Editorial
Dossiê: Políticas de Formação de Professores Alfabetizadores
Dossiê: Políticas de Formação de Professores Alfabetizadores
Práxis Educativa, vol. 11, núm. 01, pp. 09-14, 2016
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Estudos e pesquisas recentes têm apresentado, em seus resultados, as deficiências e as dificuldades no processo de escolarização das crianças brasileiras. As pesquisas que têm como objeto de estudo a investigação acerca do fracasso escolar evidenciam uma heterogeneidade de causas associadas tanto a fatores sociais quanto a fatores ligados à escola e/ou a fatores pertinentes à criança. Além dos resultados das pesquisas, as deficiências no ensino brasileiro também podem ser apontadas por meio de avaliações externas à escola, como a Provinha Brasil - que se constitui em uma avaliação diagnóstica do nível de alfabetização dos alunos matriculados no segundo ano de escolarização das escolas públicas. Essa avaliação é realizada em duas etapas: uma no início e a outra ao término do ano letivo. Além da Provinha Brasil, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) disponibiliza os resultados alcançados pelos alunos do Ensino Fundamental e Médio nas áreas de Matemática e Língua Portuguesa. Essas avaliações externas, aliadas às avaliações dos sistemas de ensino, têm demonstrado os altos índices de precário ou nulo desempenho em provas de leitura, escrita e interpretação de textos, denunciando a existência de grandes contingentes de alunos não alfabetizados ou semi-alfabetizados depois de permanecerem durante anos de escolarização nas redes de ensino. Essas avaliações demonstram que as dificuldades centram-se em relação ao domínio dos alunos quanto às capacidades básicas para a compreensão do sistema de escrita. Em virtude disso, várias estratégias e vários recursos são demandados por governos para amenizar e solucionar os problemas educacionais.
Por outro lado, as avaliações externas, que buscam garantir a eficiência e a produtividade por meio dos resultados, têm pautado a implementação de diversas políticas educacionais como justificativa para a melhoria da qualidade da educação pública no país.
Os textos socializados, neste Dossiê, propõem-se a refletir sobre a implementação de políticas educacionais voltadas à formação continuada de professores alfabetizadores, priorizando a discussão a respeito da efetivação desses programas no contexto escolar e os encaminhamentos teórico-metodológicos desenvolvidos pelas instituições formadoras. Assim, é possível estabelecer os limites encontrados a partir do processo de implementação e delinear perspectivas para a formação continuada de alfabetizadores.
O Dossiê Políticas de Formação de Professores Alfabetizadores, que ora se apresenta, disponibiliza aos leitores reflexões de pesquisadores com perspectivas teórico-conceituais diferenciadas, mas que comungam da preocupação com a implementação de políticas voltadas à Educação Básica e com o papel assumido pelo Estado no contexto neoliberal.
O artigo que inaugura o dossiê intitulado Políticas contemporâneas de formação de alfabetizadores no Brasil: entre a potencialização dos desempenhos e a gestão pedagógica das inovações examina as atuais políticas de formação de professores alfabetizadores no Brasil, materializadas, recentemente, no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), e visa analisar as estratégias políticas que podem ser visibilizadas em seu processo de implementação. Situando-as nos cenários de reforma educacional, em suas modalidades de regulação e dominação política, reconhece-se que as concepções de formação de professores colocadas em ação são potencializadas por meio de modos de individualização dos percursos formativos, ao mesmo tempo que intensificam as formas de gestão governamental da ação dos professores alfabetizadores. Os autores concluem que tal intervenção formativa aposta nos modelos de avaliação de larga escala como objetivo estratégico e produz esforços na direção de uma docência em inovação permanente, apropriada para os regimes de inspiração neoliberal, predominantes nas políticas de escolarização mobilizadas no país.
O texto Políticas para a formação de professores e as recomendações do Banco Mundial: interfaces com o contexto atual da formação de professores alfabetizadores no Brasil apresenta uma análise acerca das recomendações do Banco Mundial e sua relação com as políticas de formação de professores no Brasil a fim de identificar as consonâncias com as atuais políticas para a formação de professores no contexto da alfabetização. A partir de análise documental, de cunho teórico-crítico, o texto permite observar que as atuais políticas para formação de professores estão em consonância com as recomendações do Banco Mundial. As autoras enfatizam que tais orientações geram o encaminhamento de atribuir aos professores a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso escolar dos alunos, verificados por meio de avaliações externas com base no desempenho avaliado.
Com olhar crítico sobre as políticas de formação, implementadas pelo governo do estado de São Paulo, o texto As políticas de formação contínua de professores no estado de São Paulo: debatendo perspectivas de transformação a partir da pedagogia progressista freireana apresenta discussões sobre a formação contínua de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental. O objetivo das autoras foi verificar o potencial teórico-metodológico da práxis freireana para a construção de conhecimentos orientados à transformação das pesquisas e a propostas sobre a formação dos professores e de seus formadores.
A partir do levantamento de dados sobre o perfil dos alfabetizadores por meio da análise de conteúdo e aplicativo Many Eyes, o texto Formação continuada no contexto do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: alinhamento entre práticas, princípios formativos e objetivos discute a articulação entre as mudanças nas práticas pedagógicas dos professores alfabetizadores, os princípios de formação e o objetivo de contribuir para o aperfeiçoamento desses profissionais. A pesquisa foi realizada ao término do primeiro ano de implementação do programa no Estado do Mato Grosso. As respostas-síntese foram discutidas à luz da relação entre mudanças nas práticas pedagógicas dos Professores Alfabetizadores, os princípios formativos e o processo de formação realizado pelo Pacto em 2013. Os autores apontam como resultados algumas contribuições do programa e indicam oportunidades de pesquisas futuras.
Na sequência desta publicação, o texto Políticas de formação do alfabetizador e produção de políticas curriculares: pactuando sentidos para formação, alfabetização e currículo discute o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC (2012), instituído pelo Ministério da Educação. O Pacto visa assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade e tem como ação prioritária a formação do professor alfabetizador. A autora argumenta, no texto, que a produção de políticas é luta por significação, que envolve diferentes falas que se articulam na produção de um discurso pedagógico que, em busca de qualidade, nesse caso, significa o investimento na formação de professores como instituidores de políticas curriculares. Para o estudo, foram analisados documentos referentes ao PNAIC e outros com os quais ele se relaciona, interrogando os sentidos de formação, currículo e alfabetização que deles se depreendem, observando o deslocamento/ deslizamento do que se considera, neste artigo, núcleo de significação importante para as propostas: o direito à aprendizagem.
O texto Os significados da formação docente desenvolvida pelo Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa apresenta os resultados de pesquisa que investigou a formação continuada docente como política pública voltada ao enfrentamento do problema do analfabetismo nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Participaram da pesquisa 1.515 professores do noroeste paulista que atuaram como alfabetizadores no PNAIC, durante o ano de 2013. As autoras revelam, a partir dos dados, que os processos envolvidos na realização de uma formação, como trabalhos em grupo e metodologia, são tão valorizados quanto o acesso a novos conhecimentos.
O artigo A formação dos formadores: um estudo sobre o PNAIC contribui com uma análise do processo de formação de professores formadores (Orientadores de Estudos -OE) que assumem a responsabilidade da formação dos professores alfabetizadores e como esses formadores constroem conhecimento para colaborar na formação dos professores alfabetizadores. A pesquisa foi realizada com 49 professores formadores por meio de questionários. Na leitura dos dados, as autoras compreendem que a formação dos formadores é um campo ainda pouco estudado e explorado. Os formadores relataram a construção e a mobilização de uma base de conhecimento necessária ao desenvolvimento dessa função e, consequentemente, à construção do seu processo formador para formar os professores alfabetizadores, (re)constituindo situações que são teóricas e práticas, mobilizando conhecimentos referentes, por exemplo, ao planejamento, à leitura, à escrita, à oralidade. Assim, os formadores estão ampliando seu repertório de conhecimentos e ajudando os professores alfabetizadores a construir conhecimentos na área de alfabetização.
Procurando avançar nos estudos acerca da inclusão educacional, o texto Educação inclusiva e formação de professores: desafios e perspectivas a partir do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa tem como finalidade discutir a respeito da formação de professores sob o viés da perspectiva da educação inclusiva. Analisam-se as contribuições de um programa de formação de professores frente à prática pedagógica destes junto aos alunos com deficiência. Para o estudo, as autoras realizaram pesquisa em que os professores Orientadores de Estudo, participantes do Programa Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), Rio Grande do Sul, refletiram sobre as possíveis contribuições do programa para com suas práticas pedagógicas frente aos alunos com deficiência. Diante dos dados coletados com 347 Orientadores de Estudo, constatou-se que o PNAIC contribuiu com a prática pedagógica inclusiva de 74,06% desses professores. Além disso, para 95,1% destes, o PNAIC contribuiu como um programa de formação continuada qualificando suas práticas pedagógicas. Os resultados apontam que o PNAIC colaborou para ressignificar a prática pedagógica de muitos professores, além de oportunizar uma formação, ainda que incipiente, sobre a educação inclusiva.
O texto O formador de professores de Língua Portuguesa do PNAIC e as alterações em suas práticas profissionais apresenta uma análise a partir da pesquisa desenvolvida com os formadores de professores da Universidade Estadual de Maringá. Os dados coletados demonstram que os desdobramentos do PNAIC evidenciam-se não somente na melhoria de suas práticas docentes em sala de aula como também em: a) trabalhos externos para formação continuada; b) participação em projetos de pesquisa institucional; c) apresentação e participação em eventos acadêmicos; d) docência em cursos de especialização; e) aprovação em Programa de Pós-Graduação stricto sensu. Tais resultados demonstram como o PNAIC apresenta abrangências e influências muito maiores do que aquelas previstas inicialmente.
O texto Práticas de alfabetização em turma multisseriada no contexto do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) apresenta um estudo de caso que teve como objetivo analisar as práticas de alfabetização em uma turma multisseriada de uma professora participante do PNAIC. Para a realização da pesquisa, foram utilizados os seguintes procedimentos metodológicos: observações de aula e entrevistas semiestruturadas, analisadas, a partir da Análise de Conteúdo; avaliação diagnóstica da turma com escrita de palavras, analisadas com base na teoria da Psicogênese da Língua Escrita; e análise documental dos cadernos de formação do PNAIC - Educação do Campo (edição 2013). A partir das análises, as autoras perceberam algumas "marcas" do PNAIC ao longo das observações, principalmente da ordem do pedagógico (CHARTIER, 2002), no trabalho com os livros de literatura, jogos de alfabetização e na apropriação da metodologia de projetos e sequências didáticas.
Em Do papel atribuído ao papel exercido: a política de formação continuada de alfabetizadores em municípios cearenses os autores abordam o papel exercido pelos municípios nas políticas de formação continuada de alfabetizadores. A pesquisa foi realizada em municípios cearenses, tendo como recorte contextual o período de 2003 a 2006. O exame traz a noção de relações intergovernamentais e mecanismos cooperativos como ferramentas teórico-centrais e, por meio de etapas inter-relacionadas de análise bibliográfica e documental e de trabalho de campo, procede a análise da inter-relação das políticas municipais e as políticas elaboradas pelo governo federal e/ou estadual para a formação continuada de alfabetizadores. A pesquisa revela que, no plano das realidades pesquisadas, cuidar das políticas de formação continuada dos alfabetizadores não é papel municipal exclusivo, mas exercido com variados níveis de êxito. Esse papel é competência comum aos entes federados, no âmbito do federalismo cooperativo brasileiro.
Por fim, o artigo Possibilidades e influências da formação continuada na construção da docência de professoras alfabetizadoras de Araucária/PR: uma análise dialógico-responsiva apresenta uma análise de pesquisa realizada com cinco professoras alfabetizadoras da rede de ensino do município. Nesse contexto, há a possibilidade de uma análise dialógico-responsiva de investigação dos processos de formação continuada ofertados pela Secretaria Municipal de Educação de Araucária (SMED), dos quais as professoras têm participado no decorrer de sua carreira docente. Para realização da pesquisa qualitativa, foram utilizadas entrevista e roda de conversa para situar e identificar as compreensões das professoras sobre a formação continuada, ressaltando, na verbalização de suas concepções e experiências, o desenvolvimento das práticas de alfabetização a partir da formação.
Ainda, nesta edição, apresentamos a resenha da obra de Claudia Maria Mendes Gontijo, Alfabetização: políticas mundiais e movimentos nacionais, que traz uma contribuição importante para a discussão sobre a alfabetização e a concretização das políticas educacionais no Brasil a partir do início do século XXI.
Por fim, socializamos o resumo da dissertação que abordou A formação continuada de professores alfabetizadores: do Pró-Letramento ao PNAIC. Esse trabalho analisou o processo de implantação e implementação das ações desenvolvidas pelo governo federal no sentido de contribuir para a superação das dificuldades dos professores alfabetizadores no processo de ensino e de aprendizagem. O foco principal da pesquisa centrou-se na questão norteadora que buscou compreender como se deu o processo de implantação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa a partir da consolidação do Programa Pró-Letramento.
Almeja-se que os textos reunidos neste dossiê constituam-se como elementos para suscitar novos debates no campo educacional e contribuam, em especial, com o debate em torno da formação de professores alfabetizadores.
Finalmente, um agradecimento especial a todos os autores, que, comprometidos com a pesquisa educacional, se dispuseram a participar da discussão em torno dos rumos das políticas de alfabetização no país. Ressaltamos, ainda, a valiosa contribuição dos avaliadores ad hoc para a constituição deste dossiê.
Vera Lucia MartiniakEditora Convidada