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Aplicabilidade de práticas de produção enxuta em operações de serviços: uma análise pela perspectiva de volume e variedade
Aplicabilidade de práticas de produção enxuta em operações de serviços: uma análise pela perspectiva de volume e variedade
Exacta, vol. 17, núm. 3, pp. 100-120, 2019
Universidade Nove de Julho

Recepción: 22 Febrero 2018
Aprobación: 11 Junio 2018
Resumo: Embora tenha suas origens em operações de manufatura, a produção enxuta tem sido um modelo de gestão cada vez mais procurado por gerentes de operações de serviços. Assumindo a premissa de que o tipo de processo é uma variável relevante para a produção enxuta, este artigo investigou a aplicabilidade de práticas de produção enxuta em diferentes tipos de processos de serviços, de forma a compreender as implicações das dimensões de volume e variedade para esse sistema. Para tanto, foram conduzidos seis estudos de caso em processos de serviços distintos. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os gestores das empresas, com o objetivo de analisar as possíveis dificuldades e oportunidades para a aplicação da produção enxuta. Como resultado, foram identificados facilitadores e barreiras de aplicação de práticas de produção enxuta relacionadas com as dimensões de volume e variedade em serviços. Esses facilitadores e barreiras deram origem a um framework inicial que serve como ponto de partida para pesquisas futuras.
Palavras-chave: Produção enxuta, Operações de serviços, Volume, Variedade.
Abstract: Although lean production is rooted in manufacturing operations, service operations managers have increasingly sought this management model. Assuming that the type of process is a relevant variable for lean production, this article investigated the applicability of lean production practices in different types of service processes, in order to understand the implications of volume and variety dimensions for this system. For this purpose, six case studies were conducted in different service processes. Semi-structured interviews were carried out with managers of the case companies to analyze potential difficulties and opportunities for applying lean production. As a result, facilitators and barriers to the application of lean production practices related to service volume and variety dimensions were identified. These facilitators and barriers generated an initial framework that provides a starting point for future research.
Keywords: Lean production, Service operations, Volume, Variety.
1 Introdução
A produção enxuta (do inglês lean production) tem sido reconhecida em organizações de serviços como um modelo de gestão capaz de auxiliar os gestores a amenizar ou eliminar desperdícios nos processos, diminuindo custos e aumentando a eficiência nas operações. O lean service é usado nas operações de serviços como uma abordagem de melhoria contínua e redução das perdas que influencia na mudança de cultura e garantia da qualidade do serviço prestado (Suárez- Barraza, Smith, & Dahlgaard-Park, 2012).
Mesmo com diversas aplicações do lean em serviços, como hospitais (Régis, Gohr & Santos, 2018; Roemeling, Land, & Ahaus, 2017), hotelaria (Vlachos & Bogdanovic, 2013), call centers (Smith, Paton, & MacBryde, 2018) e órgãos governamentais (Carter et al., 2013), não se pode afirmar que todos os processos tenham o mesmo grau de aplicabilidade da produção enxuta. Segundo Deflorin e Scherrer-Rathje (2012), faltam pesquisas que considerem as especificidades dos diferentes tipos de processos na implementação enxuta, assim, eles questionam a sua universalidade. A questão da não universalidade da produção enxuta está ligada à corrente atual de pesquisa sobre os efeitos das variáveis contextuais e contingências na implementação da produção enxuta (Tortorella, Fettermann, Frank, & Marodin, 2018; Netland, 2016; Marodin, Frank, Tortorella, & Saurin, 2016).
Do ponto de vista contextual, a existência de diferenças entre a aplicação da produção enxuta nos vários tipos de processo deve ser considerada e discutida na sua implementação (Deflorin & Scherrer-Rathje, 2012), tendo em vista que as técnicas enxutas diferem em sua aplicabilidade dependendo das características específicas do processo (Abdulmalek, Rajgopal, & Needy, 2006). A escassez de pesquisas comparativas em diferentes ambientes produtivos deixa em aberto o entendimento dos limites de aplicabilidade da produção enxuta (Jasti & Kodali, 2015).
Com foco na produtividade em serviços, Carlborg, Kindstrom e Kowalkowski (2013) apresentaram um estudo que leva em consideração as tipologias dos processos de serviços para investigar a aplicabilidade da produção enxuta. Embora o estudo de Carlborg et al. (2013) tenha sido pioneiro em termos de propósito, o artigo é de caráter conceitual, carecendo de um estudo empírico para a validação de suas proposições.
Com o propósito de investigar a aplicabilidade de práticas de TQM (Total Quality Management) em operações de serviços, Silvestro (2001) pesquisou as contingências na implementação desse modelo de gestão em diferentes tipos de processos. Para isso, a autora utilizou a tradicional classificação de serviços apresentada por Silvestro, Fitzgerald, Johnston e Voss (1992): serviços profissionais, lojas de serviços e serviços de massa. A autora testou suas proposições de pesquisa em estudos de caso que representavam diferentes posicionamentos nas dimensões de volume e variedade estabelecidas em sua tipologia.
Como Silvestro (2001) encontrou diferenças na implementação de práticas de TQM nos diferentes processos de serviços, é possível inferir que a implementação da produção enxuta em serviços também poderá variar nas dimensões de volume e variedade. Com base nisso, este artigo se propõe a investigar até que ponto a aplicabilidade das práticas de produção enxuta varia nas diferentes dimensões de volume e variedade que dão origem à tipologia de Silvestro et al. (1992).
De certo modo, este trabalho dá continuidade à pesquisa de Silvestro (2001) no que se refere à investigação das contingências e implicações gerenciais que as dimensões de volume e variedade dos processos de serviços podem acarretar. Este artigo também complementa a pesquisa de Carlborg et al. (2013), que identificou, apenas teoricamente, diferenças na aplicabilidade da produção enxuta para os diferentes processos de serviços, embora não tenham utilizado exatamente as mesmas dimensões de Silvestro et al. (1992). Contribuindo com uma investigação empírica e com uma análise mais abrangente que a de Carlborg et al. (2013), este artigo apresenta resultados de pesquisa provenientes de seis estudos de caso que representam processos posicionados diferentemente na matriz volume-variedade. Por outro lado, o trabalho também contribui para orientar gerentes de serviços que têm a intenção de implementar a produção enxuta em suas operações, uma vez que os resultados demonstram quais características constituem facilitadores ou barreiras para a implementação.
Após a seção de introdução, o texto deste artigo segue com uma breve revisão de literatura que estabelece as variáveis da pesquisa, delineando as práticas que foram utilizadas e as dimensões de volume e variedade em serviços. Em seguida, os procedimentos metodológicos para a realização da pesquisa de campo são apresentados. Depois disso, os resultados dos estudos de casos são apresentados seguidos de uma discussão geral que propõe um framework de aplicabilidade das práticas de produção enxuta em serviços. O artigo se encerra com as conclusões do estudo.
2 Práticas de produção enxuta
As raízes do que hoje vem sendo denominado de produção enxuta são associadas às características do Sistema Toyota de Produção (STP), descrito a partir do artigo seminal de Sugimori, Kusunoki, Cho e Uchikawa (1977). Com o trabalho de Womack e Jones (2004), o termo produção enxuta foi adotado como uma generalização do STP e disseminado em torno dos conceitos básicos de agregação de valor e melhoria contínua.
Mesmo com a ampla disseminação da produção enxuta, o amplo estudo empírico de Shah e Ward (2007) a reconhece como um conceito complexo, no qual a produção enxuta é um sistema composto de um conjunto de práticas interrelacionadas. Essa ideia é compartilhada por vários autores da área, tais como Furlan, Vinelli e Dal Pont (2011) e Bortolotti, Boscari e Danese (2015), que defendem que as práticas de produção enxuta representam os subsistemas que a caracteriza.
As primeiras práticas de produção enxuta divulgadas na literatura estavam relacionadas ao controle do fluxo de produção, tais como kanban, one-piece flow e jidoka (Sugimori et al., 1977). Com a ampliação do escopo do SPT para a produção enxuta, a visão sistêmica foi se consolidando (Soliman, Saurin, & Anzanello, 2018; Saurin, Rooke, & Koskela, 2013) e o conjunto de práticas consideradas como “enxutas” foi aumentando. Obviamente, surgiu como consequência a discussão sobre quais práticas pertenciam ou não ao sistema de produção enxuta.
Por outro lado, também surgiu a discussão sobre a aplicabilidade universal da produção enxuta e suas práticas (Netland, 2016; Cooney, 2002). Partindo da premissa de que nem todo sistema de produção é considerado apropriado para a produção enxuta, as suas práticas demandam requisitos que as tornam mais ou menos aplicáveis a cada contexto. Esses requisitos de aplicabilidade, por sua vez, dependem do tipo de processo, tal como já foi constatado por Deflorin e Scherrer-Rathje (2012) e White e Prybutok (2001).
Em busca de estabelecer um conjunto de práticas que pudesse fornecer a base conceitual para esta pesquisa, os autores deste artigo partiram da lista de práticas estabelecidas por Godinho Filho e Fernandes (2004), fruto de uma ampla revisão de literatura. Em seguida, essa lista foi ajustada com base em livros clássicos, como Shingo (1989), Ohno (1997) e Liker (2005), de onde se extraíram os requisitos de aplicabilidade de cada prática. O Quadro 1 mostra um resumo dessas práticas com exemplos de referências básicas sobre o assunto.

É importante ressaltar que as práticas do Quadro 1 foram concebidas para ambientes de manufatura, não existindo uma lista de práticas na literatura que possam ser consideradas exclusivas para lean service. Esse fator adiciona relevância a esta pesquisa que, numa perspectiva mais ampla, busca entender os limites da aplicabilidade da produção enxuta em serviços.
3 Volume e variedade em serviços
A alta variação da demanda, o baixo volume de produção, a baixa repetitividade dos processos e a customização dos produtos são algumas das características que podem trazer dificuldades na aplicação da produção enxuta (Deflorin & Scherrer- Rathje, 2012; White & Prybutok, 2001). Assim, como os processos de manufatura se diferenciam entre si nessas dimensões, os processos de serviços também se diferenciam e, portanto, podem ser mais ou menos aderentes à produção enxuta. As implicações dessas diferenças representam o objeto de estudo desta pesquisa.
De um modo geral, as diferenças entre os processos de serviços, e as implicações gerenciais decorrentes disso, representam um assunto ainda relevante nos dias atuais que sido abordado em pesquisas recentes (ex.: Eissens-van der Laan, Broekhuis, van Offenbeek, & Ahaus, 2016; Contiero, Ponsignon, Smart, & Vinelli, 2016; Belvedere, 2014). Muitas dessas pesquisas propõem modelos de classificação de processos de serviços que seguem a lógica da clássica matriz produto-processo de Hayes e Wheelwright (1979), tais como fizeram Aarnio (2015), Collier e Meyer (1998) e Kellogg e Nie (1995).
Entretanto, dentre as classificações de processos de serviços disponíveis na literatura, a matriz volume-variedade de Silvestro et al. (1992) foi certamente a que alcançou maior repercussão. Essa matriz correlaciona o volume de clientes processados com seis dimensões ligadas à variedade: grau de contato com o cliente, grau de personalização, grau de autonomia dos funcionários, foco em pessoas/equipamentos, valor agregado na linha de frente/retaguarda e orientação para produto (ou resultado) vs. orientação para o processo. O resultado da correlação entre as dimensões de volume e variedade gera três tipos clássicos de processos serviços (Figura 1): serviços profissionais, loja de serviços e serviços de massa.
Silvestro et al. (1992) explicam que nos serviços profissionais ocorre um alto grau de contato com o cliente, que muitas vezes detalha suas necessidades individuais na definição da especificação do serviço. Como consequência, o serviço é bastante flexível e orientado para a linha de frente com a presença do cliente. Os serviços profissionais possuem foco nas pessoas, sendo os equipamentos destinados apenas para auxiliar o profissional. Assim, as oportunidades para substituição do serviço profissional por equipamentos ou tecnologia tendem a ser mais limitadas do que em serviços de massa. Isso se deve tanto às relações criadas entre os profissionais e seus clientes, como também se deve ao fato de que o valor do serviço profissional está no conhecimento e na habilidade de quem o oferece.
Em um lado oposto aos serviços profissionais, estão os serviços de massa (ou “em massa”). Uma das principais características desse tipo de serviço é atender uma grande quantidade de clientes por dia, sendo que as especificações da produção são determinadas antes da participação do cliente. Assim, embora possa haver várias opções de escolha, essas já são predeterminadas, havendo pouco espaço para flexibilidade no processo e autonomia para os provedores do serviço. A padronização favorece o uso de equipamentos para a produção no serviço, que embora se faça necessária a presença do cliente, o contato é relativamente baixo e impessoal.
As lojas de serviço estão entre os serviços profissionais e os de massa. Nesse tipo, a operação atende uma quantidade de clientes não tão baixa quanto o serviço profissional, mas não tão alta quanto o de massa. O valor do serviço é gerado tanto na linha de frente quanto na retaguarda.
O principal efeito da relação entre as dimensões de volume e variedade em serviços são as três tipologias de processos que surgem delas. No entanto, ao pesquisar diferenças na implementação de práticas de TQM em serviços, a pesquisa de Silvestro (2001) revelou a importância das variáveis que compõem o modelo de classificação de serviços, além das tipologias em si. Somando-se às práticas que foram detalhadas na seção anterior, as dimensões de volume e variedade compuseram as variáveis necessárias para a realização desta pesquisa.
4 Procedimentos metodológicos
Para embasar teoricamente a pesquisa que deu origem a este trabalho, foi realizada uma revisão de literatura com buscas de artigos na base de dados Web of Knowledge. Para isso, foram definidas palavras-chave relacionadas ao tema, como por exemplo, “lean service”, “lean thinking” e “service operations”. As palavras-chave foram utilizadas em buscas simples e combinadas e geraram um conjunto inicial de artigos que foi reduzido de acordo com a afinidade ao tema. Assim, a pesquisa bibliográfica confirmou a relevância do tema diante da literatura existente, além de estabelecer um suporte teórico para a realização do trabalho.
Para testar a aplicabilidade das práticas de produção enxuta nas operações de serviços, foi escolhida a abordagem do estudo de caso como método de investigação. Para isso, foram selecionadas cinco organizações de serviços que fossem capazes de abranger a maior parte das dimensões estabelecidas por Silvestro et al. (1992): centro de educação profissional, clínica médica, concessionária de veículos, empresa de ônibus intermunicipal e interestadual e uma loja de uma rede de fast-food. Para a seleção dos casos, foram estabelecidos os critérios de abrangência e acesso. Abrangência para envolver todo o espectro da matriz volume-variedade. Acesso para facilitar a coleta de dados, com a possibilidade de comunicação direta com os responsáveis pelo processo.
A unidade de análise adotada foi o processo do serviço, sendo que das cinco organizações foram selecionados seis processos que tinham relevância suficiente para caracterizar estudos de caso distintos. Embora as empresas não se tenham oposto a divulgar sua identificação, os autores optaram por manter em sigilo os dados que permitissem identificá-las.
Na condução da pesquisa de campo, os principais instrumentos de coleta de dados utilizados foram as entrevistas semiestruturadas e a observação dos processos, que tomava como base os questionamentos da entrevista. As entrevistas tinham em média uma hora de duração e foram realizadas com os responsáveis por cada processo, normalmente o gerente da empresa ou alguém que trabalhasse mais diretamente no processo estudado. Como a unidade de análise era limitada ao processo e a maior parte das empresas era de pequeno porte, as informações fornecidas apenas pelo responsável pelo processo foram geralmente suficientes para esgotar todos os dados necessários. Além disso, como a maior parte era composta de pequenas empresas, em alguns casos havia somente uma pessoa na empresa que possuía o conhecimento necessário para responder à entrevista. Assim, seis pessoas (uma para cada processo estudado) foram submetidas ao roteiro completo de entrevista. Em alguns casos, pessoas adicionais foram consultadas para questões específicas, permitindo a confirmação e a triangulação de dados.
Além das entrevistas com os responsáveis pelos processos, também foi de grande importância a observação in loco. Como se tratava de uma pesquisa que analisava a possibilidade de aplicação de diversas práticas enxutas, foi importante aproveitar o olhar de pesquisadores que já tinham experiência prévia com as práticas aplicadas em outros ambientes. Além disso, as observações dos processos também permitiam a triangulação de dados, confrontando os dados fornecidos nas entrevistas com a realidade observada in loco.
As entrevistas foram aplicadas com o objetivo de analisar as dimensões de volume e variedade dos processos e as possíveis dificuldades e oportunidades para a aplicação da produção enxuta. Portanto, a coleta dos dados foi separada em duas etapas para cada processo pesquisado. A primeira etapa objetivava a identificação dos processoschave da empresa e seu posicionamento na matriz de volume e variedade. A segunda etapa consistiu na identificação da aplicabilidade da produção enxuta com base nas suas práticas. Para tanto, as perguntas procuravam identificar o grau de dificuldade de aplicação das práticas enxutas no processo. Assim, foi possível relacionar a aplicabilidade das práticas de produção enxuta com as respectivas influências das dimensões de volume e variedade.
Na fase de interpretação dos dados foram geradas duas categorias de análise: facilitadores e barreiras de aplicação da produção enxuta. Os facilitadores e as barreiras foram relacionados com as dimensões de volume e variedade, resultando na proposição de um framework.
5 Resultados
Esta seção apresenta os resultados dos seis estudos de caso conduzidos na pesquisa que originou este artigo. Dentre os seis estudos de caso, dois corresponderam a processos diferentes de uma mesma organização: o processo de atendimento para vendas de veículos novos e seminovos e o processo de manutenção de veículos, ambos em uma concessionária. Esses e os demais processos estão listados no Quadro 2.

Os processos estudados faziam parte de organizações prestadoras de serviços situadas em cidades de grande porte da região Nordeste do Brasil. A diversidade no ramo de atividade e nos tipos de processo foi necessária para que se abrangesse todo o espectro da matriz volumevariedade.
Após realização da primeira fase de coleta de dados, os processos estudados foram classificados segundo as dimensões de volume e variedade. Assim, foi possível posicionar cada processo na matriz, conforme a Figura 2. Os processos foram ordenados do menor para o maior volume de clientes atendidos por dia e em seguida classificados de acordo com as outras seis dimensões.

A aplicabilidade da produção enxuta nos processos estudados foi analisada por meio das suas práticas, a partir dos dados coletados. Nesta seção é apresentada a influência que cada característica do processo poderia exercer sobre a aplicação de cada prática enxuta. Para a apresentação dos resultados, optou-se pela análise cruzada dos casos (cross case), sendo que, ao invés de detalhar os resultados por caso, os resultados são apresentados por prática.
5.1 Mapeamento do fluxo de valor
Ao analisar os diferentes processos, observou-se que o atendimento na clínica médica apresentava uma maior dificuldade de formalizar as operações, medir o tempo necessário para realizar cada tarefa e mapear atividades. Diferentemente dos outros processos estudados, esse foi considerado como o que tinha o maior grau de contato com o cliente, a mais alta customização e a maior autonomia dos empregados, pois no atendimento o médico tem total autonomia para atender da forma que julgar melhor e adequar o atendimento ao problema que o cliente possui. Nesse caso, o baixo grau de padronização foi considerado um fator que dificultaria a utilização do mapeamento do fluxo de valor.
No entanto, mesmo que o processo de consultoria de tecnologia e o de atendimento para vendas também tenham altos graus de contato com o cliente, o grau de customização do serviço não chega a ser tão alto quanto o da consulta médica, pois em ambos há uma definição prévia de quais serviços podem ser oferecidos. Na consultoria, embora os empregados tenham autonomia para mudar o serviço caso seja necessário, há mais restrições para modificações que a consulta médica.
Outras duas dimensões que podem influenciar negativamente na aplicabilidade do mapeamento de fluxo de valor são o foco em pessoas e a orientação para linha de frente. Tais características foram observadas na consulta médica da clínica e no atendimento para vendas de veículos. O processo de consulta médica demonstrou, na prática, um baixo potencial para aplicação do mapeamento do fluxo de valor, porém, o atendimento para vendas de veículos se comportou diferente do esperado. As atividades desse processo seguiam o padrão de atendimento da rede concessionárias da montadora, o que demonstra a possibilidade de padronização mesmo em operações com foco em pessoas e orientação para a linha de frente. Embora seja mais difícil padronizar os processos com foco em pessoas e orientação para a linha de frente, tais características não inviabilizam a aplicação do mapeamento do fluxo de valor.
O processo consultoria de tecnologia, também considerado com o foco nas pessoas tem a orientação tanto para a linha de frente quanto para a retaguarda, o que confirma na prática uma aplicabilidade média do mapeamento de fluxo de valor.
Em contrapartida, os processos de manutenção de veículos, transporte rodoviário de passageiros e fast-food foram considerados como processos de fácil aplicação da ferramenta, pois apresentam um maior potencial de terem as operações padronizadas e um tempo padrão definido para as atividades. Os três processos apresentavam características comuns aos serviços de massa e, conforme esperado, evidenciavam uma alta aplicabilidade da ferramenta.
5.2 Autonomação (jidoka)
A segunda prática analisada foi a autonomação (jidoka), que é o ato de facultar ao operador ou à máquina a autonomia de parar o processamento sempre que for detectada qualquer anormalidade. Para aplicá-la, é necessário que haja máquinas passíveis de automação para detectar problemas ou a possibilidade de delegar às pessoas uma autonomia suficiente para parar ou modificar o processamento, se necessário. Assim, entende-se que quanto mais autônomos forem os funcionários, mais aplicável será essa prática.
Foi observado nos processos de consultoria, de consulta médica e de vendas de veículos que havia apenas um grupo de funcionários com autonomia para tomar decisões e modificar ou parar o processo caso seja necessário. O restante dos funcionários precisava pedir permissão a um nível superior para modificar ou parar o processo. Já nos processos de transporte rodoviário, de manutenção de veículos e de fast-food, o processamento era padronizado, sendo normalmente necessário que o funcionário recorresse a um superior para que pudesse tomar decisões que alterassem o processo. Embora esses processos fizessem mais uso de equipamentos, a autonomia era limitada.
Outra dimensão que pode influenciar na utilização do jidoka é a customização do processo. A customização interage com a operacionalização da autonomação, pois exige que o sistema tenha mais autonomia e menos burocracia para facilitar a tomada de decisões e adaptar o serviço às necessidades do cliente. No entanto, não se pode garantir que a customização facilite a aplicação do jidoka. O fato constatado é que nos casos estudados a aplicabilidade da autonomação parecia contradizer o que se esperaria nos processos de manufatura, nos quais o uso intensivo de equipamentos e o grau de automação tendem a favorecer essa prática.
5.3 Trabalho em fluxo contínuo/redução tamaño de lote
Ao analisar a possibilidade de ter um fluxo de produção contínuo, foi necessário observar as variações de horário de chegada dos clientes (flutuações aleatórias da demanda) e se os recursos necessários para realização do serviço são previsíveis. Assim, observou-se uma facilidade de aplicação em três processos: transporte rodoviário, manutenção de veículos e fast-food. Ao observar a Figura 2, percebe-se que se tratam dos três processos com o maior volume de produção e também com o menor grau de customização.
Embora seja possível ter um trabalho em fluxo contínuo, é importante observar que ele é resultado do alto volume, mas não necessariamente é resultado da redução do tamanho do lote. Na manufatura, a redução do tamanho do lote é possível juntamente com a redução dos tempos de setup, pois os baixos setups compensam uma troca mais frequente de lotes de forma a não atrasar a produção. Dentre os estudos de caso, incluindo o transporte rodoviário, no qual o setup era mais representativo (preparação do ônibus para a próxima viagem), o esforço em sua redução não auxiliava a diminuir o tamanho do lote de produção, pois a quantidade de pessoas atendidas por vez (lote) iria continuar a mesma, com alto ou baixo setup. Em suma, não houve evidências de possibilidade de redução do tamanho do lote nos serviços e esse não foi considerado um requisito para um fluxo contínuo, como acontece na manufatura.
Sendo assim, não foi observado que o trabalho em fluxo contínuo nos serviços é aplicado de forma que atenda aos princípios da produção enxuta, que por sua vez, necessita da redução de setup para ser operacionalizado.
5.4 Sincronização pelo takt time
A possibilidade de os serviços terem um ritmo de produção constante também foi analisada. Um constante fluxo de clientes irá tornar o conceito do takt time mais aplicável, e a possibilidade de um fluxo constante é maior quanto maior for o volume de produção e mais estável for a demanda. Dessa forma, a dimensão volume foi vista como uma influência positiva na aplicação do takt time.
As dimensões de grau de contato com o cliente e customização também influenciam, mas negativamente. Um grau de contato menor com o cliente permite que o processo sofra menos interferências externas e seja mais padronizado. Já uma menor customização do processo permite que seja mais fácil estabelecer um ritmo constante da produção em que os fatores externos interfiram minimamente. O uso do takt time também pode sofrer influência negativa do grau de autonomia dos funcionários, pois quanto maior a autonomia dos empregados maior a chance de o processo sair do padrão e do ritmo de produção.
Ao analisar os casos, constatou-se uma maior facilidade de definição de um takt time para os processos de consulta médica, manutenção de veículos, transporte rodoviário e fast-food. No processo de consultoria não há volume suficiente que justifique a utilização do takt time. Já no processo de atendimento para venda de veículos novos e seminovos a chegada dos clientes é aleatória (gerando uma demanda instável), o que também dificulta a utilização desta prática.
Em processos que trabalham com atendimento marcado, como na clínica de atendimento médico, o takt time é fácil de ser definido, pois a hora marcada define o ritmo de chegada dos clientes. Porém, é difícil de ser implementado para definir o ritmo de produção. O alto grau de contato com o cliente e de customização dificultam a definição de um tempo padrão de atendimento.
Além das dimensões de volume e variedade, a natureza do serviço também influencia na definição do takt time. Embora possa ter o takt time estimado, o processo de transporte rodoviário, por exemplo, sofre muitas influências externas, como quebra de equipamentos nas estradas sem a possibilidade de ter um mecânico por perto, além de chuvas ou trânsito intenso que podem atrasar o tempo total de viagem entre outros. De qualquer modo, é importante questionar até que ponto essa prática seria útil para esse tipo de operação.
5.5 Tecnologia de grupo
Utilizar a tecnologia de grupo significa trabalhar com equipamentos ou postos de trabalho dispostos em grupo para facilitar a produção de uma família de produtos em locais específicos (células). É necessário que a organização tenha clientes que possam ser divididos em famílias e que pelo menos uma dessas famílias tenha volume suficiente que justifique ter um arranjo celular para produzir esse bem ou serviço específico. Dessa forma, quanto mais alto for o volume de uma família de produtos, maior será a possibilidade de aplicação da tecnologia de grupo.
Dentre os estudos de caso analisados, o único que apresentou evidências claras para a potencial aplicação dessa prática foi o processo de fast-food. Além do alto volume nesse processo, a orientação para a retaguarda e o fato de se processar bens são características que facilitariam a implantação da tecnologia de grupo. Há a possibilidade, por exemplo, de separar uma área só para o processamento de um item que tenha grande demanda ou um nicho específico.
No processo de fast-food estudado, pode-se entender como uma aplicação análoga o espaço destinado à preparação de sorvetes. Há máquinas e funcionários dispostos em uma área de trabalho para produzir uma família de itens (sorvetes e milkshakes, por exemplo). Esta família tem volume suficiente que justifique sua disposição celular separada, é orientada para a retaguarda e trabalha com produção de bens.
Já o processo de transporte rodoviário de passageiros, embora trabalhe com alto volume, não apresentou evidências claras de aplicabilidade da tecnologia de grupo. Nesse caso, o cliente é muito homogêneo em termos de necessidades, de forma que se torna difícil fazer a sua separação por famílias. Assim, conclui-se que outra característica necessária para a aplicação da tecnologia de grupo é um mínimo de variedade no serviço oferecido, possibilitando o agrupamento dos clientes ou serviços em famílias homogêneas.
Na prática, foi evidenciado que as características que ajudam na implementação da tecnologia de grupo são: alto volume de pelo menos algum produto, produção orientada para a retaguarda simultaneamente com a produção de bens e uma variedade que permita a formação de grupos.
5.6 Kanban
O kanban pode ser utilizado tanto para puxar a produção quanto para auxiliar no controle de estoque. Quanto mais previsível for a necessidade do cliente, mais fácil será se anteceder ao seu pedido e evitar a falta de material no ato do atendimento. Assim, será mais fácil sistematizar uma produção puxada, pois o profissional poderá preparar algumas etapas do processo com antecedência. Por este motivo, o grau de contato com o consumidor, a autonomia dos empregados (que confere flexibilidade ao processo) e a customização do processo influenciam negativamente na aplicabilidade do kanban no processo produtivo. O fato de ser orientado para a retaguarda indica que há partes do processo que podem ser produzidas sem a presença do cliente. Isso pode ser um indício de haver uma parte da produção que possa ser estocada e pronta para ser usada de acordo com o pedido do cliente.
Quanto à possibilidade de realizar operações e armazenar peças de acordo com a necessidade específica do cliente, constatou-se que o kanban seria possível de ser aplicado no processo considerado mais padronizado, ou seja, com menor grau de customização, como por exemplo fast-food. De fato, a aplicabilidade do kanban só foi possível ser constatada em função da característica do processo de ser orientado para a retaguarda. Por exemplo, os sanduíches que tinham uma maior demanda eram preparados com uma certa antecedência e postos em filas (dispostos por gravidade em canaletas), de onde eram retirados após o pedido do cliente. Como ilustra a Figura 3, os sanduíches eram produzidos e repostos à medida que aqueles que estavam na fila eram puxados pelo atendente. Pode-se então identificar que essa parte do processo usava um mecanismo de produção puxada com o auxílio de um sistema análogo ao kanban, que sinalizava visualmente para a cozinha a necessidade de produzir mais sanduíches à medida que o cliente consumia.

Além de orientação para retaguarda e um alto nível de padronização do serviço, é necessário um volume de produção justificável e a presença de elementos tangíveis para que o kanban seja aplicável.
5.7 Manutenção produtiva total (TPM)
A manutenção produtiva total (TPM) só tem sentido naqueles processos que possuem máquinas. Assim, quanto mais o processo for baseado em equipamentos, mais aplicável será a TPM. Outra dimensão que pode facilitar a aplicação da TPM é a autonomia dos empregados, pois isso auxilia na tomada de decisão caso seja necessário realizar alguma manutenção corretiva de forma autônoma, por exemplo.
Dentre os serviços que dependiam de máquinas para realização do trabalho, estavam manutenção de veículos (com foco baseado em pessoas e equipamentos), o transporte rodoviário e o fast-food (com foco principal nos equipamentos). Quanto mais o serviço for dependente de máquinas, mais necessária e maior será a aplicabilidade da TPM. Entretanto, não foram encontradas evidências de aplicações análogas em nenhum processo estudado.
5.8 Poka-yokes
O poka-yoke é um dispositivo que permite realizar inspeções na fonte, cujo requisito de aplicabilidade é um processo que tenha as operações bem definidas. Assim, a customização é uma característica que pode dificultar sua aplicação, pois quanto mais customizado, mais difícil será identificar um padrão e se algo está fora do especificado.
Dentre os estudos de caso, foi possível observar potenciais aplicações de dispositivos pokayoke nos processos de manutenção de veículos, transporte rodoviário de passageiros e fast-food.
5.9 5S, gerenciamento visual e kaizen
As práticas 5S, gerenciamento visual e kaizen não exigem grandes requisitos para serem aplicadas. Pelo contrário, sua aplicabilidade depende de características comuns à maioria das empresas, que são: ambientes que necessitem de organização e padronização, ter informações que possam ser expostas aos funcionários (como metas de desempenho, por exemplo) e necessidade de melhorias.
Dessa forma, os requisitos necessários para aplicação não dependem do volume e da variedade do processo. Em todos os estudos de caso foram identificados ambiente propício e necessidade de aplicação dessas práticas, o que é natural para qualquer tipo de processo.
5.10 Redução de setup
O setup ocorre quando é necessária uma preparação das atividades antes do atendimento do cliente. Reduzi-lo significa, por exemplo, diminuir o tempo de espera do cliente, de forma que o material ou as informações já estejam prontos no momento que o cliente chegar, pois as operações realizadas sem a presença dele já podem ser preparadas previamente.
É necessário um alto volume para justificar um trabalho focado na redução de setup, já que ele melhora o nivelamento da produção e aumenta a capacidade produtiva. Foi observado que, além do alto volume, a padronização também influencia na redução de setup, uma vez que é necessário ter um processo com operações bem definidas para identificar aquelas que não agregam valor e assim possam ser eliminadas, resultando em tempos menores.
Trabalhar com redução de setup depende primeiramente de o serviço ter alguma atividade de preparação antes do atendimento. A consultoria de tecnologia, por exemplo, não apresentava alto volume e, consequentemente, quantidade de setups que justificassem um trabalho para sua redução. Além disso, o serviço de consultoria era muito pouco padronizado para que se pudesse prever um setup.
A consulta médica, por sua vez, apresentava um fluxo mais contínuo de atendimento. Aqui o setup poderia ser considerado como qualquer preparação do cliente para a consulta (usar colírio para dilatar a pupila antes de se consultar com o oftalmologista, por exemplo) e essas atividades poderiam ser feitas antes do médico estar livre para o atendimento. Assim, o médico não interromperia o processo com a espera pelo cliente.
No atendimento para vendas de veículos, a única atividade de preparação identificada foi a limpeza do carro para o test drive. Porém, era apenas uma checagem rápida que deveria ser feita após seu término, para o carro já ficar pronto para o próximo atendimento. Já na manutenção de veículos, havia o procedimento de checagem do carro antes de iniciar a manutenção. Um checklist era preenchido para verificação de arranhões e necessidades de manutenção, sendo que essa parte do procedimento poderia ser feita separadamente para agilizar o processo.
No processo de transporte rodoviário de passageiros, sempre antes de uma viagem, era realizada a checagem do nível de óleo, nível de água, limpeza do veículo, entre outros. Este procedimento sempre era realizado antes do atendimento do cliente e ocorria uma vez a cada viagem.
Observa-se que o tipo de serviço prestado é o que determina se há atividades de preparação antes do atendimento do cliente. Das características relacionadas na matriz de volume e variedade, verificou-se que o alto volume e a padronização das operações influenciam positivamente na aplicabilidade dos procedimentos de redução do setup. Em relação às demais dimensões, não houve evidências de influência na aplicabilidade dessa prática.
5.11 Multifuncionalidade dos trabalhadores
O conceito de multifuncionalidade só é aplicável quando há uma variedade de funções no processo, pois se todos exercem a mesma função não há sentido desenvolver trabalhadores multifuncionais. Da mesma forma, não há sentido que todos saibam executar todas as funções quando o processo é do tipo profissional, pois o serviço se torna valioso justamente porque poucos o conseguem fazer e quem o faz dedicou muito tempo para se qualificar, como por exemplo, o trabalho em consultorias e o processo de consulta médica.
Quanto às dimensões do processo, pode-se afirmar que quanto maior for o volume de produção, maior será a probabilidade de se ter mais funcionários, com diferentes funções para os empregados. Na prática, foi constatado que aqueles processos com maior volume, manutenção de veículos, transporte rodoviário e fast-food, foram os considerados mais fáceis de empregar trabalhadores multifuncionais.
Os processos de transporte rodoviário e fastfood, por exemplo, já utilizavam a multifuncionalidade dos empregados como uma forma de rearranjar as funções para que, em caso de urgência, não ocorressem paradas no processo. Os motoristas dos ônibus sabiam trocar óleo e trocar pneu, e no processo de fast-food todos os funcionários eram habilitados e treinados para atuarem em qualquer função, desde o atendimento no caixa à preparação de qualquer alimento.
6 Discussão
Ao confrontar as dimensões de volume e variedade dos processos de serviços com as práticas enxutas, observou-se que o alto volume sempre apresentou influência positiva sobre a aplicabilidade da produção enxuta, pois algumas práticas necessitam de um fluxo de produção constante para serem aplicadas (ex.: takt time, tecnologia de grupo, kanban e multifuncionalidade dos trabalhadores). Em um baixo volume, a utilização dessas práticas não traria os resultados almejados pela produção enxuta e, consequentemente, não seria útil aplicálas.
Além do volume, outras características também apresentaram evidências que sempre influenciam positivamente na aplicação da produção enxuta. A orientação para a retaguarda é uma delas e apresenta similaridade com sistemas de manufatura, que trabalham predominantemente na produção de bens. Um serviço com orientação para a retaguarda também tem uma maior possibilidade de trabalhar com produção de bens, pois possui atividades que podem ser feitas sem a presença do cliente. Essa característica é essencial na aplicação de algumas práticas e pôde ser visualizada em sistemas de serviço de massa, como o transporte rodoviário e o fast-food.
O foco em equipamentos também influencia positivamente na aplicabilidade da produção enxuta, já que a sua utilização demanda certo nível de padronização do serviço, comum em processos intensivos em equipamentos.
Por outro lado, observou-se que o alto grau de contato com o consumidor apresenta sempre uma influência negativa na aplicabilidade da produção enxuta. A presença do cliente, assim como a customização dos processos, torna o serviço mais propenso a ser modificado e dificulta a padronização das operações.
Foram encontradas evidências de que a padronização não somente ajuda na implementação do mapeamento de fluxo de valor, como também influencia na aplicação do trabalho em fluxo contínuo, utilização do takt time, kanban, poka-yoke e multifuncionalidade dos trabalhadores. Assim, a padronização das operações de serviços se mostrou uma grande aliada na implementação da produção enxuta.
As evidências encontradas nos estudos de caso dão indícios de que quanto mais semelhanças o serviço tiver com a manufatura, mais aplicável será a produção enxuta. Porém, foi encontrada uma contradição a essa premissa. A autonomia dos empregados ora pode apresentar influência positiva, ora negativa, dependendo da prática que será aplicada. No mapeamento de fluxo de valor, na utilização do takt time e no kanban, a alta autonomia dos empregados pode ter uma influência negativa, pois significa uma menor padronização nas atividades. Entretanto, o jidoka (autonomação) pressupõe facultar ao trabalhador um mínimo de autonomia que seja suficiente para agir sempre que for detectada qualquer anormalidade no processamento. Assim, a autonomia dos empregados auxilia na aplicação do jidoka. Da mesma forma, a autonomia influencia positivamente na manutenção produtiva total (TPM), ressaltando o papel da manutenção autônoma.
Não foram constatadas evidências de que a orientação por processo ou por produto (resultado) tivesse influência na aplicabilidade de nenhuma das práticas de produção enxuta. Na verdade, nenhuma das dimensões influenciou na aplicação de todas as práticas. Foi constatado que algumas práticas não têm relação com nenhuma das dimensões de volume e variedade, como 5S, gerenciamento visual e kaizen. Por esse ponto de vista, não é possível inferir sobre a aplicabilidade dessas práticas pelas características do processo. Devido à simplicidade de aplicação, elas podem ser consideradas aplicáveis em diferentes tipos de sistemas de produção.
A análise dos dados permitiu propor o framework apresentado na Figura 4. Os fatores facilitadores são todos aqueles que sempre apresentaram influências positivas na aplicabilidade de pelo menos uma das práticas. As setas verdes saindo dos facilitadores em direção às práticas simbolizam essa influência positiva. Ao lado direito da figura encontram-se as características que podem criar barreiras na aplicabilidade da produção enxuta e estão representadas como barreiras. As setas vermelhas representam que esses aspectos apresentaram influência negativa em relação à aplicabilidade de pelo menos uma prática.

Em geral, as características dos serviços de massa foram identificadas como fatores facilitadores, apresentados na Figura 4. O mesmo se identificou para os serviços profissionais, cujas características podem representar barreiras. Dentre todas as dimensões estudadas, a orientação por produto, característica presente nos serviços de massa, e a orientação por processo, característica comum aos serviços profissionais não apresentaram influência na aplicabilidade de nenhuma prática, portanto, estão destacadas com outra cor e sem setas de influência.
A característica de alta autonomia dos empregados é comum aos serviços profissionais, porém, como já foi visto, trata-se de uma exceção ao comportamento esperado. Assim, uma seta de influência positiva foi direcionada à prática autonomação (jidoka). Outras exceções foram encontradas nas práticas de 5S, gerenciamento visual e kaizen, que não são influenciadas por nenhuma das dimensões.
As evidências mostraram que a aplicabilidade das práticas da produção enxuta é maior quanto mais próximo o serviço está dos processos de manufatura. Como as práticas analisadas neste trabalho foram desenvolvidas para os processos de manufatura, sua aplicação nos serviços pode apresentar dificuldades. Porém, essas dificuldades encontradas não generalizam à impossibilidade de aplicação nos serviços. Pelo contrário, foram encontradas evidências de que a aplicação é viável, desde que sejam feitas adaptações.
7 Conclusão
A realização dos estudos de caso serviu para entender melhor o funcionamento de cada tipo de serviço e estudar as particularidades da aplicabilidade da produção enxuta em cada um deles. Dentre os aspectos estudados, foi possível identificar as características do processo como facilitadores ou barreiras na aplicabilidade da produção enxuta. Características como alto volume de produção, orientação para retaguarda, foco nos equipamentos e baixo contato com o consumidor podem influenciar positivamente na aplicabilidade da produção enxuta. O baixo volume de produção, a orientação para linha de frente, o foco nas pessoas e o alto grau de customização são considerados como características que podem dificultar a aplicabilidade da produção enxuta.
Analisando de uma forma geral, pode-se afirmar que não é uma característica do processo isolada que deixa a prática aplicável, mas sim um conjunto de características que ajudam na aplicabilidade das práticas e consequentemente da produção enxuta. Algumas práticas precisam de mais de uma característica do processo para serem aplicáveis. O kanban, por exemplo, necessita de alto volume, processo mais orientado para retaguarda e um alto nível de padronização. Por outro lado, nem todas as práticas são influenciadas pelas características do processo.
Algumas pesquisas, como as de Sim e Rogers (2009) e Bhasin (2012), atribuem aos aspectos organizacionais a responsabilidade principal pelas barreiras para a implementação da produção enxuta. Porém, este estudo contribuiu com uma visão mais atrelada ao processo. Mesmo que os aspectos organizacionais sejam facilitadores da implementação, como uma cultura organizacional favorável ou alto nível de formação dos envolvidos, as características do processo podem simplesmente não ser aderentes à produção enxuta. Além disso, para melhorar a aderência da produção enxuta aos serviços, são necessárias adaptações nas práticas provenientes da manufatura. Essas adaptações demandam de antemão conhecer as relações de volume e variedade nos processos de serviços.
Uma contribuição importante deste artigo foi a proposição de um framework que sinaliza a aplicabilidade das práticas de produção enxuta em serviços perante às dimensões de volume e variedade. Contudo, é importante considerar que este é um framework inicial, resultante de uma pesquisa qualitativa. Por este motivo, a continuidade dessa pesquisa é necessária, a fim de testar a possibilidade de generalização do framework proposto em pesquisas quantitativas com amostras representativas.
Do ponto de vista prático, este trabalho contribui para que os gerentes de serviços tenham uma visão prévia dos riscos da implementação da produção enxuta, a depender das características dos processos que gerenciam. A partir do momento que compreendem as características dos processos, os gerentes de serviços passam a ter condições para traçar um roadmap de implementação da produção enxuta, adotando práticas que seriam mais aderentes ao processo e vislumbrando um caminho para possíveis adaptações.
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Notas de autor