Uso adequado de embarque controlado nível 2 pelas montadoras, podem reduzir o índice de recall no Brasil
Adequate use of controlled shipment level 2 by the automobile manufacturer, may reduce the recall index in Brazil
Uso adequado de embarque controlado nível 2 pelas montadoras, podem reduzir o índice de recall no Brasil
Exacta, vol. 16, núm. 1, pp. 137-148, 2018
Universidade Nove de Julho

Recepção: 24 Março 2017
Aprovação: 10 Agosto 2017
Resumo: Nos últimos quatro anos, o índice de Recall aumentou em quase 600%. As empresas automobilísticas, possuem o certificado conforme NBR ISO TS 16949. A principal barreira de contenção deste sistema, para as peças não conforme, são os sistemas de inspeção de peças, antes de serem enviadas para a montadora, chamado de Embarque Controlado Nível 2 (ECN2). O objetivo desta pesquisa foi verificar, dentre 20 empresas do setor automotivo, quais são os critérios e normas para se aplicar um ECN2. Os métodos utilizados foram pesquisa bibliográfica, documental, com abordagem qualitativa. O resultado demonstra que, apenas 51% de ações, para implantar um ECN2, são comuns nas empresas. Dessa forma, o ECN2, para se tornar eficaz e atuar, para minimizar os índices de rejeições e Recall, precisa ser mais pesquisado e difundido entre as empresas.
Palavras-chave: Embarque controlado Nível 2, ECN2, Recall, Qualidade automobilística.
Abstract: In the last four years the Recall index increased by almost 600%. Automotive companies, have the certificate of management quality system according to ISO TS 16949. The main barrier to reject parts of poor quality, is a parts inspection system, before delivery to the final user or assembler, called Controlled Shipment Level 2 (CSL2). The objective of this research was to evaluate, among 20 automobile companies operating in Brazil, what are the criteria and standards to apply a CSL2. The result shows that only 51% of actions to deploy a CSL2 are common among companies. Thus, the CSL2, in order to become effective and to act in order to minimize the rejections and Recall levels, it is necessary further research among companies
Keywords: Controlled Shipment Level 2, CSL2, Recall, automotive quality.
Introdução
O mercado automotivo é hoje um dos mercados mais acirrados no mundo e, especialmente no Brasil, essa competição é especialmente agressiva, seja pela oferta abundante de produtos, que atendem a basicamente todos os nichos, seja pela variada oferta de estilos ou, mesmo, pela grande quantidade de marcas que aqui se instalaram (Macedo, 2015). Nesse cenário, para obter-se sucesso, o melhor produto, em termos de venda, é aquele que tem uma excelente imagem de qualidade e é oferecido pelo menor custo. Com isso as montadoras, lutam por participações de mercado cada vez maiores (Camargo, 2016).
Existe uma carência de publicações de materiais a respeito do Embarque Controlado Automobilísticos, o que torna o conhecimento fraco, tendencioso e subestimando a importância de um sistema de ECN2. Em geral, as empresas Automobilísticas não sabem distinguir o ECN2 de um simples posto de inspeção de qualidade, e quanto este tipo de serviço pode contribuir para a diminuição dos custos de oportunidades, ou custos intangíveis da qualidade.
Conforme o Anuário da Indústria Automobilística Brasileira, em 2015, o Brasil fabricou 2,017.831 automóveis, quase 0,5 milhão a menos que em 2014, produzindo 2,504.117 (Associação Nacional dos. Fabricantes de Veículos Automotores [ANFAVEA], 2016). Já o índice de Recall não diminuiu, conforme a proporção de produção, ao contrário, vem aumentando expressivamente. As figuras 1 e 2 apresentam esse indicador.


A quantidade total de veículos, afetados em Recall, aumentou em 84,8% de 2014 a 2015 e, nos últimos quatro anos, seu aumento foi consecutivo, totalizando 591% (PROCON, 2016).
A figura 3 apresenta o índice de Recall no Brasil nos últimos cinco anos.

Segundo dados do PROCON (2016), de 2011 a 2015, foram realizadas 403 campanhas de Recall, sendo que, pelo menos 201 dessas campanhas, foram iniciadas por defeitos técnicos de componentes. O quadro 1 demonstra esses números em detalhe.

Uma ferramenta disponível para as montadoras agirem em contenção, para bloquear defeitos técnicos de componentes ainda em seus fornecedores, é a implementação de um sistema de Embarque Controlado Nível 2 (ECN2), dessa forma, todas as peças, suspeitas de irregularidades, passam por um processo de rigorosa seleção e, somente peças aprovadas, seguem embarque, rumo à montadora (Elbern, 2012). A figura 4 mostra a quantidade de campanhas de Recall que foram realizadas nos últimos cinco anos, assim como a quantidade de campanhas específicas por defeitos técnicos, sendo esse tipo de defeito possível de se impedir em um processo de ECN2, com grande potencial de ter sido evitado se houvesse a aplicação de um ECN2 eficaz (PROCON, 2016).

Conforme dados do quadro 1, os defeitos, por motivos técnicos de componente, que geraram o Recall, teriam potencial possibilidades de terem sidos impedidos, se houvesse um sistema de ECN2, logo após a detecção de irregularidades iniciais, no processo de fabricação dos componentes, assim, impedindo o envio de peças não conforme ao cliente. A figura 5 apresenta os detalhes de tipos de defeitos dos Recall realizados nos últimos cinco anos, que poderiam ter sido evitado se houvesse a aplicação de um ECN2 eficaz.

Com as realizações dos Recall, dos últimos cinco anos, e a não aplicação de ferramentas como o ECN2, com potencial de bloqueio das não conformidades dos componentes técnicos defeituosos, um elevado índice de oportunidade perdida se apresenta nesse cenário real. A figura 6 apresenta esse percentual.

O ECN2 não possui um padrão de aplicabilidade no Brasil, as empresas fornecedoras criam seus manuais da qualidade e definem a melhor regra, conforme suas políticas de trabalho (Deus, 2011).
O objetivo específico, deste trabalho, é realizar uma pesquisa nos manuais da qualidade de 20 empresas, sendo esses manuais de conhecimento público na internet. Uma comparação nas metodologias e formas de aplicabilidade, e resultados do que elas têm em comum, e no que se diferem nesse quesito.
A Gestão da Qualidade (GQ) é responsável pelo planejamento, controle e aprimoramento das atividades relacionadas à garantia da qualidade, dos produtos ou serviços de uma organização (MIRAGEM, 2009). Essa consiste na utilização de técnicas e modelos de gerenciamento, objetivando a excelência em projetos, processos, produtos e serviços (Battikha, 2003). São princípios da GQ o foco no cliente, o comprometimento dos entes envolvidos da organização, o gerenciamento da qualidade e a melhoria contínua dos processos (Nair, 2006).
Revisão Da Literatura
Uma iniciativa criada em 1976 pelo governo do Estado de São Paulo, a Fundação PROCON-SP, determina que o Recall é um procedimento previsto nas leis; deve ser aplicado pelos fornecedores, como um meio de realizar um alerta aos consumidores, para realizar o chamado de volta dos produtos e serviços, colocado no mercado, que apresentam problemas. No Brasil, o Recall se iniciou nas esferas regulamentárias com a publicação da lei 8.078/90, tornando-se o Código de Defesa do Consumidor [CDC], em 1990 (PROCON, 2016).
Não existe uma informação precisa, a respeito da primeira montadora a realizar um Recall no Brasil (Gonçalves, 2015). Segundo Pastori Filho (2004), no Brasil, as ações de Recall são muito exploradas pela mídia, e tem muito pouca abrangência em estudos acadêmicos. Rizzotto (2003) comenta que são poucos os apelos visuais dos meios de comunicações veiculares, não atingindo de modo eficaz seu público alvo.
A qualidade por si, já foi amplamente discutida e inúmeras técnicas para seu aperfeiçoamento desenvolvidas (Mattos, 2016), e no relacionamento entre Montadora e Fornecedor, muito do que rege a forma de trabalho está na metodologia empregada pela montadora, que é quem, em último estágio, contrata o desenvolvimento do subsistema terceirizado (Vanalle, 2011).
O Esquema de Certificação Automotiva, para ISO/TS 16949, foi criado pela International Automotive Task force [IATF], formada por membros da Original Equipment Manufacturer [OEMs] Automotivos e de associações nacionais da indústria automotiva, representando os fornecedores (Regras para a obtenção e manutenção do reconhecimento da IATF; 4a ed., para ISO TS 16949, p 6-7, 2013).
A supervisão global da IATF implementa e administra todo o esquema de Certificação ISO/TS 16949, reconhecendo os organismos de certificação, para realizar auditorias, conforme ISO/TS 16949, e emitir certificados aos clientes. Os OEMs, membros da IATF, reconhecem os certificados emitidos somente por organismos de certificação reconhecidos, cujos certificados contenham o logotipo da IATF e um número específico da IATF (Regras para a obtenção e manutenção do reconhecimento da IATF; 4a ed. para ISO TS 16949, p 6-7, 2013).
Conforme análise dos requisitos da norma ISO TS 16949, se requer o monitoramento, análise crítica e melhoria contínua na qualidade dos produtos, em todas as fases do desenvolvimento e ciclo de vida (Salvador, 2015). Sistemicamente, a redução das falhas e custos indesejados é melhores obtidos, quando a prevenção ocorre no momento em que ainda temos a ideia sendo concebida (Maleski, 2015). As empresas têm o livre arbítrio para escolha da melhor metodologia a ser seguida, para desenvolvimento dos seus produtos (Souza, 2016).
A não conformidade maior pode ser caracterizada por qualquer não cumprimento, que resultar no provável embarque de produto não conforme, para a montadora (Silva, 2016). A garantia da satisfação do cliente de uma empresa, certificada conforme ISO/TS 16949, deve ser assegurada (NBR ISO/TS 16949, 2010).
De acordo com as Regras para a obtenção e Manutenção do Reconhecimento da IATF (2013), quando essa garantia é quebrada, por falha de desempenho, o cliente de uma empresa certificada, ou qualquer cliente Automotivo de uma organização, pode abrir uma reclamação formal, perante o organismo certificador. O organismo certificador realiza análise, imediata, da situação, para avaliar a gravidade e risco para os clientes da organização certificada. Ainda conforme as regras acima, os casos onde não conformidades maiores forem emitidas, a verificação inclui análise crítica da causa raiz e implantação de correções submetidas pelo cliente. Com base nos resultados dessa análise, o organismo certificador toma a decisão de suspender, ou não, o certificado, podendo iniciar um processo de certificação. Em situações, onde a decisão não é suspender o certificado, quando não conformidades menores forem emitidas, o organismo de certificação requer ao cliente que siga o processo normal para gestão de não conformidades. No caso de suspensão do certificado, a suspensão não deve ultrapassar 110 dias corridos, resultando no restabelecimento ou retirada do certificado (Regras para a obtenção e manutenção do reconhecimento da IATF; 4a ed. para ISO TS 16949, p 47-48, 2013).
Uma ferramenta da qualidade, para evitar o provável embarque de produto, não conforme, para a montadora, é a aplicação de um sistema de controle de qualidade por Embarque Controlado (Elbern, 2012; NBR ISO/TS 16949, 2010).
O Embarque Controlado é uma ferramenta utilizada pela Engenharia da Qualidade do Fornecedor (EQF), que visa assegurar a identificação, contenção e solução dos problemas, antes de serem embarcados para o cliente, garantindo, dessa forma, a conformidade dos produtos (Deus, 2011; NBR ISO/TS 16949, 2010).
As empresas do setor automobilístico possuem critérios para se iniciar e encerrar os Embarques Controlados. De acordo com o Manual da qualidade dos fornecedores, o Embarque Controlado se classifica em Nível 1 e Nível 2, conhecido com ECN1 e ECN2 (Elbern, 2012).
A partir da carta de notificação de ECN1, enviada pelo EQF, o fornecedor deve implementar uma área de inspeção, isolada da linha de produção, com fluxo de entrada e saída, e processos de inspeção bem definidos. Os inspetores podem ser da própria empresa fornecedora, ou profissionais especializados, contratados especificamente para realizar a inspeção. Durante o ECN1, 100% das peças são inspecionadas, na característica descrita na notificação. As peças aprovadas são identificadas e enviadas ao cliente, com a descrição de ECN1, envio de dados de evolução e estatísticas de peças encontradas não conforme, por volume e por característica, conforme acordado com o EQF. O período de vigência do ECN1 varia conforme acordado com o EQF, as regras são descritas na carta de notificação (Deus, 2011; NBR ISO/TS 16949, 2010).
O ECN2 é aplicado quando reincidências de não conformidades ocorrerem no cliente, quando o volume passou pelo fluxo de ECN1. Além das ações descritas no ECN1, o processo de inspeção deverá ser realizado por empresa especializada em ECN2, homologada e reconhecida pelo cliente. Todos os custos pertinentes a essa inspeção, são de responsabilidade do fornecedor. O ECN2 não elimina a atividade de ECN1. (Deus, 2011; NBR ISO/TS 16949, 2010).
Método De Pesquisa
As abordagens metodológicas, utilizadas no desenvolvimento dos trabalhos científicos, têm merecido atenção de diversos pesquisadores na Engenharia de Produção, tendo, como resultado, o desenvolvimento de trabalhos melhor estruturados, que podem ser replicados e aperfeiçoados por outros pesquisadores (Miguel, 2011). A pesquisa qualitativa enfatiza o processo e seu significado, enquanto a quantitativa preocupa-se em medir (quantidade, frequência, intensidade) e analisar as relações causais entre as variáveis (Terence & Escrivão Filho, 2006). De acordo com os objetivos, segundo Diehl e Tatim (2004), a pesquisa pode ser, dentre outras, Pesquisa exploratória: tem, como objetivo, proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou construir hipóteses; Pesquisa bibliográfica: desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos; Pesquisa documental: assemelha-se à pesquisa bibliográfica. A pesquisa documental vale-se de materiais que ainda não receberam tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com o objetivo do trabalho.
As características do método empregado no presente artigo estão descritas no Quadro 2.
| Classificação da Pesquisa | Metodologia Aplicada |
| Abordagem | Qualitativa |
| Natureza da Pesquisa | Aplicada |
| Procedimento Técnico Método | Exploratório Pesquisa Bibliográfica; Pesquisa documental |
Resultados e Discussões
Os critérios de seleção das empresas participantes da pesquisa foram: ser uma empresa industrial no ramo automobilístico; ter certificação ISO TS 16949; possuir seus manuais e procedimentos disponíveis publicamente.
Elaborou-se o roteiro de pesquisa, para nortear a coleta de dados, com base em Manuais e Procedimentos da qualidade de cada empresa. Feitas as devidas pesquisas, os devidos arquivos foram salvos e as devidas leituras e pesquisas foram iniciadas.
Os Manuais da Qualidade e Procedimentos de 20 empresas Brasileiras, de diversos produtos e materiais automotivos foram avaliados, sendo fornecedores de componentes e subconjuntos diretamente aos principais fabricantes de automóveis (OEM - Original Equipment Manufacturers), denominados fornecedores de componentes TIER 1 (os quais fornecem, em regra, sistemas e funções completas diretamente aos OEMs), e os TIER 2 (que fornecem componentes aos TIER 1).
O quadro 3 apresenta as empresas estudadas, com codinomes numéricos sequencial, seguido de um “X”, para preservar os nomes das empresas. É, também, fornecido um resumo de seus principais produtos, além da identificação do tipo de empresa, se é OEM, TIER1 ou TIER2.
| Empresa | Tipo | Produtos fornecidos |
| X1 | OEM | Veículos montados |
| X2 | OEM | Veículos montados |
| X3 | TIER 1 | Componentes automotivos; abraçadeiras; bagageiro de teto; breaklight; engate; espelho retrovisor; estribos; grade de vidro; para-choque de impulsão; protetor de caçamba; |
| X4 | TIER 1 | Peças plásticas; pintura de autopeças; |
| X5 | TIER 1 | Eixo cardan; vedação; |
| X6 | TIER 1 | Componentes automotivos; bombas de dir. Hidráulica; articulação axial; terminal de direção; mecanismo de dir. Hidr.; pivô de suspensão; |
| X7 | TIER 1 | Tapetes do assoalho; dash frontal; revestimento tampa do porta malas; carpete do assoalho; revestimento caixa de roda; revestimento de teto; isolador acústico; |
| X8 | TIER 1 | Chassis e longarinas; componentes estruturais para carroceria e chassi; sistemas automotivos; componentes leves e outros produtos metálicos. |
| X9 | TIER 1 | Para-lamas; para-choque; teto interno, painel; forro de teto; protetor de caçamba; moldura caixa de rodas; painel de instrumentos; conjunto painel interruptor; |
| X10 | TIER 1 | Estrutura completa do encosto do banco dianteiro e traseiro; estrutura do assento do banco dianteiro; conjunto estrutura do módulo dianteiro - para-choque e suporte do farol; para-choque completo traseiro; barra de impacto estampada e tubular de proteção lateral; conjunto - reforço coluna; conjunto - painel traseiro do porta malas; conjunto - tampa do cabeçote; conjunto - reforço do assoalho; conjunto - suporte do amortecedor; |
| X11 | TIER 1 | Alarmes; som automotivo; alto falantes; módulos de vidros eletrônicos; câmera de ré; sensores de estacionamento; travas elétricas. |
| X12 | TIER 1 | Componentes de suspensão; materiais de fricção; sistemas de freio; |
| X13 | TIER 1 | Escapamentos; conjuntos tubulares curvados, soldados, estampados e usinados |
| X14 | TIER 1 | Fundição de sistema de motor, freio, transmissão e direção, suspensão, eixos. |
| X15 | TIER 1 | Filtros de óleo, ar, combustível, ar condicionado, outros filtros. |
| X16 | TIER 2 | Tubos industriais com costura; peças e conjuntos; trefilados tubulares; trefilados tubulares com/sem costura; tubos retangulares e quadrados; tubos redondos; tubos especiais; |
| X17 | TIER 2 | Mangueiras; conexões; tubos e espirais |
| X18 | TIER 2 | Parafusos |
| X19 | TIER 2 | Mangueiras do radiador, combustível, do óleo e da direção hidráulica. |
| X20 | TIER 2 | Estampados de pequeno porte |
O quadro 4 apresenta resultados da pesquisa realizada em cada manual da qualidade das empresas estudadas.
Esses resultados representam todas as ações em comum, dentre as empresas pesquisadas em relação ao ECN2. Pode-se observar que não existe um padrão de ações em comum dentre as empresas. Com a falta de padronização no ECN2, a margem de erro e falta de confiabilidade no ECN2 aumentam, sendo que existem vários critérios distintos, para cada empresa que aplica este serviço de inspeção.

As características, mais citadas, nos manuais da qualidade das empresas, para aplicação de um ECN2, estão descritas no quadro 5, com a porcentagem de empresas estudadas. Pode-se observar que todas se preocupam em definir quando se aplica um ECN2. A maioria determina que este serviço deve ser realizado por empresa terceirizada, além de definir critérios para o encerramento do ECN2. Os critérios para entrar, permanecer e sair do ECN2 devem ser bem claros, e 80% das empresas especificam. As ações a serem realizadas pelos fornecedores tais como corretivas, são definidas por 75% das empresas, sendo este item crucial para o bom desempenho e da garantia da qualidade, além de ações na causa raiz do problema. Quanto a homologação das empresas terceirizadas a realizar o ECN2, 70% das empresas especificam a necessidade de homologarem. Isso permite que empresas desqualificadas realizem este serviço de ECN2, tornando todo o processo instável, já que o prestador de serviço contratado, se não homologado pela empresa, pode realizar o ECN2 sem padrão adequado de modo a garantir a qualidade dos serviços. O local de realização do serviço de ECN2 não é especificado por 65% das empresas, ou seja, pode ser nas dependências do fornecedor, da empresa terceirizada, ou até mesmo no cliente, isso deve ser definido antes de inicio das atividades.
| Definem quando se aplica o ECN2 | 100% |
| Especificam que o ECN2 deve ser realizado por empresa terceirizada | 80% |
| Definem critérios para saída /encerramento do ECN2 | 80% |
| Definem critérios para entrar em ECN2 | 80% |
| Definem ações pelos Fornecedores | 75% |
| Especificam que a empresa terceirizada deve ser homologada pela empresa | 70% |
| Não especificam o local para ECN2 | 65% |
As características menos citadas nos manuais da qualidade das empresas, para aplicação de um ECN2, estão descritas no quadro 6, com a porcentagem de empresas estudadas.
Somente 30% das empresas exigem envio de indicadores de desempenho do ECN2. Isso torna o processo pouco controlado perante o cliente, não tendo um meio de monitoramento das ações e dos resultados, não possibilitando visualizar o nível de problema que está sendo detectado no ECN2, potencialmente poderiam estar chegando ao cliente final se não houvesse este posto de inspeção. Sobre a identificação externa das embalagens, para diferencia-la das demais que não sofreram a inspeção, e até mesmo facilitar uma linha de corte, apenas 30% das empresas especificam que as embalagens devem receber etiquetas de identificação e rastreabilidade do ECN2.
Um dado importante é a área de inspeção, layout e logística do processo. Apenas 25% das empresas determinam detalhes técnicos a respeito da área. 20% das empresas especificam que o ECN2 pode ser nas dependências das mesmas. Somente 10% das empresas proíbem realização de retrabalho no posto de ECN2.
| Especificam que indicadores devem ser enviados, com frequência, para a empresa | 30% |
| Especificam que as embalagens de peças aprovadas devem receber etiqueta de identificação ECN2 | 30% |
| Especificam detalhes técnicos da área, iluminação, fluxo e layout do ECN2 | 25% |
| Especificam que o ECN2 pode ser nas dependências da empresa | 20% |
| Especificam que nenhum retrabalho deve ser realizado no ECN2 | 10% |
As características intermediárias, citadas nos manuais da qualidade das empresas, para aplicação de um ECN2 estão descritas no quadro 7 com a porcentagem de empresas estudadas.
A formalização do inicio do ECN2 é realizada por 55% das empresas. Apenas 40% tem a tratativa de comunicar o órgão certificador ISO TS 16949, o que deveria ser algo aplicável a 100%, sendo que a própria ISO TS 16949 determina a realização do ECN2. Já a realização do processo de ECN2 dentro do processo produtivo pode ser totalmente corrompido em função das pressões de cobrança de volume de itens, e somente 40% especificam que deve ser realizado fora deste processo.
Quanto ao tempo de duração do serviço, e a realização nas dependências do próprio fornecedor, somente 35% das empresas tem especificado em seus procedimentos.
| Comunicam o início do ECN2 por carta escrita | 55% |
| Especificam que se deve comunicar o órgão certificador ISO TS 16949 | 40% |
| Especificam que o ECN2 deve ser fora do processo produtivo | 40% |
| Especificam prazo mínimo de duração de ECN2 | 35% |
| Especificam que o ECN2 pode ser nas dependências do fornecedor | 35% |
O cruzamento dentre todos os manuais da qualidade das empresas, estudadas, resultaram em 17 ações em comum. Estas 17 ações, multiplicadas pelas 20 empresas, resultaram em 340 campos de possibilidades. Desse total, 174 foram preenchidos, resultando em 51% de padronização, sendo 47% OEM; 50% TIER1 e 56% TIER2.
A pesquisa mostra que não existe uma completa cobertura de padronização, dentre as empresas, deixando uma lacuna de 49% das ações não esclarecidas.
Eficácia do ECN2 aplicado em um caso Real
Em uma das mais renomadas empresas prestadoras deste tipo de serviços de ECN2, localizada na cidade de Taubaté-SP, foi levantado os resultados de cada modelo de peças inspecionadas. Esta empresa prestadora de serviços é certificada e homologada pela montadora, além de possuir certificação de gestão da qualidade conforme NBR ISSO 9001, contendo o ECN2 em seu escopo e auditado pelos órgãos credenciados. Sua estrutura física é formada por um grande prédio, exclusivo para a realização desta inspeção. Um laboratório é formado em seus galpões, com toda a estrutura necessária para a realização do ECN2. Neste laboratório existe bancadas, iluminação adequada, climatização para evitar a oxidação dos produtos, e toda uma estrutura de logística para embarque e desembarque das peças. Os inspetores são qualificados, e recebem treinamentos constantemente. Além de grandes instruções de inspeção anexada em todas as paredes, também existem vídeos práticos de inspeção, instruindo como ser realizado cada processo, sequencia de métodos e cuidados ao manusear as peças.
Em 2016, a empresa inspecionou 8 tipos de peças automotivas, no processo de ECN2. Os dados na Tabela 1 apresentam os valores referentes do período de Janeiro/2016 a Dezembro/2016. Todas as peças são para fornecimento direto à montadora de veículos.
| Modelo de pç | Inspecionado | Rejeitado | PPM |
| Pç 1 | 34244 | 258 | 7534 |
| Pç 2 | 51480 | 30 | 583 |
| Pç 3 | 80637 | 41 | 508 |
| Pç 4 | 49860 | 16 | 321 |
| Pç 5 | 123540 | 32 | 259 |
| Pç 6 | 69600 | 12 | 172 |
| Pç 7 | 120240 | 20 | 166 |
| Pç 8 | 71100 | 5 | 70 |
Conforme resultado demonstrado na Tabela 1, pode-se observar elevados índices de peças reprovadas, potencialmente problemáticas. Um total de 414 pçs bloqueadas no ECN2, devolvidas ao fornecedor e impedidas de serem montadas nos veículos. Este índice demonstra que, um sistema eficaz de ECN2, pode sim evitar um Recall, transtornos e acidentes com veículos montados com peças de alto risco de quebra de qualidade.
Conclusão
Com esta pesquisa se conclui que, a cada ano que passa, o índice de não conformidades dos veículos vem aumentando expressivamente. Mesmo com a redução de produção de veículos em torno de 19% de 2014 para 2015, o índice de Recall não diminuiu, e sequer se manteve estável. No mesmo período, com a redução de produção de veículos, o índice de Recall aumentou em torno de 85%, um resultado contrário à tendência esperada com a diminuição de produção. Também, nos últimos quatro anos, o número de Recall no Brasil teve um aumento expressivo em torno de 600%.
Como ferramenta para evitar o envio de peças não conforme, e evitando possíveis ações de Recall, as montadores e autopeças possuem a ferramenta de Embarque controlado Nível 1 e 2, porém, ao comparar os manuais de qualidade de 20 empresas Brasileiras, dentre Montadoras, fornecedores TIER1 e TIER2, constatou-se que não existe um padrão comum entre a implementação do ECN2. De um total de 17 características essenciais em uma aplicação de ECN2, que estão interligadas nos respectivos manuais da qualidade, 10 não são bem esclarecidas e requisitadas. Além de pontos importantes a se considerar em um ECN2, terem baixo índice de tratativas pelas empresas, deixando de se atentar às suas importâncias.
Somente 30% das empresas estudadas determinam a necessidade de indicadores para gestão, sendo esta ferramenta indispensável para o monitoramento da qualidade. Também 30% definem identificação especial para peças aprovadas no ECN2, e somente 10% proíbem o retrabalho no ECN2. Estas são características essenciais para a garantia do ECN2, e ficou evidenciado que poucas empresas se preocupam com estas, e outras também importantes.
As empresas possuem em comum 51% das ações e padronizações de implantação de um ECN2, demonstrando um déficit de 49% nas ações necessárias.
Este resultado de falta de padronização e valorização dos pontos importantes para uma adequada realização de controle de qualidade em ECN2, vai de encontro com o aumento das reclamações dos consumidores e Recall. As empresas têm ferramentas para bloquear as quebras de qualidade, porém não estão aplicando devidamente, tornando o processo amador, e cheio de falhas, além de camuflar um problema maior, a falta de realização de ações eficaz na causa raiz do problema, sem monitoramento contínuo e sem gestão de indicadores.
A realização do ECN2 em uma empresa credenciada e homologada, em 2016 bloqueou 414 pçs rejeitadas, evitando a montagem de veículos com quebra de qualidade, evitando transtornos ao cliente, e falhas de segurança, assim como potencial Recall.
Futuros estudos devem ser realizados, a fim de mostrar resultados de aplicação real de ECN2 e seus resultados, assim como pesquisas de empresas que realizam esse tipo de trabalho de ECN2, suas dificuldades, aceitação e problemas, apresentados em uma implantação de um posto de inspeção ECN2.
O ECN2 precisa ser mais pesquisado, padronizado, e ser difundido entre as empresas, de modo a ser utilizado como uma importante ferramenta, para minimizar as não conformidades e atuar contra o crescimento dos Recall no Brasil.
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