ARTIGOS
Concepções Psicossociais acerca do Conhecimento sobre a AIDS das Pessoas que Vivem com o HIV
Psychosocial Perceptions of Persons with HIV about Knowledge of AIDS
Concepciones psicosociales sobre el conocimiento del SIDA de las personas que viven con VIH
Concepções Psicossociais acerca do Conhecimento sobre a AIDS das Pessoas que Vivem com o HIV
Revista Colombiana de Psicología, vol. 26, núm. 2, pp. 219-230, 2017
Universidad Nacional de Colombia, Facultad de Ciencias Humanas, Departamento de Psicología
Recepção: 27 Julho 2016
Aprovação: 10 Março 2017
Resumo: A presente pesquisa teve como objetivo principal identificar as concepções psicossociais acerca do conhecimento sobre a AIDS por parte de pessoas que convivem com o Hiv. A amostra foi composta por 44 pessoas com o Hiv de ambos os se xos, com idades variando de 23 a 67 anos, e que estavam em acompanhamento no Centro de Testagem e Aconselhamento (OTA). Foram utilizados para a coleta dos dados, um questionário sócio demográfico e uma pergunta semiestruturada. No geral, os resultados apontaram que a AIDS para eles é uma doença contagiosa, sem cura e que traz muito preconceito, e o nível de conhecimento a respeito da AIDS é ambivalente.
Palavras-chave: concepções, conhecimento, AIDS, doença, preconceito.
Summary: The principle aim of this study was to identify the psychosocial perception towards AIDS held by persons with HIV. The sample was composed of 44 persons of both sexes between the ages of 23 and 67 who carried the virus and were being monitored by the Testing and Advisory Center (CTA, acronym in Portuguese). We collected data using a sociodemo-graphic questionnaire and a semi-structured interview. In general, the results indicated that these persons regard AIDS as a contagious disease, without cure and giving rise to many prejudices. Similarly, they see that the level of knowledge of AIDS is ambivalent.
Keywords: social perception, AIDS, sexually transmitted disease, prejudice.
Resumen: Esta investigación tuvo como objetivo principal identificar las concepciones psicosociales sobre el SIDA que tienen las personas que conviven con el VIH. La muestra estuvo compuesta por 44 sujetos de ambos sexos portadores del virus, con edades entre los 23 y los 67 años, quienes estaban en seguimiento en el Centro de Pruebas y Asesoramiento (CPA). Para la recolección de datos fueron utilizados un cuestionario sociodemográfico y una entrevista semiestructurada. En general, los resultados apuntaron a que el SIDA es considerado por ellos como una enfermedad contagiosa, sin cura y que da lugar a muchos prejuicios. Del mismo modo, se reconoce que el nivel de conocimiento acerca del SIDA es ambivalente.
Palabras clave: concepciones sociales, SIDA, enfermedades de transmisión sexual, prejuicio.
NO ANO de 2015, aproximadamente 36.7 milhões de pessoas viviam com o HIV no mundo, o que significa dizer que houve um aumento de 2.1 milhões de novas infecções em comparação aos anos de 2010 a 2015. Por outro lado, houve um aumento de cerca de um terço na ampliação da terapia antirretroviral na população, totalizando 17 milhões de pessoas em tratamento (United Nations Program on HIV/AIDS; UNAIDS, 2016).
Sabe-se que determinados comportamentos sexuais aumentam a vulnerabilidade em relação à infecção pelo HIV (Bermúdez, Araújo, Reyes, Hernández-Quero, & Teva, 2016; Pereira, Araújo, Negreiros, & Barros, 2016). Compreende-se como comportamento sexual de risco, entre eles, a ini ciação sexual precoce, o sexo sem preservativo/ camisinha e o relacionamento com múltiplos parceiros (Araújo, Teva, & Bermúdez, 2014; Teva, Bermúdez, & Ramiro, 2013; Von Muhlen, Saldanha, & Strey, 2014).
Destaca-se um construto psicossocial re levante no contexto da infecção pelo HIV que é o conhecimento sobre HIV e a AIDS. Estudos anteriores sobre esta variável demonstram que há um conhecimento insuficiente sobre a infecção, e ambivalência entre o conhecimento e a adoção de práticas sexuais saudáveis (Araújo et al., 2014; Bermúdez et al., 2016). Em publicação recente foi verificado que os participantes tinham conheci mentos corretos acerca da infecção pelo HIV, re conhecendo principalmente a relação sexual sem uso do preservativo como uma vulnerabilidade ao HIV (Chaves, Bezerra, Pereira, & Wolfgang, 2014). Mesmo detentores desses conhecimentos, apresentaram em algum momento da vida, com portamento sexual de risco que o puseram em situação de vulnerabilidade ao HIV, principalmente devido ao não uso do preservativo nas relações sexuais (Bermúdez et al., 2016; Oliveira et al., 2013).
É sabido que os fatores demográficos, so cioeconómicos, comportamentais e regionais contribuem tanto positivamente como negati vamente para o conhecimento sobre as formas de transmissão do HIV (Irffi, Soares, & DeSouza, 2010).
Desta forma, observa-se que indivíduos do sexo masculino com mais idade, com melhor nível educacional, melhor condição socioeconómica e, mulheres, têm um maior conhecimento acerca do vírus (Araújo et al., 2014).
Um inquérito feito em Moçambique apresenta a relação entre a condição socioeconómica e o nível de escolaridade, sendo que estes dois aspec tos são diretamente proporcionais, e aponta que indivíduos com maior condição socioeconómica e escolaridade possuem mais conhecimento sobre as medidas preventivas. O número de mulheres jovens que possuem nível secundário ou superior e que usaram o preservativo na primeira relação sexual é maior do que as jovens sem nível de escolaridade (Instituto Nacional de Saúde; INSIDA, 2009).
O estudo aponta ainda para os aspectos dos comportamentos sexuais relacionados ao nível de escolaridade. Mulheres com maior nível edu cacional iniciam mais tarde a vida sexual, pois em alguns casos adiam o casamento ou a união com algum parceiro, enquanto que essa relação é inversa nos homens, devido as expectativas sociais em torno da sexualidade masculina (INSIDA, 2009).
Em uma pesquisa com estudantes acerca do nível de conhecimento sobre a AIDS foi relatado como insatisfatório, pois apesar de possuírem algumas informações sobre a doença, essas eram insuficientes ou muito poucas para serem signi ficativas. Desta forma, concluiu-se que tais dados indicam uma pouca eficácia dos mecanismos de divulgação sobre o HIV e a AIDS, assim como baixa retenção de informações pelos ouvintes (Natividade & Camargo, 2011).
Estudo prévio realizado com pessoas que vivem com HIV sobre as compreensões acerca da AIDS foi demonstrado que a doença era ca racterizada a partir das suas crenças, impressões e seus conhecimentos adquiridos nas relações interpessoais da vida cotidiana (Furtado et al., 2015). Os participantes revelaram percepções negativas da doença; concepções trazidas pelo modelo biomédico; percepções relacionadas à forma de contágio; percepções relacionadas às consequências do adoecimento; e percepções que denotam desconhecimento.
Nesse cenário, encontram-se também o des conhecimento das medidas preventivas por grande parte de pessoas que vivem com o HIV, ressaltando a importância de se discutir e ampliar as formas de divulgação no contexto da AIDS, assim como, o aces so aos meios de informação para que as medidas de prevenção e cuidado por parte dessa população atinjam o maior número de pessoas possíveis (Said & Seidl, 2015). Diante do exposto, tendo em vista a relevância social e acadêmica do presente estudo no sentido de contribuir para futuras intervenções em saúde com escopo de atenuar os comportamentos sexuais de risco a infecção pelo HIV, objetivou-se identificar as concepções psicossociais acerca do conhecimento sobre a AIDS por parte de pessoas que convivem com o HIV
Método
Trata-se de uma pesquisa ex post facto utili zando dados transversais.
Participantes
A amostra contou com 44 pessoas brasileiras que vivem com HIV, de ambos os sexos, sendo em sua maioria do sexo masculino (58.8%), com idade variando de 23 a 67 anos (M=41; DP=10.6), possuindo renda familiar média de R$ 788 ou menos de um salário mínimo, solteiros (25.5%), com Ensino Fundamental Incompleto (41.2%) e os diagnosticados entre anos de 2006-2010 (27.5%).
Os critérios de inclusão para a participação na pesquisa foram: ter mais de 18 anos de idade, ser diagnosticado com HIV, ter assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e estar em acompanhamento pelo Centro de Testagem e Aconselhamento (OTA) da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Parnaíba, Brasil. Os critérios de exclusão foram: ser menor que 18 anos de idade, não ser diagnosticado com HIV, não estar em acompanhamento no Centro de Testagem e Aconselhamento (OTA) da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Parnaíba, Brasil e não ter assinado o Termo de Consentimento Livre e Escla recido. Todos os participantes que preencheram os critérios de inclusão foram levados em conta na pesquisa. As demais características sociodemográ-ficas podem ser observadas a seguir na Tabela 1.

Instrumentos
Foi utilizado um questionário sobre dados sociodemográficos para caracterizar a amostra, com a finalidade de obter informações sobre o sexo, idade, estado civil, escolaridade, renda, situação de moradia e religiosidade ou espiritualidade das pessoas que vivem com o HIV. Em seguida, foi realizada uma entrevista semiestruturada com o objetivo de conhecer as concepções que as pessoas soropositivas para o HIV têm sobre a AIDS. Considerando o objetivo do estudo, foi elaborada a seguinte pergunta: 1) Para o senhor (a) o que é a AIDS?
Procedimentos de Coleta
O Projeto de Pesquisa foi enviado para avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa (OEP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Cam pus Ministro Reis Velloso (OMRV), Brasil. Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (nú mero do OAAE: 48518815.2.0000.5669), o OTA/ OOAS foi contatado, para dar início a coleta de dados. Inicialmente, os objetivos da pesquisa foram esclarecidos aos participantes, ressaltando o caráter voluntário da participação e o sigilo das informações, assim como a obtenção das devidas autorizações, com o preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TOLE) para que os participantes pudessem autorizar sua participação na pesquisa e responder aos instrumentos.
Foi utilizado também o questionário socio-demográfico para caracterizar a amostra e feita uma pergunta referente ao que os participantes entendiam sobre a AIDS, sendo ela: "Para o senhor (a) o que é a AIDS?" Os participantes também pu deram optar por responder aos instrumentos eles mesmos ou para que fosse relatado de forma oral e o pesquisador responsável transcrevesse as falas.
Como os participantes têm contato e conhe cem os profissionais do OTA, foi solicitado que os profissionais convidassem os usuários do serviço, que se enquadravam nos critérios de inclusão, para participarem da pesquisa, ressaltando o caráter voluntário e a importância do estudo. Em seguida, os participantes eram encaminhados pelos profissionais do OTA para os responsáveis de coletar os dados da pesquisa e destinados a uma sala, na qual os pesquisadores explicavam o objetivo do estudo, o caráter voluntário, o sigilo da pesquisa, assim como a interrupção pelo mesmo em qualquer momento da aplicação. Após a leitura do TOLE e confirmação por parte do entrevis tado, o questionário era aplicado e a entrevista realizada de forma individual, sendo necessários aproximadamente 45 minutos para responder aos instrumentos. Não foi registrada nenhuma recusa em participar da presente investigação.
Análise dos Dados
Para a análise dos dados foi utilizado pacote estatístico SPSS na versão 22.0 for Windows para as análises descritivas para caracterização dos dados sociodemográficos da amostra.
Posteriormente, para a análise da pergunta sobre os conhecimentos sobre a AIDS foi colocada na base de dados do programa IRAMUTEQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) que permite diferentes processamentos e análises estatísticas de textos produzidos. As transcrições foram divididas em um corpus com as respostas dos 44 participantes à pergunta aberta, em que cada resposta corresponde a um texto e estes são separados por linhas de co mando, que são informações codificadas, separadas por asteriscos, indicando o número de identificação do participante (n), o sexo (masculino=1, feminino=2), a idade (23-30=1, 31-38=2, 39-46=3, 47-54=4, 55-mais=5), a escolaridade (Analfabeto=1, Ensino fundamental incompleto=2, Ensino fundamental completo=3, Ensino médio incompleto=4, Ensino médio completo=5, Ensino superior incompleto=6, Ensino superior completo=7, Pós-graduação=8), ano do diagnóstico (1985-1990=1, 1991-1995=2, 1996-2000=3, 2001-2005=4, 2006-2010=5, 2011-2014=6, atual=7), orientação sexual (Heterosse xual^, Homossexual=2, Bissexual=3, outra=4), assumindo a forma abaixo exemplificada:
**** *n_001 *sex_1 *idad_4 *esciv_1 *diag_4 *orien_2
Foram realizados três tipos de análises para o corpus. Primeiro, foi feita a Classificação Hierár quica Descendente (CHD), que classifica o conteúdo dos textos baseado na frequência e qui-quadrado (X2), criando classes de Unidades de Contextos Elementares (UCES) com vocabulário semelhante entre si e ao mesmo tempo diferente das UCES das demais classes, e estas classes são representadas por dendogramas, que ilustram as relações entre elas (Camargo, 2005). As classes foram ainda nomeadas e descritas a partir do tema do estudo.
Em seguida, foi realizada a análise de Nu vem de Palavras (as palavras são agrupadas e organizadas graficamente de acordo com a sua frequência) e teve como critério de inclusão todos os adjetivos, substantivos e verbos, e como critério de exclusão os pronomes, preposições, condições e advérbios. E finalmente, a Análise de Similitude, que apresenta um desenho indicando a conexão entre as palavras, pelo qual é possível identificar as coocorrências destas.
Resultados
Os dados apreendidos entre as pessoas que convivem com HIV acerca das concepções psicos-sociais acerca do conhecimento sobre a AIDS são apresentados em três formas diferentes, a saber: Dendograma, Nuvem de Palavras e Análise de Similitude. O corpus foi formado por 44 UOIS, em que 431 palavras, ocorreram 1.177 vezes, e foram analisadas com média de 3,51 em termos de ocor rência, sendo 83,64% consideradas na OHD.
No dendograma estão descritas as 5 classes em que o corpus se dividiu, com o título e a descrição de cada uma delas, o número de UCES que a compõe, as variáveis descritivas e as palavras que mais se associam com a classe em questão, considerando o coeficiente do teste de associação x 2 (ver Figura 1).

Classe 1 - Sentimentos Negativos sobre a AIDS
Essa classe é responsável por 19.57% das UCES. A variável descritiva são as pessoas que foram diagnosticadas com HIV entre os anos de 2006 a 2010. Neste sentido, pode-se perceber que as pessoas com o HIV associam o conceito "AIDS" a uma visão negativa sobre o diagnóstico. São apresentadas concepções relativas à AIDS como sendo uma doença muito difícil, que traz muitas dificuldades, também relacionadas aos efeitos dos medicamentos, como podem ser verificadas nas falas a seguir:
"É uma doença muito severa, ninguém gos taria de ter, mas infelizmente acontece [...]" (Sexo feminino, 40 anos, heterossexual, diagnostico com HIV entre 2006-2010).
"O remédio faz com que a gente passe mal, e às vezes pela dificuldade de trabalho até passo fome" (Sexo masculino, idade entre 31-38 anos, heterossexual, diagnostico entre 2006-2010).
Classe 2 - Conscientização sobre o Tratamento
Esta classe foi formada por 17.39% das UCES classificadas. Salienta-se que a mesma foi composta em sua maioria por pessoas com HIV do ensino fundamental completo. A AIDS é apresentada como uma doença normal podendo levar à morte; no entanto, tem tratamento. Foi demonstrado que em sua maioria as pessoas com o HIV que compõem essa classe estão cientes da importância de tomar os medicamentos, pois sabem que a doença não tem cura. Sendo assim, conhecem os riscos de não seguir o tratamento adequado, como pode ser visualizada na fala a seguir:
"É uma doença mortal. Perigo para quem não se cuida, mas para quem se cuida pode levar uma vida normal. Se não cuidar o vírus abre as portas para várias outras doenças" (Sexo masculino, 27 anos, heterossexual, diagnostico com HIV entre 2001-2005).
Classe 3-Formas de Transmissão
Menciona-se que esta Classe 3 foi formada por 21.74% das UCES, de modo que foi formada por pessoas que tiveram o diagnóstico do HIV recente. Percebe-se que ao perguntar o que é a AIDS, os participantes relacionam o conceito às formas de transmissão. Para eles, a AIDS é uma doença que é contagiosa e não possui cura, como podem ser verificados nos trechos das entrevistas a seguir:
"A AIDS é uma doença contagiosa. Me pegou de surpresa, não esperava de forma alguma, e através de um teste realizado na praça da Graça descobri a doença" (Sexo masculino, 47 anos, bissexual, diagnóstico com HIV entre os anos de 2006-2010).
"Para vencê-la você tem que seguir as nor mas. Para colocar ela abaixo de você e não ser dominado. Se resolve tomando os medicamentos nos horários certos, mas sempre na esperança de que alguém descubra sua cura" (Sexo feminino, idade entre 31-38 anos, heterossexual, diagnóstico com HIV recente).
Classe 4-Preconceito e Relações Intergrupais
Destaca-se que a Classe 4 foi formada com 15.22% das UCES, em sua maioria pessoas que vi vem com HIV com a faixa etária entre 47 e 57 anos. Pode-se verificar a presença dos termos preconceito e dificuldade no convívio social, refletindo como estes conceitos estão relacionados com a vivência da soropositividade, e como essas formas de dis criminação afetam a vida das pessoas com o HIV, causando sentimentos desagradáveis e sofrimento, como por exemplo, nos seguintes relatos:
"É a coisa pior que existe, porque encontramos a dificuldade do preconceito que é pior do que a própria doença em si"(Sexo feminino, 50 anos, heterossexual, diagnostico com HIV entre os anos de 2011-2014).
"A doença atrapalha muito na convivência em sociedade devido o preconceito e no trabalho é bem difícil" (Sexo masculino, 40 anos, heterossexual, diagnostico com HIV entre os anos de 2006-2010).
Classe 5-Conhecimentos sobre a AIDS
Esta Classe 5 foi formada por 26.09% das UCES, a variável descritiva são pessoas que tiveram o diagnóstico com HIV entre os anos de 2011 e 2014. Essa classe apresenta de uma forma geral todos os conhecimentos que esses participantes foram adquirindo sobre a AIDS. Os participantes veem a AIDS sendo uma doença como qualquer outra; uma doença contagiosa e uma doença que traz muitos sintomas ruins. Como pode ser exemplificado na fala a seguir:
"É uma doença contagiosa. Transmissível através da relação sexual, tanto oral como anal. A pessoa tem que tomar a medicação corretamente do jeito que o médico passa, e se tomar, a pessoa vive trinta, quarenta anos" (Sexo feminino, 52 anos, heterossexual, diagnóstico com HIV entre os anos de 2006-2010).
Também foi evidenciado desconhecimento sobre sua condição de soropositividade em uma parcela dos entrevistados, sendo perceptível no seguinte relato:
"Novidade na qual não procurei, até hoje não sei como veio até mim. Pode ter sido por aventuras ou injeções que tomava na época, pode ser uma bac téria, ainda tenho dúvidas se tenho ou não" (Sexo masculino, 46 anos, heterossexual, diagnóstico com HIV entre os anos de 2011-2014).
Assim, é válido destacar: a partir dos re sultados obtidos com o dendograma, é possível perceber que a classe 1 - Sentimentos negativos sobre a AIDS, e a classe 4 - Preconceito e Relações Intergrupais, estão correlacionadas, pois se percebe através dos relatos dos participantes, que os sen timentos negativos que eles têm sobre a doença, estão principalmente relacionados aos preconceitos e exclusões sociais que estas pessoas experienciam sobre a vivência da soropositividade. Já as classes 3 - Formas de Transmissão, e 2-Conscientização sobre o Tratamento, apontam para os conhecimen tos sobre as formas de transmissão e de cuidado em relação à condição de soropositividade para o HIV. Verifica-se que a partir das classes 1, 2, 3 e 4 surgiu a classe 5 - Conhecimentos sobre a AIDS, demonstrando, de uma forma geral, o conjunto de todos os conhecimentos relacionados a AIDS entre os participantes desta pesquisa.
Análise da Nuvem de Palavras das Pessoas com o HIV
No que tange aos dados apreendidos na Nuvem de Palavras foi demonstrado um agru pamento e organização das palavras em função da sua frequência, sendo possível identificar as palavras-chave centrais. Salienta-se a distribuição gráfica dos termos com maior frequência, a saber: Doença, Não, Vida, Como, Muito, Preconceito, Tomar, Tratamento, Normal, Dificuldade, entre outras (ver Figura 2).

As palavras centrais estão relacionadas com as principais compreensões sobre a AIDS para eles, incluindo as dificuldades enfrentadas em relação contagioso ao diagnóstico, como os cuidados que envolvem os remédios, identificados principalmente pelos termos "tratamento" e "tomar". Assim, remete ao entendimento sobre a importância do uso con tínuo dos medicamentos, mesmo que isto esteja relacionado a ter um novo estilo de vida.
Análise de Similitude dos conceitos referentes à AIDS pelas pessoas com o HIV
A Análise de Similitude contém as coocor-rências das palavras e indicações das suas conexões (ver Figura 3).

Percebe-se que a principal concepção referente à AIDS é que ela é uma doença, pois este termo ocupa lugar central na análise de similitude. As palavras que provém do termo doença são referentes a ela ser uma doença contagiosa, difícil, que não tem cura, sendo transmissível e que envolve muito preconceito.
As demais características envolvem as palavras Muito e Não. Desmembrando esses termos é possível perceber que essas palavras estão relacionadas às muitas dificuldades ocasionadas pelo diagnostico de soropositividade ao HIV, e que não se pode parar de usar os medicamentos, para que se possa ter uma vida saudável e normal.
Discussão
Os conhecimentos sobre determinados as suntos são imprescindíveis para se evitar discursos estereotipados e negativos sobre algo. Neste aspecto, é muito importante saber como as informações chegam às pessoas e como são interpretadas, para que se possa estabelecer um paralelo entre os conhecimentos e práticas adotadas.
É notável que no contexto do HIV/AIDS, as práticas preconceituosas ocorrem por falta de conhecimento científico sobre o assunto, sendo provenientes do senso comum e tendendo a causar o isolamento das pessoas com o HIV (Nativida-de & Camargo, 2011). Esses discursos negativos não estão presentes apenas no ideário popular, mas também nos discursos dos profissionais de saúde que vão ter que lidar diretamente com os cuidados dos pacientes que vivem com o HIV (Teixeira & Oliveira, 2014). Neste sentido, as próprias concepções das pessoas que vivem com o HIV sobre o contexto do HIV/AIDS tendem a ser negativas, pois existem esses discursos e atitudes depreciativas sobre a AIDS.
A triangulação dos resultados deste estu do, a partir do questionário sociodemográfico, apontou que a amostra é constituída por uma maioria do sexo masculino, heterossexuais, com grau de escolaridade até o ensino fundamental ou fundamental incompleto, possuem menos de um salário mínimo ou um salário mínimo, indo ao encontro com estudos na mesma área (Irffi et al., 2010; Medeiros & Saldanha, 2012; Oliveira, Moura, Araújo, & Andrade, 2015; Reis, Santos, Dantas, & Gir, 2011; Said & Saidl, 2015).
No entanto, o estudo apontou que a maioria dos participantes está desempregada, o que vai de encontro com os resultados dos estudos anterio res, pois apontam para uma amostra que está, em sua maioria, empregada (Medeiros & Saldanha, 2012; Oliveira et al., 2015). A média de idade é de 41 anos; já a literatura apresenta uma média de idade de 34 ou 35 anos (Irffi et al., 2010; Medeiros & Saldanha, 2015).
Salienta-se que não foram identificadas dife renças por faixas etárias relacionadas ao maior ou menor conhecimento sobre a AIDS por parte dos entrevistados, mas sim que provém da relação entre os diversos fatores, já apontados pela literatura, que contribuem ou não no nível de conhecimento sobre o HIV e sobre a AIDS, o que se sugere estudos futuros a respeito.
A partir da comparação com outros estudos, que os resultados são acentuados e corroborados com este, contemplando a confiabilidade da pesqui sa. Destarte, as três análises, Classificação Hierár quica Descendente, análise de similitude e Nuvem de Palavras, que torna o estudo quali-quantitativo, permite que as triangulações dos dados sejam com plementadas, viabilizando três formas de visualizar os dados da pesquisa, favorecendo a credibilidade dos resultados apresentados.
Os resultados do estudo demonstraram que os participantes identificam a AIDS como sendo uma doença contagiosa, sem cura, difícil, que traz inúmeras dificuldades, tem tratamento e que gera muito preconceito, ou seja, na maioria das respostas são atribuídos à AIDS sentimentos negativos, próprios do diagnóstico ou da vivência de estigmas e discriminações devido à sua condição de soropositividade para o HIV
A qualidade de vida dessas pessoas é muito prejudicada, tanto pelas privações decorrentes do diagnóstico como pelo preconceito que sofrem. Por isso, na maior parte das vezes, essas pessoas optam por não contar aos familiares, amigos e parceiros, com o intuito de evitar o isolamento e preconceito referentes à AIDS (Reis et al., 2011; Silva et al., 2015).
Os resultados revelam que as concepções sobre a AIDS estão relacionadas aos aspectos da vivência da soropositividade, focando nos âmbitos sociais de isolamento e de cuidados referentes ao diagnóstico da AIDS, sendo os termos centrais identificados pelos conceitos Preconceito, Doença e Tratamento, que são similares a outros estudos (Costa, Oliveira, & Formozo, 2015; Natividade & Camargo, 2011). Desta forma, os dados apre sentados apontam uma ambivalência entre os conhecimentos sobre a AIDS. Alguns participantes reconhecem os modos de prevenção e transmissão, a importância de aderir ao tratamento e o caráter contagioso da doença. Mas, por outro lado, estão os participantes que quase não possuem entendi mento sobre o assunto, apenas sabendo identificar a AIDS como sendo uma doença.
Pesquisas apontam que no geral as pessoas sabem sobre as formas de prevenção, sendo o uso da camisinha/preservativo a principal forma de cuidado. No entanto, é constatado que mesmo co nhecendo os meios de prevenção, praticam relações sexuais sem preservativo, principalmente se estão em uma relação estável (Anjos, Silva, Val, Rincon & Nichiata, 2012; Chaves et al., 2014; Oliveira et al., 2013;), o que aponta que apenas conhecer sobre as formas de transmissão e prevenção não são suficientes para a adoção de práticas sexuais sau dáveis, mas que também depende do entendimento e capacidade de assimilação das informações por parte da população (Anjos et al., 2012).
Por fim, torna-se necessário verificar como as informações sobre as formas de prevenção das doenças sexualmente transmissíveis (DSTS) estão sendo divulgadas e como ampliar o acesso a essas informações. O conhecimento correto dos meios de transmissão e vias de prevenção sobre as DSTS são fortes fatores de proteção contra a AIDS (Pineda, Rodríguez, & Orbegozo, 2013), o que reflete nos dados, já que a maioria das pessoas que vive com o HIV, na presente pesquisa, teve pouco acesso à educação e tem baixa renda, aspectos que se cons tituem como fatores de risco à infecção pelo HIV (Estavela & Seidl, 2015; Medeiros & Saldanha, 2012).
Conclusão
Este estudo buscou apreender as concepções psicossociais acerca do conhecimento sobre a AIDS por parte de pessoas que convivem com o HIV. Os dados apontam que a AIDS está relacionada como sendo uma doença contagiosa, difícil, que não tem cura; porém, tem tratamento, que traz diversas dificuldades e preconceitos. O conheci mento acerca da AIDS é tido como ambivalente, pois, por um lado, ressaltam-se informações sobre o diagnóstico, e por outro, há informações insu ficientes e errôneas. Neste aspecto, é necessário aumentar a divulgação e acesso sobre os métodos de transmissão e prevenção do HIV pelas políticas públicas de saúde, assim como identificar os meios mais eficazes e seguros de divulgação, levando em conta que existem, também, diversos aspectos sociais, econômicos, demográficos e outros que influenciam neste cenário.
Contudo, reconhecem-se limitações na pre sente pesquisa, devido à amostra ser pequena e não ter sido aprofundado os diferentes graus de conhecimento que as pessoas que vivem com o HIV têm sobre a AIDS. Como indicação a novas pesquisas, sugere-se um estudo aprofundado sobre os diferentes graus de conhecimentos so bre o HIV/AIDS, estudos sobre a adesão à terapia antirretroviral, sobre os aspectos psicológicos decorrentes da estigmatização do HIV/AIDS e sobre o comportamento sexual das pessoas que vivem com o HIV.
Por fim, no conjunto de dados apreendidos nesta investigação entre as pessoas que vivem com HIV, é importante mencionar que mesmo sendo HIV+ e em tratamento farmacológico, não significa que estas pessoas possuem concepções científicas sobre a AIDS. Por outro lado, apesar do avanço no tratamento da AIDS, foram demonstra dos nesta amostra que os estereótipos negativos e os preconceitos são fatores que contribuem para o isolamento, a solidão e a exclusão social das pessoas soropositivas para o HIV, sendo neces sárias intervenções psicossociais com o escopo de atenuar os comportamentos preconceituosos.
Referências
Anjos, R. H. D., de Souza Silva, J. A., do Val, L. F., Rincon, L. A., & Nichiata, L. Y. I. (2012). Diferenças entre adolescentes do sexo feminino e masculino na vulnerabilidade individual ao HIV. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 46(4), 829-837. doi: 10.1590/S0080-62342012000400007.
Araújo, L. F., Teva, I., & Bermúdez, M. P. (2014). Psycho logical and socio-demographic variables associated with sexual risk behavior for sexually transmitted infections/Hiv. International Journal of Clinical and Health Psychology, 14(2), 120-127. doi: 10.1016/ S1697-2600(14)70045-6.
Bermúdez, M. D. L. P., Araújo, L. F. D., Reyes, A. O., Hernández-Quero, J., & Teva, I. (2016). Analysis of cognitive variables and sexual risk behaviors among infected and Hiv-uninfected people from Spain. AIDS Care, 28(7), 890-897. doi: 10.1080/09540121.2016.1161163.
Camargo, B. V. (2005). Alceste: um programa informático de análise quantitativa de dados. In A. S. P. Moreira (Ed.), Perspectivas teorico-metodológicas em repre sentações sociais (pp. 511-539). João Pessoa, Brasil: UFPB/Editora Universitária.
Chaves, A. C. P., Bezerra, E. O., Pereira, M. L. D., & Wolfgang, W. (2014). Conhecimentos e atitudes de adolescentes de uma escola pública sobre a transmis são sexual do HIV Revista Brasileira de Enfermagem, 67(1), 48-53. doi: 10.5935/0034-7167.20140006.
Costa, T. L. da., Oliveira, D. C. de., & Formozo, G. A. (2015). Qualidade de vida e AIDS sob a ótica de pessoas vivendo com o agravo: contribuição preliminar da abordagem estrutural das representações sociais. Cad. Saúde Pública, 31(2), 365-376. doi: 10.1590/0102-311X00180613.
Estavela, A. J. & Seidl, E. M. F. (2015). Vulnerabilidades de gênero, práticas culturais e infecção pelo HIV em Maputo. Psicologia & Sociedade, 27(3), 569-578. doi: 10.1590/1807-03102015v27n3p569.
Furtado, F. M. S. F., Santos, J. A. G., Stedile, L., Araújo, E., Saldanha, A. A. W., & Silva, J. (2015). Interiorização da AIDS representações sociais de residentes de cidades rurais. Atas CIAIQ, Investigação Qualitativa em Saúde, 1(1), 64-68.
Instituto Nacional de Saúde. (2009). Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação sobre o HIV e SIDA em Moçambique 2009. Calverton, Maryland, EUA: INS, INE e ICF macro.
Irffi, G., Soares, R. B., & DeSouza, S. A. (2010). Fatores socioeconómicos, demográficos, regionais e compor tamentais que influenciam no conhecimento sobre HIV/AIDS. Revista EconomiaA, 11(2), 333-356.
Medeiros, B. & Saldanha, A. A. W. (2012). Religiosidade e qualidade de vida em pessoas com HIV. Campinas, Estudos de Psicologia, 29(1), 53-61.
Natividade, J. C. & Camargo, B. V. (2011). Representações sociais, conhecimento científico e fontes de infor mação sobre aids. Paidéia, 21(49), 165-174.
Oliveira, F. B. M., Moura, M. E. B., Araújo, T. M. E., & Andrade, E. M. L. R. (2015). Qualidade de vida e fatores associados em pessoas vivendo com HIV/ AIDS. Acta Paul Enfermagem, 28(6), 510-516. doi: 10.1590/19820194201500086.
Oliveira, J. G., Araújo, J. L., Alchieric, J. C., Pereira, A. K. A. M., Nascimento, E. G. C., & Vasconcelos, R. B. (2013). Conhecimento e comportamento sexual dos universitários diante a vulnerabilidade ao HIV/ AIDS. Revista Baiana de Saúde Pública,37(3), 702-724.
Pereira, T. G., Araújo, L. F., Negreiros, F., & Barros, R. N. N. (2016). Análise do comportamento sexual de risco à infecção pelo HIV em adultos da população em geral. Psico, 47(4), 249-258. doi: 10.15448/19808623.2016.4.23703.
Pineda, L. T. O., Rodríguez, A. F. U., & Orbegozo, L. J. V. (2013). Conocimientos y actitudes frente al VIH/SIDA em padres de familia de adolescentes colombianos. Revista Colombiana de Psicología, 22, 59-79.
Reis, R. K., Santos, C. B., Dantas, R. A. S., & Gir, E. (2011). Qualidade de vida, aspectos sociodemográficos e de sexualidade de pessoas vivendo com HIV/AIDS. Texto Contexto Enferm, 20(3), 565-374.
Said, A. P. & Seidl, E. M. F. (2015). Sorodiscordância e prevenção do HIV: percepções de pessoas em relacionamentos estáveis e não estáveis. Comunicação Saúde Educação, 19(54), 467-78. doi: 10.1590/180757622014.0120.
Silva, L. C., Felício, E. E. A. A., Cassétte, J. B., Soares, L. A., Morais, R. A. de., Prado, T. S., & Guimarães, D. A. (2015). Impacto psicossocial do diagnóstico de HIV/ AIDS em idosos atendidos em um serviço público de saúde. Revista Brasileira Geriatria e Gerontologia, 18(4), 821-833. doi: 10.1590/1809-9823.2015.14156.
Teixeira, E., & Oliveira, D. C. de. (2014). Representações sociais de educação em saúde em tempos de AIDS. Revista Brasileira de Enfermagem , 67(5), 810-7. doi: 10.1590/0034-7167.2014670520.
Teva, I., Bermúdez, M. P., & Ramiro, M. T. (2013). Satisfacción sexual y actitudes hacia el uso del preservativo en adolescentes: evaluación y análisis de su relación con el uso del preservativo. Revista Latinoamericana de Psicología, 46(2), 127-136. doi: 10.1016/S0120-0534(14)70016-0">10.1016/S0120-0534(14)70016-0.
United Nations Program on HIV/AIDS. (2016). Global AIDS update. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS. Genebra, Suíça: UNAIDS.
Von Muhlen, B. K., Saldanha, M., & Strey, M. N. (2014). Mulheres e o HIV/AIDS: intersecções entre gênero, feminismo, psicologia e saúde pública. Revista Co lombiana de Psicología, 23(2), 285-296. doi: 10.15446/rcp.v23n2.29790.
Notas
Autor notes
A correspondência relacionada com este artigo deve estar dirigida a Dr. Ludgleydson Fernandes de Araújo email: ludgleydson@yahoo.com.br; Universidade Federal do Piauí, Campus Ministro Reis Velloso, Departa mento de Psicologia. Av. São Sebastião, 2819, Bairro: São Benedito, Cep.: 64202-020, Parnaíba, PI, Brasil.