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UM MANIFESTO REVOLUCIONÁRIO HAITIANO?: NOVAS PERSPECTIVAS SOBRE A “CARTA DE JEAN-FRANÇOIS, BIASSOU E BELAIR”*

Jeremy D. Popkin
Universidade de Kentucky Lexington, Estados Unidos

UM MANIFESTO REVOLUCIONÁRIO HAITIANO?: NOVAS PERSPECTIVAS SOBRE A “CARTA DE JEAN-FRANÇOIS, BIASSOU E BELAIR”*

Afro-Ásia, núm. 67, pp. 500-528, 2023

Universidade Federal da Bahia

Alguns dos historiadores mais recentes da Revolução Haitiana citaram um documento chamado A carta de Jean-François, Biassou e Belair como a mais importante declaração de objetivos daquele movimento, enquanto outros estudiosos lançaram dúvidas sobre a autenticidade da Carta. Uma fonte arquivística que anteriormente recebeu pouca atenção reforça a autenticidade da carta e lança luz sobre as circunstâncias em que foi composta. Uma comparação da Carta com outras declarações de objetivos dos revolucionários haitianos demonstra que os líderes negros do movimento responderam a circunstâncias políticas mutantes, alterando sua linguagem à medida que mudavam suas avaliações sobre a situação que se lhes apresentava.

Ao passo que as revoluções americana e francesa se iniciaram com manifestos impressos, como a Declaração de Independência e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a Revolução Haitiana começou com uma ação - a insurreição de 22-23 de agosto de 1791 - ao invés de começar com uma declaração de objetivos e princípios. O movimento certamente foi dirigido contra a opressão da escravidão, mas é difícil saber se seus participantes idealizavam a abolição imediata dessa instituição e a eliminação dos colonos brancos que os mantinham em cativeiro, ou arranjos gradualistas que lhes permitissem obter a liberdade no contexto do sistema agrário-exportador e de uma sociedade multirracial. A violenta destruição de propriedades rurais e os assassinatos que marcaram os primeiros dias da insurreição sugerem a primeira alternativa; a crença expressa por muitos dos insurgentes de que o Rei Louis XVI lhes havia concedido três dias da semana para trabalhar em benefício próprio - de modo a acumular dinheiro para pagar por suas alforrias - aponta para a segunda alternativa. Alguns documentos sugerem que os insurgentes foram inspirados pela crença no vodu, mas os colonos brancos frequentemente alegaram que os insurgentes foram motivados por aquilo que tinham ouvido acerca das promessas de liberdade e igualdade da Revolução Francesa. Um trecho citado com frequência das memórias de um colono branco, descrevendo “um dos principais líderes dos insurgentes”, combinava as duas ideias, afirmando que os bolsos desse homem estavam repletos de “panfletos impressos na França, preenchidos com lugares-comuns acerca dos Direitos do Homem”, e que “em seu peito ele tinha um pequeno saco repleto de cabelo, ervas, fragmentos de ossos, que eles chamam de fetiche”.1 Estudiosos contemporâneos oferecem avaliações amplamente variadas acerca das motivações dos insurgentes: a maior parte continua a ressaltar a influência dos ideais revolucionários franceses, enquanto outros enfatizam o legado da cultura africana que muitos negros trouxeram consigo de suas terras-natais, e outros viram conexões com a monarquia francesa.2

Evidências que nos permitam responder à questão sobre quais ideias estavam nas mentes dos insurgentes em 1791 são escassas. A maior parte dos escravizados negros que se insurgiram em agosto de 1791 eram desprovidos de qualquer possibilidade de aprender a ler e escrever, e eles não tinham qualquer acesso a equipamentos gráficos. Embora não reste dúvida de que a insurreição de agosto de 1791 foi planejada, e embora os negros tenham criado uma forma de governo nas áreas da colônia francesa de São Domingos3 - de onde tiveram êxito em expulsar os colonos brancos -, os insurgentes não realizaram congressos partidários, nem publicaram jornais e panfletos. Tampouco nenhum dos líderes deixou atrás de si cartas, diários ou documentação privada a partir dos quais os historiadores possam reconstituir seus pensamentos. Isso explica a atenção conferida por estudiosos da Revolução Haitiana a um documento conhecido como Carta de Jean-François, Biassou e Belair, que foi primeiramente publicada em janeiro de 1793 e redescoberta na década de 1990.4 Os dois primeiros pretensos signatários da carta eram notórios líderes da insurreição negra, Jean-François Papillon e Georges Biassou. Belair não pôde ser identificado com segurança, mas ele pode ter sido Charles Belair, que viria a ser executado pelos franceses, juntamente com sua esposa Sanite, em um famoso episódio em 1802.

Em sua biografia de 2020 de Toussaint L’Overture, Sudhir Hazareesingh enfatiza a importância da Carta, cujo “tom”, ele escreve, “não era de deferência, mas de inexorável força”, e sugere que seu verdadeiro autor poderia ter sidoToussaint L’Overture, mesmo que seu nome não esteja apenso à carta.5 A Carta desenvolve poderosos argumentos contra a escravidão e a desigualdade racial, e contém referências explícitas à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, indicando familiaridade com o texto-chave da Revolução Francesa. Também faz uma proposta concreta para o fim da escravidão em São Domingos e de criação de uma nova ordem social. Outros estudiosos, no entanto, têm sido cautelosos em conferir demasiada importância à Carta por conta de questões de autoria, de autenticidade e de ausência de evidências acerca das circunstâncias em que foi redigida. Em 2007, David Geggus observou que “a linguagem do texto tem uma aparência suspeitamente inautêntica. Sua combinação de vocabulário e retórica sofisticados com erros ortográficos e gramaticais básicos torna-a única em relação a outros textos remanescentes desse meio social”. Nenhuma das duas coletâneas documentais sobre a Revolução Haitiana amplamente utilizadas em cursos universitários a inclui, Slave Revolution in the Caribbean, 1789-1804 [Revolução Escrava no Caribe, 1789-1804], de Laurent Dubois e John D. Garrigus, e The Haitian Revolution: A documentary History [A Revolução Haitiana: uma história documental], de David Geggus.6

Um documento de arquivo negligenciado oferece evidências sugestivas, embora não conclusivas, a favor da autenticidade da Carta, e proporciona, pela primeira vez, uma explicação plausível para o que a inspirou, assim como sobre como chegou às mãos do coronel Cambefort, o oficial militar monarquista que incluiu o texto na justificativa de sua conduta, que publicou em Paris em janeiro de 1793. Por tornar possível situar a composição da Carta em um contexto histórico específico, essa nova evidência também nos possibilita perceber que os líderes negros do movimento revolucionário haitiano - tal como aqueles das revoluções francesa e americana, e como os homens livres de cor insurgentes cujas demandas Jeffery Stanley analisa - observaram com muita atenção os contextos políticos constantemente mutantes nos quais tinham que operar, fazendo o melhor para obter a maior vantagem possível das oportunidades específicas que julgavam disponíveis.7

Anova evidência acerca da composição da Carta de Jean-François, Biassou e Belair provém de um documento composto por Philippe-Rose Roume, membro da Primeira Comissão Civil enviada da França para São Domingos no final do mês de novembro de 1791, com a missão de “pacificar” os conflitos que tinham irrompido após o início da Revolução Francesa na colônia ultramar mais importante da França. Roume e a em larga medida malsucedida Primeira Comissão Civil são ofuscados, na historiografia da Revolução Haitiana, por Léger-Félicité Sonthonax e Etienne Polverel, os dois membros da Segunda Comissão Civil que desembarcaram na colônia em setembro de 1792. Entre junho e outubro de 1793, eles promulgaram uma série de decretos emancipacionistas, garantindo-lhes um lugar central na história da abolição da escravidão. O inglório fim da segunda missão de Roume em São Domingos, quando ele retornou à colônia como membro da Terceira Comissão Civil, de 1796-1801, deixou a impressão de tratar-se de um personagem ineficiente: ele passou seus últimos meses na colônia como um virtual prisioneiro de Toussaint L’Overture e teve sorte de escapar com vida. Por alguns meses em 1792, entretanto, Roume exerceu uma influência decisiva nos eventos em São Domingos. Ele foi o primeiro oficial metropolitano a desafiar abertamente a intransigente negativa dos colonos brancos de conceder direitos às pessoas livres de cor de São Domingos, e o primeiro a reivindicar a prerrogativa de suspender leis que defendiam os interesses nacionais franceses, mesmo que isso exigisse o uso da força contra cidadãos brancos.8

Em junho de 1793, Roume retornou de São Domingos à França e foi preso, devido à influência dos colonos brancos, por conta de suas ações na colônia. Em uma “refutação às calúnias inventadas contra o Cidadão Roume”, eleexplicou por que havia decidido permanecer em São Domingos após dois outros membros da Primeira Comissão Civil, Edmond de Saint- Léger e Frédéric Mirbeck, embarcarem de volta à França. Ele também explicou por que, contrariando orientações oficiais, se aliou aos líderes do movimento insurrecional das pessoas livres de cor na Província Ocidental p>da colônia, que tentaram obter seus direitos por meio das concordatas9 discutidas por Jeffery Stanley e então estabeleceram um “Conselho de Paz e União” para se contrapor à totalmente branca Assembleia Colonial, que rejeitara as suas demandas. Como Roume reconheceu em uma carta escrita no início de maio de 1792, sua decisão de apoiar o Conselho de Paz e União foi um ato verdadeiramente revolucionário. Isso significou ignorar o corpo representativo legalmente reconhecido da colônia e endossar uma revolta armada contra o sistema colonial de hierarquia racial que a Assembleia Nacional Francesa tinha consagrado oficialmente em um decreto aprovado em 24 de setembro de 1791. Anunciando sua ação às autoridades francesas em maio de 1792, Roume escreveu: “vê-se um comissário civil nacional saudar essa insurreição e dar-lhe continuidade. Ou a Assembleia Colonial é culpada das acusações a ela dirigida, ou o comissário merece uma pena capital”.10

Quando Roume se aliou ao Conselho de Paz e União, ele não sabia que a Assembleia Legislativa Francesa, que havia substituído a Assembleia Nacional no início de outubro de 1791, já havia revogado o decreto de 24 de setembro de 1791 e aprovado uma nova lei, assinada pelo Rei Louis XVI em 4 de abril de 1792, que concedia igualdade civil e política integrais à população livre de cor nas colônias francesas. Essas notícias chegaram a São Domingos no final de maio de 1792, e Roume prontamente as compartilhou com Pierre Pinchinat, o líder das pessoas livre de cor. Como resultado dessa nova lei, Roume escreveu para Pinchinat:

somente duas classes de homens devem permanecer na colônia, homens livres e escravos, mas para manter essa segunda classe, […] nós não devemos perder um minuto em mantê-los sob servidão, por meio da ação combinada de todos os homens livres. Esse é o evento mais importante que já teve lugar nas colônias, e vocês não podem, sem expor-se à sua própria perdição, cegarem-se para a reação que se seguirá entre aqueles que não são livres, a não ser que vocês a imponham, por meio de uma coalização completa e imediata de todas as pessoas livres.11

De acordo com o relato redigido por Roume em junho de 1793, ele consultou a Assembleia Colonial em Cap Français e então, em 14 de junho de 1792, escreveu para dois generais que lideravam as tropas negras, Jean-François Papillon e Georges Biassou, “para exortá-los a retomar seus deveres, possibilitando-me requerer seu perdão à Assembleia Colonial”. Ele recebeu uma resposta afirmando que os generais iriam consultar seus seguidores e enviar-lhe uma resposta mais longa. “Essa prometida resposta nunca chegou a mim”, ele escreveu,

mas vê-se, da correspondência dos cidadãos Le Borgne e Dufay […], que ela foi interceptada pelo Coronel Cambefort, sob instruções do General Rouvray, sob o pretexto de que meus sentimentos filantrópicos me levariam a enviá-la à Assembleia Nacional. Desde que voltei a Paris, a afirmação do cidadão Le Borgne se mostrou correta para mim, uma vez que o Coronel Cambefort publicou aquela resposta em uma de suas mémoires.12

As afirmações de Roume correspondem àquilo que o Coronel Cambefort disse a respeito de sua própria postura contra qualquer sugestão de negociações com os insurgentes negros. Na mesma mémoire autojustificativa em que ele publicou o texto da Carta, Cambefort incluiu uma carta que tinha escrito para os membros da Segunda Comissão Civil quando esta chegou a São Domingos, em setembro de 1792. Nela, ele afirmou a Sonthonax e Polverel que a razão de os negros não terem desistido, até então, de sua revolta, era porque consideravam as forças brancas muito fracas para derrotá-los. “Infelizmente, nós mesmos demos motivos para esse erro, por conta das negociações que foram levadas a cabo, as quais [os negros] provocaram para descobrir o estado das nossas forças”, ele sustentou. “Eles se aproveitaram disso, e interpretaram nosso desejo de encontrar meios pacíficos para encerrar a revolta como prova de nossa fraqueza, e sua determinação para persistir com seus crimes apenas se tornou mais firme”.13

Se assumirmos que o relato de Roume é acurado, podemos reconstruir o contexto no qual a Carta de Jean-François, Biassou e Belair foi redigida. Como líderes da insurreição negra, esses homens tinham que decidir como reagir à perspectiva de uma grande transformação da situação política em São Domingos. A deflagração da insurreição deles próprios, em agosto de 1791, coincidiu com a eclosão da insurreição dos homens livres de cor na província ocidental da colônia. Embora os movimentos não fossem coordenados, ambos se beneficiaram do fato de as autoridades brancas serem forçadas a dividir suas forças para lidar com eles. Agora, a nova lei e a aliança de Roume com o movimento de Pinchinat ameaçavam criar uma situação na qual os negros poderiam se confrontar com uma coalização de brancos e pessoas livres de cor, assim como com um novo contingente de 6.000 homens que estava programado para desembarcar em São Domingos junto com a Segunda Comissão Civil. Dado que as forças negras tinham sido incapazes de subjugar os brancos, mesmo quando as disputas destes com as pessoas livres de cor os dispersavam, Jean-François, Biassou e Belair tinham boas razões para dar uma resposta contundente a Roume. Sua preocupação quanto à nova situação política que se lhes apresentava é demonstrada pelo fato de eles também terem escrito, de acordo com Roume, para um dos líderes das pessoas livres de cor, Louis-Jacques Bauvais. Sem querer se comprometer, por aparentar negociar com os negros pelas costas de Roume, Bauvais mostrou a este último a carta que recebera e, então, enviou uma resposta ditada pelo próprio Roume.14

É pouco provável que Jean-François e Biassou pudessem, por si próprios, escrever suficientemente bem para redigir uma carta em francês; como os outros documentos atribuídos a eles, a Carta foi escrita por um secretário. Diferentemente dos homens livres de cor que negociaram as concordatas, quem quer que tenha escrito a Carta não era bem letrado em francês, e começou com um pedido de desculpas pelo fato de “[serem] homens que não sabem escolher palavras rebuscadas”. Ainda assim, os autores continuaram, eles eram homens determinados a “mostrar-vos e a toda a terra a justiça de sua causa; em resumo, nós somos aqueles que chamais de vossos escravos, mas que exigem os direitos que todos os homens podem reivindicar”. A Carta, então, denunciou a crueldade e a injustiça da escravidão:

Por muito tempo, […]15 digo que temos sido as vítimas de vossa sede por dinheiro e de vossa avareza; sob o jugo de vossas chicotadas bárbaras, nós acumulamos para vós os tesouros que desfrutastes nesta colônia; a espécie humana sofria em ver as barbaridades com que tratastes os homens, sim, homens como vós, e sobre os quais não tendes outro direito senão aquele do mais forte e do mais bárbaro. Vós nos traficáveis, vós trocáveis homens por cavalos e esse foi o menor dos vossos crimes perante a humanidade; nossa vida dependia somente de vossos caprichos, e quando queríeis alguma diversão, a obtinham às expensas de um homem como vós que, frequentemente, não havia cometido nenhum crime a não ser o de estar sujeito às vossas ordens.

Tendo exposto a injustiça da escravidão, a Carta expôs a falta de fundamento da presunção de que a diferença de cor de pele entre negros e brancos justificava a desigualdade entre os dois grupos.

Nós somos negros, é verdade, mas digam-nos, Senhores, vós que sois tão sensatos, qual lei diz que homens negros devem pertencer e ser propriedade de homens brancos. Vós certamente não podeis mostrá-la para nós, ou, se ela existe, só existe em vossa imaginação sempre pronta a inventar coisas novas quando isso é de vosso interesse.

Utilizando-se da linguagem do direito natural, seus autores continuaram:

Sim, Senhores, nós nascemos livres como vós, e é somente por conta de vossa avareza e de nossa ignorância que a escravidão foi mantida até hoje, e nós não podemos ver nem encontrar o direito que pretendeis ter sobre nós, ou qualquer coisa que possa nos provar isso, estando na terra como vós, sendo, todos nós, filhos de um mesmo pai, criados sob uma mesma imagem. Somos, portanto, vossos iguais de acordo com a lei natural, e se aprouve à natureza diversificar as cores da espécie humana, não é nenhum crime ser negro, nem um privilégio ser branco.

Os autores da Carta claramente identificaram a lei existente como um instrumento da opressão branca; sua referência aos “filhos do mesmo pai, criados sob uma mesma imagem” evocou a linguagem bíblica, e a categorização da diversidade racial como produto da natureza reforçou o argumento de que nenhum grupo é superior aos outros.

Tendo reivindicado a autoridade da natureza e insinuado um apelo à religião, os autores da Carta evocaram, então, os princípios da

feliz revolução, que teve lugar na Pátria-Mãe e que nos abriu os caminhos. Nossa coragem e nossos esforços nos ajudarão a atingir o templo da Liberdade, tal qual os valentes franceses que nos inspiram e a quem todo o universo contempla.

Essa evocação dos princípios de 1789 permitiu aos autores desafiar diretamente a hipocrisia de seus oponentes:

Vós, Senhores, que pretendeis nos submeter à escravidão, não juraram preservar a Constituição Francesa da qual vós sois parte, e o que é essa respeitável constituição, e qual é sua lei fundamental? Esquecestes que prestastes formalmente um juramento à Declaração dos Direitos do Homem, que diz que os homens nascem livres e iguais em direito, e que os direitos naturais são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão?

Essa citação direta da Declaração de 1789 mostrou que quem quer que tenha escrito a Carta não tinha, meramente, ouvido falar desse documento por terceiros, mas efetivamente conhecia seu texto.

Tendo apresentado um poderoso questionamento contra a escravidão e a discriminação racial, a Carta se dirigiu, então, a outros grupos e indivíduos envolvidos nos conflitos de São Domingos: os membros da Assembleia Colonial, o Comissário Civil Nacional, os colonos brancos em geral, os homens livres de cor e os soldados e marinheiros contra os quais os negros estavam lutando. Antes de se dirigir a cada um desses grupos individualmente, os autores da Carta rejeitaram qualquer tentativa de dissociar os líderes do movimento da massa de seus participantes. Esse foi um dos elementos da proposta de paz feita pelos líderes negros aos brancos em dezembro de 1791, quando tentaram, pela primeira vez, negociar um acordo para dar fim à rebelião e ofereceram a paz em troca da liberdade de cinquenta dos líderes do movimento, bem como de suas famílias. Agora, oito meses depois, declararam, de forma inequívoca, que “preferimos mil vezes a morte a agir dessa maneira frente a nossos companheiros, e se quiserdes nos conceder os benefícios que nos devem, é preciso que eles também sejam concedidos a todos os nossos irmãos”.

Os desagravos da Carta, dirigidos a diferentes grupos e autoridades na colônia, mostraram um entendimento acurado acerca do papel que cada um desses grupos estava desempenhando nos conflitos que decorreram do levante. A “Assembleia Geral”, corporação eleita pelos colonos brancos pouco antes do início do levante em 1791, rejeitou qualquer acordo negociado com os negros em dezembro de 1791; e a Carta os alertava que a contínua intransigência trazia o risco de “destruição total” da colônia. Voltando-se ao Comissário Civil, os autores da Carta o lembraram que ele havia sido “testemunha dos debates que tiveram lugar na Assembleia Nacional pela liberdade dos homens”. Ele não podia evitar de reconhecer, portanto, que as demandas dos negros estavam de acordo com os princípios da Revolução Francesa. Ao passo que a Carta se dirigiu aos legisladores da colônia e ao Comissário Civil em termos imperativos, o tom no qual se exprimiu para os “cidadãos da colônia em geral” era mais conciliador. Se pudessem apenas reconhecer a humanidade dos negros, “vós vereis a prosperidade reinar neste país e, assim, desfrutareis de vossos lucros, estareis em casa e eles amar-vos-ão como seus pais e seus benfeitores”. Dito de outra forma, se a população branca pudesse superar seus preconceitos, poderia continuar a desfrutar de seus privilégios econômicos na colônia.

Os autores da Carta voltaram sua atenção, então, para as pessoas livres de cor, cujos próprios ressentimentos contra os brancos tinham sido, em teoria, resolvidos pela lei de 4 de abril de 1792. Roume estava apelando aos homens livres de cor para se unirem aos brancos, de modo a forçar os negros a desistir de sua rebelião; os insurgentes negros tiveram que se contrapor à estratégia dele. Eles assim procederam ao lembrarem aos homens livres de cor que a prosperidade de que gozavam enquanto proprietários provinha do labor de trabalhadores negros, e fizeram um apelo à solidariedade racial: “Lembreis que eles são vossos irmãos, vossos pais, e que o sangue deles corre em vossas veias”.

Enquanto conclamavam a população racialmente misturada a reconhecer seus laços com os negros, os autores da Carta também reavivaram a memória de Vincent Ogé, que foi executado após liderar uma rebelião de curta duração pelos direitos das pessoas livres de cor, em outubro de 1790, e trouxeram à tona a rejeição, pela população branca, da lei da Assembleia Nacional Francesa de 15 de maio de 1791, que concedia direitos às pessoas livres de cor cujos pais fossem livres e legalmente casados. Essa seção da Carta demonstrou um entendimento agudo acerca do risco que a lei de 4 de abril de 1792 representava para o movimento negro: tudo poderia ter facilmente persuadido as pessoas livres de cor de que seus interesses seriam melhor satisfeitos caso se unissem aos brancos contra os negros insurgentes.

O último grupo a ser distinguido na Carta era aquele “que cruzastes os mares para lutar contra homens que querem seus direitos”, os soldados e marinheiros brancos que haviam sido enviados da França para lidar com os problemas que eclodiram em São Domingos após o início da Revolução Francesa. Embora se pudesse esperar que esses plebeus brancos compartilhassem dos sentimentos igualitários dos grupos racialmente oprimidos da colônia, a maioria dos soldados e dos marinheiros enviados para o Caribe abraçava o racismo dos “patriotas” brancos, que insistiam que seus direitos estavam sendo violados por oficiais “despóticos” nomeados pelo distante governo metropolitano e pelos oficiais militares aristocratas, cuja autoridade os soldados ordinários e os marinheiros imbuídos de princípios revolucionários frequentemente estavam ávidos para confrontar. Na época em que a Carta foi redigida, no início de junho de 1792, marinheiros brancos tinham se amotinado em defesa dos membros da primeira Assembleia Colonial - a assim chamada Assembleia de Saint-Marc - permitindo-lhes escapar para a França para apresentar seu caso à Assembleia Nacional, em outubro de 1790. Em março de 1791, uma turba de soldados e marinheiros brancos lincharam o comandante do porto de Port-au-Prince, o Coronel Antoine Mauduit, e forçaram o governador da colônia, o General Blanchelande, a fugir da capital para Cap Français.16 Os negros insurgentes entenderam que precisavam encontrar um modo de contrabalançar a hostilidade desses soldados e marinheiros; daí seu esforço para convencer esses “bons patriotas franceses” de que a luta dos negros por igualdade era a mesma que aquela levada a cabo pelos plebeus na França metropolitana.

Tendo feito apelos específicos a essas cinco diferentes plateias, os autores da Carta expuseram, então, suas propostas para, em comum acordo, pôr termo aos conflitos deflagrados em agosto de 1791. Suas demandas eram simples, mas radicais: liberdade para toda a população escravizada e uma anistia geral por todos os atos cometidos desde o início da insurreição. Em troca, eles prometeram, “primeiro, depor as armas; segundo, voltar cada um à fazenda a que pertencia e retomar seus trabalhos mediante um preço que será acordado por ano, a cada lavrador, que começará a correr no tempo combinado”. Eles solicitaram que esse acordo fosse ratificado pelo Rei e pela Assembleia Nacional, e que seus termos também fossem respeitados pelo governo espanhol da vizinha colônia de Santo Domingo. Esse acordo iria preservar o sistema de agricultura de exportação, embora os negros viessem a se transformar em trabalhadores assalariados. Não havia qualquer menção à concessão de terra própria aos antigos escravizados negros; nem mesmo é mencionado o destino das pequenas porções de terra que tradicionalmente lhes haviam sido concedidos para cultivar seus próprios alimentos. A insistência de que o Rei e a Assembleia Nacional ratificassem o acordo refletiu um acurado entendimento do fato de que, sob a nova Constituição Francesa, nem a Assembleia Colonial, nem o governador, nem o comissário civil detinham autoridade para estabelecer acordos duradouros. A exigência de que o acordo também fosse respeitado pelos espanhóis, entretanto, indicou certa desconfiança tanto para com os franceses na colônia, quanto para com os metropolitanos. Embora a Espanha e a França ainda não estivessem em guerra, como viriam a estar após março de 1793, os espanhóis secretamente tinham ajudado os insurgentes ao lhes enviar suprimentos, e os negros claramente os consideravam simpáticos à sua causa.

As propostas da Carta eram, assim, um misto de radicalismo e moderação. A demanda por liberdade universal constituiu uma rejeição completa ao sistema de escravidão, mas a oferta de retornar ao trabalho nas plantações implicou uma considerável restrição do alcance da liberdade dos negros. A demanda por anistia ia de encontro a um dos pontos em relação aos quais os colonos brancos mais insistiam, ou seja, que os negros que tinham matado brancos ou destruído suas propriedades deveriam ser punidos. Essa era uma concessão, entretanto, que o Comissário Civil Roume já tinha proposto quando de sua chegada a São Domingos. Em um de seus últimos atos, a Assembleia Constituinte na França tinha concedido anistia a todos os atos cometidos desde o início da Revolução, e os membros da Primeira Comissão Civil presumiram que estavam autorizados a fazer o mesmo gesto em São Domingos - uma posição que os colonos brancos rejeitaram sob a justificativa de que os insurgentes negros haviam cometido crimes imperdoáveis contra a humanidade. A proposta de que os espanhóis se tornassem os avalistas do acordo representava uma séria violação da soberania francesa, mas a revogação do ato de abolição por Napoleão, que viria a ser aprovada pela Convenção Nacional Francesa em 1794, mostrou que os autores da Carta tinham boas razões para se resguardar contra uma possível mudança de posição da França.

Tomada como um todo, a Carta de Jean-François, Biassou e Belair representa um programa político abrangente e bem pensado, conjugando argumentos filosóficos a favor da liberdade e da igualdade racial com propostas programáticas que refletiram uma avaliação perspicaz das realidades políticas de São Domingos. Dando garantias de que estavam dispostos a deixar de lado a busca por vingança contra os negros que tinham participado na insurreição e a aceitar a transição de um sistema de produção baseado na escravidão para um baseado no trabalho assalariado, os brancos na colônia teriam a chance de manter sua posição econômica privilegiada, ao passo que as autoridades francesas poderiam congratular a si mesmas por restaurarem o controle sobre sua colônia. Os colonos brancos poderiam ser extremamente relutantes a aceitar as demandas incorporadas à Carta, mas seus autores podem ter calculado que Roume, já tendo tomado o partido dos homens livres de cor contra os brancos, poderia querer se valer da autoridade que arrogou a si próprio para impor um acordo a estes. Se os brancos rejeitassem a proposta prontamente e se recusassem a negociar, ao menos ficaria claro quem era responsável pela continuidade do conflito.

A perspicácia e a sofisticação da Carta de Jean-François, Biassou e Belair tornam tentador elevá-la ao estatuto de principal manifesto da Revolução Haitiana, como Sudhir Hazareesingh o fez em sua biografia de Toussaint L’Overture. Antes de assim proceder, entretanto, é importante comparar a Carta com outros documentos acerca dos objetivos dos líderes do movimento. Essa comparação mostra que havia diferenças significativas nos programas propostos por participantes da insurreição negra no decorrer de seus primeiros anos. O administrador branco de uma propriedade rural, feito prisioneiro na primeira noite da insurreição de agosto de 1791, declarou que seus captores lhe disseram que seus objetivos “eram nada menos do que a destruição de todos os brancos da colônia, exceto alguns não proprietários, alguns padres, cirurgiões e algumas mulheres, e de incendiar todas as plantações, tornando-se senhores do país”. Uma carta dirigida ao governador Blanchelande, datada de 24 de setembro de 1791 e aparentemente ditada por Jeannot Bullet, um dos líderes insurgentes, promete deixar “os brancos levarem seu ouro e suas joias”, mas insiste que “todos os brancos, sem exceção, irão se retirar, sob sua inspeção, tanto das montanhas quanto da planície para retornarem às suas casas e assim abandonar Le Cap”.17

Esses dois documentos, provenientes das primeiras semanas da insurreição de 1791, refletem um programa “maximalista”, segundo o qual a população branca de São Domingos seria virtualmente eliminada e uma sociedade governada por negros estabelecida. Embora os insurgentes tenham rapidamente assumido o controle da plaine du Nord [planície do Norte], o valioso distrito açucareiro a leste de Cap Français, e tenham invadido os territórios montanhosos fronteiriços à colônia espanhola de Santo Domingo numa segunda onda de ataques em outubro de 1791, os colonos brancos lograram defender a valiosa cidade portuária e prevenir a propagação do movimento pelo restante da colônia. Na metade de novembro daquele ano, Boukman Dutty, o principal líder do movimento, foi morto em combate. Os participantes da insurreição perceberam que era irrealista seu anseio inicial de simplesmente esmagar os brancos.

Os primeiros documentos inquestionavelmente formulados pela liderança coletiva da insurreição que emergiu após a morte de Dutty, que datam entre o final de novembro e todo dezembro de 1791, refletem essa situação. A chegada da Primeira Comissão Civil, cujos membros desembarcaram em Cap Français em 29 de novembro de 1791, oferecia uma oportunidade para a negociação. Uma carta escrita para a Comissão por homens livres de cor, que alegavam estar levando adiante as aspirações dos líderes negros, culpava Jeannot Bullet, que havia sido executado por Jean-François um mês antes, pela violência da insurreição nas semanas anteriores, e afirmava que os líderes negros restantes estavam prontos para pôr um fim na insurreição, em troca de concessões limitadas. Especificamente, os autores dessa carta solicitaram

o perdão completo e integral para todos os líderes, suas liberdades sendo bem e adequadamente registradas […] uma anistia geral para todos os negros […]. Permissão aos líderes para emigrar para onde escolhessem ir em terras estrangeiras, se assim o decidirem, e o usufruto de todas as propriedades que estão, atualmente, sob a posse deles.

Em troca, eles “então fariam os escravos retomar seus deveres, e aceitar qualquer decisão que os comissários reais […] possam vir a decidir acerca de seus destinos”.18

Em 12 de dezembro de 1791, os líderes negros enviaram uma carta diretamente aos comissários, um documento bem conhecido porque trata-se da primeira declaração política assinada pelo futuro Toussaint L’Overture. Nessa carta, eles incitaram os comissários a agir rapidamente, sustentando que temiam perder o controle sobre os seus próprios seguidores, uma “multidão de nègres da África, a maioria dos quais mal podem dizer duas palavras em francês, mas que, ao mesmo tempo, estavam acostumados a travar guerras em seus próprios países”. Eles mencionaram novamente a demanda por liberdade para os líderes da insurreição, assim como as dificuldades que previam ter para arrebanhar outros negros e mandá-los de volta às suas plantações. Uma segunda carta de Jean-François e Biassou solicitava salvaguardas contra os abusos mais sórdidos de proprietários de escravizados, incluindo o de privá-los do dia de descanso semanal que supostamente deveriam dispor, de acordo com o Código Negro, “deixando-os nus, sem qualquer ajuda quando doentes, e deixando-os morrer na miséria”. Os líderes negros claramente acreditavam que a anistia geral proclamada no crepúsculo da Assembleia Nacional Francesa se aplicava a eles, mas nesses documentos sequer cogitam a possibilidade de abolição da escravidão.19

A Carta de Jean-François, Biassou e Belair ficou aquém dos programas maximalistas que aparentemente floresceram nas primeiras semanas da insurreição, mas suas demandas foram muito além daquilo que os próprios líderes tinham aceitado negociar em dezembro de 1791. Em julho de 1792, Jean-François e Biassou já tinham tido tempo para entender que a ameaça de intervenção militar francesa não era tão séria como podiam ter pensado no outono de 1791. Eles também puderam observar como a recalcitrância dos brancos tinha levado o comissário civil Roume - assim que ele logrou libertar-se das pressões impostas pela presença de seus dois colegas - a aliar-se com os homens livres de cor. Por conseguinte, eles supuseram que Roume também pudesse acolher suas demandas. Adicionalmente, tinham percebido que poderiam se utilizar da retórica dos direitos naturais da Revolução Francesa para seu próprio benefício.

A Carta de Jean-François, Biassou e Belair não foi a última etapa do pensamento político dos revolucionários haitianos, entretanto, e de fato, dentro de pouco tempo, Jean-François e Biassou iriam adotar um programa político completamente diferente. Em agosto de 1792, os dois generais negros haviam claramente decidido se identificar com a causa da monarquia e da Igreja, ao invés de se identificar com o movimento revolucionário francês. Novas circunstâncias em São Domingos e notícias da Europa podem tê-los levado a repensar suas posições. No início de julho, quando a Carta fora escrita, Roume e o governador Blanchelande tinham acabado de restaurar a autoridade sobre os brancos amotinados em Port-au-Prince, e Blanchelande, liderando uma poderosa força militar, foi destacado para a província meridional da colônia, onde negros insurgentes, não relacionados ao movimento setentrional, haviam criado um bastião próximo à cidade costeira de Cayes. Se Blanchelande fosse capaz de derrotar essa “república de Les Platons” no Sul, ele poderia voltar todas as suas atenções para os insurgentes no Norte; a iminente chegada das tropas que acompanhavam a Segunda Comissão Civil pode ter tornado a perspectiva de uma contraofensiva branca ainda mais ameaçadora, fazendo, assim, com que ficasse mais atrativo para os líderes negros um acordo negociado. Em 12 de agosto de 1792, entretanto, o ataque de Blanchelande aos Plantons foi desastroso, deixando a ele e Roume militarmente enfraquecidos.20 Entrementes, notícias acerca de um crescente caos na França chegavam à colônia. Em 2 de setembro de 1792, um jornal em Le Cap noticiou a invasão do palácio de Tuileries, em 20 de junho de 1792, por uma multidão enfurecida que culpou Louis XVI pelas derrotas que as forças francesas estavam sofrendo na guerra contra a Áustria.21 Ainda que a Espanha não fosse entrar, oficialmente, na guerra na Europa até o começo de março de 1793, comissários espanhóis na colônia vizinha de Santo Domingo já estavam se correspondendo informalmente com os insurgentes negros em território francês. E os líderes negros, que já tinham proposto atrair os espanhóis para negociações no lado francês da fronteira - por meio da demanda, na Carta, de que os espanhóis avalizassem qualquer acordo feito com os franceses -, começaram, nesse momento, uma campanha para convencê-los de que compartilhavam dos mesmos valores.22

Mesmo antes do início de outubro, quando a notícia da queda da monarquia, na jornada revolucionária de 10 de agosto de 1792, chegou a São Domingos, Jean-François assegurou aos franceses que “eu sempre defendi nosso Deus e nosso Rei”. Quando Biassou soube da deposição de Louis XVI, ele se proclamou Vice-Rei, prometendo “manter a ordem enquanto aguarda por instruções de nosso soberano, o Rei, cujos direitos eu espero apoiar, com a ajuda do Senhor, até lhe aprouver nos enviar suas próprias leis”.23 Esses dois líderes negros permaneceriam inabaláveis em seu apoio aos espanhóis e à ideologia do trono e do altar até o fim de suas trajetórias, exceto por um momento de hesitação, quando os comissários franceses Sonthonax e Polverel promulgaram sua primeira proclamação emancipatória, em 21 de junho de 1793.24 Toussaint L’Overture expressou as mesmas visões monarquistas repetidamente em 1793. Na famosa “proclamação de Turel”, quando se utilizou do nome “L’Overture” pela primeira vez e anunciou que queria “liberdade e igualdade reinando em São Domingos”, nada disse demais sobre qualquer programa político, mas um longo documento, por ele ditado apenas alguns dias antes, enfaticamente reafirmara sua rejeição aos éditos emancipacionistas do comissário Sonthonax e reassegurava sua lealdade ao rei e à Igreja”.25 L’Overture não iria mudar para o lado republicano até a metade de 1794.

Seria um equívoco, então, tomar a Carta de Jean-François, Biassou e Belair como uma prova de que os líderes da insurreição negra abraçaram firmemente os princípios ideológicos da Revolução Francesa que tão claramente influenciaram o documento. O que a Carta demonstra é, em primeiro lugar, que tais princípios eram efetivamente conhecidos pelos líderes negros, e que eles eram capazes de empregá-los em seu próprio benefício quando consideravam vantajoso assim proceder. Em segundo lugar, quando situado no contexto das declarações mutantes dos mesmos líderes entre 1791 e 1793, entretanto, a Carta mostra que eles estavam constantemente adaptando suas estratégias para adequá-las às mudanças da situação política na qual se encontravam. No momento em que a Carta foi composta, com o comissário Roume aparentemente tendo subjugado seus oponentes brancos e adotado o ideal de igualdade racial entre pessoas livres de todas as raças, apelar a ele para estender seus ímpetos igualitários à população negra pode ter parecido a melhor maneira de obter algo concreto para aqueles que haviam aderido à insurreição. Entretanto, assim que Blanchelande perdeu seu exército e que as notícias da Europa sugeriam que o regime revolucionário francês estava em derrocada, os líderes negros poderiam razoavelmente ter concluído que o melhor curso de ação seria apelar aos espanhóis, representantes locais da causa contrarrevolucionária. Não seria senão do final de novembro de 1792 que chegariam a São Domingos as notícias da vitória francesa sobre os austríacos e prussianos em Valmy, em 22 de setembro de 1792.

Em São Domingos, a Carta de Jean-François, Biassou e Belair não teve eco, pois os oficiais do exército real de Rouvray e Cambefort asseguraram de que ela nunca chegaria às mãos de Roume. Ao invés disso, Roume se achou marginalizado quando os membros da Segunda Comissão Civil desembarcaram em Cap Français, na metade de setembro de 1792. Os novos comissários civis agiram rapidamente para implementar a lei de 4 de abril de 1792, concedendo direitos totais aos homens livres de cor, mas juraram publicamente manter a escravidão e continuar a lutar contra os insurgentes negros. Diferentemente de Roume, não reconheceram o Conselho de Paz e União de Pinchinat, e levaram vários meses para perceberem que os homens livres de cor eram seus aliados apenas ocasionais na colônia. Em janeiro de 1793, eles lançaram uma grande ofensiva militar, destruindo a “República (negra) dos Platons”, na província do Sul, expulsando Jean-François e Biassou dos lugares que tinham ocupado desde o final de 1791. Meses depois, após mudarem sua política e lançarem seus primeiros editais emancipacionistas, Toussaint L’Overture ainda não os havia perdoado por terem “perseguido” os negros como “animais selvagens”.26

O único impacto da Carta de Jean-François, Biassou e Belair resultou da decisão do coronel Cambefort de publicá-la na França. O propósito de Cambefort de publicar a Carta foi sublinhar o erro que Roume cometeu, em sua visão, por ter até sugerido negociações com os negros, e também para responsabilizar os revolucionários franceses por empurrarem os negros para os braços da contrarrevolução, por conta de sua política hipócrita de falar de liberdade enquanto defendiam a escravidão nas colônias. “Se os negros vestiram as cores da contrarrevolução, se eles invocaram um poder que não mais existe, é porque as autoridades civis e militares que estavam lutando contra eles vestiram as cores patriotas”, escreveu Cambefort.27

Em São Domingos, Cambefort foi uma figura importante, mas em Paris, no momento em que Louis XVI estava sendo enviado para a guilhotina, sua publicação passou quase despercebida. A única resposta à publicação proveio de outro colono de São Domingos, de alguém que abraçara o lado oposto na luta sobre a escravidão: o jornalista branco Claude Milscent, o único dono de lavoura que reconhecidamente se tornara abolicionista.28 Algumas semanas após a publicação do pedido de desculpas de Cambefort, Milscent imprimiu o texto da carta em seu jornal, o Créole Patriote, com o comentário:

Se o francês dela não é puro, se reconhecerá, não obstante, sentimentos enérgicos, e pode-se avaliar se é possível derrotar 94.000 homens, oh!, verdadeiros sans-culottes, se alguma vez houve algum, que pensam e falam dessa forma. Os fatos que justificam essa carta falam; será uma nova prova da natureza da espécie negra, que a vaidade, ou melhor, a cupidez, apraz em representar como desprovida da capacidade de pensar e sentir.29

Dentro de algumas semanas, Milscent, que tinha até então aderido a uma cautelosa defesa da emancipação gradual, se tornou a primeira pessoa na França a publicamente reivindicar a abolição imediata e total da instituição. A França, ele escreveu, não poderia “defender duas constituições tão contraditórias e batalhar incessantemente contra a escravidão, de um lado, e de outro lutar para mantê-la”.30 Ele concluiu, então, tal como os autores da Carta o haviam feito, que os mesmos princípios que justificavam a reivindicação por liberdade na França metropolitana requeriam o fim da escravidão nas colônias francesas.

Embora não se possa atribuir a adesão de Milscent à abolição imediata somente ao impacto da Carta de Jean-François, Biassou e Belair, e embora a conversão de Milscent não tenha sido responsável pelo decreto de abolição da Convenção Nacional Francesa aprovada um ano depois, sua reação demonstra a importância histórica da Carta. Esta pode ter sido redigida em resposta a circunstâncias particulares em São Domingos, e seus autores podem ter escolhido um caminho político diferente quando essas circunstâncias mudaram, mas eles tiveram êxito, mais do que qualquer outra pessoa do período, em demonstrar como princípios do direito natural - que os próprios europeus brancos formularam - ditavam a abolição da escravidão e da desigualdade racial. Como a “Declaração dos Direitos das Mulheres” da feminista francesa Olympe de Gouges, publicada em setembro de 1791 e ignorada à época, e como as concordatas destacadas por Jeffrey Stanley, a Carta de Jean-François, Biassou e Belair, cuja autenticidade parece, agora, plausível, ainda que não definitivamente provada, é uma evidência de como grupos aos quais os homens e brancos revolucionários da França não pretendiam estender a liberdade e a igualdade podiam utilizar os princípios de 1789 para seus próprios objetivos.

Carta de Jean-François, Biassou e Belair

Carta original dos chefes dos negros revoltados, em assembleia geral, aos comissários nacionais e aos cidadãos do partido francês de São Domingos, do mês de julho de 1792.

Senhores, os que aqui têm a honra de vos apresentar este Memorando pertencem a uma classe de homens que até o momento ignorastes ser vossos semelhantes e a quem cobristes de infâmia ao lhes conferir toda desonra ligada ao seu infeliz destino, são homens que não sabem escolher palavras rebuscadas, mas que vão mostrar-vos e a toda a terra a justiça de sua causa; em resumo, nós somos aqueles que chamais de vossos escravos, mas que exigem os direitos que todos os homens podem reivindicar.

Por muito tempo, Senhores, por um abuso que não podemos afirmar, sem incorrer em exageros, ter ocorrido somente em razão de nosso pouco discernimento e de nossa ignorância, digo que temos sido as vítimas de vossa sede por dinheiro e de vossa avareza; sob o jugo de vossas chicotadas bárbaras, nós acumulamos os tesouros que desfrutastes nesta colônia; a espécie humana sofria em ver as barbaridades com que tratastes os homens, sim, homens como vós, e sobre os quais não tendes outro direito senão aquele do mais forte e do mais bárbaro. Vós nos traficáveis, vós trocáveis homens por cavalos e esse foi o menor dos vossos crimes perante a humanidade; nossa vida dependia somente de vossos caprichos, e quando queríeis alguma diversão, a obtinham às expensas de um homem como vós que, frequentemente, não havia cometido nenhum crime a não ser o de estar sujeito às vossas ordens.

Nós somos negros, é verdade, mas digam-nos, Senhores, vós que sois tão sensatos, qual lei diz que homens negros devem pertencer e ser propriedade de homens brancos. Vós certamente não podeis mostrá-la para nós, ou, se ela existe, só existe em vossa imaginação sempre pronta a inventar coisas novas quando isso é de vosso interesse. Sim, Senhores, nós nascemos livres como vós, e é somente por conta de vossa avareza e de nossa ignorância que a escravidão foi mantida até hoje, e nós não podemos ver nem encontrar o direito que pretendeis ter sobre nós, ou qualquer coisa que possa nos provar isso, estando na terra como vós, sendo, todos nós, filhos de um mesmo pai, criados sob uma mesma imagem. Somos, portanto, vossos iguais de acordo com a lei natural, e se aprouve à natureza diversificar as cores da espécie humana, não é nenhum crime ser negro, nem um privilégio ser branco. Se há alguns anos existiram abusos nas Colônias, isso foi antes de uma feliz revolução, que teve lugar na Pátria-Mãe e que nos abriu os caminhos. Nossa coragem e nossos esforços nos ajudarão a atingir o templo da Liberdade, tal qual os valentes franceses que nos inspiram e a quem todo o universo contempla. Por muito tempo, nós carregamos nossas correntes sem pensar em removê-las, mas toda autoridade que não está fundamentada sobre a virtude e sobre a humanidade e que não busca outra coisa senão submeter aquele que é seu semelhante à escravidão deve ter um fim e isso cabe a vós. Vós, Senhores, que pretendeis nos submeter à escravidão, não juraram preservar a Constituição Francesa da qual vós sois parte, e o que é essa respeitável constituição, e qual é sua lei fundamental? Esquecestes que prestastes formalmente um juramento à Declaração dos Direitos do Homem, que diz que os homens nascem livres e iguais em direito, e que os direitos naturais são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão? Então, se não é possível negar que jurastes, nós temos o direito e vós deveis vos reconhecer em perjúrio e, por vossos decretos, reconhecer que todo homem é livre. Vós quereis manter a servidão de oitenta mil indivíduos que lhes fazem desfrutar de tudo o que possuem. Nos oferecestes, por meio de vossos emissários, a garantia da liberdade aos chefes; essa éuma devossas máximas na política. Quer dizer, aqueles que foram os meeiros em nossos trabalhos seriam por nós abandonados para serem vossas vítimas. Não, nós preferimos mil vezes a morte a agir dessa maneira frente a nossos companheiros, e se quiserdes nos conceder os benefícios que nos devem, é preciso que eles também sejam concedidos a todos os nossos irmãos.

Vós, Senhores da Assembleia Geral, a quem o destino desta Colônia está confiado, ainda é tempo de preservá-la de sua destruição total. Reflitam sobre este memorando, tenham em conta vossos interesses, e saibam que nós somos capazes de morrer se insistirdes em nos recusar o que nós e nossos semelhantes pedimos.

Vossa mercê, Senhor Comissário Nacional, que estiveste nesta Colônia para pacificar os conflitos, e que foi enviado pela Nação e pelo Rei, foste testemunha dos debates que tiveram lugar na Assembleia Nacional pela liberdade dos homens, cumpre com vossos deveres e sê justo frente a todos os homens, eles também são caros à humanidade que está na base de vossos princípios.

Vós, Cidadãos da Colônia em geral, não vejais nos homens negros nada além de vossos irmãos, não lhes recusem este título de homens que a eles pertence e lhes sejam justos, pois vós vereis a prosperidade reinar neste país e, assim, desfrutareis de vossos lucros, estareis em casa e eles amar-vos-ão como seus pais e seus benfeitores.

Vós, Cidadãos de Cor em particular, não vos esqueçais jamais que, se vós possuís esse título respeitável, isso se deve ao trabalho dos homens que quereis degolar. Lembreis que eles são vossos irmãos, vossos pais, e que o sangue deles corre em vossas veias. Lembreis que um de vossos bravos Irmãos foi vitimado em vosso nome,* e que houve numerosos outros sacrificados por vossos inimigos. Não vos esqueçais, sobretudo, que Ogé foi morto vítima da liberdade e lembreis do juramento que foi feito, na execrável Assembleia Provincial, de dar até a última gota de sangue a permitir a execução do decreto de 15 de maio, em vosso favor.

E vós, que cruzastes os mares para lutar contra homens que querem seus direitos, isto é, os mesmos direitos que pertenceis a vós e que jurastes colocar em prática, esquecestes todo o trabalho que tivestes para alcançar a igualdade? Esquecestes que se tivésseis sucumbido, o quão teríeis sofrido? Vós sois vitoriosos, alcançastes o objetivo buscado. Pois bem, patriota francês, tenham em mente que aqueles que vós quereis combater se manterão de pé até o momento em que seu direito lhes será acordado, e que eles preferem viver livres a viver como escravos.

Senhores, vós testemunhastes, em poucas palavras, aquilo que acreditamos. Esse entendimento é generalizado e, após consultar todos aqueles a quem estamos ligados por uma mesma causa, apresentamos aqui as nossas demandas, a saber:

Primeiro, a liberdade geral de todos os homens submetidos à escravidão.

Segundo, a anistia geral pelo que ocorreu.

Terceiro, a garantia de seus artigos pelo governo espanhol.

Quarto, os três artigos acima são a base e o único meio de poder garantir uma paz que seja respeitável pelas duas partes, condicionada à aceitação em nome da Colônia e aprovada pelo Tenente-General e pelos comissários nacionais, que apresentarão ao rei e à assembleia nacional tal como desejamos que os artigos acima sejam aceitos.

Comprometemo-nos com o seguinte: primeiro, depor as armas; segundo, voltar cada um à fazenda31 a que pertencia e retomar seus trabalhos mediante um preço que será acordado por ano, a cada lavrador, que começará a correr no momento combinado.

Esta, Senhores, é a demanda dos homens livres que são vossos semelhantes e eis sua última resolução: estar dispostos a viver livres ou morrer.

Temos a honra de ser, Senhores, vossos servos mais humildes e obedientes,

Assinado, Biassou, Jean-François e Belair.

Notas

* Este artigo de Jeremy D. Popkin, que apresentamos aqui como introdução ao documento, foi publicado originalmente como “A Haitian Revolutionary Manifesto? New Perspectives on the ‘Letter of Jean-François, Biassou, and Belair’” em Slavery and Abolition, v. 43, n. 1 (2021), pp. 3-19 . Os editores da Afro-Ásia agradecem ao editor da Slavery & Abolition, Gad Heuman, pela licença para publicar esta tradução, feita por Marcelo Moura Mello, da Universidade Federal da Bahia. A tradução para o português dos trechos da Carta cotejou tanto a tradução de Popkin para o inglês, quanto a transcrição da carta feita por Piquionne Nathalie, publicada em Annales historiques de la Révolution française, n. 311 (1989), pp. 132-139 . A tradução integral da carta, a partir do francês, é de autoria conjunta de Marcelo Moura Mello e Rodrigo C. Bulamah, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que também revisou a tradução dos trechos diretamente citados por Popkin. A carta original contém grifos e uma nota de rodapé que foram preservados nesta tradução.
1 Para reconstruções detalhadas do primeiro estágio da insurreição, ver David Geggus, “The Bois Caïman Ceremony” in D. Geggus, Haitian Revolutionary Studies (Bloomington: Indiana University Press, 2002), pp. 81-82; e Carolyn Fick, “The Slaves in the North” in C. Fick, The making of Haiti: the Saint Domingue Revolution from bellow (Knoxville: University of Tennessee Press, 1990), pp. 91-117. Sobre o rumor acerca dos “três dias por semana”, ver Wim Klooster, “Le décret d’émancipation imaginaire. Monarchisme et esclavage en Amérique du Nord et dans la Caraïbe au temps des revolutions”, Annales Historiques de la Révolution française, n. 363 (2011), pp. 109-129. A descrição do insurgente com panfletos franceses e um fetiche vodun provém de Jean-Paul Pillet, Mon Odyssée: L’Épopée d’un colon de Saint Domingue, editado por A. Bandau e J. Popkin, Paris: Société Française d’Étude du Dix-uitième Siècle, 2015, p. 95. A versão em inglês, de Jeremy D. Popkin, Facing Racial Revolution: Eyewitness Accounts of the Haitian Insurrection (Chicago: University of Chicago Press, 2007), p. 79.
2 Para a interpretação “atlanticista” da insurreição haitiana enquanto a “expressão mais concreta da ideia de que os direitos proclamados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na França de 1789 eram universais”, ver Laurent Dubois, Avengers of the New World: The Story of the Haitian Revolution, Cambridge: Harvard University Press, 2004, p. 3. O legado das ideias políticas africanas é ressaltado por John Thornton, “’I Am the Subject of the King of Kongo’: African Ideology and the Haitian Revolution”, Journal of World History v. 4 (1993), pp. 182-214; e James Sweet, “New Perspectives on Kongo in Revolutionary Haiti”, The Americas v. 74, n. 1 (2017), pp. 83-97. Para uma discussão que enfatiza a influência das ideias monarquistas francesas, ver Yves Benot, “The Insurgents of 1791, Their Leaders, and the Concept of Independence” in David Patrick Geggus e Norman Fiering (orgs.), The World of the Haitian Revolution (Bloomington: Indiana University Press, 2009), pp. 99-110. Para um exame recente das ideias monarquistas de um importante líder revolucionário haitiano, ver Miriam Franchina, “From Slavery to Royal Vassal: Jean-François’s Negotiation Strategies in the Haitian Revolution”, Slavery and Abolition v. 42, n. 4 (2021), pp. 777-802.
3 A ilha de Hispaniola foi invadida e colonizada por franceses, em sua porção ocidental (Saint-Domingue, traduzido aqui por São Domingos), e por espanhóis, na porção oriental (Santo Domingo) - NT.
4 O texto francês da Carta foi publicado diversas vezes nos últimos anos. Ver Nathalie Piquionne, “Lettre de Jean-François, Biassou et Belair”, Chemins critiques, v. 3 (1997), pp. 206-210. A carta foi originalmente publicada na defesa de sua conduta em São Domingo pelo coronel monarquista Joseph Cambefort, Quatrième Partie du Mémoire justificative, de Joseph-Paul-Augustin Cambefort, colonel du regiment du Cap (Paris, 1793), pp. 4-11, e um mês depois no periódico do militante antiescravista Claude Milscent, Créole patriote, 9 fev. 1793.
5 Sudhir Hazareesingh, Black Spartacus: The Epic Life of Toussaint Louverture, Nova York: Farrar Straus and Giroux, 2020, p. 55. Para outra avaliação positiva da importância da carta, ver Graham T. Nessler, An Islandwide Struggle for Freedom: Revolution, Emancipation, and Reenslavement in Hispaniola, 1789-1809, Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2017, p. 37. Historiadores mais antigos da Revolução Haitiana não mencionam o documento, que estava disponível apenas nas publicações obscuras de Cambefort e Milscent, até sua reimpressão na década de 1990.
6 David Geggus, “Print Culture and the Haitian Revolution: The Written and the Spoken Word”, in Liberty! Egalité! ¡Independencia!: Print Culture, Enlightenment, and Revolution in the Americas, 1776-1838 (Worcester: American Antiquarian Society, 2007), p. 89, 91; Laurent Dubois e John D. Garrigus, Slave Revolution in the Caribbean, 1789-1804 [2ª ed.], Nova York: Bedford/Saint Martin’s, 2017; David Geggus, The Haitian Revolution: A Documentary History, Indianapolis: Hackett, 2014.
7 Cf. Jeffery Stanley, “Demanding Racial Equality: Free People of Color and the 1791 Concordats in São Domingos”, Slavery & Abolition, v. 43, n. 1 (2022), pp. 20-39.
8 Sobre as ações de Roume em 1792, ver Jeremy D. Popkin, “The French Revolution’s Royal Governor: General Blanchelande and Saint Domingue, 1790-92”, William and Mary Quarterly, v. 71, n.2 (2014), pp. 203-228; Jeremy D. Popkin, “Port-au- Prince and the Collapse of French Imperial Authority, 1789-1793”, French Historical Studies, v. 44, n. 1 (2021), pp. 59-84. Para o relato de Roume acerca de sua prisão, ver sua carta para Alexandre Forfait, Ministro dos Assuntos Marítimos da França, 3 vendémiaire, Ano X, in Philippe Roume papers, Library of Congress, Washington.
9 As concordatas foram um conjunto de acordos de paz propostos por homens livres de cor a colonos brancos após a deflagração de uma série de revoltas armadas dos primeiros para assegurar direitos políticos concedidos pela Assembleia Nacional Francesa em 15 de maio de 1791 - NT.
10 Roume, carta de 10 de maio de 1792, in Archives Nationales (AN), Paris, D XXV 2, d. 17.
11 Roume, carta a Pinchinat e Savary, 2 de junho de 1792. AN, DXXV 2, d. 19. O texto da lei foi publicado no Journal Politique, um jornal diário de Cap Français [atual Cabo Haitiano], em 30 de maio de 1792.
12 Roume, ‘Refutation des calomnies inventées contre le Cn. Roume’. AN, D XXV 3, d. 31. Joseph Le Borgne era o secretário da Primeira Comissão Civil. Louis Dufay, um agricultor colonial que se ligou aos membros da Segunda Comissão Civil, foi escolhido por estes para representar São Domingos na Convenção Nacional. Seu discurso à convenção, no dia 16 do pluvioso, ano II (4 de fevereiro de 1794), provocou o decreto histórico desse organismo abolindo a escravidão em todo o império francês. Laurent Rouvray era um oficial sênior no regimento de Cap Français.
13 Cambefort, Quatrième Partie, 70, carta de 20 de setembro de 1792.
14 Roume, Réfutation. AN, D XXV 3, d. 31.
15 No original em francês há um trecho suprimido na transcrição de Popkin: “Trop long-terms, Messieurs par um abus qu’on ne peut trop accuser d’avoir lieu par notte peu d’entendement et nottre egnorance deuis long temps” - “Por muito tempo, Senhores, por um abuso que não se pode dizer que tenha lugar por nosso pouco entendimento e nossa ignorância desde há muito tempo” - NT.
16 Ver Jeremy D. Popkin, “Sailors and Revolution: Naval Mutineers in Saint-Domingue, 1790-1793”, French History, n. 26 (2012), pp. 460-481.
17 “La Révolution de São Domingos, contenant tout ce qui s’est passé dans la colonie française depuis le commencement de la Révolution jusqu’au départ de l’auteur pour la France, le 8 septembre 1792”. Archives Nationales d’Outre-Mer (ANOM), Aix-en- Provence, Moreau de Saint-Méry papers, F 3 141, traduzido [para o inglês] em Jeremy D. Popkin, Facing Racial Revolution: Eyewitness Accounts of the Haitian Uprising (Chicago: University of Chicago Press, 2007), p. 53. Geggus, Haitian Revolution, p. 82.
18 “Adresse à l’Assemblée générale de la partie française de St. Domingue, par MM. les citoyens de couleur, de la Grande Rivière Ste. Suzanne et autres quartiers malheureusement enveloppés dans le funeste evenement du 23 aoust dernier”, sem data. AN, D XXV 1, d. 4.
19 Documentos em D XXV 1, d. 14. A tradução em inglês consta em Dubois e Garrigus, Slave Revolution, pp. 87-90.
20 Popkin, “The French Revolution’s Royal Governor”.
21 Moniteur general de la partie française de São Domingos, 2 set. 1792.
22 Sobre as relações entre os insurgentes negros e os espanhóis da vizinha colônia de Santo Domingo, ver Neesler, An Islandwide Struggle for Freedom.
23 Carta de Jean-François citada em Antonio del Monte y Tejada, Historia de Santo Domingo, 3 v. (Ciudad Trujillo: Moltalvo, 1952-1953), v. 3, p. xii; Biassou ao abade de la Haye. AN, D XXV 5, d. 48.
24 Em 28 de junho de 1793, Jean-François e Biassou escreveram para Sonthonax e Polverel anunciando que “nós estamos muito encantados com sua proclamação”, e sugerindo que eles estavam prontos para se bandear para o lado francês. Eles reclamaram, entretanto, que as tropas francesas ainda estavam atacando algumas de suas posições. Quatro dias depois, escreveram para outro comandante negro, que se unira a Sonthonax e Polverel, conclamando-o a “aprisionar esses comissários civis e enviá-los a eles, pois assim nós podemos entregá-los aos espanhóis”. Cartas em AN, D XXV 12, d. 118. Para o contexto desse episódio, ver Popkin, You Are All Free, p. 253.
25 Toussaint L’Overture, carta de 29 de agosto de 1793. AN, AA 53, d. 1490; Toussaint L’Overture, carta de 8-27 de agosto de 1793, AN, AA 55, d. 1511.
26 Toussaint L’Overture, carta de 8-22 de agosto de 1793, em AN, AA 55, d. 1511. Sobre as ações de Sonthonax e Polverel após chegarem em São Domingos, ver Jeremy D. Popkin, You Are All Free: The Haitian Revolution and the Abolition of Slavery, Nova York: Cambridge University Press, 2010, pp. 85-154.
27 Cambefort, Mémoire justificatif, pt. 3, 9.
28 Sobre Milscent, ver, além do artigo biográfico de seu filho, J. S. Milscent, in Abeille haytienne, journal politique et littéraire, n. 12 (16 de janeiro de 1818), pp. 7-10; Alexandra Tolin Schultz, “The Créole Patriote: The Journalism of Claude Milscent”, Atlantic Studies, v. 11, n. 2 (2014), pp. 175-194; Giulia Bonazzi, “Le Créole patriote (1792-1794). Un pont entre deux revolutions”, Lumen, n. 35 (2016), pp. 81-93 (que erroneamente identifica Milscent como um homem de cor); e Jeremy D. Popkin, “Colonial Enlightenment and the French Revolution: Julien Raymond and Milscent Créole” in Damien Tricoire (org.), Enlightened Colonialism: Civilization Narratives and Imperial Politics in the Age of Reason (Londres: Palgrave Macmillan, 2017), pp. 269-286.
29 Créole patriote, n. 282, 9 fev. 1793.
30 Bulletin des amis de la verité, 23 fev. 1793.
* “O desafortunado e magnânimo Ogé”.
31 O termo original em francês é habitation e deriva do vocábulo habitan (colono). Uma tradução possível seria plantation (ou plantação), pois circunscreve melhor a unidade produtiva escravista e monocultora do Atlântico colonial. Optamos por empregar o termo “fazenda” por ser de uso mais corrente no português do período - NT.
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