Editorial Seção Artigos Tecnológicos. Como Escrever um Bom Artigo Tecnológico?
Em 2011, acompanhei o surgimento da revista TAC – Tecnologias em Administração e Contabilidade, à época capitaneada pelo Prof. Rogério Quintella. O principal objetivo do periódico era valorizar e divulgar a produção caracterizada como tecnológica de programas de pós-graduação em Administração e Contabilidade, e, dessa forma, realizar uma ponte entre a academia e os praticantes dessas áreas. Destaca-se que tal objetivo se torna cada vez mais relevante, dadas a evolução acadêmica das áreas e a necessidade de engajamento profissional.
Nos anos de 2015 e 2016, assumi a TAC como Editor-chefe, passando, em 2017, a Editor Associado para Artigos Tecnológicos da RAC – Revista de Administração Contemporânea, quando da incorporação da TAC pela RAC. Esse período como editor apresentou-me diversos exemplos da diferença entre bons Artigos Tecnológicos e aqueles não tão bons, que pretendo discutir neste texto.
Entretanto, para iniciarmos essa discussão, é preciso definir e contextualizar os Artigos Tecnológicos. Também denominados como Artigos Técnicos ou Relatos Tecnológicos, ou, ainda, Relatos Técnicos, esse tipo específico de produção alinha-se com as propostas de Mestrados e Doutorados Profissionais, propiciando uma aplicação direta e ágil da teoria de Administração na análise de experiências ou na resolução de problemas reais de praticantes de gestão.
Ainda que seja uma simplificação, podemos dizer que a diferença entre uma produção com ênfase acadêmica e uma com ênfase profissional repousa na sua abordagem. A produção com ênfase acadêmica tem abordagem predominante na compreensão (descrição, explicação e, em alguns casos, predição) de fenômenos. Por outro lado, a produção com ênfase profissional (e.g. Artigos Tecnológicos) deve ter abordagem predominante na solução de problemas e, por isso, sua audiência é formada por, além de professores e pesquisadores, praticantes – no nosso caso, principalmente, Gestores – (Aken, 2004, 2005; Aken, Berends, & Bij, 2012; Aken & Romme, 2009; Mattos, 1997).
Em algumas áreas de pesquisa, como engenharia e medicina, a abordagem de solução de problemas é comum e, talvez, essa diferenciação não seja tão importante. Já na área de Administração, o paradigma dominante está no desenvolvimento de pesquisas com foco na compreensão de fenômenos (Aken, 2005).
O problema desse fato é que a área de Administração é muito maior fora da academia. Assim, os resultados das pesquisas com foco nas práticas de gestão (Tecnologias de Gestão) deveriam ter mais espaço (Bartunek, 2008). Por isso, tornou-se tão importante a diferenciação entre produtos profissionais ou tecnológicos e produtos científicos tradicionais.
É neste contexto que surgiram os mestrados – e, mais recentemente, os doutorados (Portaria n. 389, 2017) – profissionais em Administração. É para essa situação que está dirigido o espaço de publicação de Artigos Tecnológicos na RAC (Mattos, 2013; Motta, 2016). Respondendo à questão que intitula o presente texto, um Artigo Tecnológico é característico de uma produção com ênfase profissional, cujo objetivo é apresentar solução para um problema.
Passemos agora à discussão sobre o que deve conter um manuscrito para sua publicação na RAC (ou em outros meios de divulgação).
As possibilidades de desenvolvimento de um Artigo Tecnológico são mais amplas do que de artigos em formatos tradicionais de publicação científica. Podem configurar-se como relatos de experiências com utilização de abordagens participantes ou baseadas na ação, visando ao registro e à sistematização ex post facto para soluções implementadas, evidenciando os resultados obtidos. Neste caso, se os resultados oferecerem informações valiosas para os leitores, não há nem a obrigatoriedade de demonstrações estatisticamente significantes, embora relatos que apresentem dados e comprovações estatísticas dos resultados sejam sempre muito desejados.
Os Artigos Tecnológicos podem, também, configurar-se como resolução de problemas práticos/reais do campo da Administração, com embasamento científico e rigor metodológico, demonstrando domínio claro da matéria em estudo.
O mais importante, em qualquer das duas situações anteriormente descritas, é que o manuscrito submetido para avaliação apresente contribuição para o conhecimento por meio de um dos enfoques propostos por Gregor e Hevner, 2013, a saber:
2. Foco na melhoria: o(s) autor(es) desenvolve(m) novas soluções para problemas conhecidos;
3. Foco na extrapolação: o(s) autor(es) estende(m) soluções conhecidas para novos problemas.
Uma nova solução pode ser entendida de diversas formas: avanço ou inclusão/exclusão em soluções conhecidas; combinação de soluções conhecidas, etc. Nesses casos, o importante é que essa reconfiguração seja explicitada no artigo.
Essas soluções podem ser apresentadas como: (a) modelos e processos de gestão; (b) protocolos; (c) sistemas (também softwares); (d) propostas metodológicas (inclusive para pesquisa); (e) manuais de operação; (f) material instrucional (somam-se didáticos), dentre outros. É claro que, para a RAC, essas soluções têm que ter foco na área de Administração e em áreas correlatas.
Uma dúvida bastante recorrente envolve a quantidade de páginas que deve ter um Artigo Tecnológico. Atualmente, por conta de uma resistência de grande parte de autores – assim como de muitos avaliadores – em aceitarem textos pequenos, a RAC admite manuscritos com até 32 páginas (com todos os elementos inclusos). Entretanto, em periódicos internacionais de referência, como o Business Horizons, não é incomum encontrarmos artigos com pouco mais de 4 páginas, assim como é raro vermos artigos que ultrapassem 15, apesar de o journal admitir submissões com até 25 páginas.
Os critérios-chave para a avaliação de um Artigo Tecnológico são a clareza e a objetividade. Artigos que vão direto ao ponto certamente têm maiores possibilidades de avançar o desk review. Assim, é importante deixar claro no título e no resumo do que se trata o manuscrito.
Adicionalmente, são necessárias outras cinco partes constituintes do texto submetido à avaliação:
2. Incluir breve texto de diagnóstico da situação/problema e/ou oportunidade, demonstrando domínio da matéria em estudo e das bases teórico-científicas que sustentam esse diagnóstico;
3. Descrever sinteticamente os procedimentos utilizados para levantamento de dados e informações relevantes à análise da situação;
4. Apresentar como artigo um texto que analise a situação-problema e discuta as possíveis alternativas para a sua resolução ou inovação, melhoria, extrapolação;
5. Concluir o texto demonstrando a contribuição da proposta para as organizações e/ou para a sociedade.
Certamente há dois principais motivos para a rejeição de Artigos Tecnológicos. O primeiro está relacionado à percepção equivocada de que esse tipo de produção tem mais baixa qualidade. A qualidade científica de um Artigo Tecnológico não difere em relação aos artigos tradicionais. Como exposto anteriormente, a diferença entre artigos científicos e tecnológicos está na abordagem da pesquisa e, em alguns casos, na audiência.
Outro motivo bastante comum para a rejeição de Artigos Tecnológicos é o não atendimento a um dos três enfoques anteriormente apresentados: (a) inovação, (b) melhoria, ou (c) extrapolação. É frequente a submissão de manuscritos que relatam a simples aplicação, em casos específicos, de soluções conhecidas em problemas para os quais elas foram desenvolvidas. Como não há nem inovação, nem melhoria, nem extrapolação, não se justifica essa publicação. Nessa situação, sugiro sempre a formatação do manuscrito como um Caso para Ensino.
Para se escrever um bom Artigo Tecnológico, é preciso questionar situações no âmbito social e/ou organizacional, oferecendo propostas que visem à solução de problemas de gestão. Um bom Artigo Tecnológico apresenta algo novo (ainda que sejam formas novas de tratar problemas antigos ou novas configurações de soluções antigas).
Se você tem um material para ser publicado, não deixe de submetê-lo à nossa avaliação. Se você tem uma ideia e gostaria que ela fosse publicada, não deixe de nos contatar. Esperamos ampliar a produção e a publicação desse tipo de manuscrito, para, em um próximo texto, podermos discutir barreiras a serem superadas.
Agradeço a Herbert Kimura, que estimulou a produção deste material e aos colegas Alessandro Rosini, Graziela Alperstedt, Márcia Novaretti e Ricardo Bueno, que contribuíram com as ideias contidas aqui nas discussões empreendidas no GT de Artigos Tecnológicos da ANPAD.