Notas de investigación

“Douro em Movimento, Aldeias com Vida” (Portugal) Carta de Boas Práticas*

"Douro in Motion, Villages with Life" (Portugal). Charter of Good Practices"

Eduardo Gonçalves
Instituto Universitário da Maia, Portugal

“Douro em Movimento, Aldeias com Vida” (Portugal) Carta de Boas Práticas*

PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, vol. 16, núm. 2, pp. 457-464, 2018

Universidad de La Laguna

Recepção: 03 Dezembro 2017

Aprovação: 07 Fevereiro 2018

Resumo: A “Rede das Aldeias Vinhateiras” (Douro, Portugal), formulada a partir da reconstrução e valorização local, teve como propósito a fixação de população e o aprofundar das suas dinâmicas socioeconómicas. Numa espessura territorial onde se cruzam complementarmente as industrias do vinho com a do turismo, defende‑ se agora um modelo de gestão territorial que deverá implicar a participação de múltiplos atores, públicos e privados, a que se deve associar uma framework e uma entidade de governança que consubstancie a “negociação, discussão e cooperação” entre todos aqueles. Além da desk research a coleta de dados passa pelo uso de técnicas abertas, nomeadamente o inquérito, o focus-group e a entrevista (stakeholdes . trade local) e o questionário delphi. Pretende‑se, pois, interrogar o modelo de desenvolvimento territorialista e as formas de afirmação da visão holística sobre o território, nos seus quadrantes naturais, culturais e eteno‑antropológicos. A consubstanciar a investigação propõe‑se a elaboração de uma Carta de Boas Práticas que contribua para o morigerar da tensão entre competitividade do destino e o desenvolvimento sustentável que se pretende associado à revitalização e ao bem‑estar das populações residentes.

Palavras-chave: Douro, Aldeias Vinhateiras, Desenvolvimento local, Turismo rural.

Abstract: The “Wine Villages Network” (Douro, Portugal), formulated as a result of the local reconstruction and promotion in a group of Douro villages, aimed to encourage people to settle and deepen the area’s socio‑ economic dynamics. Based in a territory where the wine and tourism industries complement each other, a territorial management model is advocated that involves participation by multiple public and private actors, together with a framework providing “negotiation, discussion and cooperation” among them all. In addition to desk research, data collection also uses open techniques, namely: surveys, focus groups and interviews (with stakeholders and local traders), and the Delphi questionnaire. It is therefore intended to question the territorial development model and ways of asserting the holistic vision of the territory, comprising its natural, cultural and ethno‑anthropological elements. In order to strengthen the research, the creation of a Charter of Good Practices is proposed to help reduce the tension between the destination’s competitiveness and sustain‑ able development which is hoped will be joined by the revitalization and well‑being of the resident population.

Keywords: Douro, Wine Villages, Local development, Rural tourism.

1. Introdução

O projeto Aldeias Vinhateiras nasceu em 2001 e fez parte da Ação Integrada de Base Territorial do Douro (NUT III), Norte de Portugal (NUT II), que foi cofinanciada pelo FEDER, abrangendo uma série de aldeias durienses (Barcos, Favaios, Provesende, Salzedas, Ucanha e Trevões) que se inscrevem nos concelhos de Alijó, Sabrosa, São João da Pesqueira, Tabuaço e Tarouca.

Dentro de uma ação multifacetada, o desiderato do projeto incidiu inicialmente na “requalificação, revitalização, consolidação e coesão territorial e institucional” daquelas aldeias com a designação de Programa “Aldeias Vinhateiras” (Cristóvão, 2011). Pretendia‑se, pois, alavancar uma dinâmica de “regeneração e valorização” das Aldeias Vinhateiras conjugando a revitalização socioeconómica com a fixação de população e a promoção do turismo no Douro (Cristóvão, 2011). O programa iniciou com a requalificação urbana e alongou‑se à dinamização socioeconómica e à animação turística, tendo implicado a intervenção da Comissão de Coordenação Regional do Norte (CCDRN) juntamente com os cinco concelhos envolvidos, bem como com a Associação para o Desenvolvimento do Turismo da Região Norte (ADTURN) e o então Instituto Português do Património Arquitetónico (IPPAR), ficando os municípios como “entidades promotoras” (Cristóvão, 2003). Aquelas “ações integradas de base territorial” decorrem de uma nova visão vertida de “políticas e intervenções territorializadas” (Ramos, 2002), atentas a uma leitura do território a ser equacionado como um todo, por forma a efetivar “sinergias entre setores”, abarcando as dimensões social, cultural, económica e ambiental.

Enquadrada igualmente na dinâmica de revitalização das aldeias, ao abrigo do projeto “Douro em Movimento, Aldeias com Vida” (NORTE‑02‑0752‑FEDER‑000009), e decorrente do contrato celebrado entre a Douro Generation – Associação de Desenvolvimento e o Instituto Universitário da Maia – ISMAI, leva‑se agora a cabo a elaboração de uma “Carta de Boas Práticas”.

2. Metodologia

O objeto territorial do presente projeto tem por base características específicas de baixa densidade (Covas, 2007), de ruralidade, de demografia e de geografia, a par de especificidades administrativas em que aquelas se aplicam no que respeita á participação e governança do destino turístico, cuja paisagem foi classificada pela UNESCO de Património da Humanidade (Aguiar, 2002; Andresen, 2003). Pretende‑se, pois, aplicar uma Carta de Boas Práticas a um destino que possui uma incomensurável diversidade de valores patrimoniais que contribuem sobremaneira para a afirmação da sua rica identidade territorial e paisagística a preservar, valorizar e promover.

A região proporciona um conjunto de produtos que a singularizam, nomeadamente o produto local (Cristóvão, 2008), a cerzir pelas comunidades residentes, que deve contribuir para a valorização do território e a melhoria da qualidade de vida daquelas. E o processo de ativação/ desenho do produto deverá atender ao desenvolvimento de etnografias/ investigações específicas, obter acordos entre populações residentes, empresários e operadores turísticos, bem como situar‑se em rede e atender á governança do sistema e ao conhecimento do mercado.

A metodologia de boas práticas que se propõe como enquadramento concetual da Carta tem como objetivo enfatizar um carácter eminentemente pedagógico em ordem a uma aprendizagem em sentido prospetivo que apele ao uso dos recursos turísticos de forma sustentável/ responsável, cuja competitividade se deverá apresentar sob o signo da qualidade e da inovação (Pina, 2012). Propõe‑se ainda o uso da teoria de redes como estruturas organizacionais na análise do destino turístico porquanto ele pode ser interpretado como algo dinâmico, flexível, composto por uma diversidade de elementos inter atuantes que se cruzam além dos limites territoriais do local. Seguindo o enfoque de Trembley (1998), serão contempladas as abordagens das redes horizontais, verticais e locais (Rayn, 2012).

Demais, com a referência do quadro epistemológico das Ciências Sociais, propomos adotar fundamentalmente as metodologias qualitativas/dedutivas. Propõe‑se, desde logo, a recolha de informação primária que nos permita construir um panorama holístico da gestão e governança do destino ADV através da recolha de dados em várias fontes de informação, seguindo uma perspetiva exploratória de estudo de caso, por forma a percecionar especificidades ou características a que se pretende associar uma abordagem explanatória com a inclusão de outros casos que permita aferir o porquê do modus operandi. A coleta de dados passará pelo uso de técnicas abertas, nomeadamente o inquérito, o focus-group e a entrevista (stakeholdes . trade local). Propomos ainda o uso da técnica Delphi dirigida aos atores mais influentes da narrativa.

De modo sistemático pretende‑se: i) Identificar quais as linhas políticas e institucionais que influenciam a oferta turística do Douro (ex. PENT; Estratégia para o Turismo 2027); ii) Questionar sistematicamente as visões funcionalistas, produtivistas, territoriais e holísticas das políticas de turismo; iii) Analisar as formas de planificação do turismo na região; iv) Fazer um balanço da situação presente do turismo no Douro num exercício prospetivo sobre como ultrapassar alguns constrangimentos que afetam o turismo (visão emic dos principais agentes turísticos durienses; realização de focus group v) Aferir a participação política, movimentos sociais, governança e níveis de participação; vi) Entrevistas com os presidentes de Câmara e vereadores do pelouro do turismo, empresários e terceiro setor. Acresce ainda a análise de discursos. Haverá recolha de informação secundária, o desk research. Segue‑se a síntese que levará á formulação de uma carta de Boas Práticas aferidora do grau da possível continuidade de intervenções e estratégias anteriores, do teor de “convergência” com as políticas públicas para o território (Velasco, 2014), da “capacidade” de resposta aos reptos territoriais e da utilização de “instrumentos inovadores” (redes, normalização de qualidade, relação com o mercado, novos paradigmas de gestão do destino).

3. Análise e diagnóstico do contexto socioeconómico e territorial

Localizada na Região Demarcada do Douro (RDD), a Rede das Aldeias Vinhateiras (RAV) abarca os municípios de Alijó, Sabrosa, São João da Pesqueira, Tabuaço e Tarouca, compostos por 61 freguesias, na sub‑região do Cima Corgo que inclui ainda os concelhos de Murça e Carrazeda de Ansiães. À exceção de Tarouca, todos estes municípios têm territórios incluídos na distinção de Alto Douro Vinhateiro (ADV) que foi classificado como Património Cultural da Humanidade, pese embora as Aldeias Vinhateiras ficarem em “zona tampão”.

A espessura territorial é eminentemente rural e singular sob o ponto de vista dos recursos naturais e paisagísticos, com peculiaridades edafoclimáticas propiciadoras da cultura da vinha, mas também de outra produção agrícola e hortofrutícola de qualidade e valor, o azeite, a amêndoa, a que se somam os queijos e o fumeiro, entre outros mais específicos como a baga de sabugueiro. Em boa medida são produtos destinados a mercados nacionais e internacionais, estes produtos assumem‑se como fonte de rendimento complementar à do vinho, atividade da maior relevância para a região. Saliente‑se ainda que uma boa parte destes produtos estão certificados com denominação de origem protegida (DOP).

Rede das Aldeias Vinhateiras
Mapa 1
Rede das Aldeias Vinhateiras
Fonte: Projeto ‑ Douro em Movimento – Aldeias com Vida (http://winevillages.pt/)

Ora, a população residente nos concelhos que integram a NUT III Douro é de 194 225 habitantes (reportando dados de 2016). Porém, este território tem vindo a registar neste período intercensitário (2011‑2021) uma quebra populacional sistemática, dando continuidade às perdas que marcaram a década anterior, sendo uma das regiões que mais perdeu população à escala nacional, acompanhada por um índice expressivo de envelhecimento de 207,5 em 2016. Mesmo assim, tal como no cômputo nacional, a escolarização e a qualificação registam taxas de crescimento na região. A formação superior no Douro apresenta o indicador de 28%, ligeiramente inferior à média da região Norte e nacional, respetivamente 30% e 34%.

Todas estas aldeias têm na vitivinicultura a sua principal atividade económica ressalvando‑se, porém, a aldeia de Favaios que apresenta uma maior incidência no comércio e serviços acompanhados pela divulgação turística, mormente pela existência do Museu do Pão e do Vinho (Xerardo Pereiro, 2015). No computo global, no que concerne ainda á atividade económica, o índice de poder de compra para os anos de 2013 e 2015 dos concelhos onde se inscrevem as Aldeias Vinhateiras é inferior aos 78 e 77,2 do conjunto da NUT III Douro. Com efeito, os indicadores para Alijó são de 65.7 e 66, para Sabrosa regista‑se 63.9 e 63,8, para São João da Pesqueira 64,7 e 65, para Tabuaço 56,6 e 65,9 e para Tarouca 70 e 62,7. Segundo os censos de 2011 (INE), as taxas de atividade de três dos concelhos situam‑se abaixo dos 47,6% verificados para o global da região duriense, ou seja, Alijó 42,7%, Sabrosa 43,9%, São João da Pesqueira 46,3%, Tabuaço 41,7% e, acima da referência do território, 48,2% em Tarouca. Por sua vez, verifica‑se de modo expressivo a conjugação da inatividade com um certo “desalento” face ao mercado de trabalho, componentes que carecem de reorientação de “políticas de emprego e inclusão”.

Numa análise em torno da distribuição da população ativa por setor (dados dos censos 2011), a NUT III Douro regista no computo global 14,2% no setor primário. Nos concelhos em estudo, este setor denota uma incidência de população ativa no setor substancialmente superior, registando‑se 27,4% no concelho de Alijó, 40,8% em São João da Pesqueira, 22,1% em Sabrosa, 17,4% em Tabuaço e, contrariando esta tendência, 8,8% em Tarouca. O setor secundário significa 19,6% no global da região, sendo que em Alijó este setor tem o peso de 18,3%, em Sabrosa 20,6%, em São João da Pesqueira 19,6%, em Tabuaço 24,7% e em Tarouca 24,9%. No setor terciário o total da NUT III Douro representa 66,3% da população ativa. Nos concelhos da rede das AVD o setor terciário tem o peso de 54,3% em Alijó, 57,3% em Sabrosa, 43,1% em São João da Pesqueira, 57,9% em Tabuaço 57,9% e 66,3% em Tarouca.

Numa análise mais fina fica ainda sublinhando um significativo peso da população ativa no setor agrícola, bem como a dimensão territorial usada pelas explorações agrícolas onde predominam a vinha e o olival. Além da importância das indústrias extrativas e alimentar no setor secundário, direcionado, em boa medida, para o mercado internacional, realce para o setor dos serviços com um progressivo aumento do emprego, pese embora a característica seja a da micro empresa que, com menos de 10 trabalhadores, em dados globais da NUT III Douro representa 97,2% em 2009 e 98,4% em 2015. Para este último ano, o concelho de Alijó regista 98,9% das suas empresas com menos de 10 trabalhadores, Sabrosa com 98,6%, São João da Pesqueira 98,9%, Tabuaço 99% e Tarouca 97,4%.

4. Turismo e vitivinicultura no Douro

O espaço rural sempre foi marcado pela atividade agrícola, pese embora o processo de industrialização e terciarização ter progressivamente relegado este espaço para mudanças socioeconómicas profundas, mormente pela desvitalização populacional provocada pela migração do campo para a cidade. Por conseguinte, se nos anos de 1930 cerca de 80% da população estava adstrita ao espaço rural, nos anos de 1950 o setor primário já ocupava apenas uns 40% da população ativa. Daqui aos anos de 1970 começou‑se a acentuar o decréscimo da população ligada ao setor, fuga então associada a um processo larvar de destradicionalização que passou, entre outros aspetos, pela litoralização e pela emigração em massa. Nas décadas seguintes esse processo de fuga de população do meio rural continuou a acentuar‑se, porventura por uma multiplicidade de fatores que passam pela busca de melhores condições de vida (emprego e valorização profissional, formação, saúde, cultura e outros). Este abandono de população e consequente despovoamento do interior tem fragilizado, sobremaneira, o território rural marcado por baixa densidade populacional, baixa natalidade e índices acentuados de envelhecimento da população, como é o caso da região do Douro. O processo de desvitalização está intrinsecamente ligado, a um tempo, a questões sociais e ambientais, no primeiro aspeto pelas consequências de perdas identitárias e da cultura rural, no segundo pela íntima correlação entre o despovoamento e a questão da floresta e a perda de “ciclos de vida” agrícolas.

Todavia, desde finais dos anos de 1980, inícios de 1990, as políticas europeias para o desenvolvimento rural têm vindo a valorizar os recursos endógenos e da cultural local, respaldada numa perspetiva de “multifuncionalidade” (Abramovay, 2008) que propõe o turismo como uma componente nevrálgica para a diversificação económica de contextos regionais deprimidos. Foi, aliás, com o projeto Learning Sustainability que foi lançada a ideia da criação de uma rede europeia de turismo de aldeia, prosseguida já com a iniciativa europeia Recite II. O projeto abarcou inicialmente cinco regiões europeias periféricas, nomeadamente o Alentejo em Portugal, Trentino em Itália, Lomza na Polónia, Arad na Roménia e Lapónia na Finlândia. Nomeadamente. Apesar das diferenças entre estas regiões, todas elas denotavam baixos índices de desenvolvimento. Deste modo, o turismo apresenta‑se como dinamizador económico, social e cultural e, em suma, como potenciador da alavancagem de um desenvolvimento sustentável.

Ora, o Douro como região rural acabou por beneficiar dessas orientações políticas com vista a uma revitalização territorial. Neste seguimento, sendo a viticultura uma das vertentes mais dinâmicas da agricultura portuguesa e também uma das que melhor se adaptou à concorrência comunitária, fruto de uma vitalidade interna e externa, o sector vitivinícola beneficiou também com a articulação da vinha e do vinho com outras atividades complementares no setor do turismo (Gonçalves, 2016). Além disso, vinho e turismo constituem duas indústrias que se cruzam, em regra, numa dimensão territorial, porquanto a regulamentação e a certificação do vinho é prosseguida numa base regional (região demarcada e/ou o terroir) e o turismo está, por sua vez, intimamente articulado com o desenho e a atração do destino exercida sobre o turista (Brás, 2010). Esta associação do vinho ao turismo tem hoje cada vez maior relevância considerando a valorização e promoção da “marca” a par da ênfase regional (Brás, 2010), fatores que se conjugam para o desenvolvimento económico da região.

Também o rio – Douro – e os seus afluentes constituem um importante elemento de união e de identidade da região. A eles estão associadas condições para desportos náuticos e pesca desportiva, a par do aproveitamento hidroelétrico que propiciou em boa medida a navegabilidade e a realidade incontornável dos cruzeiros fluviais. Acrescem as “estradas cénicas” e pontos panorâmicos existentes no território.

Na atividade turística e na viagem motivada pelo apreço do vinho e pelas tradições e cultura locais imbricam um conjunto de oportunidades em ordem à dinamização de redes e/ou Clusters.Estas duas indústrias (a da viticultura e a do turismo) combinam‑se com o próprio estilo de vida da comunidade anfitriã (Inácio, 2008). Mais ainda, a paisagem cultural da viticultura respalda‑se em valores patrimoniais e arquitetónicos complementares, bem como valores ambientais e outros atinentes à atmosfera das vilas e aldeias, mas também das Quintas, das edificações enobrecidas ou mesmo adegas mais modestas. As marcas tangíveis desta paisagem cultural são hoje acrescidas pela busca da experiencia pelo turista, não só através do contacto com a história, mas também com a memória e a tradição vernacular, com a gastronomia local, com a componente antropológica, em suma, com o património cultural num sentido holístico.

Complementando a oferta da experiência sensorial, de que é bom exemplo o enoturismo, perspetiva‑se a preservação da autenticidade cultural (tradições, marcas etnográficas, eventos, vilas e aldeias do vinho), a promoção da festa e o fomento do conhecimento e formação e informação em torno do vinho – como se cultiva e produz? como se prova? que tipologias? que características? (Inácio, 2008)

Além dos motivos específicos que fundamentam a viagem, o turismo é hoje assumido como janela de oportunidade de negócio e uma mais‑valia para a economia de uma região vitivinícola, porquanto ele tem os ingredientes que podem contribuir para o “afinar do destino turístico”, na medida em que se passa a promover uma região e um conjunto de dinâmicas associadas ao vinho, tais como Quintas, caves, adegas e vitivinicultores, mas também o alojamento, a restauração e as atividades de animação (Inácio, 2008), por exemplo. Hoje podemos mesmo indicar o enoturismo como um verdadeiro core business de muitas Quintas e adegas, mormente para as de menor espessura territorial, mas que produzem os seus vinhos numa envolvente familiar e/ou de “opção de vida” (Inácio, 2008). Para outras, ele representa um complemento ao negócio principal – naturalmente a produção de vinho –, assumindo, porém, um significado promocional e comercial das suas marcas.

As Aldeias Vinhateiras do Douro consubstanciam, pois, espaços rurais ligados ao primado multisecular da vitivinicultura, hoje fragilizadas pela quebra populacional acentuada e progressiva, inscritas num território onde o setor primário continua a ter um papel privilegiado, pese embora cada vez mais num cenário de complementaridade com o turismo. Assim, tendo em vista a dinamização de algumas dessas aldeias o projeto de “requalificação urbana” deverá ser complementado por um outro de alavancagem socioeconómica cerzido em articulação com um plano de animação turística.

No âmbito dos trabalhos preparatórios da “Carta de Boas Práticas” e considerando o “estado da arte” sobre o tema, encontra‑se em desenvolvimento a sistematização das componentes de análise às 6 aldeias vinhateiras com vista ao respaldo do desenho do seu perfil segundo uma componente de análise que perpassa o estudo do entorno sócio económico/ atividades das populações residentes, as suas tendências de densidade, as principais atividades económicas (dos serviços ao alojamento turístico), as organizações locais, os eventos (feiras e romarias) e as ligações em rede a outras aldeias.

5. Estudo de mercado e desenvolvimento da estratégia de marketing de internacionalização

Considerando alguns dos principais documentos enformadores do desenvolvimento turístico do Vale do Douro, os casos do Plano de ação para o desenvolvimento turístico do Norte de Portugal - Agenda regional de turismo (CCDRN, 2008); Plano estratégico nacional do turismo: para o desenvolvimento do turismo em Portugal (MEI, 2007); Plano estratégico nacional do turismo: Horizonte 2013-2015 (MEE, 2012); Plano de Desenvolvimento Turístico do Vale do Douro 2007-2013 (CCDRN, 2008); Douro Valley North Portugal. Executive reporto of the CED (CCDRN, 2008); Agenda regional de turismo: plano de ação para o desenvol- vimento turístico do Norte de Portugal (CCDRN, 2008); Porto e Norte de Portugal - Estratégia de Marketing Turístico 2008 (Adturn, 2008); Estrutura de Missão Douro: Relatório da atividade desenvolvida e dos resultados alcançados (EMD, 2013), encontra‑se em execução um estudo de mercado e o desenvolvimento de uma estratégia de marketing de internacionalização estruturado nos seguintes moldes: i) Situação do turismo no Douro; ii) Visão para o futuro (Pressupostos estratégicos – oferta baseada nos recursos endógenos; proposta de valor iii) Objetivos estratégicos; iv) Segmentos de mercado alvo; v) Estratégia para o turismo; vi) Posicionamento; vii) Politicas de marketing mix; viii) Plano de ação; ix) Monitorização

6. Identificação de uma estratégia de desenvolvimento da “Carta de Boas práticas”

A “Carta de Boas Práticas” será o culminar de todos os procedimentos e estudos preparatórios prosseguidos, sendo apresentada a redação final de junho de 2018.

7. Concluindo

Através do turismo, o Projeto Aldeias Vinhateiras assumiu‑se como uma forma de revitalização de localidades marcadas por forte emigração e pelo abandono de atividades tradicionais. Aliás, esta aldeias foram previamente selecionadas tendo em conta essa desvitalização populacional e as condições generalizadas de depressão socioeconómica. Por conseguinte, a perspetiva de multifuncionalidade do setor agrícola e do espaço rural irá, pois, matizar estas intervenções que visam, também, a diversificação das economias.

A reinvenção do rural na região está particularmente articulada com a intensão de afirmar essas novas ruralidades, também em produto turístico, motivo que recomenda o envolvimento das comunidades no processo de governança e no pensar das políticas locais e no processo de desenvolvimento da região. Sublinhando‑se o prosseguimento de práticas comunitárias “mais conscientes e mais responsáveis”, procuram‑se alternativas assentes, a um tempo, na mobilização dos recursos e no empowermentdas comunidades.

Além do mais, a desejável associação das Aldeias Vinhateiras ao enoturismo e ao setor vitivinícola estimula dinâmicas de afirmação local que cruza a cultura, a tradição e os patrimónios, consubstanciadores de um turismo cultural aliado a um turismo rural que tem como lastro uma “agricultura ativa”.

Pese embora algumas contingências sentidas pelo projeto das Aldeias Vinhateiras é necessário considerar novas dinâmicas e projetos que contribuam para a “revisão” daquele, nomeadamente através do envolvimento ativo de uma alargada gama de steakholders da região e das respetivas comunidades, por forma a reavivar o seu rico e diversificado patrimônio cultural e das atividades tradicionais muito penalizados pelo abandono do mundo rural. É este o sentido do presente projeto que pondera o balanço dessas experiência e propõe a elaboração de uma Carta de Boas Práticas com vista ao (re)pensar de estratégias adequadas ao desenvolvimento sustentável e responsável que se pretende para a região.

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Notas

* Componente (Ref. 27.001.007.16) do projeto: Douro em Movimento, Aldeias com Vida – NORTE‑52‑2015‑07 – Sistema de Apoio às Ações Coletivas para Territórios de Baixa densidade “Internacionalização”, com o código NORTE‑02‑0752‑FEDER‑000009 que tem como entidade promotora a Douro Generation (Portugal). Equipa de investigação (CEDTUR/ISMAI): i) Eduardo Gonçalves (Coordenador da Acção) Doutor pela Universidade do Porto; Professor do Instituto Universitário da Maia; Investigador principal do CEDTUR e CETRAD – Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (I&D 4011 / FCT, Portugal); ii) Carlos Brochado de Almeida, Doutor pela Universidade do Porto; Professor da Universidade do Porto, ap. e do Instituto Universitário da Maia; Investigador principal do CEDTUR e CETRAD – Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (I&D 4011 / FCT, Portugal); iii) Aurélio de Oliveira, Doutor (com Agregação) pela Universidade do Porto; Professor Catedrático da Universidade do Porto, ap. e do Instituto Universitário da Maia; Investigador principal do CEDTUR e CETRAD – Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (I&D 4011 / FCT, Portugal); iv) João Pedro Mendonça, Doutor pela Universidade de Santiago de Compostela; Professor do Instituto Universitário da Maia; Investigador principal do CEDTUR e CETRAD – Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (I&D 4011 / FCT, Portugal) v) Ricardo Guerra, Doutor pela Universidade de Coimbra. Professor do Instituto Universitário da Maia; Investigador principal do CEDTUR – Centro de Estudos de Desenvolvimento Turístico.
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