RESUMO
Objetivo: identificar quando e como os princípios de governo aberto, especificamente transparência, participação e colaboração, estão sendo incorporados nas fases do ciclo de políticas públicas em governos locais.
Marco teórico: teorias relacionadas à análise de políticas públicas e governo aberto.
Método: estudo de caso único com enfoque incorporado sobre a iniciativa de governo aberto da Prefeitura Municipal de São Paulo, em que foram analisadas três políticas públicas distintas a partir de um esquema teórico-analítico construído mediante a integração da abordagem do ciclo de políticas públicas com os três princípios de governo aberto.
Resultados: o estudo evidenciou que em nenhuma das políticas analisadas houve a plena incorporação desses princípios nas cinco fases do ciclo político e que pouco se avançou quanto aos requisitos necessários para que elas possam ser consideradas políticas abertas.
Conclusões: o estudo contribui para estreitar a lacuna teórico-metodológica em relação à efetividade de iniciativas de governo aberto. O método oferece condições de ser aplicado em diferentes realidades e pode ser utilizado em pesquisas futuras para melhor compreender como os princípios de governo aberto estão sendo incorporados nas políticas públicas de governos que firmaram compromissos de governo aberto.
Palavras-chave: Governo aberto, políticas públicas, transparência, participação, colaboração.
ABSTRACT
Objective: to identify how and when the open government principles, specifically transparency, participation, and collaboration, are being incorporated into the public policy cycle phases in local governments.
Theoretical framework: theories related to public policy analysis and open government.
Method: a single case study with an incorporated focus on the open government initiative of the São Paulo City Hall, where three distinct public policies were analyzed from a theoretical-analytical framework built by integrating the approach of the public policy cycle with the three open government principles.
Results: the study showed that in none of the analyzed policies there was the full incorporation of these principles in the five phases of the policy cycle and that little progress was made regarding the requirements for them to be considered open policies.
Conclusions: the study contributes to narrowing the theoreticalmethodological gap concerning the effectiveness of open government initiatives. The method offers conditions to be applied in different realities and can be used in future research to better understand how open government principles are being incorporated into public policies of governments that have signed open government commitments.
Keywords: Open government, public policy, transparency, participation, collaboration.
Artigo Teórico-empírico
Governo Aberto na Cidade de São Paulo: Uma Análise de Políticas Públicas Abertas
Open Government in São Paulo: An Analysis of Open Public Policies
Recepção: 21 Outubro 2021
Revised document received: 09 Maio 2022
Aprovação: 10 Maio 2022
O termo ‘governo aberto’ pode ser considerado um método moderno de governança que fornece um novo espaço de abertura e interação entre governos e cidadãos baseado nos princípios de transparência, participação e colaboração (Cruz-Rubio, 2015; Ramírez-Alujas, 2012; Veljković, Bogdanović-Dinić, & Stoimenov, 2014).
Embora esses princípios não sejam conceitos novos, os estudiosos do campo do governo aberto permanecem relativamente silenciosos em relação ao dilema de sua incorporação para a produção de políticas públicas abertas (Brunswicker, Almirall, & Lee, 2018). Por esse mesmo ângulo, outros autores chamam atenção para a falta de diretrizes e procedimentos para se analisar a efetividade das iniciativas de governo aberto, assim como a influência de seus princípios sobre o ciclo de políticas públicas (Harrison & Sayogo, 2014; Sandoval-Almazan & Gil-Garcia, 2016). Consequentemente, poucas pesquisas empíricas foram realizadas no sentido de avaliar os avanços das iniciativas de governo aberto. De acordo com Kornberger, Meyer, Brandtner e Höllerer (2017), “existem apenas alguns estudos empíricos de governo aberto” e “a maioria das pesquisas se baseia em evidências informais ou em meras suposições” (Kornberger, Meyer, Brandtner, & Höllerer, 2017, p. 184, tradução nossa). Cruz-Rubio e Ramírez-Alujas (2012) acreditam que, embora o objetivo das iniciativas de governo aberto seja impactar substancialmente o ciclo de políticas públicas, tornando-o mais transparente, participativo e colaborativo, essa realidade não tem sido acompanhada por esforços de interpretação e análise, especialmente em governos locais, que são as instâncias mais próximas dos cidadãos. No mesmo sentido, Piotrowski (2017) acredita que mais pesquisas devem ser realizadas para identificar se as iniciativas de governo aberto estão sendo efetivas, ou seja, se a promessa de abertura está sendo ou não maior do que seu impacto real. Por isso, há a necessidade de pesquisas que busquem por métodos de análise que contribuam para a compreensão das iniciativas de governo aberto e verifiquem sua efetividade (Tai, 2021; Wirtz, Weyerer, & Rösch, 2018).
Nessa perspectiva, este estudo tem por objetivo identificar quando e como os princípios de transparência, participação e colaboração estão sendo incorporados nas fases do ciclo de políticas públicas em governos locais que firmaram compromissos de governo aberto. Para tal, foi realizado um estudo de caso sobre a iniciativa de governo aberto da Prefeitura Municipal de São Paulo, em que foram analisadas três políticas públicas distintas a partir de um esquema teórico-analítico construído mediante a integração da abordagem do ciclo de políticas públicas com os princípios de transparência, participação e colaboração.
A ideia de um governo aberto tem sido discutida na literatura como uma forma de melhorar a gestão governamental e o desenvolvimento de políticas públicas, reforçando os aspectos participativos e deliberativos da democracia (Burall, Hughes, & Stilgoe, 2013; Veljković et al., 2014; Wirtz et al., 2018). Segundo Bueno, Brelàz e Salinas (2016), “governo aberto vai além de práticas pontuais e desvinculadas para promover uma política pública ampla, que engloba as cidades na sua relação com seus cidadãos” (Bueno, Brelàz, & Salinas, 2016, p. 11).
Para Ramírez-Alujas (2012) e Wirtz e Birkmeyer (2015), o governo aberto é considerado um modelo de governança focado na inclusão dos cidadãos e outros atores não governamentais em todas as fases do ciclo de políticas públicas e nas arenas de tomada de decisão, baseando-se em três princípios: (a) transparência: significa que o público deve ter acesso fácil e irrestrito às informações sobre as políticas públicas, as decisões, as atividades e o desempenho do governo e da administração pública, viabilizando o exercício do controle social, a realização da accountability e a garantia da integridade pública; (b) participação cidadã: consiste na redistribuição do poder por meio da inclusão dos cidadãos nas fases do ciclo de políticas públicas e nos processos decisórios de forma a promover o fortalecimento da cidadania, a democracia deliberativa e a legitimidade das decisões; e (c) colaboração: pode ser definida como o trabalho conjunto entre diversos atores governamentais e não governamentais para a criação e condução de políticas públicas visando à coprodução de bens e serviços públicos, a geração de inovação aberta e o aumento do valor público.
Esses princípios não são conceitos novos, pois cada um deles vem sendo tratado há várias décadas na literatura. No entanto, apenas na última década eles foram agrupados sob um mesmo guarda-chuva denominado governo aberto. Portanto, é importante destacar que a transparência, a participação e a colaboração tomadas isoladamente não definem um governo aberto.
De acordo com Cruz-Rubio e Ramírez-Alujas (2012) e Cruz-Rubio (2015), as políticas públicas elaboradas sob esses três princípios podem ser definidas de dois modos distintos: políticas públicas para o governo aberto ou políticas públicas abertas. Enquanto as políticas públicas para o governo aberto têm o propósito de criar mecanismos (meios) de transparência, participação e colaboração, as políticas públicas abertas nascem e desenvolvem-se sob esses princípios (fins) (Cruz-Rubio & Ramírez-Alujas, 2012). Este estudo concentra-se na análise de políticas públicas abertas, ou seja, aquelas cujo ciclo (formação da agenda, formulação, tomada de decisão, implementação e avaliação) é permeado pelos princípios de governo aberto, conforme ilustrado na Figura 1.
A análise de políticas públicas parte de contributos teóricos gerais da ciência política e de disciplinas como economia, sociologia e administração pública. Seu objeto de estudo são os programas, ações e decisões governamentais, principalmente no que diz respeito à gênese dos problemas que tais decisões procuram resolver, como as soluções são formuladas e as condições da sua implementação (Araújo & Rodrigues, 2017). Segundo Howlett, Ramesh e Perl (2013), a análise de políticas públicas inclui, necessariamente, considerar os atores do Estado e da sociedade envolvidos nesses processos de tomada de decisão e sua capacidade de influenciar e agir. Para Araújo e Rodrigues (2017), o objetivo não é explicar o funcionamento do sistema político, mas a lógica da ação pública, as continuidades e interrupções nas políticas públicas, as regras do seu funcionamento ou o papel e os modos de interação de atores e instituições nos processos políticos.
De acordo com Dye (2013), a análise de políticas públicas procura responder a questões relacionadas à descrição, às causas e consequências das políticas públicas. Primeiramente, é possível responder ‘o que’, ‘como’ e/ou ‘quando’ o governo está fazendo (ou não) nos setores de assistência social, defesa, educação, direitos civis, saúde, meio ambiente, tributação e assim por diante. Em segundo lugar, é possível investigar o ‘porquê’ de o governo estar fazendo (ou não), ou seja, as causas ou determinantes da política pública. Por último, é possível identificar ‘que diferença isso faz’, ou melhor, as consequências ou impactos das políticas públicas. Na literatura, vários autores têm procurado as respostas para estas questões a partir de diferentes formas de análise de políticas públicas.
A análise de políticas públicas abertas refere-se basicamente ao nível em que a transparência, a participação cidadã e a colaboração são incorporadas nas fases do processo político-administrativo. A abertura não se trata simplesmente de fazer as coisas de forma mais transparente, liberando um grande número de conjuntos de dados do governo, pois é preciso incorporar as ideias, conhecimentos e experiências dos cidadãos e de outros atores não governamentais ao ciclo de políticas públicas (Burall et al., 2013). Isso não significa que cada um dos atores envolvidos deve estar ativo na política em todos os momentos, mas que mecanismos eficazes devem estar em vigor para que eles se envolvam nos processos e tenham seus interesses considerados nas decisões (Tisenkopfs, Kalniñß, & Rieba, 2001). No entanto, como destacam Cruz-Rubio e Ramírez-Alujas (2012), nem sempre um governo que tenha firmado compromissos de governo aberto cria os mecanismos necessários para o desenvolvimento de políticas públicas abertas. A Tabela 1 demonstra que há, nesse caso, quatro situações possíveis.
Como pode ser observado, a incorporação dos princípios de governo aberto nas políticas públicas pode ocorrer a partir de múltiplas situações. Por esse motivo, a análise de políticas públicas abertas não pode ser unidimensional, linear e baseada em rotinas simples, mas deve ser multifacetada, variada e pluralista (Enserink, Koppenjan, & Mayer, 2013).
No mesmo sentido, Mayer, van Daalen e Bots (2013) acreditam que a natureza multifacetada das políticas deixa claro que não há um modelo único, muito menos ‘o melhor modelo’ para conduzir a análise, pois existem muitas abordagens e métodos diferentes. Como exemplo, enquanto o ciclo de políticas públicas auxilia a análise pelo desdobramento do processo político-administrativo em uma série de fases distintas, as situações e cenários apresentados por Cruz-Rubio e Ramírez-Alujas (2012) contribuem para a análise de políticas públicas criadas sob os princípios de governo aberto. Nessa lógica, apenas o ciclo de políticas públicas não é capaz de descrever a complexidade da interação entre os atores (Howlett, Ramesh, & Perl, 2013). Por isso, é preciso buscar novas formas de análise ou mesmo a combinação de métodos que sejam capazes de contribuir para o entendimento sobre a incorporação dos princípios de governo aberto no ciclo de políticas públicas.
Portanto, para a realização desde estudo propõe-se um esquema teórico-analítico baseado em categorias e subcategorias de análise relacionadas aos princípios de transparência (Tabela 2), participação (Tabela 3) e colaboração (Tabela 4), que devem ser integradas ao ciclo de políticas públicas.
As características inerentes a cada uma das dimensões, categorias e subcategorias de análise serão discutidas ao longo da apresentação dos resultados do estudo.
Esta é uma pesquisa teórico-empírica que pode ser classificada como aplicada, descritiva e qualitativa. Trata-se de um estudo de caso único com enfoque incorporado, isto é, um estudo de caso no qual a situação é avaliada a partir de diferentes unidades de análise (Martins, 2008). Segundo Yin (2001), o estudo de caso é considerado adequado para descrever um fenômeno, desenvolver uma teoria e testar conceitos teóricos, contribuindo para a compreensão dos fenômenos individuais, organizacionais, sociais e políticos.
O caso analisado neste estudo foi a iniciativa de governo aberto da Prefeitura Municipal de São Paulo, que foi instituída pelo decreto municipal n.º 54.794, assinado em 28 de janeiro de 2014 pelo então prefeito, Fernando Haddad (2013-2016, Partido dos Trabalhadores). Em abril de 2016, juntamente com outros 14 governos subnacionais de várias partes do mundo, São Paulo foi o único município brasileiro escolhido para compor a etapa piloto do OGP Local Program, que é um programa de governo aberto para governos locais da iniciativa internacional Open Government Partnership (OGP). Além disso, São Paulo obteve o reconhecimento de outros importantes organismos internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Observatório Internacional da Democracia Participativa (OIDP), pelas ações realizadas no sentido de fortalecer a agenda de governo aberto no município. Por isso, a iniciativa de governo aberto de São Paulo pode ser considerada um locus relevante para o estudo de caso proposto. Para conhecer o histórico e os principais marcos da iniciativa, vide Vidigal (2016) e Brelàz, Crantschaninov e Bellix (2021).
A escolha das unidades de análise se deu a partir de consulta ao mapeamento de iniciativas de governo aberto (SAGA, 2019), que foi um levantamento realizado pela Supervisão para Assuntos de Governo Aberto junto às secretarias, subprefeituras e empresas públicas do município de São Paulo com o objetivo de identificar projetos, programas e ações desenvolvidos por esses órgãos e entidades que já estivessem incorporando princípios de governo aberto. Como critérios de escolha, as unidades de análise deveriam ser políticas públicas que estivessem incorporando os princípios de participação e/ou colaboração, além da transparência. Isso porque, para que uma política pública seja considerada aberta, ela deve minimamente incorporar a transparência e a participação cidadã nas fases do ciclo de políticas públicas, bem como a colaboração, desde que esta possa gerar benefícios de interesse público. Além disso, as políticas deveriam estar vinculadas a diferentes órgãos ou entidades da prefeitura municipal e ser o mais distintas possível quanto ao público-alvo.
A partir desses critérios foram selecionadas três políticas públicas distintas: o Laboratório de Inovação Aberta, o Plano Municipal pela Primeira Infância e o Programa Operações Urbanas.
O Laboratório de Inovação Aberta (MobiLab+), anteriormente chamado de Laboratório de Inovação em Mobilidade Urbana (MobiLab), foi criado em 2014 durante o governo Fernando Haddad, tendo como escopo inicial buscar soluções para questões relacionadas à mobilidade urbana na cidade de São Paulo. A partir daí, o governo municipal resolveu abrir os dados de mobilidade, promoveu hackathons e firmou parcerias com startups e desenvolvedores que resultaram em dezenas de aplicativos que fornecem informações em tempo real sobre o transporte e o trânsito na cidade de São Paulo. Esta foi uma iniciativa pioneira na América Latina quanto ao trabalho em conjunto entre setor público e startups no desenvolvimento de soluções a partir de dados abertos sobre mobilidade urbana. Isso lhe trouxe reconhecimento e alguns prêmios nacionais e internacionais, apesar dos percalços em termos de autonomia, orçamento, instabilidade política e dificuldades de mobilização de atores e recursos, assim como relatado no estudo de Swiatek (2019). Em junho de 2019, o MobiLab mudou o foco ampliando sua área de atuação para inovação aberta, adotando a sigla MobiLab+ e passando a ter três eixos de atuação: ativação do ecossistema de inovação a partir da mobilização de diversos atores; inovação aberta para cocriação de soluções junto a parceiros de dentro e fora do setor público; e contribuição para a abertura de dados públicos visando à inovação pública.
O Plano Municipal pela Primeira Infância foi instituído na cidade de São Paulo pelo decreto municipal n.º 58.814/2018 durante o governo Bruno Covas (2018-2020, Partido da Social Democracia Brasileira), visando a estabelecer uma série de metas e estratégias para promover o desenvolvimento de crianças na faixa etária de zero a seis anos de idade. O plano foi elaborado em parceria com várias secretarias municipais, com a Câmara Municipal de São Paulo e com organizações da sociedade civil. A política possui quatro eixos estratégicos: garantir as condições para a articulação intersetorial dos programas, projetos e ações para o atendimento integral na primeira infância; garantir educação a todas as crianças na primeira infância, cuidados e estímulos que contribuam para seu desenvolvimento integral; garantir a proteção e dar condições para o exercício dos direitos e da cidadania na primeira infância; e garantir o direito à vida, à saúde e à boa nutrição a gestantes e crianças na primeira infância.
O Programa Operações Urbanas da Prefeitura Municipal de São Paulo é uma política pública de caráter urbanístico conduzida pela São Paulo Urbanismo, empresa pública vinculada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, que visa à requalificação de espaços urbanos por meio de parcerias entre o setor público e a iniciativa privada. O objetivo das operações urbanas é a captação de recursos e a realização de transformações urbanísticas estruturais em determinados espaços urbanos. Os recursos são obtidos a partir da concessão de aumento do coeficiente de aproveitamento ou modificação de imóveis aos proprietários privados em troca de contrapartida, que pode ser financeira ou pela criação de espaços públicos de interesse social. Atualmente, a cidade de São Paulo possui quatro operações urbanas vigentes, sendo três consorciadas (Água Branca, Água Espraiada e Faria Lima) e uma não consorciada (Centro).
Para a realização deste estudo, foram coletados dados primários e secundários. Os dados primários foram obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas entre os dias 16 de outubro e 18 de dezembro de 2019. Foram entrevistados 23 atores-chave envolvidos na criação e desenvolvimento das três políticas públicas selecionadas e especialistas em governo aberto que atuaram junto à Supervisão para Assuntos de Governo Aberto (SAGA), ao Comitê Intersecretarial de Governo Aberto (CIGA-SP) e ao Fórum de Gestão Compartilhada da São Paulo Aberta (governo, organizações da sociedade civil, setor privado). A decisão por entrevistar especialistas em governo aberto, além de atores que atuaram diretamente nas políticas selecionadas, baseia-se no fato de que esse tipo de entrevista permite a compreensão de conceitos e práticas de forma mais ampla, uma vez que na entrevista com especialistas, o foco está no conhecimento do entrevistado sobre o tema pesquisado, e não no próprio indivíduo (Meuser & Nagel, 2009). Segundo Creswell (2007), a ideia por trás desse tipo de pesquisa qualitativa é selecionar propositalmente os participantes mais indicados para ajudar o pesquisador a compreender melhor o problema e a cumprir os objetivos da pesquisa.
Os dados secundários utilizados na pesquisa correspondem a registros institucionais, atas, editais, normas e documentos oficiais publicados pela Prefeitura Municipal de São Paulo relacionados às três políticas públicas selecionadas e à iniciativa de governo aberto do município.
Os dados coletados foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo. De acordo com Bardin (2011), a análise de conteúdo baseia-se em um conjunto de técnicas de análise que visa a extrair o sentido das comunicações por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo. Como explica Chizzotti (2006), para a aplicação da análise de conteúdo, os dados devem ser reunidos em torno de categorias, ou seja, de um conceito ou atributo, com um grau de generalidade que confere unidade a um agrupamento de palavras ou a um campo do conhecimento, em função da qual o conteúdo é classificado, ordenado ou qualificado. Para o autor, as categorias de análise devem estar claramente definidas e ser pertinentes aos objetivos pretendidos na pesquisa, procurando identificar a consistência dessas unidades para fazer inferências e extrair significados. O rol de categorias e subcategorias de análise utilizadas neste estudo consta nas Tabelas 2, 3 e 4.
Ao confrontar as perspectivas dos atores-chave que foram entrevistados em torno das dimensões, categorias e subcategorias propostas no esquema de análise, foi possível identificar quando e como os princípios de governo aberto estão sendo incorporados nas fases dos ciclos políticos do Laboratório de Inovação Aberta (MobiLab+), do Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI) e do Programa Operações Urbanas (POU) da Prefeitura Municipal de São Paulo, conforme descrito a seguir.
Conforme as declarações dos entrevistados, em nenhuma das três políticas públicas analisadas a transparência foi incorporada em todas as cinco fases do ciclo político-administrativo. No PMPI, a transparência foi incorporada apenas na fase da formulação; no MobiLab+, tem sido parcialmente praticada nas fases da formação da agenda, formulação e implementação; e, no POU, mais intensamente nas fases de formação da agenda e tomada de decisão. Alguns dos entrevistados reconheceram que as informações sobre algumas fases do ciclo político não estão tão acessíveis como as de outras e que há a necessidade de se dar mais transparência: “[Em algumas das fases] eu acho que fica um pouco mais difícil de identificar a questão da transparência” (Entrevistado 18); “Eu acho que a gente precisa de fato dar mais transparência sim” (Entrevistado 13). O fato de a transparência não ter sido devidamente incorporada nas unidades analisadas é um limitador em termos de abertura, pois sob a ótica de governo aberto a transparência é um valor que deve estar presente em todas as fases do ciclo de políticas públicas (Ball, 2009; Ramírez-Alujas, 2012).
Sobre os tipos de transparência, conforme os relatos, a transparência praticada nas três políticas apresenta alguns pontos em comum.
O primeiro corresponde à transparência direta, que está associada às atividades ou resultados que são diretamente observáveis pelo público em geral; e à transparência indireta, que está relacionada às informações que são verificáveis apenas para um público mais restrito, como agentes de fiscalização ou especialistas técnicos (Hood, 2007). No caso do MobiLab+, transparência é direta no que diz respeito à disponibilização de informações sobre suas operações. No PMPI, é direta apenas quanto à publicação de indicadores. No POU, é direta no que diz respeito às informações sobre as ações e decisões relacionadas ao programa que estão acessíveis para os interessados. Contudo, a transparência indireta também é praticada no MobiLab+ em relação aos dados financeiros, e no PMPI, relativamente aos dados gerenciais.
O segundo ponto em comum é que as três políticas contemplam a transparência passiva, ou seja, concedem o acesso a informações e documentos oficiais a qualquer cidadão que os requeira, exceto as informações consideradas sigilosas pela legislação (Zuccolotto, Teixeira, & Riccio, 2015). O PMPI e o POU também praticam a transparência ativa, publicando periodicamente, sem a necessidade de qualquer solicitação, informações sobre suas atividades e documentos de interesse geral. Conforme relatado, apesar de utilizar as mídias sociais para a divulgação de informações relevantes, o MobiLab+ não conta com um canal próprio de transparência ativa e nem mesmo possui um espaço no Portal da Transparência da Prefeitura Municipal de São Paulo. Esta é uma questão que merece atenção porque apenas a transparência passiva não atende ao que se espera de um governo aberto, pois ela tende a ser atomizada e individualizada. Deve-se priorizar a transparência ativa para disponibilizar o máximo possível de informações de interesse geral e se valer da transparência passiva para dar acesso a informações mais específicas ou detalhadas que não foram disponibilizadas em canais de transparência ativa (Figueiredo & Gazoni, 2016).
O terceiro ponto em comum diz respeito à prática de transparência efetiva e nominal. De acordo com Heald (2003), a transparência efetiva é aquela em que a sociedade pode acessar, entender e utilizar as informações para responsabilizar os ocupantes de cargos públicos. Por outro lado, a transparência nominal é aquela que visa a tornar a imagem do governo aceitável ou simpática à opinião pública, atendendo aos requisitos de muitos dos índices de transparência por meio da publicação de grandes volumes de dados, sem revelar como as instituições realmente se comportam na prática, seja em termos de como elas tomam decisões, seja no resultado de suas ações (Fox, 2007). Trata-se da perversão do princípio da transparência (Heald, 2006). Conforme os relatos, as três políticas praticam uma transparência efetiva. No entanto, em parte, o MobiLab+ tem praticado também a transparência nominal. Além disso, algumas informações sobre suas finanças e seu planejamento de médio e longo prazo são mantidas em sigilo. Ao ser questionado sobre que tipo de informação é mantido em sigilo no MobiLab+, um dos entrevistados respondeu: “Acho que talvez um pouco mais dessas [informações] estratégicas e de planejamento mais de médio e longo prazo. Talvez um pouco do dia a dia financeiro” (Entrevistado 4). Para que uma política seja considerada aberta, é preciso que haja uma transparência efetiva, pois é preciso romper de fato o sigilo (Michener & Bersch, 2013).
O quarto e último ponto em comum se refere ao timing da transparência. Nas três políticas há a predominância da transparência em retrospecto, ou seja, há pouca disponibilização de dados em tempo real. A transparência em retrospecto significa que as informações sobre a organização são disponibilizadas ex post, após um prazo necessário para publicação (Heald, 2012). Esse prazo pode ser positivo, no sentido de tornar possível a estruturação das informações para facilitar sua compreensão, e negativo, visto que as informações podem sofrer interferências (manipulação) que comprometam sua confiabilidade. Nos casos em que o prazo for muito dilatado ou houver atrasos na publicação das informações, isso pode inviabilizar qualquer tipo de intervenção. Por outro lado, na transparência em tempo real a informação é liberada assim que é criada, sendo divulgada de forma contínua. Ainda que a transparência em retrospecto seja importante no sentido de possibilitar a avaliação de ações passadas, em um governo aberto é fundamental que haja transparência em tempo real ou o mais próximo disso, pois é preciso que o público tenha acesso a informações oportunas sobre as atividades do governo antes que as decisões sejam tomadas (Vaughn, 2014).
Quanto à natureza da transparência, as três políticas analisadas apresentaram uma transparência de natureza normativa no sentido do cumprimento dos requisitos legais, visando a evitar questionamentos quanto à lisura dos processos. Entretanto, o MobiLab+ e o POU apresentaram também características de uma transparência instrumental no sentido de contribuir para maior eficiência e eficácia. Conforme relatado, no PMPI a transparência está limitada à natureza normativa: “Eu acho que, assim, a gente tem preocupação em deixar transparente o que a gente deveria deixar transparente, né? … No momento, eu acho que [a transparência] é mais nessa forma de prestar contas” (Entrevistado 13). Apenas a transparência normativa não é suficiente sob a ótica de governo aberto, pois, para além do cumprimento das normas, é importante que a transparência seja um instrumento no sentido de contribuir efetivamente para prevenir a corrupção e aumentar a legitimidade (Dror, 1999; Fisher, 2014; Heald, 2006).
Sobre as perspectivas da transparência, as três políticas possuem maior foco na disponibilização de informações institucionais e operacionais. No PMPI e no POU também há a divulgação de informações fiscais, o que não ocorre no MobiLab+. Em nenhuma delas a transparência ocorre pelas perspectivas política e processual. Entretanto, uma política pública aberta deve contemplar todas essas perspectivas. É preciso disponibilizar um conjunto de informações sobre o que o governo está fazendo, como e quando está fazendo, o porquê de estar fazendo, bem como o desempenho da política no cumprimento de seus objetivos (Cucciniello, Porumbescu, & Grimmelikhuijsen, 2017).
Em relação aos determinantes da transparência, é unânime entre os entrevistados que todas as políticas devem ser aperfeiçoadas em termos de compreensibilidade. Além disso, há algumas limitações em termos de publicidade e utilidade das informações no PMPI e no POU. Isso ficou evidente em um dos relatos: “Quanto à qualificação da informação, a gente passa por uma fase de aprimoramento, né? … Elas estão lá, mas o nível de atualização ou a facilidade de leitura é outra coisa. … Mas a gente precisa modernizar a forma que elas são divulgadas” (Entrevistado 18). Aqui cabe ressaltar que, no contexto de governo aberto, além de as informações terem que ser publicadas em formatos e linguagem acessíveis, é preciso que elas sejam completas, compreensíveis e úteis (Platt Neto, Cruz, Ensslin, & Ensslin, 2007).
Quanto aos mecanismos de transparência, nas três políticas, em maior ou menor grau, é feito o uso de canais on-line, tais como: sites, mídias sociais, Sistema Eletrônico de Informações (SEI), Sistema Eletrônico de Informações ao Cidadão (e-SIC), entre outros. Na maioria dos casos, as informações estão incompletas e dispersas em diferentes canais de informação. O POU é a única política em que se utilizam mídias impressas, como jornais de grande circulação e jornais locais, para divulgar informações ao público em geral. Nos casos do MobiLab+ e do PMPI, os relatos demonstraram que o único mecanismo de transparência para os cidadãos que não possuem acesso digital seria a transparência passiva, mediante solicitação por escrito. Isso está em desacordo com o que se espera de um governo aberto, pois é preciso que questões como disponibilidade, fluxo, acessibilidade, quantidade, qualidade, abrangência, relevância e confiabilidade das informações sejam consideradas pelo governo (Cucciniello et al., 2017).
No que se refere à abertura de dados, conforme os relatos, apenas no POU há a disponibilização de conjuntos de dados em formato aberto, ou seja, dados em diferentes formatos, inclusive processáveis por máquina, sem quaisquer restrições de uso e distribuição (Attard, Orlandi, Scerri, & Auer, 2015). Todavia, o volume de dados abertos disponibilizados no POU é pequeno, e alguns conjuntos de dados estavam desatualizados e/ou sem informação sobre a data de criação ou atualização. No caso do MobiLab+, os próprios entrevistados expuseram que, apesar de ele ser o grande responsável por viabilizar a abertura de dados de mobilidade urbana da cidade de São Paulo, as informações da própria política ainda não estão em formato aberto. Em um governo aberto, além de as informações terem que ser publicadas em quantidade e qualidade adequadas para que os cidadãos possam examinar as ações e decisões governamentais, elas devem atender aos critérios de dados abertos (Attard et al., 2015; Sandoval-Almazan & Gil-Garcia, 2016; Veljković et al., 2014).
Com relação às implicações da transparência, é possível afirmar que o controle social, a accountability e a integridade pública são diretamente impactados pela forma como se pratica a transparência no âmbito das políticas analisadas. O fato de não haver um esforço maior na disponibilidade de informações úteis, oportunas, acessíveis, compreensíveis e em formato aberto compromete o acesso dos cidadãos à arena política e dificulta a responsabilização dos agentes públicos pelas ações e decisões políticas (Fox, 2007; Huberts, 2018; Serra & Carneiro, 2012). No PMPI e no POU, o controle social é exercido apenas em uma comissão de avaliação e um conselho gestor, respectivamente, e ambos não são paritários. Apesar disso, estas duas políticas deram um passo importante no sentido da integridade pública. A Secretaria do Governo Municipal, que é responsável pelo PMPI, e a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, à qual a São Paulo Urbanismo e o POU estão vinculados, aderiram ao Programa de Integridade e Boas Práticas promovido pela Controladoria Geral do Município (CGM). Neste programa, a CGM é responsável pela capacitação, orientação e acompanhamento dos planos de integridade de cada um desses órgãos, que deverão promover a transparência, a ética na conduta dos servidores, implementar processos de responsabilização, entre outros. A efetivação desse programa pode, assim, trazer avanços para a iniciativa de governo aberto, principalmente no que diz respeito à transparência ativa e passiva, accountability e integridade pública.
Nas três políticas analisadas, a participação cidadã é bastante limitada e ocorre basicamente na fase de formulação do ciclo de políticas. Conforme relatado, apenas no MobiLab+ a participação ocorre também na fase de formação da agenda, mas parcialmente. Dagnino (2004) chama atenção para esse tipo de situação em que grande parte dos espaços abertos à participação na discussão sobre políticas públicas fica restrita até a fase de formulação, não havendo compartilhamento do poder de decisão nas outras fases. Isso representa uma barreira para a abertura da política em termos de participação cidadã.
Quanto aos tipos, de acordo com os entrevistados, nos poucos momentos em que a participação é permitida, ela oscila entre ativa e passiva, direta e indireta, real e simbólica, a depender do mecanismo de participação utilizado. No POU, por exemplo, a participação pode ser classificada como direta nas consultas públicas, por não haver mediação entre os cidadãos e os agentes públicos; e indireta nos conselhos gestores, por se tratar de um sistema de representação em que os cidadãos, de modo geral, não interagem diretamente com os atores governamentais. Nos conselhos gestores em que as cadeiras reservadas à sociedade civil foram ocupadas por cidadãos indicados pelo governo, a participação também pode ser classificada como simbólica, pois se os cidadãos sequer puderam eleger seus próprios representantes, corre-se o risco de que a participação não seja real. No MobiLab+, a participação pode ser considerada ativa em relação aos eventos promovidos, mas passiva nas outras atividades do laboratório. No PMPI, a participação cidadã é predominantemente simbólica. Segundo os relatos, o próprio governo municipal não tinha interesse em permitir uma participação real que influenciasse efetivamente os rumos da política: “A prefeitura buscava legitimar esse processo com, digamos, o reforço ou reconhecimento ou uma participação light, né? De um grupo que não iria criar problemas, um grupo que não ia discutir profundamente questões, princípios e valores” (Entrevistado 22). Os relatos dos entrevistados demonstram que a participação cidadã está aquém do que se espera de um governo aberto nas três políticas analisadas. É preciso que haja uma participação ativa, direta e real em que os cidadãos possam influenciar efetivamente as decisões políticas, e não apenas serem mantidos na ilusão de que exercem o poder (Avritzer, 2012; Bordenave, 1986).
Em relação aos determinantes da participação, as três políticas analisadas apresentaram elementos insuficientes sob a ótica de governo aberto. Conforme os relatos, enquanto no PMPI não foram estabelecidos critérios de representatividade, no MobiLab+ e POU a representatividade é limitada, uma vez que a participação era restrita a alguns públicos específicos. O critério de independência também não é plenamente contemplado pelas políticas, pois em alguns espaços a participação ocorre apenas por cidadãos designados pelo governo municipal, o que dificulta saber o quão independentes eles são. Sobre o critério de informação, os participantes geralmente têm acesso a alguns documentos nos momentos de discussão. Mas, como foi possível perceber a partir dos relatos, geralmente as informações são incompletas e os participantes têm pouco tempo para analisá-las antes de se manifestarem. A respeito do critério de capacidade, apenas o POU promove eventualmente algumas ações de capacitação sobre questões relacionadas às operações urbanas. Nas outras políticas não são realizadas ações orientadas para desenvolver nos cidadãos as capacidades necessárias para que possam participar dos processos decisórios. No entanto, a SAGA e a CGM promovem um programa denominado Agentes de Governo Aberto, que visa oferecer capacitação gratuita em todas as regiões da cidade de São Paulo para cidadãos e agentes públicos por meio de oficinas temáticas relacionadas à transparência, inovação, participação social e integridade. Quanto ao critério do envolvimento, devido ao curto prazo em que as atividades participativas têm ocorrido, o número de participantes geralmente é baixo. Com relação ao critério de influência, nas três políticas analisadas os participantes possuem pouco ou nenhum poder de influência nas decisões relacionadas à política. Por meio dos relatos ficou evidente que nem sempre as opiniões dos cidadãos que se fazem presentes nas atividades participativas são incorporadas nas decisões políticas: “O que saiu do seminário e chegou ao documento final é muito pouca coisa, né? … Porque as outras coisas não tinham espaço para entrar. Você vê que existem canais de participação… Obviamente eles são canais controlados” (Entrevistado 22). Os critérios de frequência e permanência também não foram integralmente contemplados nas atividades participativas das três políticas. Na maioria delas, a participação ocorre em momentos isolados. Apenas no POU a situação é diferente, pois os cidadãos que são membros dos conselhos gestores participam de reuniões frequentes e possuem mandato de dois anos, o que é razoável quanto ao que se espera em termos de frequência e permanência conforme classificação de Rowe e Frewer (2000) e Hassenforder et al. (2015).
No que se refere aos mecanismos de participação, nas três políticas foram realizadas basicamente consultas e audiências públicas. Estes mecanismos de participação são adequados, porém sua eficácia depende da maneira que são utilizados e da postura do governo em relação à participação cidadã.
O nível de participação praticado nas políticas analisadas é predominantemente o nível de consulta, ou seja, os cidadãos são consultados em alguns momentos, embora o poder de decisão seja sempre reservado ao governo. Esse é o menor nível de participação aceitável sob a ótica do governo aberto, desde que a consulta gere real impacto nas decisões políticas, o que não parece ser o caso delas.
Sobre as implicações da participação, a maneira com que a participação cidadã tem sido conduzida nas políticas analisadas pouco contribui para o fortalecimento da cidadania, da democracia deliberativa e da legitimidade. Conforme relatado, nos poucos espaços existentes para participação, os cidadãos encontram dificuldades para tomarem parte. Ao mesmo tempo, o governo não se demonstra aberto a uma ampla e efetiva participação cidadã no ciclo político. Para avançar nesse sentido é preciso garantir a incorporação de grupos com interesses sociais e valores culturais diferentes, possibilitando aos cidadãos a chance de influenciar as ações e decisões governamentais, tornando-as mais legítimas (Chang & Jacobson, 2010; Häikiö, 2012).
Como foi possível verificar a partir das entrevistas, a colaboração tem sido incorporada nas políticas analisadas em momentos distintos. No MobiLab+, a colaboração está mais concentrada nas fases de formação de agenda, formulação e implementação. No PMPI, nas fases de formulação e implementação. No POU, mais intensamente na fase de implementação. Em nenhuma das políticas a colaboração foi incorporada nas fases de tomada de decisão e avaliação. Porém, em todas elas há colaboração na fase de implementação. Apesar de alguns autores como Vangen, Hayes e Cornforth (2015) terem identificado que a colaboração costuma ser mais intensa na fase de implementação, no contexto de governo aberto, quando uma política pública demandar um esforço colaborativo entre governo e outros atores governamentais e/ou não governamentais, o ideal é que ela seja incorporada em todas as fases do ciclo político.
A respeito do modo de colaboração, nas três políticas analisadas é predominante a colaboração baseada em recursos, principalmente conhecimento técnico. Esse é um modo de colaboração compatível com o governo aberto, pois nele a colaboração acontece para que objetivos comuns entre os atores possam ser alcançados por meio de práticas colaborativas que integram recursos e conhecimentos (Aubouin & Capdevila, 2019).
Em relação aos determinantes da colaboração, segundo os relatos, os atores que atuaram em colaboração nas três políticas demonstraram ter boa capacidade de ação conjunta, bem como o compartilhamento de conhecimentos e outros recursos, como espaço físico e equipamentos. Apenas no POU foi relatado que há dificuldade em ações conjuntas nas relações intragovernamentais: “Eu vejo que é bem difícil esse alinhamento [com atores intragovernamentais]. Acho que é bem complicado. … Eu acho que é difícil e tem bastante resistência, não é uma coisa fluida” (Entrevistado 23). Isso é um obstáculo para a abertura da política em termos de colaboração, pois a capacidade de ação conjunta é a dimensão funcional da dinâmica de colaboração (Emerson & Nabatchi, 2015). É preciso que os atores envolvidos em esforços colaborativos tenham a capacidade de atuar em função do cumprimento dos objetivos coletivos e que as tensões sejam tratadas de forma equilibrada, mitigando as disputas e conflitos entre os atores (Thomson & Perry, 2006). No que se refere à liderança das atividades colaborativas, ela tem sido exercida pelos próprios gestores das políticas. Segundo os entrevistados, estes líderes apresentaram boa capacidade para gerenciar conflitos. No entanto, foi possível observar que o compartilhamento de responsabilidades ainda não é uma questão consolidada pelos atores envolvidos nas políticas, havendo um desequilíbrio de poder entre os atores governamentais e não governamentais. Como consequência, corre-se o risco de que a colaboração possa ser utilizada pelo governo como um cosmético para legitimar as decisões que, porventura, já estavam tomadas unilateralmente.
Sobre os mecanismos de colaboração utilizados nas políticas analisadas, destacam-se convênios, acordos de cooperação e parcerias multilaterais com empresas, startups e organizações da sociedade civil. Estes mecanismos são compatíveis com o governo aberto desde que permitam a construção coletiva de soluções e o compartilhamento de recursos para aumentar a eficiência e eficácia do governo (Lee & Kwak, 2011).
A respeito dos níveis de colaboração praticados no MobiLab+, no PMPI e no POU, predomina o nível de coordenação, que é o menor nível que se espera de um governo aberto em relação à colaboração, conforme as escalas propostas por Thompson e Sanders (1998) e Selden et al. (2006). Ainda assim, o ideal é que se busquem níveis mais altos de colaboração sempre que possível e desde que isso possa gerar benefícios de interesse público (Vigoda & Gilboa, 2002).
Em relação às implicações da colaboração, é unânime entre os entrevistados que as atividades colaborativas tiveram bons resultados na produção de bens e serviços públicos nas três políticas analisadas. Mas, com exceção do MobiLab+, a colaboração pouco contribuiu para gerar inovação aberta. As atividades colaborativas do MobiLab+ geraram soluções inovadoras e premiadas para problemas de mobilidade urbana, como os aplicativos para localização de ônibus, por exemplo. Entretanto, alguns relatos sugerem que as atividades colaborativas mais recentes pouco têm contribuído para geração de valor público: “[No MobiLab+], as startups começaram meio que tomar o espaço, assim… Menos poder público, menos ‘vamos resolver problemas’, menos sociedade civil e mais startups, escalonamento, ganhar dinheiro” (Entrevistado 6). Esse tipo de situação foi abordado por Sullivan e Skelcher (2002), que acreditam haver uma dificuldade inerente à colaboração entre o governo, que tem orientação para o interesse público, e empresas, que possuem orientação para o interesse privado. Nesse sentido, os autores ressaltam que o foco da colaboração entre organizações públicas e privadas deve ser as questões relacionadas às políticas públicas, pois seu propósito é agregar valor a atividades do setor público e não a sobreposição do interesse público pelo privado. Por isso, conforme enfatizado por Sørensen e Torfing (2011), é preciso que sejam criadas arenas de interação mais abertas e flexíveis entre governo, setor privado e sociedade civil, para que esses atores possam coproduzir, cocriar e gerar inovação visando a alcançar as melhores soluções e, assim, gerar valor público para a sociedade.
O presente estudo foi realizado com o objetivo de identificar quando e como os princípios de governo aberto estão sendo incorporados nas fases do ciclo de políticas públicas em governos locais.
Em relação ao momento quando os princípios de governo aberto estão sendo incorporados, foi possível observar que em nenhuma das políticas analisadas houve a plena incorporação desses princípios nas cinco fases do ciclo político. A transparência está mais concentrada nas fases da formação da agenda e formulação, a participação cidadã ocorre mais frequentemente na fase de formulação e a colaboração é mais intensa nas fases de formulação e implementação.
No tocante à forma como os princípios estão sendo incorporados, o estudo evidenciou que as políticas analisadas pouco avançaram quanto aos requisitos necessários para que possam ser consideradas políticas abertas. Apesar de o MobiLab+ e o PMPI serem apontados pelos entrevistados como bons exemplos de colaboração entre o governo municipal e outros atores governamentais e não governamentais, os dois são bastante limitados no que diz respeito à transparência e participação. Da mesma forma, enquanto o POU possui boas plataformas de participação e transparência, o programa enfrenta dificuldades de colaboração intragovernamental. No quesito transparência, é preciso avançar mais em termos de publicidade, acessibilidade, compreensibilidade e abertura de dados para viabilizar o controle social e a accountability e garantir a integridade pública. Sobre a participação, questões como o baixo nível de influência nas decisões e a falta de critérios de representatividade e de mecanismos que garantam sua efetividade devem ser superadas de forma a contribuir para o fortalecimento da cidadania, da democracia deliberativa e da legitimidade das decisões. A colaboração, apesar de ter apresentado bons resultados na produção de bens e serviços públicos, ainda precisa avançar nos quesitos inovação aberta e valor público.
Apesar do rigor teórico-metodológico empregado neste estudo, algumas limitações devem ser observadas. Os resultados apresentados foram baseados na análise de relatos dos atores entrevistados e de documentos oficiais da Prefeitura Municipal de São Paulo a partir de dimensões, categorias e subcategorias previamente estabelecidas. Portanto, estão além do escopo desta pesquisa a qualidade, o desempenho e os efeitos das políticas analisadas, bem como as vantagens e desvantagens de se incluir novos atores no ciclo de políticas.
O esquema teórico-analítico apresentado oferece condições de ser aplicado em diferentes realidades e pode ser utilizado em pesquisas futuras para melhor compreensão sobre como os princípios de governo aberto estão sendo incorporados nas políticas públicas de governos locais. Outro ponto interessante para pesquisas futuras é o desenvolvimento de indicadores que possam mensurar o grau de abertura dos governos.
Oliveira, Daniel José Silva; Ckagnazaroff, Ivan Beck, 2022, "Replication Data for: "Open Government in São Paulo: An Analysis of Open Public Policies" published by RAC-Revista de Administração Contemporânea", Harvard Dataverse, V1.
https://doi.org/10.7910/DVN/DRQUHF
A RAC incentiva o compartilhamento de dados mas, por observância a ditames éticos, não demanda a divulgação de qualquer meio de identificação de sujeitos de pesquisa, preservando a privacidade dos sujeitos de pesquisa. A prática de open data é viabilizar a reproducibilidade de resultados, e assegurar a irrestrita transparência dos resultados da pesquisa publicada, sem que seja demandada a identidade de sujeitos de pesquisa.
Thiago Ferreira Dias (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, CCSA, Brasil)
Um indivíduo revisor não autorizou a divulgação de sua identidade.
Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração
Av. Presidente Antônio Carlos, n. 6627, Pampulha, 31270-901, Belo Horizonte, MG, Brasil
E-mail: djso@ufmg.br
https://orcid.org/0000-0002-0475-6564
Ivan Beck Ckagnazaroff
Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração
Av. Presidente Antônio Carlos, n. 6627, Pampulha, 31270-901, Belo Horizonte, MG, Brasil
E-mail: ivanbeck00@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-8179-269X
* Autor Correspondente