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Tensões e prioridades no processo de formação continuada do alfabetizador: da concepção à prática de formação
Simone Manosso Cartaxo; Joana Paulin Romanowski; Pura Lucia Oliver Martins
Simone Manosso Cartaxo; Joana Paulin Romanowski; Pura Lucia Oliver Martins
Tensões e prioridades no processo de formação continuada do alfabetizador: da concepção à prática de formação
Tensions and priorities on the process of continuing training for literacy teacher: from the conception to the training practice
Tensiones y prioridades en el proceso de formación continua de alfabetizadores: de la concepción hasta la práctica de formación
Práxis Educativa, vol. 11, núm. 3, pp. 861-880, 2016
Universidade Estadual de Ponta Grossa
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Resumo: O estudo analisa os processos que marcaram práticas de formação continuada dos alfabetizadores da Rede Municipal de Ensino de Curitiba, desde o período de 1963. Para isso buscou-se identificar como se caracterizaram os momentos da formação continuada dos alfabetizadores, bem como reconhecer quais abordagens teóricas da alfabetização fizeram parte dos cursos de formação continuada do professor. A abordagem de pesquisa é qualitativa, e para a coleta de dados utilizaram-se a análise documental e entrevistas. A análise foi realizada tendo, como eixo epistemológico a teoria como expressão da prática (MARTINS, 1998; MORTATTI, 2000, 2013; SANTOS, 1992; THOMPSON, 2009). Apreendemos, da análise, fatores determinantes do processo de formação que partiram da necessidade de: instituir e sistematizar uma abordagem da alfabetização que abandone o velho e opte pelo novo; formar os professores, incluindo-os como coautores de sua formação; desenvolver um processo de formação respaldado pela teoria a ser agregada às práticas desenvolvidas pelos docentes.

Palavras-chave: Formação docenteFormação docente,Concepções de alfabetizaçãoConcepções de alfabetização,Teoria e práticaTeoria e prática.

Abstract: This study analyzes the processes that mark the practice of continuing training of literacy teachers of Municipal Schools of Curitiba since 1963. Thereunto, we had an effort to identify how were characterized the times of continued training of literacy teacher, as well as recognize which theoretical approaches to literacy were part of continuing education courses in literacy teacher. The research has a qualitative approach and the data collection used document analysis and interviews. The analysis was carried out using as epistemological axis the theory as a practice expression (MARTINS, 1998; MORTATTI, 2000, 2013; SANTOS, 1992; THOMPSON, 2009). From the analysis we apprehend determinant factors of training process which started from the need to: establish and systematize a literacy approach, abandoning the old and opting for the newone; training teachers and including than as coauthors of their own education; develop a training process supported by the theory to be added to the practices developed by teachers.

Keywords: Teacher training, Conceptions of literacy, Theory and practice.

Resumen: El estudio analiza los procesos que han marcado las prácticas de educación continua de los profesores de alfabetización de la Red Municipal de Enseñanza de Curitiba desde el período de 1963. Por tanto, hemos tratado de identificar cómo se caracterizan los tiempos de formación continua de los profesores de alfabetización y reconocer cuales enfoques teóricos de la alfabetización hicieron parte de la educación continua de profesores. El enfoque de investigación es cualitativo, y la colección de datos utilizó el análisis documental y entrevistas. El análisis fue realizado utilizando, como eje epistemológico, la teoría cómo expresión de la práctica (MARTINS, 1998; MORTATTI, 2000, 2013; SANTOS, 1992; THOMPSON, 2009). Aprehendemos, por medio del análisis, factores que determinan el proceso de formación, que comenzó a partir de la necesidad de: establecer y sistematizar un enfoque de alfabetización que abandone lo viejo y opte por lo nuevo; capacitar a los maestros incluyéndolos como coautores de su formación; desarrollar un proceso de capacitación con el apoyo de la teoría que se añade a las prácticas desarrolladas por los profesores.

Palabras clave: Formación del profesorado, Concepciones de la alfabetización, Teoría y práctica.

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Artigos

Tensões e prioridades no processo de formação continuada do alfabetizador: da concepção à prática de formação

Tensions and priorities on the process of continuing training for literacy teacher: from the conception to the training practice

Tensiones y prioridades en el proceso de formación continua de alfabetizadores: de la concepción hasta la práctica de formación

Simone Manosso Cartaxo
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brazil
Joana Paulin Romanowski
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Brazil
Pura Lucia Oliver Martins
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Brazil
Práxis Educativa, vol. 11, núm. 3, pp. 861-880, 2016
Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 04 Junho 2016

Revised document received: 09 Junho 2016

Aprovação: 20 Junho 2016

Introdução

A alfabetização da população é, de longa data, a primeira finalidade da Educação Básica. Desde o final do século XVIII, com a institucionalização da escola pública laica, gerada no contexto de ideias liberais republicanas da revolução francesa, uma nova preocupação associa-se à alfabetização: a formação de professores (SAVIANI, 2009; TANURI, 2000). Na França, para atender esta demanda, são criadas as escolas normais, cujo modelo se espalha para além daquele país, inclusive o Brasil.

No entanto, a falta de formação dos professores que atuavam nas escolas brasileiras é denunciada desde as escolas provinciais, conforme Wachowicz (1984), e se expressa ao longo do século XX. Deste modo, várias alternativas são realizadas para suprir essa lacuna; contudo, a formação continuada é a modalidade que mais se difunde nos sistemas de ensino. Com efeito, ela tem possibilitado minorar a falta de formação específica, dos professores, nos cursos normais e licenciaturas.

Neste sentido, consideramos que a formação continuada do professor alfabetizador está associada aos sistemas de ensino estadual e municipal, que desenvolvem programas específicos direcionados, principalmente, a proporcionar, aos professores, aquisição de conhecimento de conteúdos e métodos de ensino. Na atualidade, o ministério de educação também passou a ofertar cursos de formação inicial e continuada para suprir essas demandas de formação.

Muitos dos cursos e programas elegem, como foco, a formação de professores alfabetizadores. Diante desse contexto, as reflexões e análise realizadas neste texto tomam, como ponto de partida, o seguinte questionamento: a que concepção de alfabetização e de formação estão associados os processos de formação continuada dos alfabetizadores?

Partimos do pressuposto que o conceito de alfabetização está em constante movimento. Pérez (2008, p. 179), ao explicar que o conceito de alfabetização é uma produção histórica, faz um mapeamento de diferentes concepções que expressam "a diversidade de políticas públicas e de práticas pedagógicas relativas à alfabetização". Em nosso país, estar alfabetizado já foi condição para poder votar, associada a um conceito reduzido de cidadania. Também já cumpriu papel em que o domínio do código era suficiente para que o trabalhador pudesse cumprir seu trabalho com mais eficiência. Avançamos no conceito de cidadania e chegamos a um conceito de alfabetização que ultrapassa o domínio do código. A autora destaca o papel da alfabetização como ato político, conceito este inaugurado por Paulo Freire e voltado para a emancipação do indivíduo.

Embora reconhecido, neste movimento da construção do conceito de alfabetização, Mortatti (2013) ressalta a necessidade de examinar qual conceito de alfabetização orienta o processo de ensino-aprendizagem no cotidiano escolar. Para a autora, ainda operamos com um conceito restrito e rudimentar de alfabetização, atrelado às urgências e emergências ditadas por interesses internacionais nos processos de monitoramento da educação.

Mortatti (2000; 2013) explica que são atribuídos diferentes sentidos à alfabetização, ou seja, o ensino inicial da leitura e da escrita, desde que essa prática tornou-se escolarizada, levou à existência de disputas e à defesa da hegemonia de um método em contraposição a outro (sintético e analítico). Desde a década de 1980, essa disputa dos métodos inclui a defesa da perspectiva construtivista:

Essa mudança de foco na identificação, formulação e discussão do problema se refere, obviamente, a processos de hegemonização das explicações científicas que foram assumidas como as mais científicas, representativas de "final da evolução didática", entre as que se encontravam em circulação em cada momento histórico. Não significa, porém, que explicações anteriores tenham deixado de existir na prática didático-pedagógica de alfabetizadores, tampouco que outros "finais da cadeia evolutiva" tenham sido reivindicados por outros sujeitos em momentos históricos posteriores. (MORTATTI, 2013, p. 26, grifos do autor).

Soares (2004, p. 5) afirma que, nas últimas três décadas, assistimos a mudanças de paradigmas teóricos no campo da alfabetização, que podem ser resumidas em um paradigma behaviorista, dominante nas décadas de 1960 e 1970, substituído, na década de 1980, por um paradigma cognitivista, o qual avança, na década de 1990, para um paradigma sociocultural. Segundo a autora, se a transição da teoria behaviorista para a teoria cognitivista representou realmente uma mudança radical de paradigma, a transição da teoria cognitivista para a perspectiva sociocultural pode ser interpretada, antes, como um aprimoramento do paradigma cognitivista, que propriamente como uma mudança paradigmática.

As mudanças paradigmáticas no campo da alfabetização apresentadas por Soares (2004), as disputas e os momentos históricos explicitados por Mortatti (2000, 2013), e o processo de construção do conceito de alfabetização possibilitaram definir um contexto para analisar os processos de formação continuada do professor alfabetizador. O movimento, que se construiu em torno do conceito e ensino da alfabetização, foi vivenciado concomitantemente nos processos de formação continuada dos professores que foram se constituindo historicamente.

Sendo assim, este estudo propõe-se a analisar os processos de formação que marcaram a prática da formação continuada dos professores alfabetizadores da RME (Rede Municipal de Ensino) de Curitiba, desde o período de 1963, data em que nasce a primeira escola municipal da cidade. Para isso, buscou-se identificar como se caracterizaram os momentos da formação continuada dos professores alfabetizadores da RME, bem como identificar quais abordagens teóricas da alfabetização fizeram parte dos cursos de formação continuada do professor alfabetizador.

A opção, então, foi identificar as abordagens - entendendo que o termo abordagem, neste estudo, refere-se à forma como é tratado o conhecimento relacionado à aprendizagem da escrita e da leitura. Procuramos identificar qual foi a opção de abordagem feita em determinados grupos, nos diferentes momentos da formação do professor alfabetizador.

Já para a análise dos processos de formação, partimos do entendimento de que processo traz a ideia de movimento, da ação de ir para frente, em um conjunto de ações sequenciais, não com a ideia de evolução. Então, investigamos os processos/movimentos que se concretizaram na formação dos alfabetizadores. Esses processos dizem respeito à formação pautada em duas vertentes: uma tendo a teoria como guia da prática; e outra, a teoria como expressão da prática (MARTINS, 1998; 2006).

Essa análise parte da defesa tomada inicialmente por Santos (1984, 2004), sobre a questão da produção e distribuição do conhecimento. O autor defende a ideia de que a escola tem se colocado no campo da distribuição do saber sistematizado, contribuindo para a manutenção da atual divisão social do trabalho e ignorando, dessa forma, o cerne do problema. Santos (1984) questiona a lógica da organização do saber sistematizado, seus parâmetros, suas finalidades, e considera que esse "conhecimento consiste em produtos de práticas humanas no seio das relações sociais de uma formação social concreta e responde a necessidades humanas práticas" (SANTOS, 1984, p. 5). Segundo Saviani (2007, p. 415), por esse caminho, a prática pedagógica articula-se politicamente com os interesses das camadas populares, voltando-se para a solução dos problemas da prática de forma prática.

Para Thompson (2009), toda a base teórica deve ser apreendida na prática do agir humano, e na medida do diálogo entre teoria e evidência. Essa defesa da experiência humana parte do pressuposto de que homens e mulheres são sujeitos que vivenciam experiências e pensam sobre elas. O autor explica que as pessoas pensam e elaboram sobre as experiências na sua complexidade, dentro de suas consciências e, em seguida, agem em situações determinadas. Nesta perspectiva, Thompson (2009) não reduz a experiência ao senso comum, como muitos intelectuais, mas como possível de ser elaborada na forma de conhecimento.

Corrobora com essa ideia Martins (1996; 2006), explicando que a teoria vai expressar a ação prática dos sujeitos, rompendo com a ideia de que a teoria guia a prática, assim como Bernardo (1992), que defende a ideia de que a ação é anterior à consciência. Neste mesmo sentido, Bruno (1989, p. 12) explica que não agimos porque pensamos, mas porque somos seres em ação, e que esta não é decorrente de uma escolha apriorística, mas de determinações sociais que nos incluem e nos ultrapassam, exatamente porque a ação não é individual, porém, sempre social.

Neste sentido, esse estudo é realizado tomando, como eixo epistemológico, a teoria como expressão da prática (MARTINS, 1996), ao compreender que é no campo da prática que vão se formar os germes das mudanças. Desta forma, constitui relações sociais de tipo novo (BERNARDO, 1992; SANTOS, 1992), considerando um pressuposto básico de que o homem não reflete sobre o mundo, mas reflete a sua prática sobre o mundo.

Metodologia

A metodologia deste estudo baseia-se em uma abordagem qualitativa, considerando que os procedimentos desse tipo de pesquisa adequam-se à natureza do objeto de estudo. A pesquisa de campo foi realizada por meio de uma pesquisa documental no arquivo municipal, em escolas da RME e, também, com a reunião de documentos particulares de professores. Além dos dados coletados nos documentos, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com profissionais que participaram dos processos de formação dos professores alfabetizadores no contexto em análise.

Para as entrevistas, foram selecionadas professoras que atendiam a alguns critérios: pertencer ao quadro próprio do magistério da RME; ter participado de ações da SME, de forma direta ou indireta, para o desenvolvimento dos cursos ofertados aos professores alfabetizadores; representar um dos períodos definidos no desenvolvimento da pesquisa. Ao final, sete professoras foram escolhidas para as entrevistas.

A coleta dos documentos foi realizada no arquivo municipal de Curitiba, que disponibilizou listagens dos cursos ofertados anualmente, e planejamentos de cursos. A categorização para selecionar os cursos pautou-se na especificidade da alfabetização (1.ª e 2.ª séries, comunicação e expressão, estratégias para regência, métodos de alfabetização) e nos cursos de Língua Portuguesa, pelo fato de a alfabetização fazer parte dessa área de conhecimento. Foram selecionados documentos e 651 digitalizações dos planejamentos dos cursos.

Os cursos foram categorizados em cinco períodos, organizados em décadas. Essa organização cumpre um papel didático que auxiliou a organizar as ideias e não pretende, com isso, delimitar períodos históricos. A delimitação de ideias preponderantes para cada momento não tira a possibilidade de encontrá-las em outro, pois se considera que o tempo de produção de ideias segue um movimento próprio, e não estanque.

Considerando, então, a explicação acima, os períodos ficaram assim definidos:

  • a) década de 1960 (1963-1969);

  • b) década de 1970 (1971-1979);

  • c) década de 1980 (1980-1989, subdividida em 1980-1985 e 1986-1989);

  • d) década de 1990 (1990-2000);

  • e) a partir de 2000 (2001, o presente em questão).

A seguir são apresentados cada um dos períodos, seguidos de análises sobre as abordagens da alfabetização e os processos de formação do professor.

As abordagens teóricas da alfabetização e processos de formação do professor

- Período de 1963-1969

O primeiro período inicia em 1963, ano em que é construída a primeira escola municipal, e começam as atividades de formação de professores no interior da própria escola.

Para chegar à formação continuada do professor na RME, foi necessário recorrer aos registros que marcam a trajetória inicial da educação no município. Para tal intento, tomamos como referência o documento Memórias da Rede Municipal de Ensino, trabalho desenvolvido por um grupo de professores que registra fatos da educação no município. Consta que, em 1955, foi criada a Seção de Educação e Cultura no Departamento de Educação, Cultura e Turismo e, como resultado, houve o aumento do número de escolas públicas da cidade, subordinadas ao estado. Em 1959, a seção torna-se Serviço de Educação e Cultura, e em 1963 é criada a Diretoria de Educação e Recreação Pública como parte do Departamento de Educação, Saúde e Recreação. Até esse momento, as ações da diretoria e do departamento não tinham caráter sistemático, e somente com a criação do Centro Experimental Papa João XXIII, em 1963, é que o ensino público municipal começa a tomar forma (CURITIBA, 2007).

Nesse período, os professores eram providos pelo estado, já que ainda fazia parte de sua responsabilidade atender o setor da educação. Conta a professora Marta, que trabalhou na primeira escola do município:

As professoras que foram trabalhar na escola vieram disponibilizadas do Estado. Era o meu caso também. Eram professoras que haviam cursado a Escola Normal... (MARTA).

Aos poucos é que o município foi criando escolas e começando a contratar seus professores. Em 1963, foi criada a carreira de professor normalista da RME; porém, ainda sem concurso público.

No ano de 1966, mais escolas foram construídas, entre elas, o Grupo Escolar Nossa Senhora da Luz, chamado de Grupão. Construído no primeiro conjunto habitacional da Cohab-CT, foi inaugurado com a presença do então Presidente da República, Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. Essa escola constituiu um marco para a educação em Curitiba, pelos desafios ali presentes: um grande número de turmas e de professores novos, uma comunidade nova, um trabalho a ser construído (CURITIBA, 2007).

Sobre alguns problemas vivenciados, a professora Maria, que trabalhou nessa escola, conta:

Nós tínhamos 21 turmas de primeiro ano lá na Vila. Eu até peguei este livro, que é um relatório. Feito pelo diretor da época. Aqui tem o acervo de material que a gente dispunha, era quase nenhum. Não tínhamos cartilhas, por exemplo, para colocar nas mãos dos alunos. Tínhamos que usar o que estava disponível (MARIA).

Relembrando esse contexto - o fato de não haver uma estrutura por parte da Diretoria de Ensino para atender aos professores -, a professora Maria, responsável pela orientação pedagógica da escola na época, conta como foram os passos iniciais com os professores responsáveis pela alfabetização. Ela relata que os alfabetizadores, provenientes do primeiro concurso público realizado pelo município, tinham como referência aquilo que aprendiam na Escola Normal.

Em termos de alfabetização não tínhamos nada, vieram todas direto da Escola Normal pra dentro da sala de aula. Naquela época não tinha Secretaria de Educação[...]. Eu vou te falar o que nós tivemos na Escola Normal. Nós fizemos um estudo sobre a abordagem sintética, analítica e mista, as três maneiras de alfabetizar (MARIA).

Ao salientar a alfabetização baseada nos métodos trabalhados na Escola Normal, a professora Maria relata que tal orientação auxiliou na organização do trabalho com a alfabetização na escola. Ela foi a responsável pela orientação pedagógica, articulando o planejamento semanal dos professores.

Eu fiquei com o encargo de orientação pedagógica da escola. Instituí um sistema de treinamento, no sábado, para a semana seguinte. Todas as professoras da 1.ª série se reuniam [sic] no sábado. Eu fazia um passo-a-passo da alfabetização, fazendo uma junção de várias questões. Uma delas era usar um pouco da Cartilha do Bitu, que começava a primeira lição "Bitu bate bola...". Então, veja que, se a cartilha começa com "Bitu bate bola", começa com um prenúncio de um método analítico1... (MARIA).

A iniciativa de organizar os primeiros cursos para professores ainda não havia se manifestado, naquele momento, por parte da Diretoria de Ensino. Durante os três primeiros anos da Escola da Vila, o Grupão, a própria escola foi organizando o trabalho, tendo como referência o que estava prescrito na lei vigente.

- Período de 1970-1979

Na década de 1970 deu-se a formação de alfabetizadores por meio de várias ações da Diretoria de Educação do município. Foram inúmeras tentativas de abordar a alfabetização centrando-se nos métodos: a cartilha Caminho Suave; o método da Abelhinha; o que se chamou de método psicogenético difundido por Eurico Back; o método Erasmo Pilotto; e, ainda, o Programa Alfa. O referencial teórico utilizado contou com a presença, em alguns momentos, dos próprios autores das propostas, como no caso da autora da cartilha Caminho Suave, Branca Alves de Lima, do professor Eurico Back e do professor Erasmo Pilotto. Os processos de formação buscavam uma ação homogênea dos professores no processo de ensinar, e previam um percurso também homogêneo na aprendizagem dos estudantes.

Na década de 1970, a RME estava no processo de implantação da Reforma de Lei n.º 5692/71 e, no cenário nacional, as questões de alfabetização estavam em discussão devido às estatísticas, que anunciavam altos índices de reprovação e evasão escolar na 1.ª série do 1.º grau1. No município não era diferente.

Nesse sentido, a organização do trabalho pedagógico, tanto na rede municipal como na estadual, pautava-se na predeterminação do trabalho do professor por instâncias superiores. A reforma trazia novidades e era necessário dominar um novo vocabulário para colocar em prática o que se determinava. Segundo a professora Liza, assim aconteceu:

Em 70 e pouco a gente estava num processo de implantação da reforma, da 5692/71 [...]. Nesse processo eram treinados todos os professores da região, e tinha um processo de acompanhamento, não tão direto, não tão próximo, mas havia um grupo da Secretaria que fazia esse acompanhamento. Era o Núcleo de Estudos Pedagógicos, ou algo assim [...]. Cada grupo de escola tinha uma pessoa responsável, que era alguém que tinha uma articulação muito próxima com o povo da Federal. Então, a gente tinha que definir estratégias para operacionalização dos objetivos. Nem sabia o que era isso! A gente não dominava o vocabulário! Então, a coisa estava acontecendo paralela entre o estado e a prefeitura (LIZA).

Na busca de solução para os altos índices de reprovação, o Departamento de Educação da RME impôs a implantação da proposta de Eurico Back nas escolas do município. Essa implantação foi acompanhada de perto pelos gestores da Rede. A propósito, a professora Liza conta:

E a prefeitura obrigou as escolas a usarem. Então, o povo que era do Departamento do Bem-Estar Social1 esteve num sábado, na escola, e nós tivemos que assinar um termo de compromisso, de responsabilidade, assumindo os resultados que a escola viesse a ter pelo não uso desse método [...]. Foi a nossa sorte, porque foi muito complicado. Primeiro que teve um grande encontro pra passar alguma coisa, que absolutamente ninguém, até então, tinha ouvido falar; segundo, que foi uma imposição; terceiro, que ninguém perguntou pra ninguém o que se pensava a respeito. Foi um método que não vingou, acho que com 2, 3 anos, ou menos até, acabou. Ninguém nunca mais falou. A gente tinha pilhas porque a prefeitura, mesmo sem a gente usar, mandou todo o material (LIZA).

Outra tentativa para tratar especificamente da questão da alfabetização foi realizada. O trabalho do professor Erasmo Pilotto2 já era conhecido por algumas pessoas das redes estadual e municipal, e apresentava uma metodologia de alfabetização. O professor já havia feito uma experiência, por volta de 1950, e havia obtido bons resultados. A proposta sinalizava uma metodologia rápida porque, conforme relembrou a professora Liza, ele sempre dizia: "Não temos muito tempo pra ensinar a escrever, a gente tem que ser rápido".

O próprio professor Erasmo Pilotto fazia o treinamento envolvendo multiplicadores. Ele organizou o processo em 14 fichas e explicava uma ou duas delas a cada momento. Até a quinta ficha, eram recomendações; da sexta em diante, começava o processo de alfabetização e o professor tinha que decorar toda a sequência e os encaminhamentos. Segundo o autor, o segredo e a essência de seu método era a ficha nove, onde constava que a criança tinha que ser capaz de deduzir como é que se juntavam letras para formar sílabas e, consequentemente, palavras, a partir de uma técnica muito simples. Era a essência fonética do método.

Na coleta de documentos particulares com professores que atuavam no ensino municipal, foi encontrado um caderno datado de 1976, que continha o registro de um treinamento ofertado aos multiplicadores do método Erasmo Pilotto. Os registros trazem todos os pressupostos do método, as recomendações necessárias, bem como os passos em forma de fichas a serem seguidos pelo professor: o que escrever no quadro, o que dizer e perguntar aos alunos, a resposta desejada.


Figura 1
Página do caderno de registros de uma professora participante do curso em novembro de 1976.
Fonte: Particular.

Este período caracteriza-se pelo paradigma teórico behaviorista, dominante nas décadas de 1960 e 1970. O campo da alfabetização é marcado pelos métodos e por grandes disputas. Um novo paradigma emerge na década de 1980 e, com os estudos da psicogênese, teremos o paradigma cognitivista (SOARES, 2004).

- Período de 1980-1989

Este período é subdividido. Os primeiros cinco anos da década de 1980 deram continuidade aos processos de formação da década anterior. É possível observar, no quadro 1, que o foco está centrado nos treinamentos em técnicas em alfabetização com base em diferentes propostas e métodos, que vinham sendo trabalhados com os professores na década anterior: Caminho Suave, misto, Erasmo Pilotto, fonação condicionada e repetida. É recorrente o uso da terminologia treinamento em técnicas para os cursos ofertados, independentemente de se referirem à alfabetização.

Quadro 1
Cursos ofertados aos professores – período de 1980-1985

Fonte: Quadro elaborado a partir da listagem de cursos encontrada no arquivo municipal da educação. O número que acompanha cada um dos cursos corresponde ao número de vezes que ele foi ofertado no ano.

Essa abordagem refere-se à concepção pedagógica tecnicista, decorrente da reforma do ensino pela Lei n.º 5692/71. Ela tem, como elemento principal, a organização racional dos meios com a operacionalização dos objetivos, a mecanização do processo e o parcelamento do trabalho pedagógico, tendo em vista buscar a eficiência minimizando as interferências subjetivas. A padronização do ensino dá-se por meio de um planejamento formulado previamente, que determina, ao professor e ao aluno, quando e como fazer.

Nessa visão, o papel da escola passa a ser de "repetidora dos programas de treinamento", como analisa Veiga (1995, p. 21). Nesse momento, não se dá espaço para a escola assumir a gestão de seus processos, e não se valoriza os conhecimentos que os professores têm de sua prática pedagógica.

O quadro 1 apresenta uma síntese dos principais cursos de formação do professor alfabetizador ofertados para a RME.

Os cursos da década de 1980 (de 1986 a 1989) foram realizados em um período de gestação de um movimento que seria o divisor de águas. Aos poucos, abandonam-se os métodos de alfabetização, centrando-se, na segunda metade dessa década, os processos de formação a partir da concepção histórico-crítica da educação, tendo como aporte teórico os estudos de Demerval Saviani. A escrita do Currículo Básico de 1988 traz uma abordagem para a alfabetização a partir das pesquisas de Emilia Ferreiro, sobre a psicogênese da língua escrita, observando, no entanto, a necessidade de se fazer sua reinterpretação em uma base interacionista, para não cair na metodização dos níveis de aquisição da linguagem escrita discutidos pela autora. A contribuição da linguística passa a ser o mote da formação de professores, tendo como referência os estudos de Luiz Carlos Cagliari, João Wanderley Geraldi, Carlos Alberto Faraco, Maria Bernadete Marques Abaurre Gnerre, Sirio Possenti, e Raquel Fiad, que ministram cursos para os professores e fazem consultorias à Secretaria Municipal da Educação (SME). Nessa década organiza-se uma coordenação específica para a alfabetização na SME, com a criação de equipes responsáveis pelas diversas áreas do conhecimento. Um mapeamento dos cursos ofertados aos professores pode ser visualizado no quadro 2.

Quadro 2
cursos ofertados aos professores – período de 1986-1989

Fonte: Quadro elaborado a partir da listagem de cursos encontrada no arquivo municipal da educação. O número que acompanha cada um dos cursos corresponde ao número de vezes que ele foi ofertado no ano.

A análise desse período fundamenta-se em Martins (1998, 2006), que caracterizou esse momento tendo, como critérios, as questões recorrentes na prática dos professores e sua expressão teórica nas reflexões presentes em universidades e demais produções científicas.

É nesse contexto de abertura, de participação coletiva das camadas populares que acontece uma mudança significativa no conteúdo dos cursos ofertados aos professores, a partir de 1986. A professora Liza justifica:

Porque a gente, já por 78/79, lá na escola, a gente estava discutindo muito essa questão da criança ler, da criança entender, da criança ser capaz de se expressar. Então o método misto não estava mais chegando. O Erasmo Pilotto não estava mais chegando. A gente estava buscando outros materiais, lendo outros materiais, então, o que nós tínhamos, no início de 80, já era um outro nível de produção, era outro tipo de trabalho. Você estava começando a ter um Cagliari1, que você ouvia falar de vez em quando... (LIZA).

Segundo Martins (1998; 2006), esse momento traz a dimensão política do ato pedagógico. Os movimentos sociais ocorridos no Brasil, durante as décadas de 1970 e na primeira metade da década de 1980, consolidaram novas formas de organização e mobilização que vão repercutir na escola. Os professores, no seu dia-a-dia, na sala de aula e na escola, reclamam da predeterminação do seu trabalho por instâncias superiores, e querem participar das decisões acerca dele. Essa participação tem um caráter eminentemente político.

- Período de 1990-2000

Na década de 1990, o processo de formação de professores é marcado pela intensa oferta de cursos, produção de material para os professores e reescrita do Currículo Básico do município que, na alfabetização, deixa de fazer referências às produções teóricas de Emilia Ferreiro e aborda somente a concepção interacionista de Vygotsky. Na RME criou-se, então, uma disputa entre piagetianos e vygotyskianos.

[...] Essa discussão foi fundamental, porque a discussão estava posta assim: Vygotsky ou Piaget, quem é Vygotsky não é Piaget e quem é Piaget não é Vygotsky; então era como se fosse uma questão partidária... (ANA).

Sobre esse posicionamento pode-se perceber que, na versão do Currículo Básico de 1991 e 1994, por exemplo, não se encontra, na área da alfabetização, qualquer referência aos estudos de Emilia Ferreiro, cuja teoria é toda fundamentada em Piaget. A ênfase é dada aos estudos de Vygotsky.

Na alfabetização dá-se continuidade à abordagem da linguística, passando, o aluno, a ser visto como sujeito portador de uma prática social e com interesses próprios. As questões da prática são retomadas com ênfase, provocando uma alteração na organização do próprio trabalho da SME, passando a ser necessários professores com prática alfabetizadora para ministrar os cursos.

A SME concentra esforços para convencer o professor de que se deve trabalhar de outra forma. Pois bem, esse convencimento foi fruto de discussões teóricas e, quando chega a prática, muitos problemas começam a acontecer. As crianças acabavam o ano sem saber ler nem escrever. Os professores mais antigos, apesar do que propunha a Secretaria, continuavam a fazer da forma que sabiam, e os mais novos, que passavam pelos cursos de formação da SME, trabalhavam somente com a nova abordagem da alfabetização. Os professores antigos tinham o material do aluno específico para mostrar para a Secretaria, com as orientações didáticas por ela determinadas, mas tinham, também, exercícios que eles próprios elaboravam, o chamado caixa dois, e acreditavam que dava certo. Sobre isso, fala a professora Liza:

Eles se tornaram os guardiões, os guardiões do tempo! Então o professor que ia entrando nessa sistemática não sabia bem nem aqui nem ali. Porque o professor que era mais antigo, ele fazia o caixa dois, então ele tinha o material pra Secretaria e ele tinha o caixa dois. O professor novo não sabia do caixa dois. Foi aí que foi uma derrocada do trabalho na 1.ª série na época, porque a gente tem um momento que você cai de paraquedas, porque a criança saía do 1.º ano sem ler, sem escrever, sem saber pra que servem as letras (LIZA).

Como ação da SME para que esses problemas não se avolumassem, era necessário trazer para os cursos aqueles que tivessem a prática em sala de aula. Sobre esse processo, comenta a professora Elen que esse posicionamento - a prática como palavra de ordem - foi definido intencionalmente pelo Departamento de Educação.

Isso foi verbalmente colocado, por chefe de departamento, que era essa a política, de trazer pessoas que tinham a prática. Hoje, é claro que essas pessoas que tinham a prática já se apropriaram das questões teóricas, já puderam rever o que faziam, e claro que avançaram também, mas naquele momento se deu dessa forma (ELEN).

O quadro 3, na página seguinte, contém a síntese dos cursos de formação de professores da década de 1990. É possível identificar, nos títulos, a ênfase na palavra reflexão e apontamentos sobre a prática.

Quadro 3
Cursos ofertados aos professores – período de 1990-2000

Fonte: Quadro elaborado a partir da listagem de cursos encontrada no arquivo municipal da educação. O número que acompanha cada um dos cursos corresponde ao número de vezes que ele foi ofertado no ano.

Segundo Martins (1998; 2006), o período é marcado pelas organizações do trabalho coletivo nas escolas. No município são formadas as classes de aceleração de estudos e a organização da escola em ciclos de aprendizagem. Ao final da década, o Projeto Alfa (elaborado na esfera municipal para atender as escolas com altos índices de retenção nas turmas de alfabetização) foi desenvolvido com a intenção de reavaliar as práticas dos alfabetizadores, e desencadeia uma reorganização do trabalho pedagógico na Secretaria de Educação, com a descentralização das ações de apoio técnico. São criados espaços nos núcleos regionais de educação, que passaram a ter os alfabetizadores de núcleo, responsáveis pelo acompanhamento dos professores alfabetizadores nas escolas.

- A partir do ano 2000 - O presente em questão

A partir do ano 2000 até 2005, a formação do professor alfabetizador não teve destaque. Identificamos uma ênfase na implantação da informática nas escolas e, ainda, um trabalho com a alfabetização ecológica, decorrente do contexto vivido no momento. O processo de formação continuada dos alfabetizadores ocorre com o acompanhamento dos alfabetizadores dos núcleos regionais, diretamente nas escolas.

É a partir de 2005 que se inicia um novo processo de formação dos alfabetizadores, com a SME assumindo uma abordagem da alfabetização focalizada no resgate de elementos que deixaram de ser trabalhados na década anterior. Soares (2004) irá explicar este momento como o da reinvenção da alfabetização, uma vez que os processos de ensino voltam a trabalhar com as especificidades da alfabetização deixadas de lado devido a equívocos de compreensão da psicogênese da escrita, que repercutiram na falta de sistematização da escrita e na ênfase do espontaneísmo.

Este novo período que se desenha na RME de Curitiba é marcado por formação intensa com os professores alfabetizadores, com cursos focalizando a necessidade de intensificar os processos de compreensão e sistematização da alfabetização. Este novo período é, também, determinado pelo contexto nacional.

No contexto nacional, o tema alfabetização continua a ser central e aquecido por muitas polêmicas. O governo federal realiza várias ações por intermédio do MEC: implantação de novas propostas de formação de professores alfabetizadores; ampliação do Ensino Fundamental para nove anos, mobilizando uma discussão sobre a alfabetização; realizam-se seminários e debates para discutir novas metodologias de alfabetização. Mortatti (2009) afirma que os nos primeiros anos do século XXI, sustentados nos resultados de avaliações de instituições e organismos nacionais e internacionais, e focados na verificação do desempenho escolar de estudantes, pesquisadores brasileiros buscam novas explicações e propostas de solução para a da alfabetização no Brasil, destacando, dentre essas propostas, o método fônico.

Neste século, o MEC já lançou programas de formação, como o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa), O Pró-letramento e, em 2012, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), cujas ações referem-se à formação continuada presencial dos professores alfabetizadores e seus orientadores de estudo; oferta de materiais didáticos, obras literárias, obras de apoio pedagógico, jogos e tecnologias educacionais para as escolas; avaliações sistemáticas; e gestão, mobilização e controle social (BRASIL, 2012).

O município de Curitiba conviveu e participou dos programas ofertados pelo MEC e, em 2013, adere ao PNAIC. Isso trouxe uma mudança significativa, pois a formação dos professores alfabetizadores é realizada, principalmente, neste programa.

Este período também é marcado fortemente por avaliações em larga escala, realizadas pelo governo federal (provinha Brasil aplicada para estudantes do segundo ano do ensino fundamental; e a ANA - avaliação nacional da alfabetização- aplicada para estudantes do terceiro ano do ensino fundamental), além de avaliações realizadas pela própria secretaria municipal de educação. E, para alcançar melhores índices nas avaliações, os processos de formação são intensificados.

Neste sentido, Mortatti (2013) explica que as ações de monitoramento de resultados que vem sendo implementados no Brasil apontam para avanços e problemas históricos. Dentre os problemas, destaca-se a ausência de discussão

em torno do conceito restrito e rudimentar de alfabetização, no qual, em consonância com o princípio do "aprender a aprender" derivado de modelo político neoliberal, fundamentam-se as políticas educacionais e correspondentes "sistemas de avaliação" de habilidades e competências de leitura e escrita, a partir das quais se espera que os alunos aprendam e são definidoras da função do professor como mero "provedor de estratégias" para essa aprendizagem. (MORTATTI, 2013, p. 16-17, grifos do autor).

Sobre a formação de professores, Mortatti aponta que esse contexto delimita a ação do professor como um provedor de estratégias para as aprendizagens que estão em monitoramento.

Como parte das ações desenvolvidas pela SME, encontrara-se a elaboração de material específico contendo os critérios de avaliação dos estudantes. Primeiramente, as diretrizes contemplavam critérios que eram amplos e referentes ao ciclo como um todo; ou seja, critérios de avaliação referentes aos três primeiros anos do Ciclo I e critérios de avaliação referentes aos dois anos do Ciclo II; posteriormente foi elaborado um novo material, os Cadernos de Avaliação, decorrente de uma necessidade apontada pelos professores.

Em 2015, na elaboração de novas diretrizes curriculares do município, os conteúdos, critérios de avaliação e objetivos de aprendizagem são organizadas por ciclo e ano, e cada ano tem uma organização interna trimestral em todos os componentes curriculares. Em outras palavras, cada vez mais se delimitam os conteúdos e critérios, de forma a facilitar o monitoramento do ensino e da aprendizagem.

Para Mortatti (2013), precisamos estar cientes da postura submissa, frente às urgências e emergências determinadas por interesses internacionais de monitoramento. Esse é um desafio que precisa ser enfrentado. Nas palavras da autora:

Com base nessa lição, podemos nos propor uma tarefa a ser realizada no século XXI: enfrentar o desafio de dar voz à discussão silenciada sobre a tradição inventada, em cuja imutabilidade se cristalizam conceitos operantes (pela repetição inconsciente) nas relações de ensino-aprendizagem escolar da leitura e da escrita. Para enfrentarmos esse desafio, é necessário assumir que (apesar das certamente boas intenções de todos os que defendem o cumprimento das metas globais) na caixa-preta da alfabetização escolar se encontram eloquentes indícios do desastre que se repete e se renova para cada criança abandonada ao limbo da aprendizagem sem ensino e ao incerto destino do "aprender a aprender". (MORTATTI, 2013, p. 31, grifos do autor).

Algumas considerações

Questionamos, inicialmente, sobre a que concepção de alfabetização e de formação estão associados aos processos de formação continuada dos alfabetizadores e elegemos, como objetivo, analisar os processos de formação que marcaram a prática da formação continuada dos professores alfabetizadores de Curitiba.

Ao analisar os processos de formação que marcaram a prática da formação continuada dos professores alfabetizadores da RME, desde o período de 1963, identificamos, nas abordagens teóricas da alfabetização, os paradigmas teóricos behavioristas, cognitivista e sociocultural. Identificamos, também, que o movimento no campo teórico da alfabetização articula-se aos processos de formação dos professores. Esses processos são marcados pelo treinamento em métodos nas décadas de 1960-1970, pela ênfase na participação coletiva da década de 1980 e 1990, pela formação em larga escala acompanhando os processos de avaliação em larga escala.

Apreendemos, da análise fatores, determinantes do processo de formação que partiram da necessidade de:

  • instituir e sistematizar uma abordagem da alfabetização abandonando o velho e optando pelo novo;

  • formar os professores considerando sua prática alfabetizadora, incluindo-os como coautores de sua formação;

  • desenvolver um processo de formação respaldado pela teoria a ser agregada às práticas desenvolvidas pelos docentes.

As conclusões referentes aos processos de formação dos alfabetizadores partem do questionamento sobre o conceito sobre formação implícito nos processos de formação continuada dos alfabetizadores da RME. Apreendemos, pela análise e pela sustentação do eixo epistemológico assumido, que a constituição dos espaços de formação, os quais podem se constituir como espaços de produção ou de distribuição do conhecimento. Ao constituírem-se como espaços de produção, consideramos que os conhecimentos que os professores trazem de sua prática servem de ponto de partida para uma reflexão, e caminham no sentido da teoria como expressão da prática. Por outro lado, os espaços de distribuição dos conhecimentos são caracterizados pela constituição de um grupo que se apropria de um conhecimento, sistematiza-o, e o distribui, desconsiderando que o grupo que recebe também pode produzir o conhecimento; desta forma, caminham no sentido da teoria como guia da prática. Sob esse olhar, percebeu-se um movimento entre o campo da produção e da distribuição do conhecimento nos vários períodos abordados na pesquisa. A perspectiva da distribuição do conhecimento instituiu-se, principalmente, quando uma nova abordagem da alfabetização é imposta aos professores, destituindo-os de suas práticas. Para o campo da produção do conhecimento, ficam marcados momentos em que os processos de formação partem de uma prática dos professores e estes são inseridos em um processo de coautoria. No entanto, esses movimentos não passaram despercebidos aos professores, já que mostravam reações ao tecer certos questionamentos.

O momento atual aponta muito mais para necessidades de atendimento às políticas globais, do que para as próprias necessidades geradas no interior da escola, e o processo de formação realiza-se prioritariamente em larga escala. Esse direcionamento fortalece a concepção de formação como base na distribuição do conhecimento desvalorizando a concepção com base na produção do conhecimento.

Material suplementar
Referências
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Notas
Notas
1 Os métodos de orientação analítica de leitura têm como princípio partir da leitura de contos, historietas, frases ou palavras, enquanto os métodos de orientação sintética partem da leitura das unidades menores, as letras, as sílabas.
2 Considerar a designação da época, correspondente ao atendimento de crianças de sete anos no Ensino Fundamental de Oito Anos. Hoje corresponde ao 1.º e 2.º anos do Ensino Fundamental de Nove Anos, dependendo do contexto onde já se implementou a nova lei.
3 As primeiras iniciativas da Prefeitura, no âmbito educacional, datam da década de 1950. Em 1955 criou-se a Seção de Educação e Cultura, que fazia parte do Departamento de Educação, Cultura e Turismo. Em 1965 foi criado o Departamento do Bem-Estar Social, e a Diretoria de Educação passou a ter seções de acordo com as novas unidades que iam sendo criadas. A Secretaria Municipal da Educação foi criada mais tarde.
4 O professor Erasmo Pilotto contribuiu para a educação no Paraná por meio de sua atuação como professor, escritor e Secretário de Educação e Cultura.
5 A professora refere-se a Luiz Carlos Cagliari, mestre e doutor em linguística e autor de vários trabalhos na área da alfabetização, além de professor da Unicamp.
6 Nesse momento, o documento consultado especifica que o método pela fonação condicionada e repetida é o mesmo que Casinha Feliz. Isso não ocorre em outros títulos.
7 Nos documentos, não consta o II Seminário de Alfabetização.
8 Esse curso foi direcionado somente para a equipe da Secretaria de Educação. A palestrante foi Raquel Fiad, da Unicamp.
9 A professora refere-se a Luiz Carlos Cagliari, mestre e doutor em linguística e autor de vários trabalhos na área da alfabetização, além de professor da Unicamp.
10 A palavra reformulado refere-se ao Currículo Básico de 1994, que apresenta reformulações resultantes de uma proposta de reorganização dos conteúdos e dos critérios referentes às áreas do conhecimento retomados a partir do Currículo Básico de 1992. O Currículo Básico de 1992 também apresenta reformulações em relação ao de 1988.

Figura 1
Página do caderno de registros de uma professora participante do curso em novembro de 1976.
Fonte: Particular.
Quadro 1
Cursos ofertados aos professores – período de 1980-1985

Fonte: Quadro elaborado a partir da listagem de cursos encontrada no arquivo municipal da educação. O número que acompanha cada um dos cursos corresponde ao número de vezes que ele foi ofertado no ano.
Quadro 2
cursos ofertados aos professores – período de 1986-1989

Fonte: Quadro elaborado a partir da listagem de cursos encontrada no arquivo municipal da educação. O número que acompanha cada um dos cursos corresponde ao número de vezes que ele foi ofertado no ano.
Quadro 3
Cursos ofertados aos professores – período de 1990-2000

Fonte: Quadro elaborado a partir da listagem de cursos encontrada no arquivo municipal da educação. O número que acompanha cada um dos cursos corresponde ao número de vezes que ele foi ofertado no ano.
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