Resumo:
Diante da alta prevalência da violência escolar, mostra-se relevante o desenvolvimento de ações voltadas a prevenir esse problema e criar contextos escolares promotores de comportamentos pró-sociais desde a primeira infância. Nessa direção, faz-se importante a realização de estudos prévios e de avaliação de necessidades. Este estudo teve como objetivo avaliar necessidades relacionadas à promoção de comportamentos pró-sociais na educação infantil. Foi realizado estudo transversal, de avaliação com métodos mistos. Participaram 4 professoras e 67 crianças (com idade entre 4 e 5 anos, sendo 34 meninas e 33 meninos), de uma escola pública de educação infantil. Foram realizados procedimentos de observação, administração de inventário de habilidades sociais educativas e entrevistas. Os dados obtidos passaram por tratamentos específicos e foram submetidos à análise descritiva ou temática. Os resultados apontaram recursos que incluíram a existência de práticas potencialmente promotoras de comportamentos pró-sociais nos repertórios das professoras e dos referidos comportamentos nos repertórios das crianças; além de dificuldades que envolveram lacunas na formação do professor, repertório de habilidades sociais educativas a ser aprimorado e percepção da violência que se expressa na escola como decorrente apenas de eventos externos à instituição. Os achados convidam ao investimento em três dimensões, a saber, pesquisa, ensino e advocacy.
Palavras-chave: Comportamento pró-social, violência escolar, prevenção, educação infantil, avaliação de necessidades.
Resumen: Dada la alta prevalencia de la violencia escolar, es importante desarrollar acciones dirigidas a prevenir este problema y crear entornos escolares que promuevan comportamientos prosociales desde la primera infancia. Para ello, es importante realizar estudios previos de evaluación de necesidades. El objetivo de este estudio fue evaluar las necesidades relacionadas con la promoción del comportamiento prosocial en la educación infantil. Se llevó a cabo un estudio de evaluación transversal con métodos mixtos. Participaron 4 profesores y 67 niños (de entre 4 y 5 años, 34 niñas y 33 niños) de una escuela infantil pública. Se realizaron observaciones, un inventario de habilidades sociales educativas y entrevistas. Los datos obtenidos se sometieron a un tratamiento específico y a un análisis descriptivo o temático. Los resultados señalaron recursos que incluyeron la existencia de prácticas potencialmente promotoras de comportamientos prosociales en los repertorios de las maestras, y de esos comportamientos en los repertorios de los niños; además de dificultades que implicaron lagunas en la formación de las maestras, un repertorio de habilidades sociales educativas a mejorar y una percepción de la violencia que se expresa en la escuela como proveniente solo de hechos externos a la institución. Los hallazgos hacen un llamamiento a la inversión en tres dimensiones, a saber, la investigación, la enseñanza y la promoción.
Palabras clave: Comportamiento prosocial, violencia escolar, prevención, educación infantil, evaluación de necesidades.
Abstract: Given the high prevalence of school violence, developing actions aimed at preventing it and creating school contexts that promote prosocial behavior from early childhood on is relevant. In this way, it becomes important to previously carry out needs assessment studies. This study aimed at evaluating needs related to prosocial behavior promotion in preschool education. A cross-sectional, mixed-method evaluation study was carried out. A sample of 4 teachers and 67 children (between 4 and 5 years old, 34 girls and 33 boys) from a public preschool participated. Observation procedures, application of an educational social skills inventory and interviews were carried out. Data obtained underwent specific treatment and descriptive or thematic analyses were performed. Results indicated resources, which included the existence of practices that potentially promote prosocial behaviors in teachers’ repertoire and the aforementioned behaviors in children’s repertoires; they also indicated difficulties, which involved gaps in teacher training, a repertoire of educational social skills to be improved and a perception of violence expressed at school as resulting only from events external to the institution. Findings suggest investments in three dimensions, namely research, teaching and advocacy.
Keywords: Prosocial behavior, school violence, prevention, preschool education, needs assessment.
Artículos
Avaliação de necessidades para promover comportamentos pró-sociais na educação infantil
Evaluación de necesidades para promover la conducta prosocial en la educación infantil
Needs Assessment for Promoting Prosocial Behavior in Early Childhood Education
Received: 13 July 2023
Accepted: 30 August 2024
A violência escolar causa impacto negativo na educação, na saúde, no desenvolvimento e no bem-estar em geral de crianças e adolescentes em todo o mundo. Pode englobar violência física, psicológica, sexual, bullying (incluindo cyberbullying) e ser perpetrada por pares, professores e/ou outros membros da equipe da escola, sendo passível de ocorrer nas dependências da instituição, dentro ou fora da sala de aula, nas imediações da escola ou em seu trajeto e no ambiente on-line. Estima-se que 246 milhões de indivíduos vivenciam uma ou mais formas de violência no contexto escolar todos os anos (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, Unesco, 2017). A literatura aponta que a maior parte dos programas de prevenção à violência em escolas possui como público-alvo indivíduos na faixa etária da adolescência (Lester et al., 2017), dado que é junto a esse período do desenvolvimento que o fenômeno começa a ser percebido pela sociedade como um problema (Tremblay, 2006). Apesar disso, autores defendem que intervenções baseadas em evidências, implementadas a partir da educação infantil, voltadas a prevenir violência, podem respaldar as crianças desde cedo, evitando que problemas mais graves se apresentem (Baker-Henningham et al., 2021).
Intervenções preventivas integram ampla cadeia de produção de conhecimento, passando por rigoroso processo de elaboração e uma série de passos planejados e executados cuidadosamente até serem implementadas a diferentes públicos. Tal processo é chamado “ciclo de pesquisa em prevenção”, que se compõe de cinco etapas, a saber: 1) estudos de identificação do problema ou condição que se almeja prevenir e sua prevalência; 2) estudos etiológicos e de avaliação dos fatores de risco e proteção; 3) estudos de desenvolvimento de intervenções, estudo-piloto e teste de eficácia; 4) estudos de efetividade; e 5) estudos de disseminação. Na terceira etapa do ciclo, inserem-se estudos de avaliação de necessidades (Mrazek & Haggerty, 1994).
Avaliar necessidades corresponde a identificar dificuldades e recursos, com vistas ao delineamento de uma intervenção. Necessidades podem ser de diversos tipos e identificadas de diferentes maneiras, isto é, observando-se diretamente a população-alvo e/ou consultando documentos escritos (necessidades expressas), comparando os dados obtidos a uma referência normativa (necessidades normativas), ouvindo o que o público-alvo tem a dizer a respeito de sua percepção com relação ao tema ou do que julga precisar (necessidades sentidas) (Linfield & Posavac, 2019). Estudos nessa direção produzem informações que orientarão a tomada de decisão acerca de em que pontos intervir, a quem direcionar a estratégia, qual o modo mais apropriado, tomando por base uma questão social presente (Bartholomew-Eldredge et al., 2016; Carozzo, 2022). De acordo com Murta e Santos (2015) , em uma avaliação de necessidades, podem ser consultados usuários em potencial da intervenção, facilitadores, profissionais especialistas, gestores públicos, entre outras partes interessadas.
A ciência da prevenção tem realizado avanços importantes ao longo das últimas décadas na intervenção para a redução da violência em escolas, no entanto esse trabalho precisa ser expandido no sentido de se testarem hipóteses acerca de como esses contextos podem ser alterados, o que abrange as relações interpessoais existentes. Entre as atividades da agenda da pesquisa em prevenção no campo, encontra-se o planejamento de ações voltadas a criar contextos escolares promotores de comportamentos pró-sociais (Gottfredson, 2017). Tais comportamentos são definidos como ações voluntárias, direcionadas a beneficiar outros indivíduos, compondo um construto que abrange categorias como ajuda, partilha e reconforto. Ao longo do ciclo de vida, comportamentos prósociais possuem fundamental importância para a qualidade das relações interpessoais e tendem a ser preditores de desfechos positivos, tanto para o indivíduo que os apresenta como para outros que participam da interação (Eisenberg et al., 2015), bem como são apontados como fatores protetivos contra agressividade, aceitação de comportamentos agressivos por pares e vitimização (Jung & Schroder-Abé, 2019).
Brownell et al. (2016) propõem que interações sociais cotidianas entre as crianças e os diferentes agentes de socialização, como pais, irmãos, pares e professores, constituem relevante via para o desenvolvimento e o refinamento para os comportamentos pró-sociais. Na escola, podem ser promovidos por meio de reforço positivo (que envolve sua aprovação), desenvolvimento de relacionamentos positivos professor-criança, uso de estratégias indutivas (que envolve do manejo de comportamentos agressivos), oferecimento de modelos relacionados a comportamentos prósociais, orientação sobre valores pró-sociais, desenvolvimento de competência emocional, promoção de oportunidades para a prática de comportamentos pró-sociais, entre outras formas (Bergin, 2018; Biglan & Glenn, 2013).
Ramaswamy e Bergin (2009) implementaram uma intervenção com professoras para a promoção de comportamentos pró-sociais junto a crianças com idade entre 3 e 5 anos. Os educadores receberam formação para utilizar reforço positivo e práticas educativas indutivas, a qual envolveu elementos teórico-práticos, bem como discussão sobre experiências trazidas pelos professores com relação à implementação das estratégias na sala de aula. Os resultados indicaram aumento significativo no total de comportamentos pró-sociais observados junto às crianças, nas seguintes categorias: ajuda, carinho, cooperação, partilha e reconforto, descritas pelas autoras como as mais frequentes em crianças pré-escolares.
Manolio (2009) mostrou correlação positiva entre habilidades sociais de educadores e comportamentos pró-sociais das crianças. Habilidades sociais educativas correspondem àquelas direcionadas intencionalmente à promoção do desenvolvimento e da aprendizagem do outro, em ambiente formal ou informal, próprias às interações da tarefa de educar (Del Prette & Del Prette, 2010). Autores destacam que uma formação nesse sentido é capaz de proporcionar revisão de práticas dos professores, aprimoramento nas interações em sala de aula e instrumentalização no que se refere ao desenvolvimento de materiais e atividades que possam beneficiar a adoção de práticas inclusivas (Rosin-Pinola et al., 2017).
No Brasil, conforme a Base Nacional Comum Curricular, a educação infantil constitui a primeira etapa do ensino básico e possui como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 anos, nos aspectos físico, psicológico, intelectual e social (Brasil, 2017). Apesar disso, estudos indicam que problemas no percurso de formação do professor podem se desdobrar em riscos ao cumprimento de tal propósito (Barrios & Branco, 2021; Carvalho et al., 2016; Passalacqua et al., 2019; Pinto & Branco, 2009).
Programas designados a promover comportamentos pró-sociais no ambiente escolar podem se mostrar eficazes, mas estudos anteriores são necessários para identificar quais seriam as estratégias mais adequadas de acordo com o contexto e com o público-alvo (Eisenberg et al., 2015; Freitas et al., 2021). Considerando-se que comportamentos pró-sociais constituem fator protetivo para a violência em escolas e dado seu endereçamento na agenda da pesquisa em prevenção sobre o campo, o presente estudo teve como objetivo avaliar necessidades relacionadas à promoção de comportamentos pró-sociais junto a docentes da educação infantil. Assim, mais especificamente, buscou-se identificar práticas dos professores potencialmente promotoras de comportamentos pró-sociais nas interações com as crianças; identificar a ocorrência de comportamentos pró-sociais nas interações entre crianças (necessidades expressas); caracterizar o repertório de habilidades sociais educativas dos professores (necessidades normativas); e identificar a compreensão dos professores sobre educação infantil e violência na escola (necessidades sentidas).
Foi realizado estudo transversal, de avaliação com métodos mistos. Trata-se de estudo de avaliação de necessidades, que compõe uma das etapas do processo de desenvolvimento de uma intervenção (Mrazek & Haggerty, 1994).
Participaram quatro professoras de uma escola de educação infantil, da rede pública, municipal, localizada no sudeste brasileiro, e suas respectivas turmas, compondo um total de 67 crianças. A idade das docentes variou entre 28 e 46 anos, com média de 39 (dp = 7.8). Todas possuíam graduação em pedagogia, três possuíam pós-graduação completa (tipo Lato sensu) e uma cursava o referido nível de formação. O tempo de experiência na educação infantil variou entre 1 e 15 anos, com média de 6.25 (dp = 6.07). As crianças participantes tinham entre 4 e 5 anos de idade, sendo 34 do sexo feminino (50.8 %) e 33 do sexo masculino (49.2 %).
Os critérios de inclusão para as professoras foram ser professor/a polivalente da educação infantil, de turma do jardim I ou jardim II, e apresentar disponibilidade para colaborar de maneira voluntária com a pesquisa, formalizando sua concordância por meio da assinatura a um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE - Professores). Para as crianças, os critérios de inclusão foram estar regularmente matriculada na escola de educação infantil onde seria realizado o estudo, em turma de jardim I ou jardim II, e ter autorização da/o responsável para colaborar de maneira voluntária com a pesquisa, explicitada pela assinatura do TCLE - Responsáveis.
As professoras foram identificadas como P1, P2, P3 e P4, e suas respectivas turmas como T1, T2, T3 e T4. A escola foi selecionada por se tratar da maior instituição de ensino do município em que o estudo foi realizado, e se encontrar situada em um bairro com demandas de infraestrutura e problemas sociais expressivos, como número insuficiente de vagas em centros de educação infantil, violência, tráfico de drogas e desemprego.
Formulário de registro de evento elaborado pelas pesquisadoras, com base na literatura que descreve práticas docentes promotoras de comportamentos pró-sociais (Bergin, 2018). O instrumento contempla espaço para o registro de antecedentes, respostas e consequentes, bem como para anotações adicionais e para a categorização das práticas observadas. As categorias previamente estabelecidas, bem como suas siglas e definições, são apresentadas na Tabela 1.
Formulário de registro de evento elaborado pelas pesquisadoras, com base na literatura que descreve e categoriza comportamentos pró-sociais entre pré-escolares (Ramaswamy & Bergin, 2009). O instrumento contempla espaço para o registro de antecedentes, respostas e consequentes, bem como para anotações adicionais e para a categorização dos comportamentos observados. As categorias comportamentais predefinidas foram ajudar, compartilhar, cooperar, manifestar afeto e reconfortar. A categoria “defender” passou a compor o formulário após a realização do estudo-piloto, que será referido posteriormente. As categorias, bem como suas siglas e definições, são apresentadas na Tabela 2.
Inventário de autorrelato com 64 itens que descrevem comportamentos sociais apresentados na relação com estudantes (Del Prette & Del Prette, 2013), respondidos pelos professores em escala Likert que varia de Nunca ou Quase nunca (0) a Sempre ou Quase sempre (4). As propriedades psicométricas preliminares foram aferidas em uma amostra de 513 professores de alunos desde o maternal (2 anos de idade) até o final do ensino médio (em torno de 17 anos). O instrumento é composto de duas escalas. A Escala 1, Organizar atividade interativa, possui 14 itens e produz um escore total (α = 0.957) e três escores fatoriais: F1 - dar instruções sobre a atividade (α = 0.758); F2 - selecionar, disponibilizar materiais e conteúdos (α = 0.800); F3 - organizar o ambiente físico (α = 0.730). A Escala 2, Habilidades de conduzir atividade interativa, possui 50 itens e produz um escore total (α = 0.948) e quatro escores fatoriais: F1 - cultivar afetividade, apoio, bom humor (α = 0.895); F2 - expor, explicar e avaliar de forma interativa (α = 0.891); F3 - aprovar, valorizar comportamentos (α = 0.847); F4 - reprovar, restringir, corrigir comportamentos (α = 0.857).
Roteiro elaborado pelas autoras, constituído por itens referentes a dados de caracterização sociodemográfica e à entrevista propriamente dita. O instrumento era composto de oito perguntas que investigavam a compreensão das professoras sobre a educação infantil e sua percepção sobre violência no contexto escolar. São exemplos de questões abordadas: Na sua opinião, qual é a importância da educação infantil para as crianças? Você encontra desafios em sua rotina em sala de aula? Pensando na sua experiência, o que você faz para promover uma boa convivência em sala de aula? Você acha que a violência se faz presente no cotidiano dessa escola?
Após a aprovação do projeto pelo comitê de ética em pesquisa com seres humanos do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (CAAE nº 80882217.1.0000.5561) iniciou-se a coleta de dados. Todos os procedimentos foram realizados mediante informação aos participantes e assinatura do TCLE por professoras e pais/responsáveis das crianças.
Os procedimentos de observação foram baseados no protocolo desenvolvido por Ramaswamy e Bergin (2009) , com adaptações ao contexto da escola em que a pesquisa foi realizada. Assim, tanto no que se refere às práticas das professoras como aos comportamentos das crianças foi utilizado registro de evento. Antes de se iniciarem as sessões de observação, foi realizado um processo de ambientação de duas pesquisadoras à dinâmica de cada turma participante e adaptação daquelas à presença das primeiras, durante uma semana.
Em seguida, foram realizadas oito sessões de observação sistemática das práticas potencialmente promotoras de comportamentos pró-sociais de cada professora, sendo duas por turma, com duração de 45 minutos cada, em dias distintos, realizadas sempre no início do período, em momentos de atividades pedagógicas em sala de aula. Posteriormente, foram realizadas oito sessões de observação sistemática dos comportamentos pró-sociais das crianças, sendo duas por turma, em momentos de brincadeira livre, com duração de 30 minutos cada, em dias distintos. O último procedimento mencionado foi realizado simultaneamente por duas observadoras, e as crianças, identificadas por crachás, com seu nome e número de chamada, com vistas a diminuir as chances de erro no registro.
Os protocolos do IHSE-Prof foram entregues a cada uma das professoras, as quais foram instruídas sobre os procedimentos necessários para o preenchimento. As entrevistas foram realizadas individualmente, em situação face a face, a partir do roteiro de entrevista semiestruturado, sendo o material audiogravado. O procedimento teve duração média de 25 minutos com cada professora e ocorreu durante o período de funcionamento da escola.
Antes do início da coleta, foi realizado estudo-piloto, com uma professora da educação infantil, do contraturno da escola, e sua turma, com o objetivo de refinar todos os procedimentos propostos, conforme a metodologia apresentada, incluindo avaliação de concordância para as observações. Para cada uma das categorias de práticas potencialmente promotoras de comportamentos pró-sociais e de comportamentos pró-sociais das crianças, obtiveram-se índices de concordância iguais ou superiores a 82 % e 89 %, respectivamente, o que indica confiabilidade elevada nos registros (Fagundes, 2017).
Os registros provenientes das observações das práticas das professoras e dos comportamentos pró-sociais das crianças foram, separadamente, categorizados e tabulados em planilhas, de modo a facilitar a visualização e análise dos dados. Com vistas à validação das categorizações realizadas pela pesquisadora, o material foi submetido à avaliação de dois juízes independentes. Após esse processo, foram calculadas as frequências de registros em cada categoria das respectivas planilhas. Para verificar a confiabilidade das avaliações entre a pesquisadora e os dois juízes, foram feitas análises para calcular o coeficiente Kappa (Cohen, 1960), para cada uma das fontes de dados. Os valores de Kappa (observações das práticas das professoras: 0.91; IC: 0.83-0.98; e observações dos comportamentos das crianças: 0.92; IC: 0.82-1.03), considerando p < 0.001, foram interpretáveis para ambas as fontes, com valores acima de 0.80, considerados excelentes.
Os conteúdos audiogravados das entrevistas foram transcritos literalmente e na íntegra. Os dados foram analisados qualitativamente, sendo categorizados com base na análise temática, seguindo-se o modelo proposto por Braun e Clarke (2006) . Os relatos foram lidos repetidas vezes, codificados de forma sistemática, reunidos em temas potenciais, os quais foram, em seguida, revisados, refinados e reunidos em categorias. Os protocolos do IHSE-Prof foram aferidos seguindo-se as pautas de análise fornecidas pelos autores do instrumento e os dados, obtidos submetidos a análises descritivas.
As práticas potencialmente promotoras de comportamentos pró-sociais nas interações com as crianças foram apresentadas pelas quatro professoras, somando-se 95 ao todo, e organizadas em sete categorias. A categoria ACPS envolveu a aprovação da professora à solicitação de uma criança para ajudar um colega; DCE abarcou diálogos sobre estados emocionais, demonstrando como as atitudes de uns podem afetar o modo como outros indivíduos se sentem; e DRPPC abrangeu comportamentos de valorizar atividades desenvolvidas, incentivar a autonomia e utilizar tom de voz calmo e expressões que denotavam afeto nas interações com as crianças. Por sua vez, MCA incluiu orientar a criança sobre um comportamento alternativo ao agressivo dirigido antes a um de seus pares; OMCPS compreendeu oferecer modelo às crianças com relação aos comportamentos de ajuda, partilha e reconforto; OVPS abrangeu a orientação às crianças sobre o respeito ao colega que ainda não havia finalizado uma tarefa; e POPCPS envolveu, sobretudo, instruir as crianças a compartilharem materiais. A Tabela 3 apresenta as categorias, a frequência absoluta de registros e exemplos de episódios interativos, envolvendo práticas potencialmente promotoras de comportamentos pró-sociais das professoras, contempladas na coluna “Resposta”. Para preservar o sigilo, foram apresentadas apenas as iniciais dos nomes das crianças.
Comportamentos pró-sociais nas interações entre crianças foram registrados nas quatro turmas, somando-se 97 ao todo, organizados em sete categorias. Destaca-se que a categoria A envolveu, principalmente, comportamentos de atender a necessidades de suporte de um colega, no que se referia à montagem ou ao conserto de um brinquedo; C compreendeu abraçar outra criança espontaneamente ou convidar para brincar; e D incluiu interceder em favor de um colega que não havia sido autorizado por outra criança a participar de uma brincadeira. Por sua vez, CPR envolveu trocar brinquedos com outra criança, cumprir combinados, bem como estabelecer parcerias em brincadeiras que envolviam a reunião de peças de encaixe; P abrangeu, principalmente, oferecer um brinquedo e conceder a um colega seu uso; e R englobou comportamentos direcionados a crianças que se encontravam chorando, como fazer carinho no rosto do colega ou dizer palavras de consolo. A Tabela 4 apresenta categorias, frequência absoluta de registros e exemplos de episódios interativos que envolvem a emissão de comportamentos pró-sociais pelas crianças, os quais são contemplados na coluna “Resposta”. Para preservar o sigilo, foram apresentadas apenas as iniciais dos nomes das crianças.
Os repertórios de habilidades sociais educativas de P1, P3 e P4 foram classificados, no que se refere à Escala 1 do IHSE-Prof (Organizar atividade interativa), como mediano inferior, e o de P2, como deficitário. Já no que concerne à Escala 2 (Conduzir atividade de forma interativa), P3 e P4 tiveram o repertório classificado como deficitário; P1, como mediano inferior, e P2 o teve situado como mediano superior. A Tabela 5 apresenta a classificação do repertório de habilidades sociais educativas das professoras participantes, de acordo com as escalas e fatores do inventário IHSE-Prof.
Os dados qualitativos resultaram em quatro categorias temáticas, as quais serão apresentadas a seguir.
Nesta categoria, cuja definição recai sobre aprendizados que a educação infantil pode proporcionar às crianças no período do desenvolvimento em que se encontram, e contribuições que pode oferecer a etapas futuras, tanto no que se refere ao desempenho acadêmico ao longo do ensino fundamental quanto ao convívio social de maneira geral, os relatos de P2, P3 e P4 apontaram o desenvolvimento da socialização, das interações com pares e adultos, do convívio com a diversidade, além do desenvolvimento da coordenação motora e ensino de outros conteúdos pedagógicos entre os principais objetivos da educação infantil. P1 se referiu aos últimos dois temas.
[...] antes, acreditava-se que a educação infantil era só pra cuidados, né, que eles vinham pra escola pra gente cuidar. Mas, na verdade, não, eles vêm na escola e eles interagem uns com os outros, eles aprendem a dividir, porque, imagina, uma sala com 25 alunos, né, tem que dividir o material. Você vê, né, os conflitos que acontecem. Então até aprender a resolver seus próprios conflitos, a ter essa relação, tem essa relação com o adulto, mas tem essa relação da criança com a criança também, né. E, fora isso, eles têm um contato mesmo com as letras, com os números, que é mais a parte pedagógica mesmo, né, com as cores, com as formas geométricas. (P4) Então a educação infantil é a base, é onde eles têm a coordenação motora mais desenvolvida, onde eles aprendem a base mesmo, alfabeto, os números, números até dez, eles cantam. (P1)
Nesta categoria, cuja definição recai sobre aspectos da formação, incluindo conteúdos teóricos e/ou práticos, apontados pelos professores como faltantes ou repetitivos no percurso de graduação e/ou cursos de formação continuada, as professoras apontaram lacunas no percurso de graduação e na formação continuada para atuar na educação infantil. As falas abordaram sentimento de prejuízo no que se refere a conteúdos relacionados ao manejo de comportamentos das crianças e ao campo da educação especial e inclusiva, bem como destacaram que os conteúdos a que as docentes tiveram acesso foram excessivamente teóricos e, em sua maioria, voltados à alfabetização.
Então, o município oferece cursos, mas mais pra alfabetização. Então esquece dessa parte da inclusão. Eu acredito que a indisciplina e a inclusão, como trabalhar, é o que eu sinto mais falta de ter formação. (P3)
Porque, o que acontece, apesar de a gente ter feito estágio, a gente fez estágio nas escolas, na creche, mas é muito pouco, é muito pouca formação, a gente não tem assim a realidade do dia a dia, né, então acho que falta um pouco do curso ser mais prático, é muita teoria para pouca prática. Porque, por exemplo, psicologia na pedagogia tem um pouco, mas eu acho que tinha que ter muito mais. E, na verdade, assim, quando a gente faz o curso de Pedagogia, a gente tem uma ideia, que é meio utópica, né [risos], de achar que a gente vai chegar lá, que a gente vai conquistar todos os alunos, que todos os alunos vão bem, que no final do ano vai dar tudo certo, que a gente vai conseguir intermediar os conflitos, que a gente não vai se estressar, mas não é essa a realidade, entendeu, não é muito essa a realidade. (P4)
Nesta categoria, cuja definição recai sobre estratégias propostas pelo professor para beneficiar a convivência das crianças na escola, as quatro participantes abordaram o estabelecimento de regras junto às crianças. P2, em especial, apontou a prática de ensinar as crianças a compartilharem brinquedos e P3 destacou o uso de estratégias variadas para a promoção de interações sociais positivas.
O dia do brinquedo é bem difícil também essa parte, porque eu sou a que empresta pra eles, daí eu ainda tô tentando quebrar, que eles podem emprestar. (P2)
Então, a gente trabalha muito com combinados, conversa, roda de conversa... estabelecer limites, acho que é isso que a gente faz. Trabalhar combinados, trabalhar regras, brincadeiras que façam trazer alguma coisa. Às vezes eu trago livros que tragam alguma coisa, fábulas. Você tem que estar ali sempre dosando, carinho, afeto, entendeu, mas também, quando precisar, estar ali chamando atenção, dar limites, porque elas precisam muito. Então a gente tenta tudo o que pode. [risos] (P3)
Nesta categoria, cuja definição recai sobre percepções do professor acerca de como a violência se expressa no ambiente escolar, bem como de suas possíveis origens e de práticas voltadas a manejar ou a evitar situações identificadas como violentas em sala de aula, os relatos de P1, P3 e P4 abordaram que a violência se expressa na escola por meio de comportamentos agressivos das crianças, os quais seriam decorrentes, em sua percepção, da exposição a conteúdos inadequados disponíveis na mídia e a modelos presentes nas famílias, bem como referiram utilizar estratégias voltadas a manejar ou a evitar situações identificadas como violentas em sala de aula, que incluíram orientações como não agredir o colega fisicamente ou verbalmente. P2 considerou que a violência decorre também de práticas empreendidas no ambiente escolar e que são necessárias políticas públicas para enfrentá-la.
Então, a violência, eu acho que, o que que acontece, é a vivência da criança no dia-a-dia. Então ela traz pra escola o que ela vivencia. Então, se ela viu o pai ou a mãe, de repente, agredindo, brigando, ela vai trazer isso pra escola. (P3)
Tem muita violência verbal, eles vêm com muito palavrão, muito, que já vêm de casa, por quê? Eles têm contato com músicas que têm esse tipo de vocabulário, com novelas, programas, filmes, que não são da idade deles, mas eles assistem. (P4) [...] na sala de aula, a gente fala “não pode bater”, “não pode xingar”, já tá evitando um pouquinho, né. (P1)
Nós somos uma sociedade, né, que ela precisa ser educada culturalmente pra prevenir a violência, porque ela mudou muito, né, a sociedade mudou. Então, às vezes, a gente critica a violência do pai e a gente acaba transmitindo a mesma violência, por isso que eu falo que o professor ele tem que ser trabalhado. [...] é fácil criticar o pai que bate no filho, ou que grita, e a gente faz a mesma coisa. Né, a gente não bate, não agride talvez, fisicamente, e agride de outras formas, com palavras, a gente vê o professor fazer isso, e isso é muito triste, né? Ver o professor fazer isso, ou falar “são os pais”, ou “veio de casa”, é porque é cultural e essa cultura ainda vai muito tempo pra sair. Precisa vir de cima, precisa de política muito comprida, política pública. Quando a política vir, pra se educar, eu acho que aí sim, vai mudar-se a cultura, né. (P2)
A literatura destaca que a composição de diferentes práticas do professor, tais como reforçar positivamente comportamentos pró-sociais, orientar sobre valores, oferecer modelos e oportunidades às crianças para a prática, pode potencializar a promoção de comportamentos pró-sociais e reduzir comportamentos agressivos, sobretudo, se sustentadas por relacionamentos positivos professor-aluno em sala de aula (Bergin, 2018; Eisenberg et al., 2015; Freitas et al., 2021). As referidas práticas foram observadas neste estudo, o que se configura como um recurso presente entre as professoras participantes, sendo DRPPC a categoria que abrigou a maior frequência de registros.
Apesar disso, aponta-se que práticas que envolvem reforço positivo a comportamentos pró--sociais e estratégias indutivas, como contemplado pelas categorias ACPS e MCA, e destacadas pela literatura como altamente eficazes na promoção daqueles comportamentos (Bergin, 2018), mostraram-se pouco frequentes na presente pesquisa. Ramaswamy e Bergin (2009) chamam a atenção para elementos que podem levar educadores a utilizarem determinadas estratégias em detrimento de outras, como lacunas relacionadas à formação e ao conhecimento sobre o desenvolvimento infantil, bem como a existência de padrões de interação pouco flexíveis com as crianças. Considerando o objetivo do presente estudo, destaca-se que tais dificuldades podem elucidar temáticas relevantes para a composição de uma futura intervenção com as professoras, a saber, aspectos do desenvolvimento e aprimoramento de relações interpessoais com as crianças, incluindo momentos reflexivos e vivência das práticas que se mostraram deficitárias nos repertórios docentes.
A ocorrência de comportamentos pró-sociais nas interações entre crianças foi registrada nas quatro turmas. Cooperação foi a categoria com o maio número total de registros. De acordo com a literatura, os tipos de comportamentos pró-sociais apresentados pelas crianças podem estar relacionados às práticas docentes empreendidas e a fatores contextuais que exercem influência no que se refere a quais são menos ou mais valorizados em determinada sociedade (Eisenberg et al., 2015; Ramaswamy & Bergin, 2009). Destaca-se que comportamentos pró-sociais na categoria Defesa são apontados pela literatura como mais frequentes em interações de crianças e adolescentes do segundo ciclo do ensino fundamental (Bergin, 2018); no entanto, eles se fizeram presentes em três das quatro turmas participantes do presente estudo. Esse achado convida à reflexão sobre os modelos a que as crianças estão expostas e ao fato de que esses comportamentos possivelmente são mantidos e reforçados nos contextos em que vivem. Comportamentos pró-sociais da referida categoria são considerados de extrema relevância à prevenção à violência na escola, podendo ser apresentados por crianças que não apresentam comportamentos agressivos para interceder por pares em situações de bullying ou outros tipos de vitimização (Coyne et al., 2017).
Com relação às habilidades sociais educativas das professoras, indica-se, a partir dos resultados obtidos nos fatores gerais das escalas do IHSE--Prof, a necessidade de formação nesse aspecto pelas quatro participantes, uma vez que as educadoras tiveram seus repertórios classificados como mediano inferior ou deficitário; exceto uma, que o teve identificado como mediano superior segundo o fator geral da Escala 2. Ressalta-se que os fatores da referida escala podem envolver habilidades relacionadas à promoção de comportamentos pró-sociais, como cultivar afetividade, apoio, bom humor, aprovar, valorizar comportamentos. Tais resultados confirmam recomendações da literatura, isto é, a de que educadores podem promover o desenvolvimento socioemocional dos estudantes, no entanto precisam de formação para tal, sendo as habilidades sociais educativas essenciais nesse processo (Rosin-Pinola et al., 2017). De acordo com Manolio (2009) , professores com repertório elaborado de habilidades sociais educativas tendem a contribuir para o desenvolvimento de comportamentos pró-sociais junto às crianças, dado que este possibilita ao educador fazer uso de estratégias educativas mais adequadas e eficazes.
Quanto à compreensão das professoras sobre a educação infantil, três apontaram o desenvolvimento da socialização e de outros conteúdos pedagógicos enquanto objetivos principais daquela etapa de ensino, ao passo que uma participante se referiu apenas ao segundo grupo de aprendizados mencionados. Embora a compreensão mais abrangente sobre a educação infantil da maioria das participantes possa indicar recurso presente na amostra, a literatura aponta que docentes podem encontrar dificuldades na transposição da teoria para a prática. Em estudo realizado com professoras da educação infantil, Pinto e Branco (2009) apontaram que, apesar de mencionarem a socialização como objetivo principal daquela etapa de ensino, suas rotinas de atividades tinham como foco, sobretudo, o desenvolvimento cognitivo e psicomotor das crianças. Além disso, é possível levantar a hipótese de que a concepção de educadores sobre as atribuições da etapa em que lecionam pode influenciar em suas práticas. Nessa direção, é possível considerar que a professora que não abordou a socialização enquanto uma das metas da educação infantil pode apresentar prejuízo no planejamento de ações que contemplem o desenvolvimento integral das crianças. Assim, Al-Thani e Semmar (2017) indicam a relevância de se construir currículo robusto no que se refere ao desenvolvimento socioemocional na educação infantil, uma vez que sua ausência pode afetar negativamente o potencial de as crianças aprenderem comportamentos pró-sociais.
Os achados do presente estudo corroboram ainda dados da literatura brasileira que sugerem que formações às quais os docentes têm sido submetidos se mostram aquém do esperado, em termos de efetividade (Passalacqua et al., 2019). No que se refere à inserção de crianças público-alvo da educação especial na educação infantil, Carvalho et al. (2016) ressaltam que essa é prevista, no entanto docentes daquela etapa apontam extensas lacunas em sua preparação prática, aspecto demandado para que a inclusão de fato se concretize. Rosin-Pinola et al. (2017) destacam que estratégias de formação que envolvam a ampliação de habilidades sociais educativas do professor podem favorecer sua interação junto a estudantes com e sem deficiência, sendo que estratégias como valorizar ações positivas que os educadores já desenvolve, bem como oferecer modelos a esses, podem contribuir para a revisão e aprimoramento de suas práticas.
No que concerne às estratégias voltadas a beneficiar o convívio, que poderiam ter relação com a promoção de comportamentos pró-sociais, foi unânime entre as professoras a referência ao estabelecimento de regras, sendo que duas participantes destacaram também outras estratégias. Nessa direção, Barrios e Branco (2021) defendem o oferecimento de respaldo aos professores da educação infantil no que se refere a conteúdos próprios ao saber psicológico, como a qualidade nas interações sociais, bem como sugerem que esses conteúdos não fiquem restritos ao emprego de métodos relacionados à transmissão unilateral de normas e regras pelos adultos, frequentemente focados em disciplinar comportamentos, mas que se desenvolvam relações mais cooperativas com as crianças.
No que se refere à compreensão sobre violência na escola, três professoras abordaram que o fenômeno decorre de eventos externos à instituição e, no que se refere ao modo como aquela se expressa dentro do ambiente escolar, citaram apenas comportamentos agressivos das crianças. De acordo com a literatura, a exposição a conteúdos violentos presentes na mídia de fato pode levar ao aumento de comportamentos agressivos em pré-escolares e à redução da empatia por colegas em situação de dificuldades (Coyne et al., 2017), bem como comportamentos agressivos podem ser reforçados por modelos sociais (Ostrov et al., 2013). No entanto, segundo Tremblay (2006) , colocar foco apenas sobre determinadas dimensões pode contribuir para que a violência seja frequentemente subestimada no contexto da educação infantil.
Apenas uma participante ponderou que a violência que se expressa na escola está relacionada não somente a eventos com origem nas famílias, mas também a práticas agressivas empreendidas pelo professor, o qual também precisa de respaldo para a revisão de sua atuação. A docente considerou ainda que uma estratégia preventiva a esse fenômeno deve envolver políticas públicas e mudanças em práticas sociais e culturais. Tal compreensão identifica o comportamento agressivo, violento, como um macrocomportamento, presente no repertório de vários participantes de um sistema cultural, entre eles, pais e professores, e vai ao encontro do que propõem Biglan e Glenn (2013) , isto é, ao fato de que políticas públicas possuem o potencial de alterar aspectos envolvidos em práticas culturais vigentes. Segundo os autores citados, por sua vez, reforçar o comportamento pró-social consiste em um macrocomportamento de fundamental relevância ao bem-estar de indivíduos e instituições. No que se refere às estratégias citadas pelas demais professoras, como “não bater” ou “não xingar”, é possível considerar que se apresentam às crianças enquanto regras sobre o que não fazer, mas não as orientam acerca de como agir em situações que envolvem conflitos interpessoais. Tais achados reforçam a relevância de se fornecer apoio à atuação de educadores na perspectiva da prevenção à violência escolar desde a educação infantil. Baker-Henningham et al. (2021) abordam que o aprimoramento das práticas docentes, sobretudo em regiões com alta vulnerabilidade social, pode levar à promoção de ambientes de sala de aula mais acolhedores e à diminuição do uso de punição pelo professor, bem como de problemas de comportamento apresentados pelas crianças.
O presente estudo permitiu detectar recursos e dificuldades a serem considerados na elaboração de intervenção voltada à promoção de comportamentos pró-sociais na educação infantil, na perspectiva da prevenção à violência em escolas. Os primeiros incluem a existência de práticas potencialmente promotoras de comportamentos pró-sociais nos repertórios das professoras, bem como a presença dos referidos comportamentos nos das crianças. Por sua vez, dificuldades incluem lacunas na formação do professor e suas repercussões na prática, repertório de habilidades sociais educativas a ser aprimorado e percepção da violência que se expressa na escola apenas como decorrente de eventos externos à instituição. Diante desse achado, considera-se relevante que uma futura intervenção inclua encontros formativos sobre habilidades sociais educativas do professor, além de reflexões coletivas sobre comportamentos que caracterizam a violência escolar e aspectos que podem contribuir para sua manutenção no contexto educacional.
Com relação às limitações da presente pesquisa, uma delas se refere ao número reduzido de participantes, que incluiu apenas quatro professoras polivalentes e 67 crianças de uma instituição escolar. Nesse sentido, seria relevante que estudos futuros de avaliação de necessidades envolvessem mais docentes da educação infantil, incluindo especialistas, membros da gestão, famílias, com vistas a explorar problemas e possibilidades sob a perspectiva de diferentes agentes da comunidade escolar, o que poderia trazer elementos para a construção de uma intervenção, além de potencializar a coesão e o engajamento da equipe ao longo de sua realização. Reconhece-se ainda o fato de não terem sido realizadas medidas da frequência do uso de práticas punitivas pelas professoras, o que permitiria a comparação com a daquelas voltadas à promoção de comportamentos pró-sociais, sobretudo no que se refere ao manejo de problemas de comportamento apresentados pelas crianças. Essas mudanças poderão fortalecer as validades interna e externa do estudo, bem como ampliar a aplicabilidade prática dos seus resultados.
Assim, considera-se que os dados do presente estudo podem contribuir para a discussão sobre intervenções destinadas à promoção de comportamentos pró-sociais e à prevenção da violência em escolas a partir do contexto da educação infantil, a serem elaboradas e implementadas em trabalhos futuros. Além disso, os achados convidam investigadores e profissionais da psicologia e da educação ao investimento em três dimensões, a saber, pesquisa, ensino e advocacy. No que se refere à pesquisa, os dados possuem implicações, sobretudo, para o planejamento de intervenções direcionadas a todos os envolvidos na promoção de comportamentos pró-sociais junto a pré-escolares. Com relação ao ensino, os dados podem fomentar discussões sobre a formação de professores e os conteúdos das disciplinas de psicologia oferecidos nos cursos de graduação em pedagogia. Por fim, no que concerne à prática de advocacy, pondera-se que a presente pesquisa apresenta resultados com o potencial de convidar indivíduos e grupos a influenciar a formulação de políticas públicas educacionais, sobretudo no município em que o estudo foi realizado.
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