
Recepción: 12 Mayo 2018
Aprobación: 11 Octubre 2018
DOI: https://doi.org/10.5585/ExactaEP.v17n4.8668
Resumo: A energia elétrica é um insumo indispensável para o desenvolvimento socioeconômico. O Brasil, após os anos 1990, passou por um intenso período de privatizações no setor elétrico e, atualmente, o ambiente do setor convive com empresas públicas e privadas. O objetivo deste trabalho foi comparar o desempenho de empresas públicas e privadas, operantes no setor elétrico brasileiro, entre 2003 e 2013, em termos de liquidez, endividamento e rentabilidade. Para a análise dos dados, foram usados métodos de estatística não paramétrica, por meio de aplicação do Teste U de Mann-Whitney. Os resultados apontaram que as empresas privadas obtiveram melhor desempenho nos quesitos de rentabilidade e liquidez. As empresas públicas apresentaram menor grau de endividamento.
Palavras-chave: Desempenho econômico, Setor elétrico, Privatizações.
Abstract: Electricity is an indispensable input for socioeconomic development. Brazil, after the 1990s, underwent an intense period of privatizations in the electric sector, and today the environment of the sector coexists with public and private companies. The objective of this study was to compare the performance of public and private companies operating in the Brazilian electricity sector between 2003 and 2013 in terms of liquidity, debt and profitability. For the analysis of the data, non-parametric statistical methods were used, through the Mann-Whitney U-Test. The results showed that private companies performed better in terms of profitability and liquidity. Public companies had a lower level of debt.
Keywords: Economic performance, Electricity Sector, Privatization.
1.Introdução
A energia elétrica é um insumo indispensável no mundo moderno, pois oferece qualidade de vida à população e abastece as empresas, que produzem bens e serviços e contribuem com a geração de renda.
De acordo com Goldemberg e Lucon (2008), a energia está diretamente associada com o desenvolvimento econômico, existindo evidências empíricas de que nações mais desenvolvidas e em desenvolvimento consomem maior quantidade de energia per capita do que outras, não desenvolvidas.
Na fase inicial, o sistema elétrico brasileiro era privado e, principalmente, a partir dos anos 1950, passou por ampla reestruturação, tornando- se notadamente público. A partir dos anos 1990, sua estrutura passou movimentos de privatização, gerando o modelo atualmente em vigor, com a presença de empresas públicas e privadas, operando simultaneamente, em regime de concessão e permissão, nos segmentos de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia (Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, 2008).
Em dados de 2016, a geração hidráulica respondeu por 65,6% do total da oferta de energia elétrica disponível internamente, cabendo 9,8% para o gás natural, 8,5% para a biomassa, 5,8% para as fontes eólicas, com as demais fontes perfazendo 10,3% da matriz elétrica brasileira (Ministério de Minas e Energia - MME, 2017). Estas informações dão a dimensão da importância estratégica do setor elétrico para o desenvolvimento e o funcionamento da economia brasileira, realçando a relevância dos estudos que visem enfatizar os eventuais resultados alcançados pelas empresas privadas e públicas.
Diversos trabalhos acadêmicos relatam análises empíricas sobre a experiência de privatização de empresas públicas, em vários países. Estes trabalhos apontam, de forma geral, que, após a privatização, as empresas produziram desempenho financeiro superior ao verificado enquanto estavam sob controle público. As razões para tal evolução geralmente são associadas predominantemente à redução de mão de obra, controles de custos e gastos e alocação mais efetiva dos ativos produtivos.
Levando-se em conta que o setor elétrico brasileiro cumpre funções econômicas e sociais e que o seu processo de privatizações se acha relativamente estabilizado, entende-se que é apropriado investigar se desempenho financeiro destes grupos empresariais é efetivamente distinto. Em que pesem as dificuldades causadas pela dimensão temporal reduzida, bem como as motivadas por alterações nos padrões de divulgações de relatórios financeiros, o tema apresenta uma lacuna importante na pesquisa, a qual se pretende preencher mediante uso de ferramentas estatísticas relativamente simples.
Diante dos argumentos anteriormente expostos, o objetivo deste trabalho foi comparar o desempenho financeiro das empresas públicas e privadas, do setor elétrico brasileiro, em termos de liquidez, endividamento e rentabilidade, no período pós-privatizações, compreendido entre 2003 e 2013.
Considerando-se o grau de transformação vivenciado pelo setor elétrico brasileiro, e o nível de importância estratégica deste segmento, esta pesquisa se justifica pela necessidade de melhor compreensão das diferenças entre as performances financeiras de empresas públicas e privadas, atuantes neste mercado. Além disso, a mensuração do desempenho de empresas públicas e privadas pode contribuir para uma avaliação mais aprofundada sobre os resultados alcançados pela privatização observada no setor elétrico nacional, preconizada desde o início dos anos de 1990.
Em razão de todas as empresas pesquisadas possuírem capital aberto, entendeu-se razoável investigar quais grupos são eventualmente mais atrativos para os acionistas e investidores. Dada a importância do mercado de capitais para o desenvolvimento de uma economia, é desejável que empresas saudáveis financeiramente participem ativamente deste mercado, tornando-o mais rentável e atraente aos investidores internos e externos, contribuindo com a geração de riqueza.
2. Referencial Teórico
2.1 Evolução do setor elétrico e privatizações
Morch, Correia, Leite, Bueno e Cogan (2009) afirmam que a primeira iniciativa de regulamentação do uso de recursos hídricos no Brasil se deu em 1906, com a edição do Código das Águas, promulgado em 1934.
Delgado (2004) afirma que o Brasil herdou do período colonial uma economia agrária, exportadora de café. Entretanto, devido à Crise de 1929, ocorreram mudanças internas no país que fomentaram o inicio do movimento industrial nacional, a partir de 1930, voltada à substituição das importações, financiado com os recursos acumulados pela monocultura cafeeira.
Inicialmente, o setor elétrico brasileiro compreendia iniciativas privadas para o abastecimento da indústria doméstica nascente, em resposta ao processo de substituição de importações, decorrentes da Crise de 1929 (Gremaud, Vasconcellos, & Toneto, 2005).
Bresser-Pereira (2003) aponta que, a partir dos anos 1960, a estrutura produtiva brasileira migrou para um modelo estatizado, marcada por forte presença do Estado nas atividades produtivas, tidas como estratégicas ao desenvolvimento nacional, na qual o setor elétrico foi incluído. O mesmo Bresser-Pereira (2003) salienta que, nesta sistemática, o poder público determinava as áreas a serem incentivadas, estabelecida prêmios e punições creditícias, além de controlar a alocação de recursos para a manutenção dos serviços.
A partir dos anos 1980, mudanças da conjuntura econômica interna, ligadas principalmente à alta das taxas de inflação e a perda da capacidade de investimento público fizerem com que o movimento de privatizações fosse iniciado (Brum, 1991).
Diante do quadro descrito, o governo decidiu reestruturar o setor elétrico, por meio de privatizações, que permitiriam a firmas privadas explorar o setor energético, aumentando a concorrência, reduzindo tarifas, procurando gerar melhorarias dos serviços prestados (Morch, Correia, Leite, Bueno & Cogan, 2009).
Definem-se privatizações como a transferência de propriedade e de controle de uma empresa pública para organizações privadas, com objetivos de melhoria de desempenho financeiro e operacional das firmas envolvidas (Bortolotti, Fantini, & Siniscalco, 2001). Existem discussões teóricas sobre os resultados financeiros das empresas após as privatizações, as quais podem melhorar em função de aumentos de preços ou redução de custos, sobretudo os relacionados com a mão de obra (LaPorta & López-de-Silanes, 1999).
Zhang, Parker e Kirkpatrick (2008) afirmam que o movimento de privatizações no setor elétrico se deu em economias desenvolvidas e em desenvolvimento, buscando efeitos sobre a competição, regulação e desempenho das empresas em seus mercados.
Em seus estudos, Andres, Foster e Guasch (2006) enfatizaram que os resultados da transferência de propriedade geraram impactos positivos de curto prazo sobre a produtividade do trabalho, eficiência, e qualidade do produto ou serviço. Contudo, estes acréscimos foram mais modestos após o período de transição, de aproximadamente dois anos.
Por outro lado, Villalonga (2000) sugere que os efeitos negativos sobre o desempenho das empresas após as privatizações são transitórios, sendo compensados pelos efeitos positivos, causados pela mudança da propriedade pública, para privada.
O panorama atual do setor elétrico é descrito por um ambiente onde coexistem empresas privadas e públicas, atuando, pelo lado da oferta, nas atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia, havendo consumidores livres e cativos, pelo lado da demanda (Ganim, 2003).
2.2 Análise financeira das empresas
A Análise das Demonstrações Financeiras é uma técnica de estudo de grande importância para uma empresa, despertando o interesse dos administradores, fornecedores, sócios e acionistas (Assaf, 2012). Para Ferreira (2005), a análise de desempenho pode ser feita através de índices financeiros, os quais permitem a comparação da performance da empresa ao longo do tempo, além de avaliar o seu desempenho em relação às outras concorrentes. De acordo com Matarazzo (2003), a análise dos índices produzidos a partir de informações financeiras das empresas revela a sua situação econômica (liquidez) e, também, financeira (endividamento e liquidez).
Além do mencionado, a comparação dos resultados financeiros entre empresas pode ser feita mediante o uso de índices, que facilitam a interpretação e a avaliação da seu desempenho, ao longo do tempo ou entre grupos (Cherobim, Lemes, & Rigo, 2015).
De acordo com Ross, Westefield e Jaffe (2002), a liquidez se refere à facilidade e velocidade com que os ativos podem ser convertidos em dinheiro. Segundo Gitman (2010), quanto maior é a liquidez, maior a capacidade de uma empresa quitar as suas dívidas de curto prazo à medida que vencem, refletindo a sua posição de solvência e capacidade de pagamento de compromissos em dia. A liquidez corrente, segundo Weston e Brigham (2000), mensura a capacidade de cobertura dos passivos de curto prazo, mediante a realização dos ativos circulantes à disposição da empresa.
O endividamento é observado na estrutura de capital da empresa, considerando a participação de recursos de terceiros captados pela empresa, em relação ao seu passivo total (Assaf, 2012). Segundo Weston e Brigham (2000), o índice de endividamento mede a relação existente entre a dívida total da empresa (passivos circulantes e passivos não circulantes) em comparação com o ativo total à disposição da empresa.
Brealey, Myers e Allen (2013) definem a rentabilidade como o retorno ganho pelo investimento realizado, em dado período de tempo, fazendo menção à remuneração devida aos proprietários dos recursos investidos. Damodaran (2004) afirma que as medias de rentabilidade, ou de retorno, podem se referir tanto à rentabilidade dos investimentos no ativo (Retorno do Ativo - ROA), como em relação ao capital próprio (Retorno Sobre o Patrimônio Líquido – RSPL). O mesmo autor conceitua o retorno específico sobre o capital investido (Retorno Sobre o Capital - ROC), relacionando o lucro operacional proporcionado pelo capital investido na atividade da empresa.
A Margem Líquida é a relação existente entre o lucro líquido e as vendas líquidas da firma, em dado período temporal ou exercício social (Ross, Westerfield, Jordan, & Lamb, 2013).
2.3 Comparação do desempenho financeiro de empresas privadas e públicas
Estudos apontam que as empresas do setor elétrico apresentaram melhor desempenho operacional e financeiro, comparativamente com as empresas públicas. De forma geral, há evidências fortes de que as empresas após as privatizações passaram a apresentar desempenho financeiro e operacional superior àquele experimentado enquanto eram firmas públicas.
Reis, Teixeira e Pires (2007) afirmam que, em seus estudos realizados entre 1988 e 2003, que as empresas privatizadas obtiveram desempenho operacional, em termos de Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora (DEC) e Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora (FEC), superior ao das públicas.
Santos, Chan e Silva (2007) verificaram que, em termos financeiros, as empresas privadas produziram desempenho superior ao período anterior à privatização, exibindo maior capacidade de agregação de valor e redução de despesas com o pessoal.
Segundo Megginson, Nash e Van Randenborth (1994), empresas privatizadas total ou parcialmente entre 1961 e 1990 apresentaram aumento do faturamento real, tornaram-se mais rentáveis, aumentaram seus gastos de capital, experimentaram ganhos de eficiência operacional, reduziram endividamento e aumentaram seus pagamentos de dividendos.
Cardoso, Maia, Santos e Soares (2013) avaliaram o desempenho financeiro de empresas brasileiras, de grande porte, não pertencentes ao setor financeiro, em períodos pré e pós- privatizações, em termos de Economic Value Added (EVA), Market Value Added (MVA), Retorno dos Ativos (ROA) e Retorno do Patrimônio Líquido (ROE), entre 1990 e 2005. Os resultados obtidos mostraram que as empresas obtiveram desempenho econômico superior após as privatizações.
3. Metodologia
3.1 Tipo de pesquisa e fontes de dados
Este trabalho é classificado como um estudo do tipo descritivo. Segundo Cervo e Bervian (2002), a pesquisa descritiva procura classificar, explicar e interpretar os fenômenos que ocorrem, buscando explicar de que modo tais fenômenos ocorrem ou as suas causas.
Foram coletados dados secundários das empresas pesquisadas, junto à base de dados Economatica, no período compreendido entre 2003 e 2013. O período coberto foi selecionado em virtude da própria estabilização do processo de privatizações vivido pelo setor elétrico nacional, a partir de 2003. O horizonte temporal abrangido na pesquisa permite adequada avaliação da evolução dos índices financeiros das empresas que fizerem parte do estudo.
Quando necessário, os componentes dos quocientes calculados neste trabalho (entre 2003 e 2009) foram reclassificados para se evitarem possíveis distorções de seus resultados, em decorrência das determinações da Lei 11.638/2007. Segundo afirmam Braga e Almeida (2009), a Lei 11.638/2007, anteriormente mencionada, fez com que os elementos contidos nos relatórios financeiros produzidos pelas empresas brasileiras se aproximassem mais dos ditames dos normativos internacionais de Contabilidade.
Para a composição da amostra, foram selecionadas empresas de capital aberto, listadas na BMF&BOVESPA, perfazendo um grupo com 25 empresas, sendo 20 privadas e 5 públicas.
3.2 Composição dos índices e procedimentos estatísticos
Os índices de Liquidez (Liquidez Corrente e Liquidez Geral), de Endividamento e de Rentabilidade (Margem Líquida, Rentabilidade sobre o Ativo, Rentabilidade sobre o Patrimônio Líquido, Rentabilidade Sobre o Capital) foram apurados conforme os procedimentos descritos na Figura 1:


Após a apuração dos quocientes em cada período, procedeu-se a verificação de normalidade dos índices calculados, visando à definição sobre o ferramental estatístico a ser usado. Foi aplicado o Teste Shapiro-Francia para a detecção de normalidade das variáveis em questão. Diante dos resultados obtidos nesta fase, optou-se por usar técnicas estatísticas não paramétricas, como se observa na Tabela 2 do tópico Resultados.
A comparação dos resultados foi realizada com a aplicação do Teste U, de Mann-Whitney. Triola (2012) afirma que os testes não paramétricos não exigem que as amostras venham de populações com distribuições normais, ou com quaisquer outros formatos e, por isso, estes procedimentos são chamados de testes livres de distribuição.
Considerando-se a evidência empírica e o respaldo teórico da superioridade do desempenho financeiro de empresa privadas, em relação às públicas, cada par de indicadores de desempenho financeiro foi testado individualmente, à luz das seguintes hipóteses:
H0: As amostras são provenientes de populações iguais.·.
H1: As amostras são provenientes de populações distintas.
Para o caso prático em questão, o objetivo estaria alcançado com a rejeição da hipótese nula em cada par de indicadores financeiros. Em havendo tal rejeição da hipótese nula, poder-se-ia afirmar que há diferenças entre o desempenho do indicador das empresas privadas, comparativamente ao mesmo indicador proveniente de firmas públicas.
4. Resultados
Inicialmente, foi elaborada uma descrição das características estatísticas dos índices calculados, conforme sintetizado na Tabela 1:

Analisando-se a Tabela 1, verifica-se que existem divergências aparentes entre as médias e medianas dos índices das empresas privadas e públicas, nos pares de variáveis comparadas. De forma geral, as empresas públicas se mostraram com maior potencial de liquidez, exibindo médias e medianas sistematicamente mais elevadas.
Por outro lado, as empresas privadas obtiveram resultados superiores nas variáveis que medem rentabilidade e margem líquida. Também cabe destacar o maior endividamento das firmas privadas, em comparação às públicas, evidenciando que as empresas privadas devem ser mais intensivas no uso de capital de terceiros.
Outro fator que merece destaque é a dispersão dos índices calculados em torno das respectivas médias. O desvio-padrão apurado para o desempenho das empresas, de forma geral, pode ter sido afetado pelo tamanho da amostra e pelo tipo de atividade contida na amostra (geração, transmissão, distribuição e comercialização). Cada tipo de atividade demanda uma estrutura operacional distinta, principalmente em termos de imobilização de recursos. Sendo assim, observou-se que os indicadores de liquidez das empresas públicas foram mais dispersos. Por outro lado, firmas privadas endividamento mais disperso, provavelmente motivado pela maior agilidade na captação de empréstimos e financiamentos, do que se observa em empresas públicas.
Com exceção da margem líquida (MLIQ), os índices provenientes da amostra das empresas privadas tiveram maior dispersão (medida pelo desvio-padrão). Isto pode ter sido motivado pela maior diversidade de tamanhos observada entre as empresas privadas, em relação às firmas públicas. A amostra privada, além de maior número de indivíduos, apresenta menor concentração entre as atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica. Cada tipo de empresa tem suas especificidades, sobretudo de tamanho e concentração de ativos, impactando os índices calculados.
Considera-se, também, que as empresas privadas possuem maior flexibilidade para realizar ajustes em seus custos fixos, ao avaliarem que os seus níveis de retorno ficam supostamente abaixo do esperado em determinado período.
A avaliação das medidas de simetria e de achatamento dos resultados amostrais não permite a extração de uma tendência clara. Portanto, a presença de outliers não é claramente indicadora de superioridade no desempenho de um ou de outro grupo.
Sendo assim, os resultados mostrados nas estatísticas descritivas não devem ser considerados satisfatórios de imediato, pois as amostras têm tamanhos diferentes. Apesar de as firmas públicas contarem com amostras menores, estas, salvo exceções, têm suas distribuições de probabilidades com maior assimetria e menor achatamento, em comparação aos índices das empresas privadas. Dados com maior dispersão podem evidenciar elevadas discrepâncias entre si e, consequentemente, interferência de outliers nas amostras. Como já indicado, com exceção de MLIQPRI, as amostras das firmas privadas tendem a possuir maior dispersão (evidenciada pelo desvio- padrão elevado, em relação às públicas) e severamente afetadas por outliers (principalmente observado em ENDIVIPRI, ROAPRI, ROEPRI e ROCPRI).
Em geral, as observações extremas determinam as assimetrias das suas amostras, as quais não exibiram um padrão de comportamento único, nas comparações entre os índices privados e públicos.
Para melhorar a qualidade da comparação entre os pares de índices, avaliou-se a normalidade dos quocientes obtidos, em cada grupo de indicadores. Para tanto, aplicou-se o Teste Shapiro- Francia, cujos resultados são mostrados na Tabela 2. As hipóteses do Teste Shapiro-Francia foram:
H0: Os dados são normalmente distribuídos
H1: Os dados não são normalmente distribuídos

Os resultados contidos na Tabela 2 indicam que, dentre os 14 quocientes avaliados, apenas 4 deles são normalmente distribuídos, ao não permitir a rejeição da hipótese nula do teste. Estes resultados representam apenas 28,57% do total dos quocientes apurados. Também se observou que em nenhum dos casos houve pares de variáveis com normalidade em ambos os casos. Apenas LCORPU, LGPU, ROEPU e ROCPU não sofreram rejeição da hipótese nula do teste de normalidade de Shapiro-Francia.
Portanto, a apuração das eventuais diferenças entre as médias dos desempenhos ficou inviabilizada. Segundo Kazmier (1982), para se apurar a diferença estatística entre médias, utilizando-se o Teste t, as variáveis devem ser normalmente distribuídas. Além disso, uma eventual utilização do Teste Z necessitaria de variáveis com distribuição simétrica, o que também não é o caso, como relatado na Tabela 1.
Na visão de Spiegel (1993), quando as amostras não seguem uma tendência de normalidade, surgem dúvidas quando ao comportamento efetivo das populações de onde foram extraídas. Nestes casos, faz-se necessário o uso de métodos estatísticos independentes de parâmetros populacionais, principalmente da média.
Para que sejam aplicados testes não paramétricos, deve-se utilizar uma medida de posição que não é afetada por elementos extremos, sugerindo que a mediana seja, provavelmente, a medida mais indicada nestes casos (Larsen & Marx, 2006).
Assim, considerando-se a restrição quando à normalidade da distribuição da maior parte dos quocientes, foi aplicado o Teste U, de Man- Whitney, para avaliar se os dados amostrais eram provenientes de populações iguais ou diferentes.
De acordo com Moore, McCabe, Duckworth e Sclove (2006), o Teste U deve ser preferível aos testes paramétricos quando as amostras tiverem tamanhos diferentes, forem afetadas por assimetrias e não forem normalmente distribuídas.
As hipóteses adotadas para a aplicação do Teste U foram:
H0: As amostras são provenientes de populações iguais.
H1: As amostras são provenientes de populações diferentes.
Os resultados obtidos na aplicação do Teste U são exibidos na Tabela 3:

Os resultados contidos na Tabela 3 mostram que em três dos sete pares de índices, pode-se afirmar que os indicadores de desempenho de empresas privadas e públicas não são estatisticamente diferentes. O valor em módulo do escore Z, além do Valor-p calculado, mostra que não houve a rejeição da hipótese nula do Teste de Mann-Whitney nos casos apontados (LCOR, LG e MLIQ).
A não rejeição da hipótese nula do teste supõe que, ao nível de confiança de 1%, as amostras são decorrentes de populações iguais, não permitindo a afirmação de que as medianas sejam estatisticamente diferentes. Nestes casos específicos, os índices de Liquidez (Corrente e Geral) e de Margem Líquida, de empresas privadas e públicas, não podem ser considerados estatisticamente distintos. Adicionalmente, nota-se que os resultados para a margem líquida, embora diferentes aos níveis de significância de 1% e 5%, indicado por (*), respectivamente, não permitem a rejeição da hipótese nula ao nível de 10%. Isto faz com que, em situações menos restritivas, as populações de medianas dos índices de margens líquidas das empresas também possam ser consideradas iguais.
Apesar das amostras de dados das empresas privadas serem maiores do que as amostras das firmas públicas, as últimas sofreram menos com a ação dos outliers, possuindo, na maioria dos casos, menores assimetrias e distribuições relativamente mesocúrticas. A evidência apontada pode contribuir para reduzir o grau de dispersão dos resultados, além de atenuar o efeito médio da ação de outliers sobre as médias das amostras.
Por outro lado, os resultados mostraram que a hipótese nula do Teste Mann-Whitney foi rejeitada em relação aos índices de endividamento e de rentabilidade (ROA, ROE e ROC). Segundo o que se observa na Tabela 3, os resultados do Teste U indicam que os índices ROAPRI e ROAPU, ROEPRI e ROEPU e ROCPRI e ROCPU se mostraram derivados de populações distintas. Também se anota que há dúvidas quanto a diferença das medianas de MLIQ. Isto faz com que as respectivas medianas sejam estatisticamente distintas entre si.
Os resultados estatísticos apontam que os índices de endividamento das empresas privadas são maiores que os observados nas empresas públicas. Isto pode ser explicado, em boa parte, pela maior agilidade captação de recursos por parte deste grupo. Enquanto as firmas privadas podem optar por fontes variadas de recursos livremente, as organizações públicas devem obedecer a procedimentos legais e orçamentários específicos, que podem tornar as operações menos competitivas, além de menos ágeis. Gestores privados têm maior flexibilidade para as suas decisões de financiamento, podendo optar, inclusive, por maiores riscos. Questões estratégicas das empresas privadas também podem indicar que estas, deliberadamente, possam incorrer em maior grau de alavancagem, aproveitando benefícios fiscais do endividamento.
Pelo observado na Tabela 1, o desempenho percebido na rentabilidade das empresas privadas foi sistematicamente superior àquele alcançado firmas públicas. As medianas de ROA, ROE e ROC foram sempre maiores no grupo de firmas privadas. A rejeição da hipótese nula do Teste U, afirmando que as variáveis derivam de amostras distintas, permite afirmar que as empresas privadas foram mais rentáveis do que as públicas.
A maior rentabilidade e margem líquida das empresas privadas pode ser explicada por diversos fatores. Inicialmente, acredita-se que as empresas privadas têm sistemas de gerenciamento dos seus custos mais eficazes do que as públicas. Além disso, após as privatizações, as novas empresas privadas, originadas da cisão e venda das antigas companhias elétricas públicas, podem criar monopólios ou oligopólios regionais, os quais podem explorar mercados com nenhuma ou reduzida competição de preços. Este fator pode, em situações limites, criar monopólios naturais nas regiões de atuação destas firmas, o que as torna ainda mais competitivas em termos financeiros.
Outro argumento em favor da maior rentabilidade de empresas privadas está na gestão da folha de pagamentos. Firmas públicas têm maior dificuldade de redução de seus quadros de empregados, em momentos de queda de receitas, comprometendo reequilíbrio de seus custos fixos. Já as empresas privadas podem ajustar os seus quadros com maior agilidade, inclusive nos casos de necessidade da recomposição de força de trabalho, a qual pode ser realizada sem obrigatoriedade de concursos públicos e outros procedimentos determinados em legislações próprias, indispensáveis às organizações do setor público.
A eficiência das empresas privadas na gestão dos seus ativos tangíveis operacionais também pode ser um fator preponderante para torna-las mais rentáveis. A elevada concentração de ativos fixos, comum na maioria das atividades ligadas à geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, pode ser mais bem explorada por empresas privadas, devido à maior flexibilidade e agilidade na tomada de decisões de investimento e de financiamento. Empresas púbicas devem atender às legislações específicas, sobretudo no que se refere às licitações e tomadas de preços, nas aquisições de ativos fixos, contratação de serviços e de mão de obra, além de outras atividades.
5. Conclusões e recomendações
Este trabalho teve como objetivo comparar o desempenho econômico-financeiro de empresas privadas e públicas, no Brasil, no período pós-privatizações, entre 2003 e 2013. Foram calculados índices de liquidez, endividamento e rentabilidade, a partir de informações coletadas de 25 empresas, sendo 20 privadas e 5 públicas.
Diante dos resultados encontrados, pode-se concluir que as empresas privadas apresentaram melhor desempenho financeiro, no que se refere ao retorno do ativo e do investimento realizado. Também se observou que as empresas privadas são mais alavancadas do que as empresas do setor público. Embora os números absolutos indiquem que as firmas públicas tenham maior liquidez, não há evidência estatística de que tais diferenças sejam realmente significativas.
Portanto, a partir dos achados deste trabalho, conclui-se que as empresas privadas obtiveram performance superior às obtidas pelas firmas públicas, nos indicadores de: nível de endividamento, retorno do ativo, retorno do patrimônio líquido e retorno do capital investido, considerando-se o horizonte de tempo coberto neste material.
Este trabalho apresenta contribuições teóricas, embora modestas, no sentido de corroborar a evidência de que as empresas privadas apresentaram melhor desempenho financeiro, em comparação às congêneres públicas. Redução de custos, racionalização de mão de obra e ganhos de produtividade dos ativos explicam tal evidência, como previsto em teoria.
A contribuição prática efetivamente oferecida pela pesquisa é o uso de alternativa simplificada na comparação de desempenhos dos grupos de empresas enfocadas. Em geral, tais análises são feitas mediante uso de modelagens econométricas, as quais testam variáveis independentes e seus resultados, que podem ser comprometidos na ausência de normalidade. O uso de técnicas estatísticas não paramétricas traz formas mais simplificadas de comparação entre amostras que não atendam requisitos de normalidade, pela comparação e inferências sobre as medianas amostrais e populacionais.
Outra contribuição prática da pesquisa é a sugestão de um método simples para a seleção de alvos de investimentos pelos agentes superavitários, presentes no mercado financeiro nacional e externo. Ao se comprovar a superioridade do desempenho financeiro de um grupo, em relação a outro, este pode ser tornar preferível na alocação de recursos, tornando-se uma alternativa de investimento atraente.
Contudo, deficiências decorrentes do uso de técnicas não paramétricas, atribuídas à não normalidade das distribuições amostrais dos índices usados nas comparações de performance podem ter comprometido a interpretação os resultados. Adicionalmente, o tamanho reduzido das amostras pode ter gerado impactos sobre os achados desta pesquisa.
Como sugestão, indica-se a continuidade deste trabalho, por meio de análise acurada do comportamento das receitas e custos relacionados às empresas públicas e privadas, buscando elucidação sobre questões de natureza estratégica, quanto às peculiaridades, na gestão de cada grupo de organização.
De forma complementar, é sugerida a replicação deste trabalho para outros setores de atividade, os quais tenham passado por experiências de privatização, a fim de se avaliar a possibilidade de generalização dos resultados aqui obtidos a outros setores de atividades.
Também se sugere o aprofundamento do estudo do índice de Margem Líquida em específico, dada a importância da análise de eventuais melhorias no desempenho financeira das empresas privatizadas, em função de eventuais aumentos de preços ou práticas internas de controle de custos, as quais podem tornar mais eficientes as relações entre o lucro líquido e o faturamento das empresas do setor.
Adicionalmente, também se sugere que pesquisas futuras comparem aspectos operacionais das empresas públicas e privadas, para averiguar se o desempenho financeiro superior das firmas privadas pode ser explicado pela evolução de aspectos de eficiências operacionais.
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Notas de autor