia senegalesa foi acionada e prendeu Olabíyi Babalolá e alguns de suas camaradas. Purgaram três meses de cadeia no Senegal, apesar de terem tido como defensor o brilhante advogado dr. Abdoulaye Wade, futuro presidente do Senegal (de 2000 a 2012). Quando Olabíyi Babalolá Joseph Yai e seus camaradas souberam que o presidente Maga havia conseguido junto ao governo senegalês uma ordem de extradição contra eles, fugiram da prisão e, com ajuda de células marxistas, conseguiram chegar no Mali, onde podiam pedir asilo político junto ao governo de Modibo Keita, que era simpatizante às causas marxistas e dava proteção, na mesma época, ao próprio fundador do Partido Africano pela Independência (PAI), o senegalês Madjemout Diop, e seu colega Tidiane Baïdy Ly. Do Mali, Olabíyi Babalolá Yai e seus camaradas queriam tentar entrar na Argélia de Frantz Fanon, que era considerada um território fértil para as ideias revolucionárias e a luta contra a dominação colonial. Porém, as fronteiras entre a África Ocidental e aquela região do Magreb encontrava-se fechada devido à instabilidade política e às ameaças de golpes de Estado que já começavam a agitar as sociedades africanas recém-descolonizadas.
Conforme documenta o livro de Luiza Nascimento dos Reis, Estudantes africanos e africanas no Brasil (anos 1960), antes do episódio Hubert Maga, que ocasionou a O ̣labíyi Babalo ̣lá e seus camaradas a amargura da prisão em Dacar, seu ativismo no seio da UGEAO teria causado ao jovem O ̣labíyi a perda de outra oportunidade ímpar: a de fazer parte do grupo de primeiros alunos africanos a estudarem no Brasil com bolsa do Itamaraty. 5 De acordo com o relato oficial, Pedro Moacir Maia,o leitor brasileiro junto à Universidade de Dacar e encarregado da seleção de estudantes africanos a se beneficiarem da bolsa do governo brasileiro representado pela Embaixada do Brasil em Dacar, teria incluído o nome de O ̣labíyi Babalo ̣lá na relação dos cinco primeiro candidatos africanos. Todos eram alunos que estavam prestes a concluir a licenciatura na Universidade de Dacar e queriam fazer especialização no Brasil. Luiza dos Reis dá a relação dos cinco estudantes como: Fato Aliou e Aby Bâ (Senegal), Benjamin Dogblé e Kofi Ewô (Togo) e Joseph Yai (Daomé). Infelizmente, a despeito da disposição manifestada por João Alfredo, então reitor da Universidade do Recife (hoje Universidade Federal de Pernambuco), em acolher os estudantes africanos “desde que houvesse bolsa”, o governo brasileiro, apesar de ser de esquerda (João Goulart), negou a bolsa a esses cinco estudantes, talvez devido à militância do grupo no meio estudantil.
De fato, a ditadura militar instalada logo em seguida no Brasil não simpatizava muito com agitadores estudantis, conforme ficou comprovado na recusa de bolsa e visto brasileiros para o professor Benjamim Pinto Bull, refugiado da Guiné Bissau que ministrava o curso de português para alunos ginasiais em Dacar na mesma época. Seja qual for o real motivo da recusa da bolsa, ficou registrado que o Itamaraty não aprovou a ida desses primeiros candidatos ao Brasil, apesar da insistência do leitor Pedro Maia, responsável pelo ensino de português para alunos do curso de Civilização e Literatura Latino-Americana na Universidade de Dacar, que apontava o bom desempenho dos indicados. O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai só viria a realizar mais tarde o sonho de conhecer o Brasil, quando foi nomeado e enviado como primeiro professor de intercâmbio pela Universidade de Ifé, onde já era professor desde 1972, para dar aulas de iorubá no Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (CEAO-UFBA), de 1975 a 1976.
Voltando à odisseia senegalesa, naquele ano de 1963, O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai e seus colegas saíram do Mali mas não conseguiram chegar na Argélia, que era seu objetivo. No entanto, conseguiram chegar até Paris, na França, contando sempre com a ajuda das redes marxistas do PAI na época. Em Paris, O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai teve que sobreviver nos primeiros tempos fazendo biscates. Mas com o golpe de Estado que acabou tirando do poder o presidente Hubert Maga no Daomé, O ̣labíyi e seus camaradas daomeanos podiam candidatar-se oficialmente a uma bolsa na França, já que não eram mais procurados pela justiça de seu país. Com direito a uma escolha entre bolsa do Fundo de Ajuda e Cooperação Francófona (FAC) e bolsa oferecida pelo governo do Daomé a seus estudantes na França, o jovem O ̣labíyi Babalo ̣lá preferiu a bolsa do FAC, pois ainda tinha receios pela situação política do Daomé.
Foi assim que O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai completou a licenciatura na parisiense Universidade de Sorbonne. Além da licenciatura em Letras concluída em 1964, ele obteve ainda um diploma de estudos de Linguística ( Certificat d’Études Supérieures de Linguistique Général) no ano seguinte, aos 26 anos.Ao longo de seus estudos na Sorbonne, continuou como membro ativo e militante tanto da Associação dos Estudantes do Daomé (AED), como da Federação dos Estudantes da África Negra na França (FEANF), da qual chegou a ser eleito vice-presidente, em 1966. Como aluno de Letras, ele se interessou pela língua espanhola e matriculou-se no Instituto de Altos Estudos Latino-Americanos em Paris, onde conheceu vários escritores hispano-falantes e se familiarizou com suas obras, a exemplo do poeta afro-cubano Nicolas Guillén e do escritor mexicano Carlos Fuentes. A partir daí, começou a nutrir um afeto especial pelas causas afro-latino-americanas. Em 1965, teve a oportunidade de uma primeira viagem a Cuba como membro da delegação da FEANF. Tinha naquela época a ambição de seguir seus estudos naquele país, mas não conseguiu a bolsa necessária devido, mais uma vez, a seu ativismo estudantil – mas desta vez por dissidência dentro da própria esquerda, pois a FEANF era vista pelos cubanos como pertencente a um ramo cada vez mais simpa- tizante do modelo chinês e, portanto, afastado do marxismo cultivado na ilha. Com a impossibilidade de ganhar uma bolsa em Cuba, O ̣labíyi Babalo ̣lá Yaï teve que desistir do seu sonho de elaborar uma tese sobre as influências da língua e cultura iorubá na construção da identidade cubana. Esse desejo se concretizou anos mais tarde, com a publicação de um artigo intitulado “Influences Yoruba dans la poésie cubaine: Nicolas Guillén et la tradition poétique Yoruba” (as obras de O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai estão regis- tradas ao final desta homenagem).
De volta a Paris, O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai quis cursar o doutorado e, de fato, conseguiu inicialmente uma bolsa para tanto. Mas a adminis- tração da bolsa exigia que aplicasse sua pesquisa na área da linguística francesa, enquanto a ele só interessava pesquisar as línguas africanas, sobretudo o iorubá, sua língua materna. A intenção dele era desenvolver um projeto para o ensino das línguas africanas nas escolas da África desco- lonizada, onde imperava desde a época colonial o currículo que proibia a introdução das línguas nativas no ensino. Quando O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai viu que a agência de fomento que financiava seu doutorado não cederia à sua determinação de pesquisar línguas africanas, teve que renunciar à bolsa e regressar ao Daomé em 1967.
De volta a seu país, ensinou por algum tempo no Liceu Béhanzin, onde fora aluno de 1953 a 1960, mas logo conseguiu uma bolsa de estudos para cursar linguística aplicada na Universidade de Ibadan, na Nigéria, que era reconhecida na época como a maior referência mundial na linguística iorubá, contando com a presença de grandes pesquisadores, como o professor estadunidense Robert G. Armstrong e o linguista iorubá Ayo Bamgbose. O diploma superior em linguística iorubá conquistado naquela conceituada universidade fez com que O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai obtivesse com facilidade o cargo de professor na recém-criada Universidade do Daomé, em Cotonou (futura Universidade de Abomey- Calavi), em 1970, aos 31 anos de idade. Com este cargo, ele podia seguir sua paixão de pesquisador das línguas africanas, e desde aquele momento começou a participar de conferências e encontros da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) sobre a temática das línguas africanas em diversos pontos da África – Yaoundé, Bamako, Dar es Salaam, Conacri etc. – onde se discutia o processo de padronização das línguas africanas e seu uso como língua de instrução escolar nas ex-colônias francesas.
Em 1972, O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai fez concurso e foi aprovado para ensinar na recém-criada Universidade de Lagos, onde foi trabalhar ao lado de seus antigos colegas do curso de iorubá e da linguística na Universidade de Ibadan, tais como Wande Abimbola e Akinwunmi Isola, com os quais manteve amizade até o fim da vida. Essa amizade levou o trio a seguir juntos para a Universidade de Ifé, em 1973-1974, quando Wande Abimbola aceitou dirigir o departamento de línguas africanas do então Instituto de Estudos Africanos. Nesse departamento já se encontravam outros grandes intelectuais iorubás, como o músico Akin Euba, os historiadores Akiwo ̣wo ̣ e Adeagbo Akinjogbin, o dramaturgo Ola Rotimi e o poeta-ativista Wole Soyinka, que viria a se tornar o primeiro negro a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, em 1986.
O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai permaneceria na Universidade de Ile-Ifé (futura Universidade Obafemi Awolowo) na Nigéria, onde chegaria ao topo da carreira acadêmica ao ser promovido a professor titular de línguas africanas, em 1983, quando tinha 44 anos. Também foi dele a iniciativa de criar, na mesma época, o atual Instituto de Estudos Culturais, sucessor do antigo Instituto de Estudos Africanos, da Universidade de Ifé, que fora extinto para dar espaço a cinco depar- tamentos, nomeadamente Língua e Cultura Iorubá, Artes Dramáticas, História e Arqueologia, Belas Artes e Música. O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai dirigiu o novo Instituto de Estudos Culturais durante quatro anos e foi responsável por definir a vocação que hoje possui o Ilé-Irúnmọlè ̣ (Casa das Divindades), como ficou mundialmente conhecido esse Instituto, que ao longo das últimas quatro décadas tem ocupado um lugar de destaque na área da documentação, preservação, ensino e pesquisa dos diversos aspectos da cultura iorubá e africana em geral, com ênfase na pesquisas da história iorubá e forte investimento nos métodos científicos da arqueologia, museologia, além da integração dos saberes ancestrais através de um intenso diálogo entre a academia e os intelectuais orgânicos detentores do saber comunitário, atuando em instituições milenares. Trata-se dos ọba (reis) e ìjòyé (ministros conselheiros), olóyè ẹbọra (altos sacerdotes dos 401 orixás do panteão iorubano), àwòròs e ẹlẹ́gùns (sacerdotes iaôs e rodantes), além de outros mestres do saber tradicional tais como poetas dos diversos gêneros da oralitura iorubá ( akéwì, apàlọ̀, oníjàlá, olórin, ọlọ́jẹ̀ e babaláwo, etc.), assim como escritores, escultores, àyàn (mestres dos tambores falantes) e outros detentores das ciências e tecnologias tradicionais para a fundição de ferro, ouro, bronze e corais.
Graças à visão de O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai, o Ilé-Irúnmo ̣lè ̣ é hoje o maior centro de referência mundial em assuntos da cultura iorubá, recebendo solicitações de estudiosos e pesquisadores do mundo inteiro para realizar estágios de pesquisa aprofundada em diversos aspectos da rica epistemologia e vivência iorubá-africana.
Como já foi frisado anteriormente, seu espírito inquisitivo e sua paixão pela defesa das línguas, literaturas, identidade e culturas africanas fizeram dele um ávido leitor, um crítico perspicaz e um combatente tenaz pelas línguas e culturas do seu povo iorubá e dos demais povos africanos. Poliglota incomparável, O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai falava fluentemente meia dúzia de línguas africanas, entre elas o iorubá (tanto a sua versão padro- nizada como um punhado de dialetos nagôs mais usados no Daomé, tais como ketu, idaissa e sabé), fon, mahi, adja e gun, línguas essas faladas na vasta região que vai desde Badagry, na Nigéria, a Aneho e Lomé, no Togo. Além disso, ele falava fluentemente várias línguas europeias, como francês, inglês, espanhol e português.
Em 1988, O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai aceitou a posição de professor visitante na Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, onde perma- neceria até 1998 como diretor do Departamento de Línguas e Literaturas Africanas e Asiáticas. Ele ainda passou um ano como professor visitante na Universidade Kokugakuin, em Tóquio, de 1997 a 1998, antes de ser nomeado Embaixador e Delegado Permanente da República do Benim junto à Unesco pelo então presidente daomeano, Mathieu Kerekou.
Diplomacia cultural na Unesco Na Unesco, O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai teve uma carreira brilhante, marcada por uma influência nunca dantes vivida por um diplomata africano no seio dessa instituição de promoção cultural mundial. Serviu em várias capacidades dentro dessa organização. Foi membro da Comissão do Patrimônio Mundial, do Comitê do Fundo Internacional pela Promoção da Cultura (FIPC), do Comitê Científico Internacional do Projeto Rota dos Escravos, e membro do juri para a designação das obras-primas do patrimônio oral e intangível. O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai foi também membro dos juris para os prêmios Melina Mercouri e Simón Bolivar, atribuídos a obras do patrimônio latino-americano, além de ter atuado no seio da Comissão do Fundo Africano para o Patrimônio Mundial (AWHFD, na sigla em inglês). Já no topo da sua carreira diplomática, O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai presidiu diversas comissões da Unesco, como a Comissão G77 da Cultura, a Comissão IV (Cultura) da 32ª Sessão da Assembleia Geral da Unesco (2003) e foi vice-presidente do Conselho Executivo da Unesco (2001-2003).
Durante os dezoito anos que permaneceu na Unesco, O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai foi um defensor absoluto do patrimônio oral e intangível das populações africanas e afro-diaspóricas. Teve a grata oportunidade de trabalhar ao lado de outros adeptos e defensores da diplomacia cultural, tanto dentro como fora da Unesco, para promover os interesses das línguas, culturas, monumentos materiais e imateriais das populações da África e da diáspora africana. O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai participou ativamente na concepção do monumental projeto da História Geral da África (volumes I a VIII) e insistiu na edição de um volume especial (volume IX) dedicado à diáspora africana nas Américas, livro que neste momento encontra-se no prelo. É digno de nota que durante os anos de intensa diplomacia cultural de O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai e seus correligionários e colaboradores da Unesco, várias manifestações culturais da África e da diáspora africana foram inscritas na lista de Patrimônio da Humanidade daquele órgão, como o sistema oracular de Ifá e seus derivados ( Erindinlogún, Afa, Agbigba), o samba brasileiro e muitos outros monumentos materiais e intangíveis, como o Osun Osogbo Grove (bosque sagrado de Oxum, em Osogbo).
Por unanimidade, seus antigos colegas da Unesco elegeram O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai como o “ícone da família africana”, conforme aponta o diplomata angolano Sita José nas homenagens póstumas a O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai. Isso porque, conforme afirma outro diplomata, desta vez o congolês Eloundou Assomo, todos os diplomatas africanos na Unesco deviam a O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai “o orgulho de sermos africanos e de poder contribuir e adicionar nossa pedra ao edifício da UNESCO”. De fato, ele chegou a ser comparado ao imortal Aimé Césaire, maior ícone do movimento cultural Négritude, por outro diplomata africano, Justin Ahanhanzo, que fez para ele uma belíssima homenagem póstuma que ora traduzimos: “Acima de tudo e além de seus inume- ráveis títulos e distinções, o embaixador, o professor, o ‘Mais velho’, o amigo, o AFRICANO YAI […], o que nos ligava todos a ele era seu fogo intelectual inextinguível, que ele colocava como paixão a serviço da África para reconquistar sua dignidade desrespeitada, a cultura do nosso continente como origem da Humanidade, o lugar das nossas línguas no ensino e na educação, nossa cultura com suas antiguidades clássicas, mas também nossa cultura popular, aquela que o povo compartilha e vive no dia a dia, seu compromisso intelectual marcado pela sua recusa radical da injustiça e de qualquer preconceito, sobretudo nas esferas onde tais direitos deveriam estar mais protegidos e promovidos”.
Wole Soyinka, o escritor-ativista-mor iorubá-nigeriano, resume numa frase carregada, mas não menos poética, o alcance irrepreensível do fogo e da paixão que moviam O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai a dedicar a vida toda à defesa dos valores culturais da África e da diáspora: “O ̣labíyi Yai era sempre apaixonado por assuntos da raça e da nação, sua paixão às vezes o levando ao desespero”. Quem quiser saber do alcance desse desespero precisa ler as memórias do próprio Wole Soyinka, You Must Set Forth at Dawn, publicada em 2006, nas quais o grande dramaturgo contou o episódio do resgate falhado da famosa escultura Orí Olókun, a Cabeça de Olókun, emblema, cartão postal e eterna logomarca da cultura iorubá. O prêmio Nobel contou na referida memória a epopeia que levou o duo O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai e Wole Soyinka a empreender uma missão impossível, em terras baianas, para recuperar esse ícone-mor iorubá supostamente avistado na casa do famoso artista Carybé. Numa missão mirabolante descrita por Soyinka, de cujo planejamento Yai foi a peça principal, o duo conseguiu de fato “recuperar” uma peça da casa de Carybé, que não passava de uma cópia da relíquia iorubá comprada na loja de souvenires do British Museum, que guarda até hoje o original. Sem dúvida alguma, O ̣labíyi Babalo ̣lá Yai era um africano movido pelo mais nobre amor e paixão a cometer os atos mais desesperados em defesa dos valores éticos, estéticos e epistemológicos negro-africanos na esfera global. 6
Oriki7
Káre o Olabíyi Babalolá tó Yáyì
Te saúdo carinhosamente, Olabiyi…
O ̣lás ̣o ̣pé ̣ Oyèláràn olùkù re ̣ tí
Seu amigo O ̣lás ̣o ̣pé ̣ Oyèláràn já
Ibí tóo bà wà ilè ̣ e ̣ re ni o!
onde quer que esteja agora
Ìwo ̣ kannáàn nímùlè
e também de Akínwándé 12
Okùnadé S ̣íjúwadé ò ̣ré ̣ re ̣ O ̣ò ̣ni
seu poderosíssimo amigo,
Orin13