Resenha

GONTIJO, Claudia Maria Mendes. Alfabetização: políticas mundiais e movimentos nacionais. Campinas: Autores Associados, 2014. 160 p.

Luciana Kubaski
Secretaria Municipal de Educação de Ponta Grossa, Brazil

GONTIJO, Claudia Maria Mendes. Alfabetização: políticas mundiais e movimentos nacionais. Campinas: Autores Associados, 2014. 160 p.

Práxis Educativa, vol. 11, núm. 1, pp. 297-300, 2016

Universidade Estadual de Ponta Grossa

GONTIJO Claudia Maria Mendes. Alfabetização: políticas mundiais e movimentos nacionais. 20142014. Campinas. Autores Associados. 160 ppp.

O tema alfabetização é muito amplo, pois, a partir dele, surgem inúmeras questões que se constituem como objetos de pesquisa, principalmente em relação a métodos, a teorias, a políticas e a experiências em escolas. Também, ao falarmos de alfabetização, podemos relacioná-la à infância ou à fase adulta. Dessa forma, há muitas possibilidades de enfocar a alfabetização, além do que é também espaço de debates e interesses pela sociedade em geral. Apesar de a alfabetização estar no centro de debates e ações, os dados das pesquisas referentes ao domínio da leitura e da escrita no país sempre são alarmantes, devido ao grande número de analfabetos. Além disso, o elevado número de alunos que concluem as etapas escolares sem ter a capacidade de compreensão, os chamados analfabetos funcionais. O governo elabora e executa muitos projetos e ações para tentar solucionar os problemas do ensino. Nesse contexto, podem ser levantadas diversas questões, como: Quais são as diretrizes dadas pelo Governo Federal na alfabetização? Quem, na verdade, está pensando no problema da alfabetização do país e elaborando os documentos oficiais que vão direcionar as ações? As medidas já tomadas trouxeram mudanças efetivas? Essas indagações são discutidas no livro Alfabetização: políticas mundiais e movimentos nacionais.

A obra é da pesquisadora Claudia Maria Mendes Gontijo, que se dedica aos estudos sobre a história da alfabetização no Brasil e, particularmente, no Espírito Santo. O livro tem como principal objetivo analisar a alfabetização no Brasil a partir do ano de 2003, quando Luis Inácio Lula da Silva assumiu a presidência. A pretensão era “fazer muitas mudanças” no país (com uma grande expectativa da população). Importante lembrar que os anos entre 2003 e 2012 foram declarados como a década da alfabetização pela Organização das Nações Unidas (ONU). Nesse contexto, almejavam-se iniciativas por parte dos estados, seguindo as orientações e as motivações internacionais.

O livro está dividido em três partes, nas quais se apresentam as discussões internacionais sobre alfabetização até se contemplar as questões da realidade brasileira. A autora aborda todo o contexto em que foram planejadas as políticas para a alfabetização infantil e indica que existe uma contradição nas políticas educacionais. A pesquisadora aponta que há a necessidade de rever os métodos utilizados que não estão trazendo bons resultados, e que as “novas” diretrizes propostas têm princípios dos métodos tradicionais, com poucos avanços em relação ao que se tinha, em geral com novas nomenclaturas. Gontijo explica essas questões de metodologia tendo a história como fio condutor da discussão.

Na primeira parte, intitulada A centralidade da alfabetização nas políticas mundiais de educação no século XXI, a autora apresenta as orientações dos órgãos internacionais, assinalando o foco na alfabetização infantil e apresentando o conceito de alfabetização presentes nelas. O século XX trouxe importantes mudanças tecnológicas e científicas, mas que não foram capazes de solucionar os problemas em relação ao ensino. Diversas conferências sempre foram realizadas, com estabelecimento de metas para os Estados alcançarem durante determinado tempo, mas ainda há fracassos na área da educação, apesar de tantas discussões de especialistas e governos. Isto é, não se chega a um projeto que efetivamente proporcione melhores resultados no ensino.

A partir do Fórum Mundial da Educação (2000), foram estabelecidas seis metas (documento Educação para todos: compromisso de Dakar, 2001), nas quais ficou explicita a centralidade para a alfabetização, por meio da expansão da educação para a criança, garantia do acesso, melhoria na alfabetização dos adultos, melhora em todos os aspectos da qualidade da educação. A partir daí, coube aos países mobilizarem-se em ações para o cumprimento das metas. Entretanto, a preocupação com a alfabetização tem mais interesses do que simplesmente a aprendizagem dos alunos; segundo a autora, a alfabetização “[...] é vista como um importante anunciador dos níveis de desenvolvimento, de diminuição das desigualdades e de pobreza” (GONTIJO, 2014, p. 11). Assim, analfabetismo é considerado expressão da pobreza. Contudo, a pobreza é resultado da marginalização e da exclusão que ocorrem na sociedade mantida na exploração do trabalho, ou seja, da exploração do homem. Os países buscam soluções para a alfabetização tendo como interesse diminuir seus índices de pobreza, já que, segundo parâmetros internacionais, eles estão relacionados.

Depois da discussão das questões internacionais, a autora explica como as orientações são aplicadas na alfabetização brasileira, tendo como referência os documentos da UNESCO. No Brasil, são elaboradas as políticas para a década da alfabetização, que estão na segunda parte do livro, intitulada Os movimentos nacionais. Em nosso país, foi organizado, pela Câmara dos Deputados Federais, um Grupo de Trabalho (GT) que elaborou um relatório expressando a posição dos parlamentares em relação à alfabetização. No entanto, os componentes do grupo pertenciam a uma mesma formação ideológica e discursiva, o que fez com que o documento surgido das discussões não fosse fruto de um debate que ouviu diferentes vozes, mas sim de pares, pessoas com opiniões semelhantes, portanto nenhum pouco democrático, sendo possível inferir que foi uma imposição de determinado grupo. Houve, também, problemas em relação aos dados utilizados para a produção dos relatórios do GT. Claudia Gontijo explica que a metodologia empregada nas pesquisas nas quais se obteve os resultados que permearam os relatórios não foi a mais apropriada para as ciências humanas, mas sim para as exatas.

Os relatórios também não levaram em consideração as pesquisas desenvolvidas no Brasil, tendo afirmações que não estão de acordo com o que se produziu sobre alfabetização de caráter científico. Para comprovar isso, a autora fez um levantamento dos trabalhos produzidos entre os anos de 2003 e 2007, apresentados no GT Alfabetização, Leitura e Escrita, da ANPEd. O que orientou as ações do governo, além do relatório do GT da Câmara, foi o trabalho elaborado pela pesquisadora Magda Becker Soares.

A autora concluiu que a posição tomada pelos relatores privilegiou o método fônico, pois, para eles, ler é adquirir competências para decodificar. Portanto, o relatório que, preliminarmente, tinha como intenção apontar estratégias para mudanças para que se consolidassem com melhores índices no ensino, não trouxe orientações que rompessem com modelos já utilizados.

Assim, na sequência, em 2006, o MEC promoveu o seminário Alfabetização e Letramento em Debate. Dele foram implantadas diversas ações para a formação de professores, para a implantação do Ensino Fundamental de nove anos, para o Plano de Metas de Todos pela Educação, para a avaliação e escolha do livro didático.

Na última parte da obra, são analisadas cinco ações do governo brasileiro para a alfabetização: O Pró-Letramento, o Ensino Fundamental de nove anos, Provinha Brasil e o Plano de Desenvolvimento da Educação. O Ensino Fundamental de nove anos (2006) concretizou a prioridade de extensão da escolaridade obrigatória a partir dos 6 anos no Plano Nacional de Educação (2001). O Pró- -Letramento integra o Sistema Nacional de Formação de Professores no Plano Nacional de Qualidade para a Educação Básica. Este foi direcionado aos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, com objetivo de melhorar os níveis de desempenho da leitura e escrita dos alunos. O PDE foi lançado em 2007 e tem a alfabetização como elemento central. Foram instituídos programas de formação continuada e, também, a Provinha Brasil, para verificar o desempenho de crianças com idade de 6 a 8 anos.

O Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) para alfabetização tem suas diretrizes cada vez mais voltadas a atender as avaliações aplicadas na educação, já que os livros destinados à alfabetização estão reduzindo-se a dimensão linguística. Assim, o leitor poderá visualizar, no cenário dos debates internacionais sobre alfabetização, que o Brasil assumiu uma posição e concretizou-a em projetos. Por um lado, a alfabetização ganhou mais importância nos debates; por outro, as orientações dadas para as práticas ainda dão ênfase nos aspectos fonético-fonológicos, centrados nas palavras, sílabas e letras. Assim, são práticas semelhantes às da década de 1990, que geraram muitos resultados negativos nas avaliações no início dos anos 2000. Além das questões metodológicas, é preciso discutir a função da alfabetização, que não pode ser reduzida à formação do trabalhador que atenda às demandas do mercado de trabalho capitalista, mas, antes disso, precisa “[...] se tornar espaço e tempo de exercício da cidadania por meio do trabalho de produção e leitura de textos, ou seja, por intermédio do exercício do dizer” (GONTIJO, 2014, p. 132).

Com a leitura do livro, é possível rever a retomada histórica das diretrizes para a alfabetização, pois é uma importante contribuição para o leitor que busca compreender como se concretizaram as políticas educacionais no Brasil a partir de 2003. A autora retoma parte da história mundial das políticas para a alfabetização, ou seja, contextualiza de forma macro até chegar ao seu principal objeto de pesquisa que é a alfabetização brasileira. Entender como foram elaboradas as políticas não é somente importante para o pesquisador da área da educação, mas também para o professor que está no exercício da docência e, muitas vezes, participa de projetos e de cursos propostos pelo governo. Assim, o docente pode ampliar a visão de seu trabalho, sabendo de onde veio, para que e por que está realizando determinadas ações em sala de aula.

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