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Coprodução Sociedade Civil - Governo na Constituição de Cidades Inteligentes no Estado do Pará
Coproduction Between Government and Civil Society to Establish Smart Cities in the State of Pará
Revista de Administração Contemporânea, vol. 23, núm. 5, Esp., pp. 636-653, 2019
Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Administração

Artigos


Recepção: 29 Janeiro 2019

Revised document received: 14 Maio 2019

Aprovação: 16 Maio 2019

DOI: https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2019190036

Resumo: O artigo discute as possibilidades de constituição da concepção de cidades inteligentes no estado do Pará a partir da coprodução de serviços públicos entre sociedade civil e governo. De forma particular, apresenta-se duas abordagens de coprodução contextualizadas em um cenário de telemedicina. Uma analítica, com foco rural, apresentada por via de um estudo de caso caracterizado pela parceria entre uma organização da sociedade civil e organizações públicas de diferentes esferas do governo para viabilizar atendimento médico especializado e; outra propositiva com foco urbano, apresentado em forma survey, onde se busca identificar a viabilidade de implantação de um serviço de compartilhamento de dados para coproduzir serviços públicos, inclusive serviços de telemedicina preventiva nos bairros da Região Metropolitana de Belém. Esta coprodução se dá a partir da cessão de uma porção da rede WiFi das famílias e indivíduos em áreas onde a infraestrutura de telecomunicações dos governos municipais não se faz presente. Tem-se como questão central a pergunta: Em que medida os cidadãos e as organizações não governamentais estão dispostos em coproduzir com o governo a partir do estabelecimento de parcerias?. Demonstra-se que tantos membros da sociedade civil quanto organizações não governamentais estão dispostos a coproduzir com o governo.

Palavras-chave: cidades inteligentes, coprodução, parceria, telemedicina.

Abstract: This article discusses the environment around the process of adopting the concept of smart cities in the State of Pará (Brazil), based on the coproduction of public services involving civil society and government. The study presents a case study of coproduction focusing on the rural area, characterized by the partnership between a civil society organization and public agencies from the state, and local governments to enable specialized medical care. The article also shows the results of a survey about coproduction, focused on the urban area, seeking to identify the feasibility to implement a data sharing service, using the Wi-Fi of individuals and households in areas where the local government has difficulties in offering public services. The use of this shared infrastructure would allow coproducing public services, including preventive telemedicine services in the neighborhoods around the Metropolitan Region of Belém. The survey was based on the following question: To what extent are citizens and civil society organizations willing to form partnerships to coproduce with the government?. The results of this article show that citizens and civil society organizations are willing to coproduce with governments and explore the conditions for these partnerships to happen. Also, the article shows that coproduction involving technological infrastructure and solutions may be a start to discussing and establishing smart cities in the state of Pará.

Keywords: smart cities, coproduction, partnership, telemedicine.

Introdução

O desenvolvimento da Internet e sua imersão no cotidiano do cidadão trouxeram à tona inúmeras possibilidades à prestação de serviços públicos às comunidades. Uma das grandes contribuições dessa tecnologia, em função de sua alta capilaridade têm ocorrido no âmbito das chamadas Cidades Inteligentes (Smart Cities) aqui entendidas como aquelas onde ocorrem investimentos no capital social e humano, mobilidade urbana, modernas instalações de infraestrutura de comunicação e tecnologia (Genari, Costa, Savaris, & Macke, 2018), aliados à sensata gestão dos recursos naturais, por via da governança participativa. Esse conceito possui uma abrangência bem maior do que os encontrados em publicações mais antigas que não evidenciavam as questões da sustentabilidade e qualidade de vida. Lemos (2013), por exemplo conceitua Cidades Inteligentes como sinônimo de uma cidade na qual tudo é sensível. Para Zubizarreta, Seravalli e Arrizabalga (2015) as Cidades Inteligentes contemplam vários fatores, dentre os quais pessoas enquanto cidadãos partícipes na vida pública; qualidade de vida e a Governança, com foco na transparência da utilização de recursos públicos.

Para Castelnovo (2016), ao considerar os cidadãos como usuários das infraestruturas e serviços inteligentes da cidade, tem-se na sua disposição e capacidade de adotar as inovações, a maneira mais óbvia para influenciar o sucesso ou o fracasso de uma iniciativa de cidade inteligente. O’Brien (2016), por sua vez, fala do cidadão atuando como olhos e ouvidos da cidade identificando e relatando os problemas ao poder público.

Em regiões com altos níveis de pobreza, como no caso do estado do Pará em que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018), 45% da população vive nessa condição, existem diversas áreas que não são coberturas pelos serviços públicos no que tange à infraestrutura tecnológica. Essa realidade dificulta o planejamento quando se discute sobre as possibilidades de constituição de um modelo de Cidade Inteligente, sobretudo em função da baixa presença do Estado. Esses aspectos são bastante evidentes quer nos bairros periféricos das áreas urbanas, quer nas áreas rurais do estado.

Nos locais mais distantes e de baixa presença do Estado, muitos dos problemas sociais poderiam ser combatidos a partir do uso de tecnologias já existentes que, entretanto, demandam adequada infraestrutura de telecomunicações dos governos. A inexistência de tal infraestrutura requer formas criativas dos governos para cumprir com seus papéis de provedores de serviços públicos. Uma das formas que os governos têm encontrado para prover os serviços públicos são as parcerias com organizações privadas e não governamentais e, ainda, diretamente com os cidadãos (Andrade, 2018).

Exemplos apresentados por Radnor, Osborne, Kinder e Mutton (2014), Vasconcellos, Vasconcellos, Heidtmann e Sousa (2015) demonstram que as parcerias são viáveis, exequíveis, escaláveis e totalmente aderentes às soluções de Cidades Inteligentes. O conceito de Parceria possui uma multiplicidade de interpretações (Vasconcellos, Vasconcellos, Heidtmann, & Sousa, 2015), tais como complementariedade de recursos para atendimento de objetivos comuns (McQuaid, 2000), compartilhamento de ideias e valores para uma relação de longo-termo (Lewis, 1998) ou ainda uma forma de coesão entre diferentes atores em prol de um objetivo mais nobre, como a gestão de recursos comuns (Ostrom, 1997) e combate à pobreza (Chambers, 1997) ou para solução de um problemas mais imediato (Ferreira, 2003). O conceito de Parceria aqui adotado envolve cooperação e sinergia entre indivíduos e organizações que juntam diferentes recursos para alcançar objetivos comuns e solucionar problemas sociais (Vasconcellos, 2009).

Dado esse contexto, o objetivo desse artigo é discutir as possibilidades de constituição da concepção de Cidades Inteligentes e apresentar proposições alternativas que viabilizem iniciativas a partir de parcerias para coprodução de serviços públicos entre sociedade civil e governo na Amazônia brasileira.

Para consecução do objetivo proposto, o artigo (a) apresenta um exemplo de coprodução entre uma organização da sociedade civil e os governos estadual e municipal para atendimento médico especializado e (b) os resultados de um survey sobre a viabilidade de implantação de um serviço de compartilhamento de dados e informações para coproduzir serviços públicos a partir da cessão de uma porção da rede WiFi das famílias e indivíduos em áreas onde a infraestrutura de telecomunicações do governo não se faz presente. O caso estudado é de uma parceria entre o Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Estado do Pará (COSEMS) e os governos Municipal e Estadual, consolidada no ano de 2018, na coprodução de serviços médicos especializados, em formato de telemedicina, beneficiando milhares de cidadãos residentes em regiões longínquas e de difícil acesso do interior do Estado do Pará. Pelo fato de o estado do Pará ter uma situação sui generis, que não se reproduz, atualmente, em nenhum outro estado da Amazônia Brasileira, o programa Navega Pará, onde o estado provê uma rede de Internet de alta velocidade com capilaridade que abrange a maioria dos municípios, realizou-se um segundo estudo, de caráter propositivo, com o intuito de apresentar uma alternativa à essa infraestrutura em consonância com os princípios da coprodução. O survey, utilizado como instrumento para subsidiar essa proposição abrangeu trezentos e vinte e sete participantes, onde se investigou a propensão dos cidadãos em coproduzir com o governo, a partir da cessão de uma porção de sua rede WiFi para o transporte de dados de monitoramento, viabilizando assim uma série de ações de Cidades Inteligentes em locais onde a infraestrutura de telecomunicações do governo é deficitária.

O artigo está estruturado em três seções, além desta introdução e das considerações finais. A seção Conceitos-chave discute os conceitos-chave do trabalho e que são centrais na discussão e proposição realizada que são: Cidades Inteligentes e Coprodução de serviços públicos. A seção Coprodução para Constituição de Cidades Inteligentes apresenta em detalhes o estudo de caso e o survey e analisa os pontos críticos e as possibilidades para a coprodução entre a sociedade civil e os governos na constituição de ações sob o prisma de cidades inteligentes.

Conceitos-chave

Cidades inteligentes

As primeiras referências a Cidades Inteligentes vieram do Vale do Silício, na Califórnia (USA), através do termo Smart Community, por volta de 1993. Essa terminologia remetia a uma “associação direta com a otimização, desenvolvimento sustentável e positivo de uma cidade ou região” (Lindskog, 2004, p. 2). Ainda na década de 1990, utilizou-se o conceito de Cidades Digitais, quando se acreditava que o simples fato de inserir uma camada de tecnologia sobre as cidades resolveria grande parte dos problemas. Hoje predomina o termo Cidades Inteligentes que emergiu com o protocolo de Quioto em que é “uma comunidade que faz um esforço consciente para usar a tecnologia da informação para transformar a vida e o trabalho dentro de seu território de forma significativa e fundamental, em vez de seguir uma forma incremental” (Komninos, 2006, p. 13). A União Internacional de Telecomunicações define cidade inteligente como uma cidade que aproveita a infraestrutura de TIC para melhorar a qualidade de vida e o bem-estar dos cidadãos, garantindo o crescimento econômico sustentável, otimizando os serviços municipais, reforçando a prevenção de desastres e fornecendo mecanismos eficazes de governança. Nam e Pardo (2011) enfatizam que as soluções verdadeiramente inteligentes são aquelas que colocam as pessoas no centro das cidades inteligentes ao invés de a tecnologia.

Lemos (2013) enfatiza que a grande diferença se dá pelo fato de Cidades Inteligentes envolverem processos informatizados sensíveis ao contexto social. Nesse enquadramento, o cidadão não é apenas um espectador do processo de informatização da cidade, mas sim um efetivo partícipe. Desse modelo coparticipativo surge também o termo cidadão inteligente (smart citizen), conceito no qual as pessoas também passam a ser produtoras de informação e consequentemente coprodutora de serviços públicos. Na era do Big Data, Batty (2013) considera que a maioria dos dados dessa tecnologia são produzidos automática e rotineiramente por sensores e que o volume desse crescimento, notadamente realizado em tempo real, pode mudar a ênfase do planejamento estratégico das cidades em longo prazo.

Batty (2013) argumenta que o gestor, ao se apropriar do grande volume de dados, produzido pelo monitoramento dos espaços públicos com vistas à melhoria dos serviços à população, pode tomar decisões melhor direcionadas e mais imediatas, assim como pode potencializar seu planejamento estratégico diante de cenários pósteros revelados pela análise preditiva desses dados. Por exemplo, Pan et al. (2013), apresentam um exemplo de monitoramento da frequência de famílias às praças públicas e mostram que alterações significativas nessa variável, diante de um comparativo histórico, podem ser um indicativo para uma possível atuação do crime organizado na região. Em casos como esse, um sistema de predição de dados é capaz de gerar alertas de tendência à gestão pública, com bastante antecedência, para que ações preventivas sejam planejadas. Isso se tornou factível porque, nos dias de hoje, a infraestrutura da Internet viabilizou, em tempo real, o transporte de dados de monitoramento associados aos mais diversos propósitos. Com a evolução das técnicas de criptografia esse processo é considerado bastante seguro e já vem sendo adotado por diversas instituições. A própria gestão remota de dispositivos, já consolidada nas inúmeras soluções de automação residencial, apresenta-se como uma alternativa viável e promissora no monitoramento de Cidades Inteligentes. No âmbito dos serviços públicos, é cada vez mais comum a instalação dos chamados Centros Integrados de Operações (CIOPS) que, dentre outras atividades, monitoram espaços públicos nas cidades através de imagens de vídeo, transmitidas de forma encapsulada, via protocolos de comunicação oriundos da Internet.

A percepção da importância do cidadão como parte essencial na coprodução do desenvolvimento de cidades porvindouras só começou a ser explorada nas últimas décadas. Prova disso é que, por muito tempo, o framework The Triple Helix, proposto por Leydesdorff e Etzkowitz (1995) (Figura 1), foi adotado como referência na concepção de Cidades Inteligentes. Esse modelo preconiza a relação de integração a partir de três pilares: Academia, Indústria e Governo. O modelo é utilizado como estrutura para promover inovações mais dinâmicas nas cidades, porém deixa o cidadão preterido, em segundo plano. Mesmo com outras variantes desse modelo (Triple Helix II e III) sendo discutidas a posteriori por Leydesdorff e Etzkowitz (1998) e até mesmo a tentativa de adequação através da atualização The Quadruple Helix (Figura 1) (Lindberg, Lindgren & Packendorff, 2014), onde a sociedade civil compõe uma quarta lâmina do modelo, a relevância do cidadão ainda não figura no centro da discussão. Talvez a representação mais adequada seria caracterizar o cidadão como o eixo do modelo em hélice, uma vez que ele constitui a força motriz capaz de estimular, através de suas necessidades e reivindicações, a interação entre os demais componentes. Essa representação alternativa talvez incorpore mais significado à proposição apresentada pelo modelo original.


Figura 1
Evolução do Modelo Triple Helix
Fonte: Adaptado de Lindberg, M., Lindgren, M., & Packendorff, J. (2014). Quadruple helix as a way to bridge the gender gap in entrepreneurship: The case of an innovation system project in the baltic sea region. Journal of the Knowledge Economy, 5(1), 94-113. https://doi.org/10.1007/s13132-012-0098-3

O modelo Triple Helix, apesar de ser bastante adequado à realidade europeia, não é aderente às especificidades do estado do Pará, onde a presença da Indústria é bastante tímida. Segundo o portal da indústria (Portal da Indústria, n.d.), os estabelecimentos industriais de grande porte (250 ou mais empregados), no estado do Pará, representam apenas 1,7 % do total de empresas.

Para Castelnovo (2016) não pode haver uma cidade inteligente sem cidadãos inteligentes. A visão de cidadãos como destinatários passivos dos serviços entregues pelas cidades inteligentes é equivocada uma vez que qualquer iniciativa nesse sentido será falha se o cidadão não colaborar, mesmo que apenas assumindo um comportamento inteligente ou um estilo de vida inteligente Seja de uma forma ou de outra. O cidadão contribui na coprodução da cidade. Inserir o cidadão no contexto mais participativo de uma cidade inteligente requer do poder público disposição e esforço para gerenciar os riscos dessa inovação (Nam & Pardo, 2011).

Concomitantemente a essa discussão, surgem outras proposições capazes de empoderar o cidadão com a sua devida importância dentro do contexto de desenvolvimento das cidades. Uma dessas proposições é a coprodução de serviços públicos.

Coprodução de serviços públicos

A coprodução, no âmbito dos serviços públicos, pode ser definida como uma estratégia para a realização de serviços públicos que se consolida por via do compartilhamento de responsabilidades e poder. Esse compartilhamento pode envolver agentes públicos, agentes privados e o cidadão (Verschuere, Brandsen, & Pestoff, 2012).

Para Osborne, Radnor, Vidal e Kinder (2014), embora a coprodução tenha sido uma aspiração da gestão pública por várias décadas, só recentemente foram feitas tentativas para entendê-la e implementá-la através da gestão de serviços. A questão maior, é relativa a como gerenciar e trabalhar com as implicações da coprodução para um serviço público eficiente e não como adicioná-la a eles. Justo pela tecnologia não se constituir em um bem público, por direito próprio, mas sim um bem secundário utilizado para apoiar e permitir a prestação de serviços públicos, tem-se, nas parcerias de coprodução abordadas neste artigo, uma importante sinalização do quão fecunda pode ser a sua adoção na gestão pública.

Osborne e Strokosch (2013) enfatizam que é necessário ao gestor público compreender os serviços públicos como resultados de sistemas complexos de prestação de serviços. Nesse processo é importante aceitar que a tecnologia digital está transformando a relação entre as Organizações e os usuários de serviços públicos, como já ocorre para todas as demais modalidades de prestação de serviços.

Osborne e Strokosch (2013) também nos apresentam três tipos de coprodução: a Coprodução de consumidores, que melhora a qualidade e o impacto dos serviços públicos existentes; a Coprodução participativa, que melhora o planejamento dos serviços públicos existentes e, em muitos casos, ocorre através do envolvimento dos cidadãos e; a Coprodução aprimorada, que traz a experiência do consumidor junto com a participação e planejamento para gerar novas abordagens (inovações) para os serviços públicos.

Alinhados à visão de Marshall (2004), entende-se que a coprodução somente ocorre quando há oportunidade e disposição do cidadão em participar ativamente do processo. Em especial, no que tange ao engajamento associado à coprodução em Cidades Inteligentes, faz-se necessário que essas oportunidades de participação sejam apresentadas ao cidadão em um formato acessível e simplificado, especialmente por se tratar de uma temática ainda desconhecida por grande parte da sociedade. Para isso, há necessidade de se criar estratégias quer de divulgação dos projetos, quer de persuasão que envolvam e propiciem o chamamento do cidadão a cooperar na esfera pública. Esse chamamento pode ocorrer de várias formas e com baixo impacto financeiro, inclusive por via de redes sociais e audiências públicas setorizadas.

Salm e Menegasso (2010), a partir da investigação de diferentes tipologias de participação, apresentam uma proposição de organização baseada em cinco modelos de coprodução do bem público, sintetizados na Tabela 1. As tipologias são usadas para definir o grau de participação do cidadão. Uma das formas mais efetivas de participação considera diretamente o cidadão como um parceiro do Estado. Nesse contexto ele pode receber um incentivo para realizar uma atividade e pode oferecer recursos para que a atividade ou serviço sejam realizados pelo Estado. Entende-se que, dentre os modelos descritos na Tabela 1, o que mais se alinha à discussão deste artigo é o modelo de coprodução funcional, onde a participação pode ocorrer com ganhos mútuos, expressos por via de incentivos tanto funcionais quanto materiais (Bovaird, 2007). Para Moretto, Souza e Salm (2014), a coprodução funcional envolve o indivíduo, o grupo ou a coletividade na prestação de serviços públicos com base em resultados e no menor custo, ou seja, na eficiência.

Tabela 1
Modelos de Coprodução do Bem Público

Nota.

Para que a coprodução funcional se faça viável é essencial que haja sinergia entre sociedade e governo (Evans, 1997). Uma das formas de estimular esse processo envolve a criação de um ambiente colaborativo entre o governo e o cidadão (Lemos, 2013). Para Przeybilovicz, Cunha e Meirelles (2018) cidades com foco na governança inteligente já tem um entendimento de que somente se tornarão cidades verdadeiramente inteligentes com a incorporação do ato da colaboração. Alguns princípios dessa colaboração são abordados por Pereira, Cunha, Lampoltshammer, Parycek e Testa (2017) quando se evidencia o tema Governança Inteligente (Smart Governance). Governança inteligente implica em várias partes interessadas (stakeholders) engajadas na tomada de decisão relativa a serviços públicos (Lopes, 2017). Nesse processo, além dos formatos tradicionais, é valido o uso de diversas tecnologias emergentes, incluindo mídias sociais, jogos sérios, que tem por objetivo transmitir conteúdo educacional ou de treinamento, etc.

No que tange à aproximação mais direta entre o governo local e o cidadão, com vistas a discutir as possibilidades de coprodução no serviço público, destacam-se os Conselhos Municipais. Estes constituem uma das formas mais democráticas de se criar um ambiente colaborativo em função de haver predisposição para a dialogicidade. Os Conselhos Municipais são órgãos públicos destituídos de personalidade jurídica que atuam como mediadores entre a população e o governo local. A partir desses órgãos, políticas públicas, aderentes às necessidades locais, são formuladas (Jesus & Cosenza, 2015).

Coprodução para Constituição de Cidades Inteligentes

Coprodução em serviços médicos especializados - telemedicina em municípios do estado do Pará

Diante de um cenário global de grande instabilidade, denotado pelo que vem sendo tratado no mundo dos negócios como ambiente Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity (VUCA) (Bennett & Lemoine, 2014), os gestores públicos reinventam-se, buscando soluções inteligentes e baseadas em parcerias para resolver problemas sociais de forma mais ágil ao modo do que Vasconcellos (2009) a conceitua: cooperação e sinergia entre indivíduos e organizações que juntam diferentes recursos para solucionar problemas sociais. No estado do Pará, uma parceria de coprodução entre o governo e o COSEMS, vem beneficiando milhares de cidadãos em um dos segmentos mais críticos: a saúde.

O COSEMS se caracteriza como uma associação, sem fins econômicos, possuindo personalidade jurídica de direito privado, com autonomia técnica, administrativa e financeira (COSEMS, 2018). Atualmente o COSEMS congrega representantes de cento e quarenta e quatro (144) secretarias de saúde no estado do Pará. Uma vez que, no âmbito da saúde, o financiamento é tripartite (federação, estados e municípios), a entidade toma para si o debate dos recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) junto ao Estado.

A coprodução em serviços médicos especializados se caracteriza pela consecução de um projeto de atendimento médico por via da internet, precisamente denominado telemedicina. Este foi concebido a partir das diretrizes do Conselho Federal de Medicina (CFM - Resolução CFM nº 1.643, 2002). O projeto de telemedicina surgiu como uma alternativa para o atendimento de pessoas com doenças específicas que moram nas áreas rurais do Estado e que não tem acesso a serviços médicos especializados na região onde moram.

De fato, o governo federal já possuía um programa de tele saúde que se constituía basicamente em uma ferramenta com recurso textual, em forma de perguntas e respostas, onde os profissionais de saúde interagiam entre si com vistas a dirimir dúvidas. Entretanto, o serviço não supria as necessidades do estado do Pará. Dados levantados junto ao COSEMS mostram que em torno de quinhentas consultorias, nessa modalidade, eram realizadas por ano. Este número, entretanto, estava muito aquém das expectativas do conselho e da sociedade, uma vez que a população do estado é de cerca de oito milhões de habitantes.

Estudos realizados pela própria COSEMS mostraram que em 2016 o estado do Pará destinou cerca de cinquenta milhões de reais com Tratamento Fora de Domicílio (TFD). Muitas vezes o paciente viajava por até doze horas, de barco, doente, apenas para realizar a primeira consulta, onde o médico, basicamente, realizava a anamnese (entrevista com o paciente) e solicitava os exames para posterior retorno. O Conselho percebeu que o enorme montante de recursos, destinado ao deslocamento do paciente, poderia ser melhor aplicado, se houvessem polos de telemedicina distribuídos no interior do estado. Há de se considerar também que, em havendo atendimentos diretamente nos municípios de domicílio dos pacientes, ou nas proximidades dos mesmos, torna-se mais viável, à administração local, a disponibilização de uma infraestrutura com acessibilidade, conforme discutido em Alperstedt Neto, Rolt e Alperstedt (2018).

Uma vez constatada a necessidade de ajustes no procedimento de prestação dos serviços médicos em áreas remotas do estado do Pará, elaborou-se o projeto de atendimento via telemedicina que foi totalmente concebido a partir das diretrizes do Conselho Federal de Medicina (Resolução CFM nº 1.643, 2002), tanto no aspecto da segurança, relativo à gestão e preservação dos dados do paciente, quanto no protocolo de funcionamento do próprio serviço.

Atualmente o programa conta com polos em sete municípios do estado do Pará: Cametá com população estimada de 136.390 habitantes, Breves (101.891 habitantes), Bragança, (126.436 habitantes), Abaetetuba (156.292 habitantes), Redenção (83.997 habitantes), Castanhal (198.294 habitantes) e Paragominas (111.764 habitantes), (IBGE, 2018), perfazendo um total de 915.064 pessoas. Todavia, cada um desses municípios possui uma alta capilaridade de atendimento uma vez que neles também são atendidos os pacientes de municípios menores, adjacentes. Por exemplo, o município de Cametá atende Limoeiro do Ajuru, Baião, Mocajuba que juntos equivalem a 77,52% de seu total de habitantes e assim por diante.

Para gerenciar o serviço formou-se uma comissão chamada Comissão de Intergestores Bipartite, (CIB), representada por sete membros do COSEMS e por representantes do governo do estado. Os recursos que chegam ao COSEMS, para viabilizar o serviço, são provenientes da contrapartida dos municípios, previamente acordada entre os membros.

Uma vez que a legislação brasileira, amparada pela resolução de Tel Aviv, não permite atendimento virtual diretamente entre médico e paciente (The World Medical Association, Inc., 1999), a solução encontrada para a realização da consulta, com amparo legal, preconiza a presença do especialista na capital (Belém) e do clínico geral, presente junto ao paciente, no polo de atendimento remoto. O atendimento então tem um caráter de teleconsultoria, com médicos presentes fim a fim. Atualmente existem quatro especialidades disponíveis: neurologia, neuropediatra, cardiologia e endocrinologia. Segundo o consultor do projeto, estão em processo de inserção, nos próximos meses, as especialidades de dermatologia e infectologia. Em cada posto de atendimento do programa existem um médico, um enfermeiro e um funcionário da área administrativa para a resolução de problemas técnicos.

Para a disponibilização do serviço, a grande dificuldade do COSEMS foi encontrar um provedor de Internet que estivesse disponível em toda a região do interior do Pará e atendesse aos requisitos técnicos mínimos necessários à transmissão do stream de vídeo (10 Mbps). A solução veio pela parceria com a empresa de Processamento de Dados do Estado do Pará (PRODEPA), através do uso da infraestrutura do programa NavegaPará (http://www.navegapara.pa.gov.br/, recuperado em 02 de dezembro, 2018). O NavegaPará é um programa do governo do Pará que se utiliza da infraestrutura de comunicação disponível nas torres de transmissão de energia elétrica mantidas pela Eletronorte. Por conta disso, encontra-se disponível em todas as microrregiões do estado, com Internet de alta qualidade. Esse programa tem objetivo similar ao Programa Internet Para Todos (http://internetparatodos.mctic.gov.br/portal_ipt/opencms recuperado em 28 de novembro, 2018), do governo federal, com a diferença de incorporar ações estruturantes que interligam redes dentro do estado do Pará por diversas tecnologias de telecomunicações, como rádio e fibra óptica, possibilitando o acesso e a disponibilização de serviços públicos digitais. O custo médio de instalação de um ponto do sistema de videoconferência nas unidades de saúde, desde que fiquem próximas ao local de passagem da fibra ótica do programa NavegaPará, fica em torno de dez mil reais (R$10.000,00), o que facilmente se paga apenas com uma pequena parte do montante de recursos destinados ao TFD. Na cidade de Abaetetuba, por exemplo, segundo dados fornecidos pela secretaria municipal de saúde daquele local, os recursos de TFD, em 2018, foram da ordem de R$ 47.817,60 (quarenta e sete mil, oitocentos e dezessete reais e sessenta centavos).

A pesquisa de campo identificou que, em novembro de 2018, haviam sido realizados dois mil e duzentos atendimentos, a contar de março de 2018. Se forem contabilizados também os atendimentos com retorno esse número sobe para dois mil, trezentos e quarenta e três. Comparado proporcionalmente ao número de atendimentos realizados em um ano, via TFD, observou-se que em apenas nove meses de implantação do serviço de telemedicina o número de atendimentos quadruplicou.

Ao ser questionado sobre o porquê mais iniciativas como essas não são adotadas um entrevistado do COSEMS diz que existem vários entraves, muitos deles não são de natureza tecnológica. Alguns prefeitos, por exemplo, mesmo já tendo uma referência sobre a efetividade do serviço, preferem manter o atendimento médico local restrito em clínicas credenciadas, mesmo que sem os especialistas supracitados, por já terem contratos em vigência.

Identificou-se que o grande valor agregado do projeto é a abrangência que beneficia as classes menos favorecidas da população, de forma digna e com qualidade de atendimento, em especial porque existe um mecanismo de avaliação de atendimento que monitora a qualidade do serviço.

Para avaliar o impacto do serviço de telemedicina sob a ótica dos gestores de saúde no âmbito municipal, entrevistou-se a secretária de saúde do município de Abaetetuba. Localizada no nordeste paraense, a aproximadamente cento e quinze quilômetros da capital Belém, o município de Abaetetuba figura como uma cidade-polo de uma região que abrange os municípios de Moju, Igarapé-Miri e Barcarena, somando uma população de mais de 350.000 habitantes e sendo a sétima mais populosa cidade do Estado. A Cidade abrange ainda uma área ribeirinha com cerca de setenta e duas ilhas, conhecida Região das Ilhas, onde a maioria dos acessos se dá através de uma pequena canoa motorizada chamada rabeta, que é o táxi fluvial da rede hidrográfica do município (https://www.abaetetuba.pa.gov.br recuperado em 27 de janeiro, 2019). O município é parceiro do COSEMS, no programa de telemedicina, desde junho de 2018. Ao ser questionada acerca da relevância do serviço para o município de Abaetetuba, a secretária responde positivamente e justifica que o programa ampliou o quantitativo de atendimento nas diversas especialidades oferecidas e que a assistência ao paciente é monitorada e continuada, o que gera um diferencial. Quando questionada acerca da eventual economia com TFD, a secretária, além de responder positivamente, informa que a economia obtida vem sendo revertida em programas de prevenção.

Na Figura 2, apresenta-se o número de atendimentos daquele município, referentes às consultas realizadas com especialistas dentro do programa de telemedicina no município. A queda de atendimentos em algumas situações se deveu à escala de férias dos médicos de clínica geral que interfaceiam o atendimento na cidade de Abaetetuba.


Figura 2
Atendimentos, Via Telemedicina, em Abaetetuba (PA)
Fonte: Elaborado pelos autores.

Ao ser indagada sobre a receptividade do serviço, tanto pela equipe técnica, quanto pelos pacientes, a secretária informa que à época da implantação do programa foi realizado um treinamento com a equipe local, organizado pela COSEMS, que deixou o grupo bastante motivado com a inovação. No que diz respeito aos pacientes, a receptividade positiva também foi bastante evidente. Entretanto houve toda uma preocupação por parte da secretaria de saúde na divulgação e esclarecimento do serviço por várias mídias de comunicação, incluindo televisão, rádio e redes sociais. Nesse processo, utilizou-se uma abordagem bastante didática para clarificar as dúvidas.

Para a secretária de saúde essa modalidade de serviço pode realmente beneficiar a população mais carente da Amazônia, transpondo barreiras culturais, sócio econômicas e geográficas, aproximando-se do que Komninos (2006) conceitua como Cidade Inteligente já que se faz um esforço consciente para usar a tecnologia da informação para transformar a vida dentro do território de forma significativa e fundamental.

Sobre o fato de ser uma instituição independente que está à frente do projeto, o COSEMS, a secretária vê nisso uma vantagem, pois muitos entraves burocráticos são rapidamente contornados. Outro aspecto promissor é a expansão para outras especialidades de consulta, já em processo de viabilização pelo COSEMS.

Este estudo de caso mostra que iniciativas dessa natureza, se adotadas em larga escala, podem revolucionar a questão da saúde pública em regiões de dimensão continental, como é o caso do estado do Pará. Outras ações pontuais, relacionadas ao que vem sendo tratado como saúde inteligente (smarth health) também poderiam vir a ser adotadas em áreas periféricas das grandes cidades amazônicas, disponibilizando serviços como o monitoramento periódico de indicadores de saúde da população (Solanas et al., 2014). Serviços dessa natureza poderiam ficar sob a responsabilidade da própria associação de moradores que, apoiada por agentes de saúde transmitiriam os dados, periodicamente, usando a infraestrutura proposta na seção Propensão à coprodução cidadão - governo local. Obviamente isso requer um alto nível de comprometimento entre a gestão pública e a comunidade local.

O projeto de telemedicina desenvolvido em coprodução pelo COSEMS com as parcerias dos gestores municipais e com o governo do estado do Pará, corroborado pelos excelentes resultados, constituem um referencial icônico para o desenvolvimento de Cidades Inteligentes na Amazônia a luz do que estatui Lindskog (2004) uma vez que há associação direta com a otimização, desenvolvimento sustentável e positivo entre as cidades envolvidas no projeto e a região da qual o município faz parte. Exemplos como esse apontam para a necessidade de maior aproximação entre os governos e as entidades privadas, potencializando as expertises em prol do cidadão.

A percepção de um modelo bem-sucedido, denotado na parceria supracitada, instigou a formulação de uma proposição, também baseada em coprodução, mas no âmbito urbano das cidades do estado do Pará. Esta dar-se-ia diretamente com a população com a finalidade de minimizar problemas crônicos tais como saúde e segurança.

Propensão à coprodução cidadão - governo local

Em uma segunda abordagem, apresentada através de um survey, evidencia-se a possibilidade de participação direta e ativa do cidadão no processo de coprodução de serviços públicos. Desta vez, partiu-se da premissa de que vários dos serviços associados à Cidades Inteligentes, como por exemplo alertas de enchentes provenientes de fortes chuvas sazonais poderiam ser viabilizados a partir de parceria cidadão-governo, mesmo em regiões periféricas das áreas urbanas do estado do Pará. De fato, um dos maiores entraves para a disponibilização de serviços de alerta de desastres ambientais aos cidadãos ocorre pela falta de infraestrutura de telecomunicação, por parte do governo. A contratação de serviços de telecomunicação para uma cobertura ubíqua nas cidades envolve custos excessivos, dos quais a maioria dos municípios não dispõem. Mas se houvesse uma melhor interação em que o cidadão participasse voluntária e efetivamente desse processo, certamente as possibilidades seriam potencializadas. Esta proposta envolve justamente a participação dos cidadãos, através de cessão em regime de coprodução, de uma pequena porção de sua largura de banda de Internet, limitada e ajustada pelo próprio cidadão através de software, com vistas a permitir que sua rede WiFi transmita dados provenientes dos sensores de monitoramento, localizados no entorno da sua residência a um CIOP. Uma vez que a área de cobertura dessas redes frequentemente extrapola os limites físicos das residências, seria possível receber e encaminhar as demandas dos dispositivos de monitoramento próximos. Ter-se-ia a constituição de uma parceria para coprodução funcional (Moretto, Souza, & Salm, 2014) envolvendo os indivíduos e/ou famílias para contribuir na prestação de serviços públicos, tendo como base e finalidade os resultados, o menor custo e a eficiência.

O primeiro passo nesse sentido foi investigar se as áreas periféricas de cidades do estado do Pará estão realmente cobertas com sinais de redes WiFi provenientes de conexões privadas. Para isso, realizou-se uma série de medições de intensidade de sinal em bairros suburbanos da região metropolitana de Belém. A cidade de Belém é a capital do estado do Pará e possui uma população estimada de 1.485.732 habitantes (IBGE, 2018).

Neste artigo, utilizou-se o recorte com os resultados obtidos no bairro da Guanabara, localizado na região periférica de Belém. Para a obtenção dos dados aqui apresentados, foram realizadas leituras de sinal, através do aplicativo WiFi Tracker (2018), em trinta e quatro ruas desse bairro. A área mapeada encontra-se delimitada pela linha tracejada da Figura 3 (com recorte ampliado). Nesse processo foram detectados mais de dois mil pontos de redes WiFi, o que permitiu avaliar, positivamente, a densidade de cobertura do bairro, viabilizando uma verdadeira infraestrutura alternativa de acesso a serviços de Cidades Inteligentes e à coprodução de serviços públicos.


Figura 3
Rastreamento de Wifi no Bairro do Guanabara, Belém-Pará
Fonte: Adaptado de Google Maps (https://maps.google.com/, Reccuperado em 15 de novembro, 2018), based on data collected via Wifi Tracker. (2018). (Version 1.2.122) [Software]. Retrieved from https://play.google.com/store/apps/details?id=org.prowl.wifiscanner&hl=en

Um estudo mais específico, realizado em uma das praças do bairro da Guanabara (Figura 4) apresenta a média do nível de sinal capturado em cinco diferentes pontos. Todos os resultados, expressos em unidade de potência dBM e apresentados na Tabela 2, são provenientes de redes WiFi dos moradores do entorno da praça e remetem à viabilidade técnica diante de uma eventual necessidade de transmissão de dados.


Figura 4
Pontos de medição de sinal na Praça das Castanheiras
Fonte: Elaborado pelos autores.

Tabela 2
Dados de Medição do Nível do Sinal na Praça das Castanheiras

Nota.

Entrevistas com residentes das adjacências da praça das Castanheiras foi possível constatar que setenta e cinco por cento estariam dispostos a coproduzir com o município sem nenhuma contrapartida, inclusive com o compartilhamento de rede Wifi. Apenas um dos moradores disse que sua eventual coprodução dependeria do serviço, mas não estenderia essa contribuição à rede Wifi em função de sua conexão ser muito lenta. A idade média do grupo de entrevistados é de trinta e quatro anos e meio, onde cinquenta por cento possuem nível médio e cinquenta por cento nível superior. O elevado percentual de pessoas dispostas a participar na coprodução do serviço público sob a via funcional (Moretto et al., 2014) demonstra que mesmo em áreas periféricas e pobres a construção de parcerias entre sociedade civil e governo para junção de diferentes recursos (Vasconcellos, 2009) e consequente solução de problemas sociais é viável.

Tomando como referência o survey realizado com 327 entrevistados sobre a propensão dos mesmos a coproduzir serviços públicos com o governo, identificou-se que 242 (74%) se mostraram dispostos a tal.

Enfatiza-se que do percentual de pessoas dispostas a coproduzir, 53% só o fariam mediante uma contrapartida do governo. De forma mais precisa, com uma compensação do governo em troca do serviço disponibilizado pelo cidadão, como por exemplo, a redução da tarifa pública de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Na realidade, esse mesmo formato já vem sendo adotado por concessionárias de energia elétrica quando da instalação de painéis solares pelo cidadão. No modelo de energia elétrica, o cidadão entrega à concessionária a sua produção excedente e recebe um desconto proporcional quando precisar da utilização dos recursos energéticos da concessionária. Uma proposta simples de ganhos mútuos com o uso da tecnologia da informação para transformar a vida de forma fundamental (Komninos, 2006), mas cujo modelo, por uma série de entraves gerenciais e jurídicos, ainda é de difícil adoção na administração pública.

Tabela 3
Disponibilidade em Coproduzir

Nota.

Cabe ressaltar que 84% de todos os entrevistados situados na faixa etária de 30 e 51 anos e com predisposição favorável em coproduzir tem uma participação relevante na renda da família. Entende-se que nessa faixa etária já há uma maior probabilidade de estabilidade financeira do cidadão, o que pode justificar essa decisão.

Tanto no estudo de caso, abordado na seção Coprodução em serviços médicos especializados - telemedicina em municípios do estado do Pará, sobre coprodução entre instituições públicas e privadas, quanto a coprodução diretamente entre o governo e o cidadão abordado nesta seção indicam possibilidades de estabelecimento de soluções inteligentes para as cidades do Pará. Soluções dessa natureza sugerem algumas possibilidades para superar dificuldades de ordem social centradas em gestão criativa e participativa. Sugerem o que Salm e Menegasso (2010) indicam como coprodução de serviços públicos em compartilhamento de responsabilidades entre pessoas da comunidade e governo de forma a buscar melhor eficiência e eficácia para o bem comum.

Considerações Finais

Diante das necessidades emergentes e da crescente migração populacional para os grandes centros urbanos, os gestores públicos das cidades do Pará possuem grandes possibilidades de ancorar suas estratégias de gestão para superação de determinados problemas sociais em alternativas colaborativas. Iniciativas baseadas em coprodução podem ser potencializadas como uma solução de gestão inteligente para as cidades do Pará, levando-as, ainda que em poucos segmentos sociais, a perspectiva de constituição de Cidades Inteligentes.

Os resultados positivos da parceria de coprodução com vistas à realização de atendimentos de telemedicina são evidenciados tanto no estudo realizado na cidade de Abaetetuba onde, em um período de sete meses, quatrocentos e oito atendimentos, com médicos especialistas, já foram efetivados, quanto no relato da equipe de gestão de saúde daquele município. Ademais, as mobilizações para a expansão do serviço, relatadas no âmbito do COSEMS, demonstram que os secretários de saúde veem no projeto uma forma realmente promissora de melhoria de serviços às populações dos seus municípios. No segundo estudo, destaca-se, em especial, a disposição do cidadão em não ser um mero espectador ações, mas um verdadeiro partícipe das soluções para seu entorno, desde que tenha alguma contrapartida que o estimule a continuar e incentivar outros a participarem do processo. Esse formato aumenta as possibilidades de acesso aos serviços públicos, viabilizando novas parcerias, além de contribuir para reverter a visão distópica que muitos têm da administração pública no Brasil.

O viés colaborativo em que as dificuldades de uns podem ser supridas pelas competências de outros, parece-nos ser uma alternativa inteligente para superar os enormes desafios de gestão que se mostram presentes no país, na Amazônia e, particularmente no estado do Pará. A busca inteligente por parcerias, mapeando as expertises dos cidadãos e das instituições, certamente se constitui em um grande estímulo aos gestores públicos de vanguarda.

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Notas

Financiamento

Os autores informaram que não há existência de apoio financeiro para a pesquisa neste artigo.

Conflito de Interesses

Os autores informaram que não há conflito de interesses.

Verificação de Plágio

A RAC mantém a prática de submeter todos os documentos aprovados para publicação à verificação de plágio, mediante o emprego de ferramentas específicas, e.g.: iThenticate.

Editores convidados para este artigo: Emílio José Montero Arruda Filho, Cristiana Fernandes De Muylder, Airton Cardoso Cançado, Ruby Roy Dholakia, Angela Paladino
Editor-chefe: Wesley Mendes-Da-Silva

Autor notes

Contribuições

1º autor: Produção Principal.

2º autor: Revisão.

3º autor: Coleta de dados.

4º autor: Coleta de dados.

Mauro Margalho Coutinho Avenida Alcindo Cacela, 287, Umarizal, 66060-902, Belém, PA, Brasil E-mail address: mauro.margalho@gmail.comhttps://orcid.org/0000-0002-4774-1661Mário Vasconcellos Sobrinho Avenida Alcindo Cacela, 287, Umarizal, 66060-902, Belém, PA, Brasil E-mail address: mariovasc@ufpa.br; mariovasc25@gmail.comhttps://orcid.org/0000-0001-6489-219XSue Anne Collares Maestri de Oliveira Avenida Alcindo Cacela, 1523, 66035-170, Belém, PA, Brasil E-mail address: sueannecm@gmail.comhttps://orcid.org/0000-0002-3521-7774Ana Margarida Santiago Avenida Alcindo Cacela, 287, Umarizal, 66060-902, Belém, PA, Brasil E-mail address: anamargos@yahoo.com.brhttps://orcid.org/0000-0002-8940-9683



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