Resumo: O presente artigo analisa a trama originada pelo furto de uma carteira que pertencia a Franklin Dória, um promotor da cidade de Cachoeira, no Recôncavo da Bahia, em 1864. O principal suspeito, Lúcio, era escravizado da tia do promotor, tendo supostamente confiado a quantia subtraída – um conto e oitocentos mil réis – à sua própria tia, Petronilla, que teria usado o dinheiro para se alforriar, adquirir tecidos, joias em ouro e para agradar o seu amásio, Piranduba, um calafate livre apontado como cúmplice do delito. A pesquisa que segue, portanto, mostra como esse furto pode revelar os limites e fragilidades da política de domínio senhorial, evidenciando a agência das pessoas escravizadas. Para tanto, foram consultados: cartas íntimas, a literatura, um livro de memória, um inventário, relatos de viajantes, depoimentos, registros policiais, processos-crime, petições, legislações e assentamento de batismo.
Palavras chave: Escravidão, liberdade, furto, poder senhorial, polícia.
Abstract: This study analyzes the 1864 case of a stolen wallet that belonged to Franklin Dória, an attorney employed by the government in Cachoeira, a city in the region known as the Recôncavo da Bahia. The main suspect, Lúcio, who was enslaved by Dória’s aunt, was accused of turning over its contents, which amounted to one ‘conto’ and 800 ‘réis’, to his own aunt, Petronilla. She was said to have used this money in purchasing her freedom, and spending what was left on fabrics, gold jewelry, and in pleasing her lover Piranduba, a free caulker, charged as an accomplice in the crime. This case demonstrates the limits and weaknesses of slave owners’ control over their captives, thus illustrating the agency of enslaved people. A variety of documents were consulted, including personal correspondence, literature, a memoir, probate records, travelers’ accounts, testimonies, police records, criminal proceedings, petitions, legislation, and baptism records were consulted.
Keywords: Slavery, freedom, theft, slave-masters’ power, police.
ARTIGOS
A TRAMA DE UM FURTO: PODER SENHORIAL E ESTRATÉGIAS DE LIBERDADE (BAHIA, 1864) *
A CASE OF THEFT: SLAVE OWNERS’ MECHANISMS OF CONTROL AND FREEDOM STRATEGIES (BAHIA, 1864)
Recepção: 21 Março 2022
Aprovação: 8 Agosto 2022
Em 9 de julho de 1864, aos 53 anos e adoentado, o capitão José Ignácio de Menezes Dória, proprietário de terras e escravizados, morador da Ilha dos Frades – freguesia de Madre de Deus do Boqueirão, na baía de Todos os Santos –, decidiu escrever uma carta ao seu único filho, Franklin Américo de Menezes Dória. Franklin era ex-promotor da cidade de Cachoeira, no Recôncavo baiano, e à época se encontrava em Teresina como presidente da Província do Piauí. Nas primeiras linhas da missiva, o capitão fez votos de bom governo ao seu herdeiro e procurou tranquilizá-lo, informando-o sobre seu bem-estar. Ainda vivia, disse, com os “incômodos de saúde, parecendo-me que vou melhorando lentamente”. 1 Acrescentou, ainda, não haver “nada notável em nossa província, como verás dos jornais”, por fim, discorreu sobre o assunto que seria o principal motivo daquela carta: um furto.
A subtração de bens de senhores, ou de seus próprios companheiros de cativeiro e parentes, era relativamente recorrente, apesar de arriscada, entre os escravizados que se rebelavam contra o cativeiro – como se verá mais adiante. 2 Dinheiro, joias, animais, utensílios domésticos, ferramentas, alimentos, roupas, uma infinidade de artigos, os mais variados, podiam atrair a atenção das pessoas escravizadas e fazer parte das suas estratégias para lidar com a escravidão ou para adquirir liberdade. Em finais de fevereiro de 1864, o Jornal do Commercio , da Corte, noticiou a fuga do crioulo escravizado Antônio, da fazenda Boa-Esperança, em Cantagalo, no Rio de Janeiro. O fugitivo tinha ofício – era oficial de alfaiate –, sabia ler e “quando fugiu furtou uma besta de sela e dirigiu-se para esta Corte em procura de uma preta”. 3 Em julho do mesmo ano, o escravizado Geraldo, natural do Rio Grande do Sul e vendido para o Rio de Janeiro, fugiu “vestindo um paletó saco de pano escuro, e levou uma sobrecasaca de pano fino que furtou”. 4 Em dezembro, um escravizado chamado Jacinto “furtou a um sujeito […] certa quantia de dinheiro”. Descoberto, “foi preso, e o senhor indenizou o dano causado”. 5
Além dos noticiários, esses casos também encontravam lugar na literatura. Em As vítimas-algozes , publicado em 1869, que advertia os senhores sobre os perigos da escravidão, Joaquim Manoel de Macedo discorreu sobre furtos praticados por escravizados. O crioulo Simeão, de dezenove anos, foi flagrado por Domingos, seu senhor, quando pegava “uma corrente de ouro que dois dias antes Domingos comprara a um vendedor de joias”. 6 Castigado com chibatadas, passou a alimentar fortes ressentimentos contra seu senhor e sua família. Pai Raiol, africano de 36 anos, alimentava má fama por ter sido “vendido uma vez, e três vezes revendido”, dentre outras coisas, devido aos “furtos que incorrigivelmente praticava”. 7
A presente pesquisa se insere no debate sobre a agência das pessoas escravizadas, em evidência na historiografia nacional desde, pelo menos, a década de 1980, questionando sua suposta passividade diante do poder senhorial. 8 Episódios de furto envolvendo escravizados eram relativamente comuns e desafiavam a política de domínio senhorial, na medida em que os cativos se encorajavam, traçavam planos e espreitavam momentos oportunos para se rebelarem, mesmo sob ameaças de punições. Assim, esses delitos são capazes de demonstrar os limites e as fragilidades das autoridades senhoriais diante dos cativos. A trama que segue, por um lado, procura evidenciar as brechas e os contornos da política de domínio senhorial, e, ao mesmo tempo, demonstrar a capacidade de desenvoltura dos escravizados, que impunham situações embaraçosas aos seus senhores com vistas à liberdade. Por outro, analisaremos também a precariedade da liberdade eventualmente conquistada por eles, liberdade essa sempre sob constantes suspeitas e ameaças das autoridades imperiais, mais notadamente, da polícia. Para tanto, além de periódicos e literatura, foram consultados outros documentos, como cartas íntimas, livro de memória, inventário, relatos de viajantes, depoimentos e registros policiais, processos-crime, petições, legislações e assentamento de batismo.
Naquela mesma carta ao seu filho Franklin, o capitão José Ignácio afirmou já ter-lhe escrito relatando conhecer “o autor da subtração de tua carteira, e dois cúmplices mais”. O remetente acreditava que o furto estava “provado exuberantemente pelos interrogatórios, à que fiz proceder, e confissões dos indiciados”. Por meio dos interrogatórios e confissões, afirmou já ser “conhecido o destino que deram ao dinheiro, e o emprego de 1:650$000” (um conto seiscentos e cinquenta mil réis). Restava somente “saber” do paradeiro de 150 mil réis, quantia que o missivista alegava “existir na carteira”, totalizando, então, o considerável valor de 1:800$000 (um conto e oitocentos mil réis). Porém, era preciso que Franklin lhe enviasse, o quanto antes, “uma procuração, para promover a cobrança”. Para se ter uma ideia do poder de compra desse valor na época, basta dizer que dois anos depois do furto, em 1866, o próprio Franklin vendeu uma propriedade sua, a Fazenda de Nossa Senhora de Guadalupe, na Ilha dos Frades, “com uma capela arruinada e algumas casas de rendeiros”, pelos exatos 1:800$000 (um conto e oitocentos mil réis). 9
Ante a vultosa quantia, o capitão José Ignácio pedia que seu filho lhe mandasse a procuração a fim de ele ir, pessoalmente, providenciar o ressarcimento. Já era sabido, escreveu, que “o principal autor foi o crioulo Lúcio, escravo de tua tia D. Thereza”, isto é, Thereza Cândida de Menezes Dória, então viúva do tenente Joaquim d’Araújo Góes. O inventário dos bens desse tenente, elaborado em março de 1857, aponta sob o item “escravos”, no pé da página, entre as treze pessoas listadas, a existência de “Lucio, crioulinho, com idade de quinze anos”, seguida da avaliação ilegível do seu valor. 10 Portanto, na ocasião do furto, Lúcio contava com 22 anos de idade, ou seja, um escravizado jovem. O capitão narrou na missiva que o mesmo crioulo teria apanhado “a carteira no Coqueiro” – referia-se a Coqueiro d’água de Meninos, região portuária da cidade de Salvador – e que, depois, teria confiado a quantia “a uma crioula, sua tia, de nome Petronilla, para guardar”. No entanto, esta, frustrando os intentos de seu sobrinho, “aproveitou a ocasião” – narrou José Ignácio – “e libertou-se pela quantia de 1:150$000 [um conto e cento e cinquenta mil réis]; comprou certas peças de ouro”, que o remetente fez “apreender e calcular com cento e tantos mil que foram encontrados na busca”. Além disso, Petronilla gastou “cerca de 400$000 [quatrocentos mil réis] […] em fazendas”, isto é, tecidos, “e com o amásio Joaquim Ignácio Piranduba, filho do Piranduba, calafate, e a quem, como sabes, estima”. 11
As informações expostas pelo capitão levam a supor que Petronilla procurou se desfazer das cédulas a fim de garantir a posse do valor e evitar que seu próprio sobrinho as reencontrasse. Nesse sentido, considerando a versão apresentada, a crioula poderia justificar-se perante Lúcio, alegando que havia perdido as cédulas ou, quem sabe, por ironia, que alguém as tivesse furtado. Entretanto, especialmente para as camadas menos favorecidas, como a de Petronilla, o investimento em objetos preciosos, especialmente em adornos, também consistia numa sofisticada estratégia de tentar, ao menos, conservar valores obtidos à custa de muito trabalho, pois as joias obedeciam a uma lógica de valorização monetária aparentemente mais segura, o que explicaria, em parte, o considerável número de pessoas de cor que as dispunham pelas ruas da Bahia em contextos especiais, como observado por viajantes e pesquisadores. 12
Kátia Mattoso, ao debruçar-se sobre a sociedade baiana oitocentista, deparou-se com o zelo pela autoimagem, um aspecto vistoso do que chamou de “a opulência da Bahia”. A ostentação de signos de riqueza era elemento que constituía a maneira pela qual muitos baianos – brancos, crioulos, negros livres, libertos e africanos escravizados – procuravam (re)elaborar a realidade visível de si e sobre si diante dos outros. 13 James Wetherell, vice-cônsul britânico da Bahia entre 1843 e 1857, deu nota aos ricos adornos das mulheres negras de Salvador, não raro revestidos de significados místicos. 14 “Os braços” de certas mulheres negras que Wetherell observou estavam “cobertos por pulseiras de coral e ouro, contas etc., o pescoço carregado com correntes e as mãos com anéis”. 15 Esses objetos de valor demarcavam posições importantes não só nas estratégias financeiras da população de cor, mas também nos jogos das aparências de uma sociedade extremamente hierarquizada, já que tais joias, segundo as impressões da autoridade britânica, eram mais comumente usadas pelas mulheres livres e libertas, do que pelas escravizadas – muito embora algumas destas fossem ornadas com pompa, ao gosto dos arbítrios dos seus senhores. 16 Dessa maneira, por meio das joias de ouro e tecidos, Petronilla procurava ao mesmo tempo salvaguardar o valor apossado e distinguir-se socialmente de outras mulheres de cor que ainda amargavam os dissabores do cativeiro. Foi justamente o peso da escravidão sobre Lúcio e Petronilla que pusera sobrinho e tia em lados opostos, diante de uma vultosa quantia de dinheiro e da oportunidade de se libertar.
No tom da carta, José Ignácio valia-se de sua autoridade senhorial, embora não fosse senhor de nenhum envolvido, lançando mão de uma linguagem intimamente ligada à sua experiência de juiz de paz, cargo que ostentou por volta de 1850, naquela mesma freguesia de Madre de Deus. 17 Quando exerceu o papel de juiz de paz, o capitão encontraria as funções do cargo já enfraquecidas pela reforma de 1841, que partilhou algumas de suas atribuições entre chefes de polícia e delegados, inclusive a de “vigiar e providenciar, na forma das leis, sobre tudo que pertence à prevenção dos delitos e manutenção da segurança o [sic] tranquilidade pública”. 18 A reforma também transferiu outras competências, a exemplo da formação de culpa dos suspeitos, que passou a ser da alçada de delegados e subdelegados de polícia. 19 Com efeito, ainda caberia a todo cidadão levar à presença do juiz de paz quaisquer suspeitos que fizessem “presumir cumplicidade em algum crime”, ou que pairasse sobre eles “indícios de fugas ou acoito com armas, instrumentos, papeis e outras coisas” que aparentassem ser resultado de furto. 20 Sendo assim, enquanto juiz de paz, o capitão José Ignácio ainda pôde experienciar os itinerários das investigações criminais que lhe traziam. A pena para a prática de furto era “de prisão com trabalho por dois meses a quatro anos, e de multa de cinco a vinte por cento do valor furtado”. 21 Desse modo, o valor máximo da multa que os envolvidos no furto da carteira de Franklin Dória deveriam pagar seria de 360$000 (trezentos e sessenta mil réis). No começo de 1864, sabe-se que com esse valor era possível comprar um pouco mais de duas libras de carne verde (cerca de 900 g), produto encarecido pela escassez de oferta na província. 22
Como homem de leis, o capitão José Ignácio sabia muito bem que, ao impetrar uma ação criminal contra os envolvidos, penalizaria Thereza, senhora de Lúcio, já que este poderia ser preso, acabando por privar a sua detentora dos seus serviços ou dos jornais que pudesse lhe pagar com seu trabalho. Por isso, deixou explícito em carta a seu filho que “não quis, nem quero proceder criminalmente, e só quero haver o dinheiro por uma ação cível, se não chegar-se a algum acordo, o que prefiro a tudo; ainda que haja algum abatimento”. José Ignácio não estava em condições físicas e nem disposto a causar maiores problemas, só queria resolver o imbróglio que tinha nas mãos. Logo, manifestava a sua vontade de resolver as coisas o mais pacificamente possível, de preferência, sem ter que recorrer às barras dos tribunais.
Diferente de José Ignácio, em outros casos semelhantes, envolvendo a subtração de bens senhoriais por escravizados, as partes lesadas manifestaram firme disposição em resolver o delito ao seu próprio modo, ou de levá-lo até às últimas consequências na justiça. Em 1863, Josepha Maria do Sacramento, apontada por seu representante, o barão de São Francisco, como “sumamente pobre”, decidiu vender seu escravizado João, “que veio entregar ao seu domínio” depois de vinte anos fugido. 23 Josepha se decidiu pela venda de João depois dele ter “feito estragos e roubos”, os quais ela “foi obrigada a pagar”. Aqui, Josepha era senhora de um cativo infrator e procurava fugir dos prejuízos causados por ele através da venda, uma vez que, sendo “sumamente pobre”, poderia encontrar maiores dificuldades para quitar futuras contas criadas pelos “estragos e roubos” de João. Nem a possibilidade de ser vendido, como punição, como aconteceu a João, parece ter intimidado Lúcio na oportunidade do furto e na elaboração dos planos que traçava com os bens apossados.
Em 1869, o poderoso “comendador Joaquim José de Souza Breves, fazendeiro, residente no termo de S. João do Príncipe, da província do Rio de Janeiro”, impetrou “queixa, por crime de furto, contra o crioulo Jerônimo, pedreiro, escravo” da viúva Libânia Maria da Silva, moradora de São Cristóvão. No entanto, a provável infratora seria, de fato, Maria, escravizada do comendador, com quem o acusado vivia “em mancebia”. 24 Segundo depoimento de Maria à polícia, Jerônimo havia lhe dito várias vezes “que precisava ou de um par de botinas, ou de um chapéu ou de qualquer outra roupa”, por isso teria lhe pedido que “procurasse haver a si o dinheiro que ele procurava, tirando de seu senhor, que era muito rico e que por isso não lhe podia fazer falta”. 25 É possível que Lúcio tenha pensado a mesma coisa ao furtar a carteira de Franklin Dória: que o dinheiro subtraído não faria falta a ele por ser rico e de família distinta.
Maria, “levada pelo amor que tinha ao preto Jerônimo, dormindo no quarto de seu senhor” e por isso sabendo “donde ele deixava a sua carteira de dinheiro, numa noite em que o viu dormindo, foi a uma cadeira onde se achava a sobrecasaca do seu senhor, tirou do bolso a carteira”. A escravizada contou que “do meio de uma porção de notas, tirou quatro, não sabendo qual o valor de nenhuma delas, sendo que eram todas de igual tamanho e cor” e “que dessas quatro notas deu ela interrogada três ao preto Jerônimo” e ficou com uma. O comendador Joaquim Breves, “dando por falta de dois contos de réis em sua carteira”, logo suspeitou de Maria, por dormir em seu quarto. Esta, por sua vez, “confessou tudo”, o que levou Breves a acusar Jerônimo de ter seduzido sua escravizada para que ela lhe furtasse as cédulas. No entanto, apesar do depoimento de Maria e do poder do fazendeiro, o advogado contratado pela senhora do escravizado foi eficiente em construir para ele, acusado, a imagem de trabalhador honrado, disciplinado e fiel, convencendo todos os jurados a absolvê-lo em outubro de 1870. Contrariado, o representante de Joaquim Breves recorreu da sentença, levando o caso ao Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, que rejeitou as apelações da parte do fazendeiro, demonstrando estar convencido da boa reputação do escravizado Jerônimo, conforme demonstrou Sidney Chalhoub ao também se deparar com o processo. 26
O capitão José Ignácio, ao contrário do que fez o comendador Joaquim Breves, disse em carta ao filho que, por sua vontade, desejava evitar as instâncias da justiça e “conciliar as cousas de modo que” pudesse “dispensar, ou prescindir, da cota que tocar a tua tia, por parte de Lucio, por quem é ela responsável”; ele não queria causar ônus à sua parenta. O remetente já estava bem-informado, pois “segundo a opinião dos advogados” que consultara, concordavam que ele, capitão, teria “o direito de haver da senhora de Petronilla a quantia que a mesma recebeu dela”, porque já havia sido “provado que foi mal havido, e [o dinheiro] não pertencia à mesma escrava, e que o certo vai se haver onde quer que ele esteja”, isto é, com os ex-senhores de Petronilla. O furto colocara a crioula no meio de uma encruzilhada entre a escravidão e a liberdade. José Ignácio escreveu ao seu filho demonstrando opiniões discordantes de advogados que ouviu, porque haveria “também quem opine que o senhor de Petronilla pode anular a liberdade […] conquanto eu não concorde com ela”, porque o capitão estava convencido, assim como outros advogados que ouviu, que prevaleceria a liberdade da crioula. Portanto, o remetente tendia a pensar que Petronilla não seria reescravizada, por achar improvável que se anulasse sua carta de alforria. “Diz-me, o que entendes a respeito?”, pedia o capitão a opinião do seu herdeiro, advogado, ex-promotor público de Salvador (1860) e Cachoeira (1860-1864), experiente nos tribunais do Império. 27
As inquirições que o capitão José Ignácio fez proceder aconteceram três semanas antes da escrita da carta que ele mesmo escreveu, em 18 de junho daquele ano de 1864, na Freguesia de Madre de Deus, e foram conduzidas pelo subdelegado e capitão Pedro Paulo Grave de Menezes, sobrenome que sugere certo parentesco com o capitão denunciante. A freguesia em questão era área de influência da família Menezes Dória, que havia se estabelecido por suas cercanias desde meados do século XVII. 28
O primeiro a depor foi “o crioulo livre, de nome Joaquim Ignácio Piranduba”, de 22 anos de idade, morador da Ilha do Bom Jesus, distrito da Freguesia de Madre de Deus, que estava preso “não só para indagações policiais, como também para os melhores procedimentos sobre o fato de subtração de uma carteira com a quantia de um conto e oitocentos mil réis pertencentes” a Franklin Dória. 29 Piranduba afirmou ser calafate – trabalhador da construção naval –, como tantos outros africanos e crioulos, escravizados, libertos e livres, que viviam nas proximidades de um dos portos mais movimentados das Américas, localizado em Salvador. 30
Ao ser perguntado sobre quando aconteceu o furto, Piranduba respondeu que precisamente não sabia atestar, mas apontou “que fora na ocasião em que o referido doutor [Franklin] veio a esta freguesia assistir ao batizado do filho de um parente do mesmo doutor”. 31 Ao recorrer aos assentamentos de batismo registrados na paróquia de Madre de Deus em 1864, é possível saber que Franklin, “solteiro, morador na cidade da Cachoeira”, onde era promotor, serviu de padrinho no batizado do pequeno “José, branco, com onze meses de idade”, no dia 6 de janeiro de 1864, data que Piranduba afirmou ter ocorrido o furto. 32 A celebração, realizada pelo vigário Fernando dos Santos Pereira, tio de Franklin, possivelmente foi seguida de festejos em comemoração ao sacramento dispensado a José, que entrava oficialmente para a comunidade cristã – expressão da estima e do compromisso das famílias baianas com o catolicismo. 33 Essa reunião, de caráter familiar, explicaria a presença de Lúcio, acusado pelo furto, pois ele estaria possivelmente acompanhando a sua senhora, Thereza Cândida, tia de Franklin. É possível que, depois do sacramento, os presentes tenham tomado embarcação para Salvador, o que poderia explicar o fato de José Ignácio dizer ao seu filho, em carta, que Lúcio havia apanhado a carteira em Coqueiro de Água de Meninos.
O inquirido disse “que soube por ser voz pública, nesta freguesia”, e “ouvido de muitas pessoas”, sobre o furto da carteira do promotor. O subdelegado perguntou-lhe se tinha conhecimento “que antes da liberdade da crioula Petronilla apareceram suspeitas contra ela”, e também contra ele – “como seu amásio” –, além da suspeita de terem se apossado do dinheiro. Da mesma forma, perguntou se, “depois de efetivar a liberdade” da sua companheira, ele não soubera que a “voz pública […] se pronunciou contra a mesma Petronilla e ele, respondente, em razão de algumas despesas que fizeram e principalmente pelo dinheiro que a dita Petronilla deu ao seu senhor pela sua liberdade”. Piranduba respondeu que sabia dessas “suspeitas contra ambos, e que depois de realizada a liberdade, a voz pública acusava-os” de terem em “seu poder a quantia […] mencionada”. A difusão da notícia do furto levava consigo a desmoralização da autoridade senhorial de Franklin Dória, e mesmo do seu pai, que tomava a frente da situação, na medida em que circulava de boca em boca o fato de terem sido engambelados, surrupiados por escravizados. Afinal de contas, o que pensariam a respeito desses senhores os dezoito cativos que o capitão Dória tinha sob seu domínio? 34
Certamente, José Ignácio temia que, sem a punição devida, os mexericos sobre a ousadia de Lúcio e Petronilla encorajassem outros escravizados à rebeldia, ou mesmo os seus próprios cativos – o que poderia não ser muito difícil diante da sua saúde debilitada. Para os senhores, boatos sobre episódios de afronta às suas autoridades, quando não implicavam em castigos exemplares para os rebeldes envolvidos, poderiam servir de estímulo para outros escravizados, espraiando desordens em outras propriedades. Já tensionados pelas notícias que vinham dos Estados Unidos desde a explosão da Guerra Civil Americana, iniciada em 1861, os senhores e as autoridades brasileiras demonstrariam ainda mais preocupação com o controle da escravidão nacional, na medida em que os estados americanos do norte, contrários à escravidão, avançavam sobre os estados escravistas do sul, por fim, vencendo-os e declarando o fim do cativeiro em todo aquele país em 1865. 35 Para José Ignácio, era questão de honra e de ordem resolver o imbróglio no qual se metera: deveria recuperar a quantia desviada e, assim, demonstrar a força da sua autoridade. Ademais, não poderia correr o risco de ser visto como fraco ou motivo de chacota diante da freguesia na qual foi juiz de paz. Por isso, ainda que adoecido, mostrava-se decidido em levar a questão adiante, muito embora se recusasse a impetrar uma ação na esfera criminal, por não querer onerar Thereza, senhora de Lúcio.
Os boatos que fragilizavam a posição senhorial dos Dória, pai e filho, corriam pelas freguesias da região, lançando suspeitas não só sobre a possibilidade de Petronilla pagar honestamente por sua liberdade, mas, também, sobre “algumas despesas” que o casal teria feito pouco tempo depois do furto. A recomendação – ainda em voga – do chefe de polícia da Corte, Eusébio de Queiróz, em 1835, de que seria “mais razoável a respeito de pretos presumir a escravidão, enquanto por assento de batismo, ou carta de alforria não mostrarem o contrário”, tomava contornos mais profundos no caso de Petronilla, porque, sabendo-se de sua condição de liberta, lançavam-se desconfianças sobre a origem do dinheiro com o qual ela havia comprado a sua alforria. 36 Portanto, seu status de forra podia se tornar ilegítimo diante da “voz pública”, pois, sendo apontada como receptora de um dinheiro furtado, com o qual teria usado para comprar sua carta de liberdade, Petronilla teria infringido o direito costumeiro ao pecúlio, isto é, a soma de dinheiro reunida por escravizados advinda da economia de suas próprias atividades laborais, doações, legados e heranças – como veio reconhecer uma comissão do Conselho de Estado ainda em 1867, no esboço do que viria a ser a Lei de 28 de setembro de 1871. 37
Essa situação expunha como era precária a experiência de liberdade da população de cor, e forra, que permanecia sendo vigiada e alvo de suspeitas por terceiros, especialmente por autoridades policiais. 38 Em finais de abril de 1861, Rosa Maria da Conceição foi presa na Corte “por ser encontrada às 11 horas da noite e tornar-se suspeita de ser escrava fugida”. 39 Naquela mesma capital, em meados de novembro de 1865, foi presa “Quitéria, crioula, que se diz liberta, por suspeita de ser escrava fugida”. 40 Noticiava-se em São Paulo, em finais de novembro de 1867, que, na freguesia de Cambuí, região de Campinas, morava uma “mulata que dá pelo nome de Maria, de 25 a 30 anos […] tendo há um ano mais ou menos ali aparecido com roupa de algodão grosso, camisa e saia dizendo ser liberta, porém julga-se que não o seja”. 41 Como demonstrado pelos fragmentos citados, as suspeitas sobre as pessoas de cor eram constantes e generalizadas. O último caso, de Maria, em especial, demonstra que, mais do que ser liberta, era importante também parecer liberta, o que incluía as vestimentas, aspecto estimado por Petronilla. Por isso, muitos escravizados furtavam roupas finas antes de suas fugas, a fim de forjarem uma aparência condizente com um status que não remetesse ao cativeiro, muito embora sua cor de pele persistisse como suspeita entre as autoridades policiais. 42
Foi perguntado também a Piranduba se ele havia acompanhado Petronilla quando ela foi entregar o dinheiro a seu senhor, e se ele havia assistido a entrega da quantia e contado o dinheiro. Ao que o inquirido respondeu “que acompanhou-a, contou o dinheiro e assistiu a entrega dele”. Assim, a presença do calafate no ato da alforria de sua companheira, Petronilla, evidencia como a circunstância requeria a presença de afetos na teatralização da passagem do status de escravizada para o de liberta, revelando a precaução da libertanda ao contar com o testemunho de um terceiro caso lhe acometessem futuras complicações – como foi o caso. Aliás, a obtenção da carta de alforria implicava num momento importante na vida dos escravizados, ainda que, uma vez forros, enfrentassem muitos percalços para a completude de suas aspirações de liberdade. O calafate disse ainda que soube da existência da quantia “três ou quatro dias antes de ir a Paramirim [com Petronilla, para esta] entregar o dinheiro a seu senhor”. A povoação de Paramirim, originada de um engenho com o mesmo nome, localizava-se aos arredores da Vila de São Francisco do Conde que, por sua vez, fazia limite com Madre de Deus, distando cerca de 17 km da Ilha do Bom Jesus, onde a acusada vivia. Diante dessa informação, é possível supor que a crioula vivesse “sobre si”, distante do seu senhor, como era recorrente entre os escravizados que inspiravam certa confiança aos seus proprietários, haja vista que as autoridades policiais não registraram qualquer desconfiança de Petronilla ser escravizada fugida. 43
O subdelegado perguntou se era verdade que ele, Piranduba, “comprara [na Vila de São Francisco] umas fazendas incluindo uma saia de seda a um mascate italiano e que no ato de pagar-lhe deu […] uma cédula de duzentos mil réis” como pagamento. Ao que Piranduba respondeu que era “exato este fato”. Diante da afirmativa, a autoridade policial perguntou se Petronilla havia lhe dado “certa quantia para ele fazer roupa e outras despesas, e quanto foi”, ao que o calafate disse “ter recebido dela para o fim exposto uma cédula de vinte e cinco mil réis” e respondeu também que, em outra ocasião, sua companheira “deu-lhe, por uma vez, uma cédula de duzentos mil réis para trocar na cidade”. O inquiridor ainda perguntou se ele, Piranduba, “comprara na cidade um par de botinas dando ao dono da loja cinquenta mil-réis para se cobrar”, recebendo a afirmação do interrogado e a informação de “que somente dera ao lojista vinte e cinco mil réis em uma cédula de igual quantia e o dito lojista lhe dera de troco uma cédula de vinte e cinco mil réis, [e] outra de dezenove mil réis em cédulas miúdas”. Portanto, teria havido algum engano do vendedor, que repassou a Piranduba o troco errado, dando-lhe mais dinheiro do que deveria. Diante disso, o subdelegado “perguntou-lhe se verificando o engano restituiu ao lojista a quantia que lhe deu demais”, ao que o calafate respondeu “que não, e que referira isto no saveiro em que regressou para fora [para a Ilha do Bom Jesus, onde morava] a diversas pessoas que aí estavam”.
A compra de botinas pelo crioulo sugere o cuidado com que ele procurava compor uma imagem sobre si e de si para os outros. Em suas investigações, Sidney Chalhoub constatou que andar calçado poderia não ser um indicativo preciso de liberdade para as pessoas de cor, no entanto, ponderou que lhe parecia “óbvio que escravos que quisessem passar por livres usassem sapatos, com ou sem o conhecimento do senhor”. 44 Como visto anteriormente, o escravizado Jerônimo teria dito com insistência à escravizada Maria sobre a sua necessidade de um par de botinas. No caso de Piranduba, crioulo livre, as botinas poderiam ajudar na composição de uma boa impressão que induzisse quem o visse a julgá-lo como livre – como de fato era – ou, ao menos, como liberto. Esse jogo de aparências era valioso para a população de cor em vista das constantes suspeitas de que eram alvo e que tanto precarizavam a sua experiência de liberdade. O engano do lojista não soara ao calafate como algo que ele devesse reparar, talvez porque avaliasse que a quantia a mais não faria falta ao comerciante. Esse fato acabou sendo elemento incriminatório do depoente – como desejava o subdelegado –, conforme o interrogatório encaminhava para cercar Piranduba de acusações e dificultar suas chances de se livrar da prisão.
O inquiridor também perguntou se o calafate sabia “que o crioulo Lúcio, sobrinho de Petronilla, dera à mesma, uma quantia avultada para guardar”, sendo-lhe respondido que sabia, “por ouvir dizer a muita gente”. Indagou-se ainda, se ele depoente, sabendo que o dinheiro possuído por Petronilla pertencia a Franklin Dória, porque não teria procurado José Ignácio, pai deste, “para lhe entregar esse dinheiro, […] ou mesmo porque não lhe comunicou esta ocorrência, ou finalmente porque não se dirigiu a qualquer autoridade para dar parte dela?” Piranduba respondeu que “assim não praticou porque a mencionada Petronilla não lhe quis revelar isto”, ou seja, que o dinheiro pertenceria ao ex-promotor. Nesse momento, Piranduba corroborou com a acusação de que o dinheiro gasto por sua companheira era o mesmo furtado do então promotor Dória. O subdelegado “perguntou-lhe em que tempo ele, respondente, amigou-se com Petronilla”, ao que o calafate respondeu que “no dia de ano bom do presente ano”; logo, segundo Piranduba, seu relacionamento com a acusada era relativamente recente, datando do dia primeiro de janeiro daquele ano de 1864.
Foi perguntado a Piranduba, “logo que teve essas relações ilícitas com Petronilla”, usufruindo de um dinheiro possivelmente furtado, se “esta lhe fora dando algum dinheiro para gastar, e trocar, ou se isto aconteceu a pouco tempo”. O depoente afirmou “que nos primeiros três meses depois de amigado com ela não recebeu quantia nenhuma de sua mão, e que se bem se lembra, no mês de maio, foi que ela lhe dera os duzentos mil réis para trocar, e dias antes lhe dera os vinte e cinco mil réis”, como já havia informado. Adentrando no relacionamento dos presos, foi indagado também “se quando [ele, calafate,] se meteu com ela [Petronilla] percebeu que a mesma tivesse algum dinheiro”, sendo-lhe respondido “que nenhuma demonstração lhe deu de possuir dinheiro”. Inquiriu-se também sobre a ocupação da acusada, se o liberto sabia “de que vivia Petronilla quando chegou logo ao Bom Jesus”, ao que ele respondeu “que [vivia] de fazer mingaus para vender”, como era comum às ganhadeiras, escravizadas, livres ou libertas, africanas ou crioulas, que vendiam toda a sorte de alimentos, de onde tiravam seus recursos financeiros. 45 Inclusive, era desse tipo de atividade que, corriqueiramente, muitas escravizadas reuniam suas economias para comprarem as suas próprias alforrias e de seus entes queridos. 46 Então, “por nada mais lhe ser perguntado, houve o dito subdelegado este auto por terminado”. Depois de prestar suas explicações, Piranduba foi reconduzido à cela na qual estava aprisionado, a fim de aguardar as medidas que as autoridades policiais deveriam tomar.
Naquele mesmo dia 18 de junho de 1864, depois do depoimento do seu companheiro, Petronilla foi levada à presença do subdelegado, Pedro de Menezes, para apresentar sua versão sobre o caso na condição de “ré, indiciada como cúmplice”, como registrado pelo escrivão no depoimento. 47 Perguntada por seu nome, idade e naturalidade, a inquirida respondeu chamar-se “Petronilla de Gouveia, ter de idade trinta e oito anos, pouco mais ou menos, e ser natural da freguesia outrora do Monte, e hoje de São Sebastião desta província”, distante cerca de 58 km de Salvador. A interrogada também disse que morava, àquela época, “na Ilha do Bom Jesus, distrito desta freguesia [de Madre de Deus], desde janeiro do corrente ano” de 1864, onde teria conhecido Piranduba.
Perguntada pelo subdelegado onde vivia “antes de vir morar no lugar indicado”, a acusada “respondeu que morava na povoação de Paramirim, na Freguesia de Monte”, isto é, a freguesia de Nossa Senhora do Monte, às cercanias da Vila de São Francisco do Conde, divisa com Madre de Deus. Disse que residia na casa de Custódio Rodrigues de Vasconcellos, seu senhor, “casado com uma irmã do capitão José Maria de Gouveia Portugal, a qual se chama Lucrecia Maria de Gouveia Portugal”. Nessas primeiras palavras da inquirida, destaca-se também o uso que fazia do sobrenome de sua ex-senhora, Gouveia, filha do major José Maria Gouveia Portugal. A prática de libertos – e, raramente escravizados – de adotarem o sobrenome dos seus ex-proprietários revela sua intenção de manter certo vínculo senhorial, seguro o suficiente para protegê-los em situações de apuros, como era o caso. 48 Foi o pai ou o irmão de Lucrecia Maria, ex-senhora de Petronilla, que apareceu numa nota publicada no Correio Mercantil em novembro de 1838, buscando por dez escravizados que haviam se evadido do seu engenho São Gonçalo, provavelmente localizado em Santo Amaro – por serem pai e filho homônimos, não dispomos de meios capazes de fazer alguma distinção. 49 Portanto, tratava-se de uma família de senhores de engenho, com posses e poder na região.
Logo o subdelegado perguntou à depoente se era “forra ou cativa”, ao que Petronilla “respondeu ser forra”, afinal, tinha pagado recentemente – como disse em seguida – 1:150$000 (um conto e cento e cinquenta mil réis) pela carta de alforria, em abril daquele ano de 1864. Portanto, fazia só cerca de dois meses desde liberta, e já estava nas mãos na polícia, acusada de ser cúmplice de furto. Posteriormente, o subdelegado questionou “donde houve esse dinheiro que deu pela sua liberdade”, ao que a acusada “respondeu que de seus negócios, e do resultado de cinco cabeças de gado constantes de vitelinhas [isto é, bezerras] e novilhas, e de umas ovelhas que vendera”. Diante dessa informação, foi perguntada sobre “onde tinha estas cinco cabeças de gado, e as ovelhas que vendeu”, tendo respondido a interrogada “que as cinco cabeças de gado tinha no Engenho denominado Natiba”, que se localizava em São Sebastião, às margens do Rio Jacuípe, e estavam “entregues à sua irmã Dursulina”. Disse também “que destas cinco cabeças, vendera três, e ainda existem duas; e quanto às ovelhas declarou que as tinha no engenho São Gonçalo”, propriedade do pai de sua senhora, “e daí foram conduzidas para a povoação de Paramirim, onde as vendera a seu próprio senhor Custódio Rodrigues de Vasconcellos e que não se lembra do preço”. Portanto, Petronilla, assim como várias outras mulheres em situação semelhante, teria investido suas economias, reunidas pela comercialização de alimentos, em bens que poderiam ser úteis na hora de comprar sua carta de alforria e de desfrutar sua liberdade. 50
Adentrando nas ocupações da interrogada, desconfiando de suas posses, supostamente resultados do seu trabalho, o subdelegado perguntou “em que se ocupava durante o tempo que esteve em companhia de seu senhor, assim como depois que se forrou, e qual era o seu negócio”. Petronilla lhe respondeu “que como escrava pagava semana a seu senhor, e depois que se forrou não teve negócio nenhum, e que apenas fazia mingau de milho”. A interrogada poderia pagar sua semana de várias formas, convivendo ou não com seu senhor, como bem observou Walter Fraga ao encontrar o depoimento de Petronilla. 51 As trabalhadoras escravizadas poderiam amealhar dinheiro cozinhando, lavando, passando, costurando, vendendo alimentos e outros produtos, além de vários outros ofícios comuns às escravizadas que viviam sobre si. Também foi questionado à interrogada “desde quando arranjou este dinheiro que deu pela sua liberdade”, ao que a acusada afirmou “que há quatro anos, pouco mais ou menos, já o possuía, lembrando-se bem que depois do casamento de seu senhor José Maria de Gouveia Portugal”, o que dá a entender que a acusada, antes de pertencer a Lucrecia Maria, tinha sido propriedade do major José Maria, pai de Lucrecia. Por isso, ela ainda se referia a este também como seu senhor. Diante da resposta, o inquiridor perguntou “por que razão possuindo ela esse dinheiro há quatro anos esperou tanto tempo para agora se forrar”, ao que Petronilla “respondeu que não estava certa se o dinheiro chegava para a sua liberdade”. Resposta que pode ter aumentado ainda mais as suspeitas dos policiais presentes, pois, além da interrogada ser comerciante e, por isso, saber tratar com dinheiro, seria relativamente fácil aferir o seu valor questionando diretamente ao seu senhor ou a terceiros.
Questionaram-na então “se depois que deu o dinheiro por sua liberdade ficou com mais algum em seu poder”, ao que a acusada disse ter ficado “com uns vinte e cinco, ou trinta e cinco mil reis”. A informação causou mais estranhamento ao subdelegado, que perguntou “se ficando ela com essa quantia, como comprara posteriormente ao mascate italiano diversas fazendas, inclusive uma saia de seda e seu amásio Joaquim Ignácio Piranduba dera ao mesmo para cobrar-se uma cédula de duzentos mil réis”, se ela, respondente, disse ter ficado com apenas “dez mil réis”. Na verdade, Petronilla tinha acabado de responder que teria ficado com “uns vinte e cinco, ou trinta e cinco mil reis”, o que sugere uma tendência do subdelegado em querer confundir a interrogada na arguição, induzindo-a ao erro. A acusada ponderou, dizendo “que a falar a verdade, fora, com efeito, uma cédula de duzentos mil réis, a qual ela entregara a seu amásio Joaquim Ignácio Piranduba para verificar e fazer o pagamento”. A mudança da informação punha em perigo as alegações da depoente, fragilizando sua credibilidade, já precária.
Ao perceber que Petronilla havia reconsiderado sua resposta, o inquiridor quis saber mais a fundo sobre a quantia que ela realmente possuía. Por isso, questionou “se [a respondente] não tem dado ao referido seu amásio algum dinheiro para comprar roupa, e fazer outras despesas, e se recorda-se da quantia que tem gasto com ele”. Petronilla respondeu que “pouco antes de sua liberdade teve ocasião de dar-lhe uma quantia, tirando de seu dinheiro uma cédula grande, mas que ela não sabe de que valor, porque não conhece perfeitamente as cédulas maiores”. Nesse ponto, a interrogada dá a entender que estava habituada a tratar somente com cédulas menores, as muitas que poderiam lhe chegar pelo comércio do mingau de milho que vendia. Como cédulas graúdas haviam chegado às mãos de Petronilla, então? Com efeito, é sensível que, nas perguntas à acusada sobre os gastos que teria feito com dinheiro supostamente furtado, o subdelegado não tenha mencionado as “certas peças de ouro”, as quais o capitão Dória alegou terem sido encontradas numa busca feita na casa da depoente, o que possivelmente foi descoberto depois do interrogatório.
Finalmente, o subdelegado entraria diretamente no cerne da questão: este perguntou à Petronilla “se não ouvira falar mesmo antes de sua liberdade, e principalmente, depois dela, que esse dinheiro pertencia ao doutor Franklin Américo de Menezes Dória”, e se “não começaram a aparecer suspeitas contra ela e seu amásio por esses gastos e despesas que fizeram”. O inquiridor, então, referia-se diretamente àquele dinheiro usado pela interrogada como sendo o resultado do furto. Seria, na opinião do investigador, o dinheiro do promotor Franklin, contrariando o depoimento de Petronilla, que reiterava que a quantia era resultado dos investimentos que conseguira fazer por meio das economias que amealhara vendendo mingau de milho.
A depoente respondeu “que ouviu dizer e se desconfiavam dela ter em seu poder o dinheiro pertencente ao mesmo doutor, e que logo depois de ter efetuado a sua liberdade, a voz pública se manifestou contra ela e seu amásio”. Portanto, a acusada tinha consciência de que se alastraram boatos maliciosos a seu respeito e a respeito do seu companheiro, que os apontavam como cúmplices do furto a Franklin Dória. Mas Petronilla acrescentou que as acusações também haviam alcançado “seu sobrinho, o crioulo Lúcio, escravo de dona Thereza Cândida de Araújo Dória, e nestes últimos nove dias foi que todo o povo só tratava disso”. Perguntada “se quando ela foi levar o dinheiro a seu senhor pela sua liberdade, fora acompanhada por alguém”, Petronilla reafirmou o que já havia sido dito por Piranduba. Isto é, que ele, seu amásio, a acompanhara, sendo “[…] quem lhe contou o dinheiro, e assistiu a entrega do mesmo”. Perguntada também a forma do pagamento, “se em papel, se foi em cédulas grandes ou pequenas”, a inquirida respondeu “que o dinheiro todo foi em papel, a saber, um conto de réis em cédulas de cem mil réis, e cento e cinquenta mil réis em três cédulas de cinquenta mil réis cada uma”. Ou seja, Petronilla havia pagado 1:150$000 (um conto e cento e cinquenta mil réis) por sua alforria – como já mencionado anteriormente.
O subdelegado perguntou, então, “se não tinha recebido de seu sobrinho Lúcio uma quantia avultada que lhe dera em confiança para guardar, revelando-lhe o meio por que houve a dita quantia”. É possível supor que a pergunta tenha se baseado em confissões do próprio Lúcio ao capitão José Ignácio. A confiança no relato do crioulo pautava-se na hipótese de que, se Lúcio realmente havia sido traído por Petronilla, seus ressentimentos dariam cabo de revelar toda a verdade sobre os fatos para se vingar da suposta traidora. Sobrinho e tia, assim como tantos outros membros de famílias escravizadas, foram separados e tiveram seus laços marcados pelas desventuras da escravidão. 52 Apesar de pertencerem a senhores diferentes, os depoimentos sugerem uma relativa aproximação entre ambos, a ponto de Lúcio ter, supostamente, confiado uma quantia vultosa à sua tia. Ao subdelegado Petronilla, “respondeu que não”, que não havia recebido dinheiro algum de Lúcio e, portanto, não havendo dinheiro, não teria razão para seu sobrinho lhe dizer algo sobre a procedência de uma quantia inexistente.
O subdelegado então perguntou se Lúcio “não teve uma altercação”, isto é, uma briga, um desentendimento “com ela, na capital, por causa desse dinheiro”, à medida que ele havia protestado contra o procedimento da acusada – “por ter usado dele para dita liberdade, e ao mesmo tempo estar gastando com seu amásio”. A esse respeito, Petronilla discorreu sua mais longa consideração de todo o interrogatório. Disse “que o que há a respeito é o seguinte, que indo ela à cidade”, Salvador, foi em “Coqueiro d’água de Meninos, em uma casa onde mora um crioulo de nome Tranquilino”, e que lá conheceu “um rapaz pardo, cujo nome, ela, respondente, ignorou; mas que é fácil saber-se por gente que mora nessa mesma casa”.
Afirmou ainda que esse mesmo pardo “lhe dissera que tinha tido uma briga com seu sobrinho Lúcio, dando-lhe até uns tapa-olhos”, confusão no meio da qual Lúcio teria dito a esse pardo, “que não fazia caso dele pois que tinha um dinheiro, isto é, muito dinheiro na mão de uma sua tia, moradora na Ilha do Bom Jesus”, ou seja, a própria Petronilla. Aqui, o relato da investigada perpassa as informações posteriormente expressas na carta do capitão José Ignácio, ao passo que ela teria ido até Coqueiro, lugar no qual Dória pai relatou que Lúcio teria apanhado a carteira. O pardo disse mais: que Lúcio anunciou que “mandara buscar esse dinheiro para deitar uma quitanda”, portanto, comprar a alforria parecia não ser a primeira aspiração vislumbrada pelo acusado. É possível supor que nos cálculos astuciosos do escravizado a compra da liberdade poucos meses depois do furto poderia suscitar fortes suspeitas a seu respeito, tal qual havia acontecido com sua tia. Portanto, pretenderia investir o dinheiro em uma quitanda, talvez modesta o suficiente para não chamar atenção e, de onde poderia, depois, retirar a soma necessária para alforriar-se, se assim o quisesse, sem maiores complicações.
Petronilla acrescentou que, naquela mesma ocasião em que fora a Salvador, mais tarde, “encontrando-se na mesma casa […] com o dito seu sobrinho e perguntando-lhe o fato que se passou com o rapaz desconhecido; ele negou e por nada mais lhe respondeu”. Com efeito, o depoimento da liberta afirmava que toda a história contada por Lúcio, envolvendo-a como guardiã do “muito dinheiro”, não passava de mentira. Portanto, a soma com a qual comprara a sua liberdade seria mesmo de origem lícita e viria da venda dos animais que conseguira através do seu comércio de mingaus de milho. Logo depois que acabou de narrar a contenda com Lúcio, o subdelegado deu o interrogatório por concluído e Petronilla voltou à cela onde estava.
Em 21 de junho de 1864, três dias depois de prestarem explicações sobre as acusações, Manoel Pedro Alvares Moreira Villaboim, chefe de polícia da província da Bahia, ordenou ao “carcereiro da Cadeia da Correção” de Salvador que recolhesse “à prisão competente os indivíduos Joaquim Ignácio Piranduba, e Petronilla Gouveia, vindos da freguesia da Madre de Deus do Boqueirão, onde foram presos por crime de furto”. 53 A princípio, as elucidações oferecidas pelos suspeitos não foram convincentes o suficiente para livrá-los das acusações e da cadeia. Por isso, escrevendo ao seu filho em 9 de julho daquele ano de 1864, o capitão José Ignácio dizia que tudo estava “provado exuberantemente pelos interrogatórios, a que fiz proceder, e confissões dos indiciados”.
O cárcere não duraria muito tempo, já que, depois de quatro dias presos, em 25 de junho, um sábado, ambos os acusados teriam seus futuros definidos. O chefe de polícia ordenou ao “carcereiro da Cadeia de Correção” que remetesse à sua “presença, na segunda-feira, às 10 horas da manhã, Joaquim Ignácio Piranduba, que aí se acha recolhido à minha ordem, vindo da Madre de Deus do Boqueirão”. 54 O que se sucedeu desta convocação foi revelado pela supracitada carta do capitão José Ignácio, que relatou a decisão da autoridade policial de enviar “Piranduba para [a] Armada, e neste procedimento exigiu deferência para contigo”; no entanto, o remetente teria se mostrado “indiferente a esse ato”.
O serviço militar era destino recorrente dos indivíduos socialmente indesejados, funcionando para disciplinar, intimidar, punir e expurgar do convício social os considerados “incorrigíveis”. Estes eram, recorrentemente, homens pobres, não raro de cor, considerados vadios, pequenos infratores – como era o caso de Piranduba – e criminosos de considerável periculosidade. Hendrik Kraay demonstrou que a política de recrutamento foi intensificada em momentos de tensões internas e externas, e citou o impasse de 1863 – ano anterior ao encarceramento de Piranduba e Petronilla – entre o Brasil e a Grã-Bretanha, acerca de conflitos remanescentes da proibição do tráfico de africanos desde 1850. 55 A tensão entre os dois países fez com que o governo imperial passasse a incrementar suas forças armadas, temendo que a interferência dos britânicos no policiamento das embarcações brasileiras descambasse para um conflito bélico.
A indiferença de José Ignácio quanto ao envio do crioulo para a Armada não duraria muito tempo. O capitão afirmou ao filho que se decidira “pela soltura, em vista dos imensos pedidos e choradores que têm aparecido, e até a mãe do Piranduba se valeu de tua madrinha” para convencê-lo a influir junto às autoridades provinciais contra o recrutamento forçado do acusado. Os apelos eram a constatação da má fama do disciplinamento militar, que implicava em castigos corporais e condições degradantes de trabalho, muito embora a farda tenha sido largamente procurada por escravizados em fuga, a fim de livrarem-se das penas do cativeiro. 56 O capitão, contudo, afirmou que o recrutamento parecia já ser coisa decidida por Antônio Coelho de Sá e Albuquerque, presidente da província, fazendo valer as ordens do “governo imperial, a pretexto de que já está com pressa e diz existir um aviso que assim determina”. “Não concordo com isto e hoje vou ter com ele”, registrou José Ignácio ao finalizar a carta. A partir daí, já não foi encontrado qualquer indício sobre o futuro de Piranduba: se seguiu para o recrutamento, como definido pelo chefe de polícia e presidente da província, ou se José Ignácio os demoveu da ideia de encaminhá-lo à Armada, não sabemos.
Também em 25 de junho, o chefe de polícia, na mesma ocasião em que convocou Piranduba, despachou ao carcereiro da Cadeia de Correção que pusesse “em liberdade a Petronilia de Gouveia, que aí se acha recolhida à minha ordem, vinda da Madre de Deus do Boqueirão”. 57 A acusada deixou a prisão. Porém, pelas fontes disponíveis, não é possível afirmar se ela permaneceu em liberdade ou se foi reescravizada, restando cogitar, pela opinião dos advogados consultados pelo capitão e pela opinião deste, que a crioula tenha permanecido liberta. Em nova carta a Franklin, datada de 26 de julho de 1864, um mês e um dia depois da soltura de Petronilla, José Ignácio informou-o sobre a vida dos parentes e sobre o seu frágil estado de saúde, que inspirava tratamentos, “pois as moléstias crônicas assim são”. 58 Depois, afirmou que tinha enviado “duas cartas anteriores”, nas quais requeria ao filho “uma procuração bastante para poder propor a competente ação, a fim de haver o dinheiro, ou, ao menos, a maior parte dele”. Ao que parece, o capitão viu-se frustrado por não ter sido possível chegar a um acordo entre os envolvidos, sendo necessária a abertura de uma ação para reaver parte ou o todo do valor subtraído. Porque, segundo ele, o fato estava conhecido e ele era o “senhor de suas provas”.
A esperança do capitão era que a tão desejada procuração já estivesse a caminho, uma vez que se mostrava decidido em remediar ou resolver completamente o “prejuízo da sua carteira”. No entanto, a moléstia de José Ignácio se agravaria, levando-o à morte duas semanas depois, em “8 de agosto de 1864, com a idade de 53 para 54 anos”, como registrou Franklin. 59 É pouco provável que o capitão tenha conseguido impetrar a dita ação, tanto pela imprevisibilidade da chegada da procuração que esperava quanto pelo seu estado periclitante de saúde. Não se sabe se Franklin, seu único herdeiro, levou adiante as aspirações do pai de reaver a soma furtada.
O imbróglio envolvendo Lúcio, Petronilla e Piranduba demonstra a complexidade das questões que os cativos poderiam impor aos senhores – os seus próprios ou de terceiros. O furto evidencia brechas possíveis do domínio senhorial, diante das quais a insubordinação tornava-se uma opção válida na luta pela liberdade. Lúcio não se intimidou em subtrair a carteira de um promotor, sobrinho de sua senhora. Não se sentiu inibido por sua autoridade. Para o escravizado, o fato da carteira, recheada de dinheiro, pertencer a um homem de leis pareceu contar pouco diante dos planos que fez para si. Sendo verdadeira a acusação feita por Lúcio de que sua tia Petronilla recebera e gastara o dinheiro que furtou, esta não se sentiu constrangida em enganar seus senhores, bancando sua liberdade com dinheiro ilícito – isso se realmente sabia da origem da quantia que teria recebido. Aparentemente, também não teria sido embaraçoso para a acusada dar ela mesma destino ao dinheiro que lhe teria sido confiado por seu sobrinho, frustrando a confiança deste. Os dissabores da escravidão os teriam colocado como rivais na busca pela liberdade.
A subtração de uma carteira com um conto e oitocentos mil réis deixou membros da classe senhorial às voltas, demonstrando as fragilidades e os limites de sua autoridade e de suas políticas de domínio, diante da ousadia e resistência dos cativos. A resolução do caso, além de visar a restituição financeira dos Dória, objetivava reparar a reputação destes enquanto senhores. Mais ainda! A estes proprietários também importava restaurar suas autoridades enquanto indivíduos compromissados com o aparato da ordem de um país escravista – Inácio, ex-juiz de paz; Franklin, então promotor.
O furto, causador desse imbróglio, era, portanto, uma das possibilidades que as pessoas escravizadas dispunham na luta contra a escravidão, por meio do qual era possível juntar condições materiais e financeiras para custear fugas, comprar a alforria e investir numa vida em liberdade, mesmo que precária. A partir da narrativa de Petronilla, fica patente a precarização tão comum às pessoas de cor, conforme iam se tornando o centro de suspeitas constantes, principalmente vindas das autoridades policiais. Daí o motivo pelo qual essas suspeições poderiam estimular muitas pessoas de cor, assim como Petronilla, a investir suas economias: para assegurar seus valores e bancar sua autoimagem, num contexto social extremamente hierarquizado e de desconfianças sobre a população negra. Apesar disso, a trama discorrida até aqui demonstra como a política de domínio senhorial não era absoluta, tampouco intransponível, sendo possível aos escravizados e outros subalternos tramarem em seus limites, em suas brechas e fragilidades.
Sou grato às sugestões atentas e generosas de Antonio Luigi Negro, meu orientador, dos membros do grupo de pesquisa “Escravidão e invenção da liberdade”, do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia, e de Daniel Silva, meu companheiro de ofício e amigo. Agradeço também ao incentivo de Dina e Gilberto, meus pais, Ires Cruz, minha irmã, Wagner Magalhães, meu amigo, e Ana Flávia Magalhães Pinto, minha companheira de ofício e amiga.