Resumo: Embora exista uma crescente literatura que destaca o papel de indivíduos da média gerência na estratégia, já se passaram cerca de 10 anos desde que ela foi revisada. Este artigo tem o objetivo de analisar essa literatura e sugerir oportunidades futuras. Para tal, foi conduzida uma revisão narrativa envolvendo 63 trabalhos publicados desde 1970, cada qual classificado de acordo com as suas questões de pesquisa, principais variáveis e correntes teóricas. Tais informações foram a base para uma análise de conteúdo por meio da qual foi possível identificar uma nova tipologia com seis categorias centrais de estudos. As categorias descrevem diferentes tipos de envolvimento da média gerência na estratégia, indicando maior diversidade de possíveis caminhos teóricos, metodológicos e contextuais sobre o tema.
Palavras-chave:média gerênciamédia gerência,estratégiaestratégia,revisão de literaturarevisão de literatura.
Abstract: Even though there has been a growth in literature focusing on the role middle management plays in strategy, it has been about 10 years since the last literature review. This article’s main objective is to analyze this literature and suggest opportunities for the future. To this end, we reviewed 63 studies published since 1970, classifying each according to their research questions, main variables and theoretical underpinnings. Using this information as a basis for content analysis, we identified six core categories of studies. The categories describe the different ways middle managers are involved in strategy, indicating a greater diversity for possible theoretical, methodological and contextual investigations of the theme.
Keywords: middle management, strategy, literature review.
Artigos
Envolvimento Estratégico da Média Gerência: Analisando o Passado e Projetando o Futuro
Middle Managers’ Involvement in Strategy: Analyzing the Past and Projecting the Future
Recepção: 16 Junho 2017
Revised document received: 26 Dezembro 2017
Aprovação: 26 Dezembro 2017
Indivíduos da média gerência são agentes centrais para a formulação e implementação de estratégias (Bower, 1970; Burgelman, 1983a, 1983b, 1983c, 1991; Mintzberg, 1978). Entre outros aspectos, eles são capazes de direcionar investimentos em novas competências (Lechner & Floyd 2012; Maritan, 2001), resistir às decisões vindas dos altos escalões (Guth & MacMillan, 1986) e afetar o desempenho organizacional (Floyd & Wooldridge, 1997).
Embora essa perspectiva da média gerência tenha sido devidamente analisada na revisão de literatura proposta por Wooldridge, Schmid e Floyd (2008), tal linha de estudos continuou a avançar e contribuir com o conhecimento a respeito da influência de tais agentes sobre a estratégia nas organizações (Ahearne, Lam, & Kraus, 2014; Balogun, Bartunek, & Do, 2015; Canales, 2013; Guo, Huy, & Xiao, 2017; Heyden, Fourné, Koene, Werkman, & Ansari, 2017; Mirabeau & Maguire, 2014; Reitzig & Sorenson, 2013; Vuori & Huy, 2016).
Quais são as abordagens de pesquisa já consolidadas sobre o envolvimento estratégico da média gerência? Como é possível promover o avanço do conhecimento em estudos futuros? Este artigo se fundamenta nestas questões e tem o objetivo de analisar tal campo de conhecimento por meio de uma revisão narrativa da literatura. Nestes termos, o trabalho pretende contribuir propondo uma nova tipologia sobre o envolvimento da média gerência na estratégia, com recomendações para estudos futuros ainda não cobertas suficientemente pelas pesquisas prévias.
Os resultados desta revisão de literatura podem contribuir com achados complementares em relação ao levantamento anterior de Wooldridge et al. (2008), na medida em que permitem compreender, de maneira granular, detalhes associados ao envolvimento estratégico da média gerência, aplicados em diferentes contextos, metodologias e perspectivas teóricas.
Esta pesquisa pode ser caracterizada a partir de dois principais aspectos metodológicos. Primeiro, por seu propósito descritivo, pois se observa a busca de maior profundidade sobre um tema já bastante conhecido e investigado. Segundo, por sua estratégia de investigação qualitativa, utilizando-se da revisão narrativa de literatura.
Diversos estudos têm utilizado a revisão narrativa como uma maneira de promover o avanço do conhecimento em estratégia (Jarzabkowski & Spee, 2009; Langley, 1999, 20, 2007; Langley & Abdallah, 2011; Rajagopalan & Spreitzer, 1997; Sminia, 2009). Tais pesquisas buscam responder a perguntas mais amplas e são úteis para descrever o estado da arte em determinado assunto, seja sob o ponto de vista teórico, empírico e/ou contextual (Rother, 2007).
Embora as revisões narrativas admitam certa subjetividade e possíveis vieses de escolha dos autores, nesta pesquisa, visando minimizar tais aspectos na seleção dos estudos, foram adotados os quatro critérios propostos por Überbacher (2014, p. 669, tradução nossa): “domínios de pesquisa, palavras-chave, período de tempo e periódicos”.
Esta revisão se concentrou exclusivamente no domínio de pesquisa da estratégia, e as principais fontes de consulta consistiram em trabalhos nos quais a média gerência foi analisada no desenvolvimento teórico ou empírico. Tais escolhas direcionaram, então, a busca pelas palavras-chave média gerência e estratégia, nas seguintes bases de dados: Ebsco Business Source Premier, ISI Web of Knowledge, JStor, ProQuest Discovery, Emerald, Elsevier, Routledge, Sage, Scopus, e Wiley InterScience.
O período de tempo desta revisão abrange trabalhos cujas datas de publicação dividem-se em dois momentos. Para as publicações até o ano de 2008, todos os 37 artigos anteriormente identificados por Wooldridge et al. (2008) foram considerados, além de outros sete que representam importantes complementos sobre o tema de investigação. Já para o período de tempo entre 2009 e 2017, as publicações em periódicos com maior fator de impacto segundo o Journal Citation Reports tiveram prioridade, havendo sido identificados 19 artigos (Tabela 1).
Tal conjunto de publicações consistiu na principal base de dados para a realização de uma análise de conteúdo sobre o envolvimento estratégico da média gerência. Para esse fim, foi adotado o processo de codificação e categorização (Strauss & Corbin, 2008).
Esse processo se inicia com a codificação aberta, na qual os dados são desmaranhados na forma de diversos conceitos (Flick, 2009). Dessa maneira, todos os 63 trabalhos foram classificados considerando as suas questões de pesquisa, principais variáveis e correntes teóricas subjacentes. Um extrato com exemplos dessa codificação aberta está disponível no Tabela 2.
A etapa seguinte de análise envolveu a busca pela compreensão sobre como tais códigos de classificação se cruzam e associam, o que é denominado codificação axial (Strauss & Corbin, 2008), na qual os conceitos são agrupados em diferentes níveis de acordo com as características em comum do fenômeno estudado, envolvendo suas causas, consequências, contexto, entre outros fatores (Flick, 2009). Assim, buscou-se explorar o envolvimento estratégico da média gerência a partir de possíveis similaridades e divergências existentes entre os estudos, conforme ilustra o Tabela 3.
Finalmente, na codificação seletiva, tal agrupamento dos conceitos prosseguiu até que fosse alcançada a saturação teórica, ou seja, até o ponto de desenvolvimento em que não surgiram novas propriedades, dimensões ou relações durante a análise. Com isso, foram descobertas categorias centrais que permitiram explicar a teoria (Strauss & Corbin, 2008), neste caso, relacionada ao corpo de conhecimento existente sobre o envolvimento estratégico da média gerência.
A análise de conteúdo resultou na identificação de uma nova tipologia dos estudos sobre envolvimento estratégico da média gerência, divididos em seis categorias centrais: (a) envolvimento no empreendedorismo corporativo; (b) envolvimento político na implementação; (c) envolvimento na estrutura e no desempenho; (d) envolvimento na venda de questões; (e) envolvimento em sentidos e emoções; (f) envolvimento em conjunto com a alta administração (ver Tabela 4).
É necessário ressaltar que esta tipologia não exclui a possibilidade de existirem semelhanças entre trabalhos separados em diferentes categorias de estudos. Por exemplo, uma pesquisa pode discutir brevemente sobre a média gerência e seu envolvimento em conjunto com a alta administração, embora dê maior profundidade para questões de empreendedorismo corporativo. Logo, deve-se considerar a complementaridade que tais categorias de estudos possuem entre si.
O histórico de desenvolvimento, principais contribuições e perspectivas teóricas mais proeminentes relacionadas a cada uma das categorias de estudos serão apresentados a seguir.
As discussões sobre a relevância da média gerência para a estratégia surgiram principalmente a partir do estudo precursor de Joseph Bower (1970). O autor analisou o processo de alocação de recursos em uma grande corporação e associou a formação de estratégias à seleção de investimentos em novos negócios.
Teorias prévias indicavam que essa orçamentação de capital era conduzida pela alta administração, com base em aspectos técnicos e financeiros. Contudo, Bower (1970) demonstrou que tais decisões de investimento eram influenciadas por dinâmicas sociais e políticas que aconteciam de baixo para cima na hierarquia formal da organização. A realidade era que indivíduos da média gerência identificavam oportunidades e definiam as características das propostas de capital que fariam aumentar suas chances de serem aceitas.
Cabe salientar que a média gerência também passou a ser reconhecida como um bem valioso para a inovação nas organizações, dado seu papel central de detectar e promover ideias (Kanter, 1982). No entanto, para que isso seja possível, tais gestores devem ir além de suas funções formais e acumular fontes produtivas de poder, como “informação, recursos e apoio” (Kanter, 1982, p. 98, tradução nossa).
Em tais abordagens a estratégia é vista como um processo: (a) contínuo e gradual; (b) influenciado por múltiplos agentes; (c) que consiste em um padrão de ações e decisões tomadas ao longo do tempo. Essa descrição é a base para a proposta clássica de Mintzberg (1978), quanto à estratégia realizada, que se forma tanto a partir de influências emergentes de gestores operacionais e intermediários, como por meio de deliberações que emanam da alta administração.
Sendo assim, por um lado, já estava estabelecida a abordagem processual da estratégia de Mintzberg (1978) e, por outro, havia o entendimento sobre a influência da média gerência na inovação e alocação de recursos (Bower, 1970; Kanter, 1982). Estes foram os fundamentos dos estudos sobre empreendedorismo corporativo, de Burgelman (1983a, 1983b, 1983c).
O autor demonstrou que o empreendedorismo corporativo começa com a definição de iniciativas estratégicas por gestores da base que, por estarem mais próximos da operação e do mercado, possuem as melhores informações para identificar ideias e propor soluções que representem oportunidades de negócio. A partir daí, indivíduos da média gerência desempenham o papel-chave de relacionar tais iniciativas autônomas e bem-sucedidas da base com o contexto estratégico da corporação (Burgelman, 1983a, 1983b, 1983c).
É preciso frisar que as pesquisas desse autor também destacaram o papel crítico da média gerência em conduzir a mudança estratégica (Burgelman, 1991, 1994). Por exemplo, tais indivíduos foram capazes de redefinir as competências da Intel por meio de comportamentos autônomos e emergentes que divergiam da estratégia corporativa, favorecendo a saída da empresa do mercado original de chips de memória (Burgelman, 1994).
Pode-se afirmar, então, que tais comportamentos divergentes da média gerência seriam determinantes para a estratégia realizada? Esta é a tese de Mirabeau e Maguire (2014), que caracterizam esses comportamentos como práticas de articulação dos gestores intermediários em seus discursos junto a pares, subordinados e superiores. Tais comportamentos dão forma às estratégias emergentes da organização, nas quais, novamente, a média gerência desempenha papel central, seja mobilizando apoio para o ímpeto de iniciativas autônomas, seja manipulando o contexto estratégico em favor dessas iniciativas. Com o passar do tempo e a constatação de novas equipes, procedimentos, rotinas e objetivos organizacionais, é possível, então, fazer uma leitura a respeito da influência que a média gerência exerce sobre a estratégia realizada (Mirabeau & Maguire, 2014).
Comportamentos divergentes da média gerência são, da mesma maneira, determinantes para o empreendedorismo corporativo, pois tais gestores (a) acessam informações privilegiadas; (b) são mais capazes de perceber oportunidades; e (c) aprovam ideias com base em critérios subjetivos (Floyd & Wooldridge, 1999). Inclusive, essas ideias são associadas aos próprios indivíduos da média gerência, pois eles buscam promovê-las junto a outras pessoas e fazer com que se tornem o cerne de novas iniciativas estratégicas (Floyd & Wooldridge, 1999).
Tais comportamentos da média gerência se mostram evidentes quando esses gestores endossam, refinam e cultivam iniciativas estratégicas, identificando, adquirindo e implantando recursos necessários para persegui-las (Hornsby, Kuratko, & Zahra, 2002; Kuratko & Goldsby, 2004; Kuratko, Ireland, Covin, & Hornsby, 2005). No entanto, os comportamentos também dependem de intervenções políticas da média gerência, baseadas na justificação racional, autoridade formal e formação de coalizações, especialmente quando as iniciativas estratégicas demandam o investimento em novas competências (Lechner & Floyd 2012; Maritan, 2001).
Mas quais seriam os fatores que motivam a média gerência a promover tais iniciativas estratégicas junto a outros membros da organização? Segundo De Clercq et al. (2011), alguns desses fatores são as expectativas de recompensas extrínsecas oriundas de superiores, pares e subordinados, bem como o grau de satisfação dos gestores intermediários quanto à situação atual da organização (De Clercq, Castañer, & Belausteguigoitia, 2011).
Não se pode esquecer de certos vieses na atuação desses gestores intermediários em processos de empreendedorismo corporativo. Por exemplo, é notório que avaliadores da média gerência podem favorecer inciativas estratégicas que tiveram origem em suas áreas ou subunidades na estrutura organizacional (Reitzig & Sorenson, 2013). Aspectos como a orientação estratégica da empresa, janelas de oportunidade e disponibilidade de recursos também podem influenciar a atenção da média gerência, fazendo com que tais indivíduos privilegiem oportunidades que estão mais distantes, ou mais próximas, do status quo atual da organização (Ren & Guo, 2011).
Ainda convém lembrar que o empreendedorismo corporativo pode trazer em si o risco de incentivar comportamentos oportunistas de gestores intermediários (Shimizu, 2012). A geração de ideias com alto grau de novidade também dificulta o estabelecimento de critérios claros de avaliação, e isso pode gerar sentimento de injustiça procedimental nas pessoas, acarretando, por conseguinte, menor comprometimento (Shimizu, 2012).
Apesar de muitos pesquisadores destacarem a importância da média gerência para a formação de estratégias emergentes e para o empreendedorismo corporativo, a intervenção política desses indivíduos também é vista como uma possível barreira, ou condição, para a implementação de estratégias deliberadas nas organizações.
Interesses pessoais da média gerência podem motivar suas intervenções em decisões estratégicas, por exemplo, tomando partido em relação às alternativas que estão sendo consideradas, ou resistindo às decisões que foram feitas (Guth & MacMillan, 1986). Com isso, tais indivíduos tendem “não apenas a piorar a qualidade e gerar atrasos na estratégia, como podem, eventualmente, sabotar por completo a sua implementação” (Guth & MacMillan, 1986, p, p. 320, tradução nossa).
No contexto de mudanças estratégicas, é comum existirem alterações no contrato psicológico desses gestores com a organização, considerando aspectos como conhecimento, motivação, objetivos, expectativas de papéis e normas de conduta. Isso pode estimular reações negativas da média gerência, que busca resistir enfatizando sua expertise, desafiando a cúpula, demonstrando passividade, ou tendo acessos de agressividade (Dopson & Neumann, 1998).
De um lado, essa intervenção na estratégia está associada à divergência de interesses entre grupos da média gerência, em especial no contexto de integração após aquisições (Meyer, 2006). De outro, gestores intermediários teriam competências políticas superiores para atuar como ponte de ligação entre os objetivos de mercado das empresas e os interesses de agentes governamentais, relacionando aspectos competitivos com imperativos políticos (Guo et al., 2017). Essas visões têm em comum a capacidade da média gerência de exercer influência sobre a implementação de decisões estratégicas, tanto dentro como fora da organização, valendo-se de aspectos como argumentos racionais e da qualidade do relacionamento com seus superiores (Schilit, 1987).
Quais seriam, então, as contingências externas à organização que condicionam a influência da média gerência sobre a implementação de estratégias? Segundo Brauer (2009), tais contingências existem principalmente no contexto de estratégias de saída ou desinvestimento de negócios. Entre as diversas ocasiões que condicionam comportamentos reativos ou de resistência de gestores intermediários, destacam-se momentos em que estiverem na eminência de serem substituídos com a liquidação dos negócios, ou quando as suas responsabilidades pelos negócios alienados forem criticadas por investidores (Brauer, 2009).
Três das teorias que atuam como base de sustentação para essas pesquisas são: (a) teoria da atribuição, (b) teoria institucional e (c) teoria do processamento da informação. A primeira é utilizada para sugerir que os indivíduos da média gerência atribuem a fatores internos o sucesso de suas tentativas de influência sobre a estratégia, enquanto os fracassos são atribuídos a fatores externos (Schilit, 1987). A segunda tem o propósito de dar base para a discussão sobre como a média gerência busca conciliar objetivos de mercado da organização com interesses políticos de agentes governamentais (Guo et al., 2017). Já a terceira ajuda a explicar que o tipo de intervenção da média gerência no contexto de desinvestimento de negócios depende do tamanho da unidade a ser liquidada e da sua interconexão com o nível corporativo da empresa (Brauer, 2009).
As categorias de estudos elucidadas até então trabalham com uma visão relativamente fragmentada sobre o envolvimento estratégico da média gerência: (a) uma mais concentrada em estratégias emergentes, no contexto de empreendedorismo corporativo; (b) outra dedicada a estratégias deliberadas, compreendendo ações políticas de implementação. A abordagem mais abrangente sobre o envolvimento estratégico da média gerência surgiu com Wooldridge e Floyd (1990).
Os autores advogaram a favor de um aumento no envolvimento estratégico desses gestores, não apenas para facilitar a implementação, mas também para melhorar a qualidade das decisões. Eles revelaram que os indivíduos da média gerência esperam da alta administração a direção, mas sentem que, geralmente, estão em melhores posições para iniciar e avaliar cursos alternativos de ação. Desse modo, os membros da alta administração deveriam estar mais abertos para que os indivíduos da média gerência questionem as suas decisões estratégicas (Wooldridge & Floyd, 1990).
Em trabalho subsequente, esses autores propuseram um modelo integrado de quatro principais tipos de envolvimento estratégico da média gerência: sintetizar informações, facilitar a adaptação, implementar a estratégia deliberada e defender alternativas (Floyd & Wooldridge, 1992).
Algumas pesquisas começaram, então, a investigar como tal envolvimento estratégico da média gerência depende da estrutura formal da organização, tendo como base de sustentação a teoria contingencial. Isso vale tanto para a posição de gestores intermediários em áreas ou unidades de negócio específicas (Floyd & Wooldridge, 1997; Watson & Wooldridge, 2005), como para os sistemas de controle gerencial utilizados (Marginson, 2002).
Com o passar do tempo, os estudos se interessaram mais em compreender a atuação da média gerência em redes de relacionamento informais da organização (Shi, Markoczy, & Dess, 2009). Essas pesquisas se apoiam na teoria das redes sociais, e suas conclusões indicam que a posição desses indivíduos em tais redes de relacionamento determina os seus capitais sociais (Ahearne et al., 2014) e suas ações de facilitar a adaptação e defender alternativas (Pappas & Wooldridge, 2007).
Tal envolvimento estratégico da média gerência afeta o desempenho organizacional? O modelo desenvolvido por Floyd e Wooldridge (1992) também foi utilizado por outros estudos interessados em responder a esta pergunta. Neste sentido, o estudo seguinte desses autores comprovou que as organizações demonstram melhor desempenho econômico / financeiro quando gestores intermediários reportam maior variedade de comportamentos de baixo para cima, sintetizando informações e defendendo alternativas (Floyd & Wooldridge, 1997). Entretanto, Ahearne et al. (2014) demonstraram que a busca de média gerência por defender alternativas é benéfica para o desempenho organizacional, mas apenas até certo ponto. Essas diferenças abrem caminho para que ocorram outras investigações sobre o tema.
A média gerência também se envolve na estratégia persuadindo e chamando a atenção das pessoas para a compreensão de eventos, desenvolvimentos e tendências que possuem implicações para o desempenho organizacional (Dutton & Ashford, 1993; Dutton, Ashford, O'Neill, Hayes, & Wierba,1997; Dutton, Ashford, Lawrence, & Miner-Rubino, 2002; Dutton, Ashford, O'Neill, & Lawrence, 2001). Esse processo é chamado de issue selling, em inglês, ou venda de questões, em português. Em tal abordagem, as organizações são representadas como um mercado pluralista de ideias, no qual questões (ex.: problemas, oportunidades, ameaças) são vendidas por meio de esforços da média gerência e selecionadas pela alta administração, que define a direção estratégica (Dutton et al., 2001).
Existem três principais conjuntos de ações por meio dos quais a média gerência busca aperfeiçoar seus movimentos de issue selling: (a) ações de embalagem, envolvendo escolhas sobre como a questão será comunicada e integrada a outros objetivos da organização; (b) ações de envolvimento, direcionando escolhas sobre relacionamentos e indivíduos que deverão ser incluídos no processo de venda; (c) ações processuais, orientando a persistência, oportunismo e atividades de preparação conduzidas ao longo do tempo (Dutton & Ashford, 1993; Dutton et al., 2001).
Sabe-se que tais movimentos de issue selling “encontram certa convergência com os papéis estratégicos da média gerência de sintetizar informações e defender alternativas” (Wooldridge, Schmid, & Floyd, 2008, p. 1203, tradução nossa). Entretanto, os pesquisadores dessa área deram uma importante contribuição ao elucidar fatores de contexto que motivam tais gestores a promover questões que nem sempre estão na pauta estratégica das organizações, como igualdade de gênero (Piderit & Ashford, 2003), gestão ambiental (Howard-Grenville, 2007) e inovação social (Alt & Craig, 2016).
Entre os vários fatores de contexto identificados nas pesquisas, destacam-se a vulnerabilidade política, o grau de proximidade no relacionamento com superiores, e a possível violação de normas da organização. Tais fatores representam riscos à imagem da média gerência, envolvendo, portanto, suas seguranças psicológicas (Dutton et al., 1997). De maneira diferente, janelas de oportunidade associadas a pressões do ambiente externo, níveis de mudança na organização e graus de incerteza também dão dicas importantes sobre o quão seguro ou inseguro o contexto está para que questões estratégicas sejam levantadas (Dutton et al., 1997).
A abertura dessa linha de pesquisas teve como âncora a perspectiva baseada na atenção, que analisa o processo por meio do qual gestores alocam sua atenção limitada entre uma variedade de potenciais questões estratégicas que são críticas para a adaptação e mudança organizacional. O modelo seguido por esses estudos se fundamentou, da mesma maneira, na gestão das impressões para descrever os comportamentos que os indivíduos exibem para controlar a sua imagem perante outras pessoas (Dutton & Ashford, 1993). Com o passar do tempo, os estudos também adotaram a teoria das expectativas, discutindo que indivíduos da média gerência são mais propensos a iniciar movimentos de issue selling quando percebem possuir maiores chances de sucesso (Ashford, Rothbard, Piderit, & Dutton, 1998).
A partir dos anos 2000, outra importante categoria de estudos se concentrou em analisar o envolvimento da média gerência em prol da construção de sentidos e significados da estratégia (Balogun et al., 2015; Balogun & Jhonson, 2004, 2005; Rouleau, 2005; Rouleau & Balogun, 2011).
Essa abordagem tem como fundamentação teórica a noção de sensemaking (Weick, 1973, 1995), e parte do pressuposto que os esquemas mentais em comum da média gerência influenciam a estratégia, pois tais gestores se baseiam em conversas e negociações informais com seus pares para chegar a interpretações compartilhadas sobre mudanças necessárias à organização (Balogun & Johnson, 2004). Desse modo, a média gerência se engaja em processos sociais de construção de sentidos ao longo da implementação de mudanças planejadas, contribuindo para o alcance de resultados estratégicos pretendidos e não pretendidos (Balogun & Johnson, 2005).
Esse é o caso do estudo de Balogun et al. (2015). Os autores investigaram gerentes seniores responsáveis por divisões de negócios e que foram encarregados de implementar um grande programa corporativo de mudança. As conclusões do estudo indicam que a construção de sentidos desses gestores depende dos seus relacionamentos e interpretações que, por estarem baseados em contextos locais, divergem do programa de mudança imposto pela corporação. Com isso, tanto as avaliações desses gestores a respeito da mudança, como seus desdobramentos, tornam-se distintos daqueles que haviam sido planejados (Balogun et al., 2015).
Tais estudos contribuem com avanços em relação a categorias de pesquisas anteriores, entre elas, a issue selling. Por exemplo, o trabalho de Rouleau e Balogun (2011) não analisa apenas ações de influência da média gerência junto à alta administração e de baixo para cima na hierarquia formal da organização. São investigadas práticas discursivas adotadas por esses gestores junto a múltiplos stakeholders, inclusive lateralmente e de cima para a baixo na estrutura (Rouleau & Balogun, 2011).
Cabe salientar que a média gerência também promove a mudança estratégica, construindo sentidos junto a agentes externos: (a) traduzindo a nova orientação, ao prover informações sobre reposicionamentos estratégicos da organização; (b) recodificando a estratégia organizacional, ao utilizar diferentes argumentos que se adequam à pertença social dos interlocutores; (c) disciplinando clientes, ao convencê-los quanto à importância da nova orientação estratégica da organização; (d) justificando a mudança, referindo-se aos interesses e desejos dos clientes para legitimar novos rumos e justificar o reposicionamento da organização no mercado (Rouleau, 2005).
Se por um lado essa categoria de estudos se volta para a compreensão dos sentidos e significados da estratégia, por outro, também enfatiza a maneira como a média gerência lida com emoções em processos de mudança (Huy, 2002, 2011; Huy, Corley, & Kraatz, 2014; Vuori & Huy, 2016). Essa combinação tem em comum o relato da estratégia por meio de atividades sociais e cognitivas.
Mas como as emoções da média gerência podem influenciar a estratégia? Segundo Huy (2002), tais gestores equilibram as emoções ao longo de mudanças radicais, por exemplo, quando acolhem as demandas por continuidade das pessoas, ou quando demonstram comprometimento passional com iniciativas individuais, ajudando na adaptação de grupos (Huy, 2002).
A maneira como as emoções de gestores influenciam a estratégia é bem ilustrada no caso da Nokia (Vuori & Huy, 2016). Os indivíduos da média gerência sofriam fortes pressões e demonstravam medos relacionados ao ambiente interno da empresa. Por isso, eles compartilhavam menos informações negativas com membros da alta administração. Estes, por sua vez, também omitiam detalhes sobre o contexto de mercado, temendo desmotivar os colaboradores. Tal ciclo vicioso gerou percepções superestimadas quanto às competências tecnológicas da Nokia e seus investimentos de longo prazo em favor da inovação (Vuori & Huy, 2016). Portanto, medos compartilhados entre indivíduos da média gerência e membros da alta administração colaboraram com a perda da capacidade de inovação e a drástica queda da Nokia no mercado de celulares (Vuori & Huy, 2016).
De um lado, a média gerência reage emocionalmente e demonstra comportamentos de resistência quando julga ser baixa a legitimidade de membros da alta administração para conduzir processos de mudança (Huy et al., 2014). De outro, grupos de pessoas na organização reagem emocionalmente às identidades sociais de gestores intermediários, atribuindo-lhes menor legitimidade para implementar estratégias (Huy, 2011). Essas constatações reforçam o importante papel da legitimidade sobre as emoções relacionadas com a média gerência no processo da estratégia.
A teoria cognitiva da emoção (Lazarus, 1991) dá sustentação a tais pesquisas, sugerindo que as pessoas podem demonstrar diferentes reações emocionais e partir de eventos que experimentam. Isso pode tanto lhes permitir responder de maneira ativa a processos de mudança, como resultar em comportamentos de resistência.
A última categoria de estudos identificada nesta revisão de literatura busca compreender o envolvimento estratégico da média gerência de maneira conjunta a comportamentos da alta administração.
Nessa abordagem, a estratégia se constitui como um propósito coletivo (Bartlett & Ghoshal, 1994) que depende de papéis, do relacionamento e da reciprocidade entre indivíduos da média gerência e da alta administração (Canales, 2013; Floyd & Lane, 2000; Mantere, 2008; Raes, Heijltjes, Glunk, & Roe, 2011). As organizações com desempenho superior seriam, então, aquelas que demonstram equilíbrio relativo entre tais contribuições de gestores em diferentes níveis hierárquicos (Hart, 1992).
São vários os ganhos em potencial associados à maior participação da média gerência na tomada de decisão estratégica, como o apreço pelas prioridades e objetivos organizacionais, energia na implementação, e busca por alcance dos resultados de maneira coordenada (Ketokivi & Castañer, 2004; Vilà & Canales, 2008; Westley, 1990). O modo como membros da alta administração descentralizam a tomada de decisões também é relevante, pois as características das informações recebidas pela média gerência determinam suas percepções quanto ao grau de incerteza do ambiente externo (Mangaliso, 1995).
Observa-se, então, que os indivíduos da média gerência e os membros da alta administração agem por conta própria com base em suposições, expectativas e papéis nos períodos em que não há contato e relacionamento direto entre eles (Raes et al., 2011). Desse modo, assim como existem expectativas específicas de envolvimento estratégico da média gerência, também se esperam grupos de comportamentos particulares da alta administração.
Esses diferentes papéis desempenhados pela média gerência e alta administração estão associados aos seus contextos de atuação. Os indivíduos da média gerência são fundamentais em periferias, como subsidiárias, negócios ou projetos. Nesses contextos, a formação de estratégias é indutiva e guiada pela aprendizagem, tendo como base encontros informais e experimentos tecnológicos e/ou de mercado (Regnér, 2003). Já os membros da cúpula conduzem a formação de estratégias nos grandes centros, sendo ativos na gestão corporativa ou em conselhos de administração. Em tais contextos, a formação de estratégias é dedutiva e guiada por planejamento e análise, sustentando-se em relatórios formais e padrões de mercado (Regnér, 2003).
É necessário lembrar que ambos os grupos de gestores são capazes de desempenhar papéis relacionados a iniciar, ou a executar, iniciativas de mudança estratégica (Heyden et al., 2017). No entanto, quando essa mudança tem origem na média gerência e conta com membros da cúpula na implementação, também recebe maior apoio dos demais funcionários (Heyden et al., 2017).
Ainda convém lembrar a possibilidade de haver conflitos entre tais papéis estratégicos, pois diferenças em normas, valores e prioridades criam tensões ao longo do tempo relacionadas às expectativas de comportamentos que cada um dos grupos de gestores deverá cumprir. Por exemplo, pistas inconsistentes de diferentes stakeholders podem gerar ambiguidade em indivíduos da média gerência, tornando-os relutantes em demonstrar um envolvimento estratégico apropriado (Currie & Procter, 2005). Isso ocorre quando membros da alta administração se concentram em reduzir níveis hierárquicos, limitando a atuação dos gestores intermediários a implementar estratégias deliberadas (Currie & Procter, 2005).
Em tais situações podem existir disputas de poder na organização: (a) a alta administração utilizando discursos estratégicos para exercer controle e reproduzir sua superioridade; (b) e a média gerência criando suas próprias lógicas narrativas para ter autonomia e exercer influência (Laine & Vaara, 2007).
Especialmente quando a alta administração não determina claramente as responsabilidades e atividades de apoio na estratégia, acontece um processo constante de trocas, negociações e ajustes. Isso pode afetar a predisposição ao risco e comportamentos oportunistas de indivíduos da média gerência, que irão gerenciar as expectativas de acordo com suas percepções quanto à capacidade instalada na organização para formular e implementar estratégias (Sillince & Mueller, 2007).
Floyd e Lane (2000) defendem que a formação de estratégias nas organizações pode ser melhor entendida como um sistema de trocas sociais, ao invés das visões processuais de racionalidade limitada e tomada de decisões políticas. Enquanto a troca econômica possui contratos que estipulam claramente o que será trocado, na troca social ocorrem “favores que criam futuras obrigações não especificadas, sendo a natureza da retribuição deixada a cargo daquele que deverá retribuir” (Blau, 1964, p. 94). Portanto, a troca social está baseada na confiança mútua entre as pessoas de que as obrigações não especificadas serão retribuídas (Blau, 1964).
É possível inferir que as trocas sociais entre indivíduos da média gerência e membros da alta administração dependem da compreensão comum desses gestores sobre os papéis estratégicos que cada um deve cumprir. Isso porque, quando indivíduos interagem por meio de papéis bem definidos, suas interações se tornam mais previsíveis, favorecendo a confiança mútua (Mayer, Davis, & Schoorman, 1995). Logo, a teoria das trocas sociais e teoria dos papéis são duas importantes bases de sustentação das pesquisas classificadas nessa categoria de estudos.
De que maneira a alta administração poderia, então, promover um melhor envolvimento estratégico da média gerência? Segundo Canales (2013), a alta administração deve convidar a média gerência a compartilhar suas bases lógicas e complementar as suas propostas para a estratégia, especialmente em contextos de mudanças conduzidas de cima para baixo. O resultado dessas interações é o estabelecimento de uma nova estrutura de atenção, baseada em questões e respostas que receberão maior prioridade pelas pessoas da organização (Canales, 2013).
Já o estudo de Mantere (2008) revelou que existem comportamentos recíprocos da alta administração que podem habilitar, ou inibir, cada um dos papéis estratégicos da média gerência. Por exemplo, para que a média gerência possa implementar a estratégia deliberada, é importante que a alta administração demonstre respeito, reconhecendo o valor do trabalho diário como uma atividade relevante para a estratégia (Mantere, 2008).
Essas ações recíprocas de gestores hierarquia acima fazem com que os funcionários demonstrarem comportamentos estrategicamente alinhados, ou seja, “discutam e expliquem com frequência os significados e objetivos da estratégia, ajudando seus colegas e subordinados a persegui-la nas tarefas do dia a dia” (Van Riel et al., 2009, p. 1210, tradução nossa).
Diante do exposto em cada uma das categorias de estudos sobre envolvimento estratégico da média gerência, é possível discutir sobre as principais contribuições, limitações e oportunidades de avanço para pesquisas futuras.
A primeira categoria de estudos destaca o papel da média gerência na formação de estratégias, principalmente emergentes e relacionadas ao empreendedorismo corporativo. Tais estudos contribuem com análises detalhadas sobre as dinâmicas sociais e políticas das quais a média gerência participa, determinando o desenvolvimento de novos negócios e a evolução das organizações.
Cabe salientar a existência de limitações comuns a tais estudos. Por exemplo, boa parte das pesquisas são aplicadas em apenas uma organização, ou em poucas organizações de um mesmo setor, dificultando a generalização dos resultados para outros contextos (De Clercq et al., 2011; Lechner & Floyd, 2012; Mirabeau & Maguire, 2014; Reitzig & Sorenson, 2013). Características importantes sobre as iniciativas estratégicas investigadas nos estudos também são desconsideradas, como a sua qualidade (De Clercq et al., 2011) e formalização (Lechner & Floyd, 2012).
De que maneira a satisfação ou insatisfação com os rumos da organização interfere nos esforços da média gerência em prol do avanço de iniciativas estratégicas (De Clercq et al., 2011)? Sob quais condições os indivíduos da média gerência aproveitam janelas de oportunidade para defender alternativas (Ren & Guo, 2011)? Quais são as melhores maneiras de conceituar aspectos estruturais, relacionais e culturais de empresas com suas iniciativas estratégicas (Lechner & Floyd, 2012)? Diante destas questões, estudos futuros podem investigar em profundidade mais variáveis de contexto que afetam comportamentos divergentes da média gerência, analisando a sua relação com o desenvolvimento de iniciativas estratégicas.
Se por um lado as ações políticas fazem parte das pesquisas no contexto de empreendedorismo corporativo, por outro, também são a base para a segunda categoria de estudos, que esclarece sobre a intervenção da média gerência na implementação de estratégias, seja motivada por interesses pessoais, ou fundamentada no bem coletivo.
Também existem, em tais estudos, importantes limitações. Por exemplo, são considerados principalmente os impactos de curto prazo das ações de influência da média gerência, como comprometimento, aceitação ou consenso, sendo relegados ao segundo plano os efeitos últimos sobre a estratégia e a organização como um todo (Schilit, 1987). Observa-se, da mesma maneira, a aplicação de estudos em contextos organizacionais únicos, resultando em uma “baixa variabilidade que inibe a validação dos modelos e proposições”, conforme argumenta Brauer (2009, p. 360, tradução nossa).
Em busca de superar algumas dessas imprecisões existentes na literatura, seria relevante aprofundar o conhecimento sobre a relação entre ações de intervenção da média gerência e resultados estratégicos mais proeminentes, como o “desempenho de desinvestimentos” (Brauer, 2009, p. 360, tradução nossa). De maneira diferente, as pesquisas poderiam explorar como o engajamento político dos gestores intermediários depende de suas características individuais, dentre elas a “trajetória social, educacional e profissional” (Guo et al., 2017, p. 19, tradução nossa).
Caminhando para a terceira categoria de estudos, percebe-se a sua contribuição com uma proposta integrada de envolvimento da média gerência: tanto em estratégias deliberadas como em estratégias emergentes. As evidências encontradas nas pesquisas também dão maior legitimidade para os gestores intermediários, clarificando seu efeito sobre o desempenho organizacional. Observa-se, ainda, que o envolvimento desses indivíduos depende de suas participações em estruturas formais e informais da organização. Portanto, o design organizacional representaria uma maneira de favorecer a agência da média gerência, promovendo, por conseguinte, o desenvolvimento da estratégia.
Entre as limitações comuns aos estudos sobre o envolvimento da média gerência na estrutura e no desempenho, destacam-se: (a) o uso de dados em corte transversal, inibindo inferir sobre causalidade; e (b) a desconsideração sobre por que tais indivíduos se engajam em atividades estratégicas divergentes (Ahearne et al., 2014; Floyd & Wooldridge, 1997).
Estudos futuros podem se dedicar mais em compreender por que motivo a média gerência investe em ações ou comportamentos estratégicos de facilitar a adaptação, motivada inclusive por interesses pessoais que podem minar a capacidade de implementação da empresa. O que leva tais gestores a realizarem tais ações e o que membros da alta administração podem fazer a respeito?
Ao adotar uma abordagem mais longitudinal e sistêmica, seria possível, da mesma maneira, expandir o escopo das investigações para além das fronteiras da firma. Isso permitiria analisar como o envolvimento estratégico da média gerência ocorre em âmbito interorganizacional, como em contextos de alianças, terceirização de atividades, e relacionamentos junto a clientes e fornecedores.
A categoria de estudos relacionada aos processos de issue selling auxilia na compreensão sobre a maneira pela qual tomadores de decisão formam seu repertório de questões (ex.: problemas, oportunidades e ameaças) para responder a estímulos do ambiente interno e externo da organização. Por outro lado, os indivíduos da média gerência são vistos como agentes centrais em tais dinâmicas, pois são eles quem possuem suas mãos nos pulsos da organização e estão mais próximos de clientes e outras partes interessadas. Logo, estes links lhes dão conhecimento sobre quais questões estratégicas merecem maior ou menor atenção das pessoas (Dutton et al., 1997).
Vale ressaltar limitações comuns a tais pesquisas. Por exemplo, as análises não capturam diferentes fatores e eventos com potencial de influência sobre a atenção para as questões que são vendidas por indivíduos da média gerência (Howard-Grenville, 2007). Tais gestores podem conduzir o processo de maneira diferente de acordo com a questão para a qual buscam despertar a atenção das pessoas, e os estudos também são limitados na medida em que cada um deles se concentra em investigar a venda de somente um tipo de questão (Ashford et al., 1998). Outra limitação reside no foco dos estudos para os vendedores da média gerência: os recipientes e membros da alta administração que direcionam sua atenção para as questões são pouco explorados (Ling, Floyd, & Baldridge, 2005).
Como a receptividade da alta administração influencia sua atenção para questões e a formação de estratégias na organização? De que maneira o processo de issue selling varia de acordo com o tipo de questão para a qual os gestores intermediários buscam despertar a atenção das pessoas? O histórico de indivíduos da média gerência no que se refere a uma questão particular molda as suas ações de influência? De que maneira múltiplos processos de issue selling ocorrendo em paralelo na organização podem colidir ou se complementar para inibir ou favorecer a mudança estratégica? Estas são algumas perguntas de pesquisa com potencial de promover uma pauta de futuro em prol do desenvolvimento dos estudos sobre envolvimento da média gerência na venda de questões.
Já a quinta categoria de estudos deu importante contribuição ao destacar o papel subjetivo do envolvimento estratégico da média gerência. A maneira como esses indivíduos constroem significados e gerenciam suas emoções era, até então, relegada ao segundo plano, embora seja de extrema relevância para a compreensão das dinâmicas sociais e cognitivas que ocorrem em contextos de mudança estratégica.
Entre as limitações comuns a esta categoria de estudos, destaca-se o fato de as pesquisas se concentrarem em contextos de mudanças planejadas de cima para baixo, direcionadas pela alta administração. Soma-se a isso a busca por compreender processos de construção de sentidos e gestão de emoções por parte de indivíduos da média gerência, havendo pouca investigação atrelada a gestores mais seniores.
Portanto, quatro principais caminhos em prol do avanço nas pesquisas sobre o envolvimento da média gerência em sentidos e emoções se sobressaem: (a) explorar como se dá a construção de sentidos em múltiplas equipes gerenciais dentro da mesma organização; (b) compreender o papel de instituições e culturas nestes processos de sensemaking da média gerência na estratégia; (c) aferir em que medida e de que maneira a gestão de emoções ocorre em organizações mais jovens enfrentando mudanças radicais; e (d) determinar quais são as características de processos de construção de sentidos envolvendo gestores com diferentes perfis e experiências.
E no que se refere à última, mas não menos importante, categoria de estudos, sobre o envolvimento da média gerência em conjunto com a alta administração? Percebe-se, aqui, que os papéis dos gestores na formação da estratégia não são exógenos entre si. Pelo contrário, são recíprocos, dependentes e, por vezes, interconectados. Portanto, analisar o envolvimento estratégico da média gerência implica reconhecer a influência que este sofre de comportamentos da alta administração.
As pesquisas já contribuíram com importantes proposições teóricas (Floyd & Lane, 2000; Raes et al., 2011) e investigações exploratórias (Canales, 2013; Currie & Procter, 2005; Mantere, 2008) sobre tal influência, abrindo espaço para que a visão de reciprocidade entre papéis estratégicos seja verificada em estudos explicativos que permitam maior generalização dos resultados.
A visão recíproca proposta por Mantere (2008) também traz à tona o processo de negociação de papéis entre a média gerência e alta administração, representando, por um lado, uma oportunidade de pesquisas longitudinais sobre o tema. Por outro lado, seria interessante investigar antecedentes da transição entre papéis da média gerência, como intervenções em prol do desenvolvimento de suas competências e pistas de diferentes stakeholders. Ambas as alternativas para estudos futuros carregam em si a importância de considerar o timing de fatores que podem inibir ou propiciar o envolvimento estratégico de gestores intermediários.
A partir desta atualização narrativa da literatura, é possível realçar a linha de pesquisa sobre média gerência como um vasto e fértil campo de investigação para estudiosos na área de estratégia. As seis diferentes categorias de estudos apresentam inúmeras oportunidades para pesquisas futuras. Por exemplo, destaca-se o potencial de se analisar mais as características de iniciativas estratégicas em processos de empreendedorismo corporativo, bem como impactos organizacionais da influência política da média gerência. Soma-se a isso a busca por compreender o efeito institucional e cultural sobre o envolvimento estratégico não apenas de indivíduos, mas grupos de gestores intermediários, cuja agência pode ser mais avaliada para além das fronteiras da firma.
Cabe salientar que esta revisão de literatura apresenta certas limitações, entre elas, a escolha por utilizar a mesma base de estudos publicados até 2009 e que haviam sido selecionados por Wooldridge et al. (2008). Adicionalmente, o conjunto de oito periódicos internacionais de maior fator de impacto escolhido para selecionar as publicações entre 2009 e 2017 é relativamente restrito. Tais aspectos podem ser associados ao tipo de revisão adotada, narrativa. Logo, estudos futuros poderão conduzir revisões sistemáticas que seguem análises quantitativas, permitindo, assim, maior generalização dos resultados.
A revisão anterior de Wooldridge et al. (2008) foi importante ao desenhar um mapa geral sobre a perspectiva da média gerência na estratégia. Os autores esclareceram, em grandes termos, as três principais temáticas que existiam naquele momento: (a) antecedentes dos papéis estratégicos da média gerência, (b) suas consequências para a organização, (c) e sua relação com aspectos cognitivos, tais como consenso, pensamento estratégico e compreensão em comum das pessoas.
Esta revisão narrativa da literatura tem o potencial de contribuir não apenas pela atualização e volume superior de estudos analisados, mas também pelo desenvolvimento de uma visão mais granular sobre o envolvimento estratégico da média gerência. Por exemplo, os antecedentes dos papéis estratégicos da média gerência são bem trabalhados na categoria de estudos sobre venda de questões. As consequências desses papéis para a organização estão implícitas tanto na categoria de estudos sobre envolvimento no empreendedorismo corporativo, como na categoria sobre envolvimento na estrutura e no desempenho. Já os aspectos cognitivos fazem parte das categorias de estudos sobre o envolvimento em conjunto com a alta administração e sobre o envolvimento em sentidos e emoções.
Portanto, o atual trabalho fornece detalhes sobre aspectos contextuais, metodológicos e teóricos inerentes às diferentes categorias de estudos, permitindo, assim, maior aprofundamento sobre questões específicas que representam oportunidades para pesquisas futuras.
Samir Lótfi Vaz
Av. Princesa Diana, 760, Alphaville, Lagoa dos Ingleses, 34000-000, Nova Lima, MG, Brasil. E-mail: samir@fdc.org.br.https://orcid.org/0000-0003-0330-9233
Sergio Bulgacov
Av. Nove de Julho, 2029, Bela Vista, 01313-902, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: s.bulgacov@gmail.com.https://orcid.org/0000-0002-9596-814X