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Entrevista com o Professor Graham Welch*
Entrevista con el Profesor Graham Welch
Práxis Educativa, vol. 11, núm. 3, pp. 917-925, 2016
Universidade Estadual de Ponta Grossa

Graham Welch, professor do UCL/Institute of Education (Londres), é muito respeitado e conhecido em todo o mundo. Seu interesse pelo desenvolvimento do canto nas crianças tem lançado luz sobre a área do Canto na Educação Musical. Welch tem atuado como consultor especialista para departamentos e agências governamentais no Reino Unido, Itália, Suécia, Estados Unidos, Ucrânia, Emirados Árabes Unidos, África do Sul e Argentina, com foco em aspectos da Educação Musical e formação de professores. Possui mais de 350 publicações chega aproximadamente a trezentos e cinquenta e elas abarcam o desenvolvimento musical e a Educação Musical, a formação de professores, a Psicologia da Música, canto e a ciência da voz, bem como a música na Educação Especial. Pode-se considerar que as pessoas não conhecem muito sobre sua experiência como professor de música nas escolas inglesas no início de sua carreira, um "detalhe" que realmente faz diferença e marca sua peculiaridade na área. Nesta entrevista, realizada em 01/02/2016, ele fala sobre suas experiências e outros problemas relacionados à Educação Musical.

Silvia: Gostaria que nos falasse sobre seu ensino nas escolas, sua experiência com as crianças.

Welch: Passei 14 anos trabalhando como mestre-escola numa escola primária/elementar na região central de Londres. Trabalhei em três escolas diferentes na área sudoeste de Londres com muitas crianças diferentes, crianças que, na maioria das vezes, viviam em circunstâncias econômicas muito difíceis. Numa das escolas, havia um número bem elevado de imigrantes. Lembro que uma das minhas classes contava com 29 crianças, 27 tinham apenas um dos progenitores, e apenas duas eram classificadas como brancos britânicos. Alguns desses garotos levavam uma vida muito difícil. Na minha última (terceira) escola, a população escolar era mais misturada, mas mesmo ali havia crianças que não achavam a vida fácil, elas vinham de circunstâncias familiares complicadas. Acho que foi o trabalho nessas escolas que primeiro me despertou o interesse em descobrir como poderíamos auxiliar as crianças a entender o mundo, e em promover seu aprendizado num contexto em que já tinham experimentado muitos fracassos. As crianças podem ter sentimentos totalmente negativos sobre si mesmas, e a escola talvez seja o único lugar em que realmente sentem alguma segurança, alguma forma de relacionamento, como descobri na minha segunda escola. É a única parte sensata, sadia de sua semana. Quando comecei a lecionar, eu tinha 39 crianças na minha turma. Eram turmas muito grandes se comparadas com as de hoje, não tão grandes como as que existem em algumas cidades no Brasil, mas eram grandes para o espaço disponível na sala de aula. Depois de um período como professor novato da escola primária, eu tinha completado 12 semanas de magistério e pensava em desistir, porque dizia para mim mesmo: "Este trabalho é impossível, não dá para realizá-lo!" Era uma responsabilidade enorme ajudar 39 indivíduos, cada um com necessidades diferentes. Penso frequentemente que, num mundo ideal, cada criança teria seu próprio programa educacional único, bem como oportunidades de colaborar e trabalhar com as outras.

Quanto à minha formação geral, eu era um estudante maduro quando comecei a lecionar. Já tinha uma jovem família na época em que me tornei professor. Tenho um interesse de vida inteira pela música e pelo canto, mas foi na universidade que me confrontei com o conceito de cantar como algo que pode ser aperfeiçoado em toda e qualquer pessoa. Eu tinha aceitado que as pessoas tinham a capacidade de cantar ou não, mas no meu segundo ano na universidade me confrontei com uma nova pesquisa acadêmica realizada pelo professor Charles Cleall, em que ele sugeria que não era bem assim, e isso como que abriu meus olhos. Observei Charles trabalhando com um grupo de adultos. Ele começou perguntando: "Alguém aqui não consegue cantar?" Várias mãos se ergueram! Então ele se aproximou-se de cada uma dessas pessoas e pediu que dissesse seu nome, e depois lhe devolveu esse nome cantando. Em poucos minutos o estudante estava cantando, e era como se alguém tivesse acendido uma lâmpada; como se o Sol tivesse raiado de repente; a expressão nos rostos; todos estavam completamente atônitos. O que o professor fazia era tomar o comportamento vocal das pessoas e devolvê-lo em forma de canto, baseado na noção de que só temos uma voz - se conseguimos fazer um som na fala, podemos usar esse som como base para o canto. Isso aconteceu em outubro de 1968, e nunca esqueci essa experiência que modelou minha vida para a pesquisa das maneiras que fundamentam o desenvolvimento do canto, especialmente nas crianças.

Assim, esse confronto, tanto nessa ocasião como em outras oportunidades quando lecionava na escola, me levou a compreender (como escrevi) que penso na capacidade ou capacidades musicais como algo plural, e cantar é uma delas. Há um contínuo de comportamento, e algumas pessoas são muito boas em fazer alguma coisa, e outras não são; seja o que for, há muitos contínuos relacionados com o comportamento e desenvolvimento humanos. Comigo o problema é cozinhar - não sou muito bom nisso! Mas quanto a cantar, toda a experiência que tive na escola com as crianças me mostrou que todas estavam em pontos diferentes num contínuo. Eu poderia trabalhar apenas com um grupo que era altamente talentoso, mas o que fazer com o resto? Apenas ignorar os outros? E eles já em criança tinham essa ideia de que não podiam fazer música, de que a música não era para eles. Disso resultaram duas coisas. A primeira foi que numa das escolas, minha terceira escola, trabalhei como vice-diretor e, além de lecionar todas as disciplinas do currículo para a minha classe, eu também me encarregava das aulas de música para toda a escola. Em relação a cantar, quando entrei na escola, as meninas é que cantavam, os meninos jogavam futebol. Assim quando tentei fazer alguma música, os meninos queriam jogar futebol. No ano seguinte, criei um coro de câmara de meninos. Eu me sentava no salão e escutava cada criança cantar, usando um protocolo simples que tinha encontrado na literatura de pesquisa da minha dissertação de mestrado sobre o canto das crianças. Eu literalmente escutei toda criança de 7 a 11 anos, criei um coro de meninos que conseguia cantar afinado, e arrumei oportunidades especiais para que cantassem durante todo o ano. As meninas ficaram furiosas! Mas no ano anterior eu tinha tentado criar um coro misto, e ele era composto quase que só de meninas com apenas uns poucos meninos. Assim esse experimento de um coro inteiramente masculino demonstrou aos meninos que eles podiam cantar e que era legal cantar. No ano seguinte, tivemos canto e futebol, e eu criei um coro misto de meninos e meninas, por isso o experimento do coro masculino durou apenas um ano. O canto tinha se tornado uma atividade aceitável, de gênero misto.

Todo ano, no início do período escolar, na primeira aula de música da classe, eu reavaliava as crianças para mapear seu nível corrente de competência e assegurar a compatibilidade do que eu lhes pedia para cantar. Eu fazia toda criança cantar e usar sua voz para ter uma noção do ponto em que estavam no seu desenvolvimento, e só então tentava planejar um programa que possibilitasse seu progresso a partir desse ponto em que estavam, em vez do ponto em que eu queria que estivessem. Lembro que num dado ano o diretor me pediu que organizasse a peça teatral da natividade, uma espécie de história de Natal para os pais, em dezembro. E minha classe não era muito boa naquela época. Pelo que me lembro, algumas das crianças tinham dificuldade em lembrar as frases. Por isso, fiz com que as crianças escrevessem a história da natividade a partir do que se lembravam. As crianças primeiro improvisaram a história, e depois, a cada representação, a narrativa era mais ou menos a mesma, só que um pouco diferente. Mas não fazia mal, porque elas elaboravam os principais eventos da história, e assim improvisavam o roteiro, e depois improvisávamos a música para acompanhá-lo. Mais tarde eu disse para as crianças: "Ok, vocês vão apresentar o espetáculo de Natal". E elas fizeram a apresentação. O que havia de excelente no seu trabalho era o roteiro elaborado por elas, sua compreensão da história de Natal. Tradicional, mas narrada com suas palavras, elas a encenavam, e em cada representação as palavras talvez não fossem exatamente as mesmas, mas as crianças lembravam "eu sou o zelador da estrebaria, é sobre isso que devo estar pensando", ou "eu sou um pastor", ou "eu sou um rei", ou "sou uma ovelha", seja lá o que for.

E uma das outras coisas que fiz durante minha experiência como mestre-escola foi que eu sempre chegava cedo de manhã, para preparar a sala de aula, para organizar meu dia. Tínhamos uma reunião da escola inteira no salão para começar o dia, e eu era o encarregado de arrumar a música. Ou então eu ensinava um pouco de inglês ou matemática, um pouco de ciências ou alguma outra coisa, e mantinha uma grande caixa - ainda está no meu escritório, uma caixa de instrumentos de percussão - no canto da sala de aula ao lado da porta. As crianças da minha turma costumavam se sentar em grupos ao redor de um conjunto de mesas, não reunidas por seu grau de capacidade, eram apenas grupos de amizade, e eu só dizia a um desses grupos: "Ok, é a sua vez nesta semana." "A sua vez de tocar alguma música na reunião de sexta-feira. Quando toda a escola entrar para a reunião, quando as crianças entrarem, vocês vão tocar, e quando as crianças saírem, vocês vão tocar." "Tocar o quê?" "Sei lá! Estou marcando a data, preparando o dia". E assim, se fosse a vez de seu grupo, elas tinham de chegar cedo antes das aulas todos os dias e elaborar o que queriam fazer com seus instrumentos, e nas manhãs de sexta-feira elas executavam seus números de música. Eu não lhes ensinava nada, absolutamente nada, mas elas de fato faziam música toda semana, e isso reforçou minha concepção de que as pessoas são musicais; elas precisam apenas de espaço; elas precisam de oportunidade, e sobretudo elas precisam não fracassar. Esse é o elemento crítico. Se você experimenta o fracasso, você não quer mais fazer nada. Quero dizer, por que eu continuaria a fazer essa coisa que me faz sentir tão mal?

Silvia: Para mim, essas questões são muito importantes porque você é muito conhecido e respeitado pela sua pesquisa, mas não sabemos muito sobre sua experiência nas escolas.

Welch: Foi incomum. Quero dizer, durante minha preparação na graduação para me tornar um mestre-escola, eu tive um estímulo musical. Nosso diretor de música era um dos pioneiros em psicologia da música neste país, Desmond Sergeant, ainda vivo, e ele fez seu doutorado sobre "ouvido absoluto" enquanto eu ainda era estudante. Ele demonstrou que o ouvido absoluto estava de fato relacionado a certos fatores sociais e culturais. Não era uma questão de ou isso ou aquilo; você tem ouvido absoluto ou não tem; era algo que podia ser desenvolvido, e havia muitos fatores para desenvolvê-lo. E assim ele montou uma grande biblioteca de pesquisa. Fundou e tornou-se o primeiro editor do periódico "Psychology of Music".

E nessa época eles deram início a um programa de mestrado. Eu estava na Universidade de Londres, Instituto de Educação, mas eles obtiveram permissão de lecionar seu curso de mestrado também em Roehampton. E assim eu me tornei um estudante de mestrado em tempo parcial. E a partir de meu trabalho acadêmico de pós-graduação, a revisão de literatura que ele me forçou a fazer, eu então publiquei dois artigos em "Psychology of Music", trabalhos de 1979 para meu mestrado. Assim começou esse processo de ligar pesquisa e prática, porque eu estava pesquisando enquanto trabalhava como professor na sala de aula, algo que continuei a fazer com meu PhD de professor. Muitos anos mais tarde, voltei a Roehampton como vice-reitor e depois como reitor da Faculdade de Educação com mais de 2.000 estudantes. Recebi a principal bolsa de pesquisa do Reino Unido para estudar o desenvolvimento do canto nas crianças, e empreguei meu antigo professor, Sergeant, para trabalhar como meu Pesquisador Sênior. Num certo sentido, ele nunca trabalhou para mim, ainda que eu estivesse pagando seu salário! Eu fui sempre seu aluno. E ele sempre leu meus textos acadêmicos com uma caneta vermelha, sabe, sempre examinando cada palavra. Nunca pude escapar de nenhuma dificuldade como estudante. Eu estava fazendo meu mestrado e meu PhD, enquanto trabalhava como mestre-escola. Assim havia essa constante colisão entre o deslumbramento acadêmico, "Meu Deus! Isso não é emocionante?", e o trabalho cotidiano de lidar com as coisas comuns e o aprendizado das crianças. E comecei a compreender que não havia necessidade dessa separação. Eu mal tinha acabado meu mestrado, meu PhD, quando alguém disse para mim: "Por que você não escreve para uma revista popular de música?" Foi o que fiz, e o editor me respondeu dizendo o seguinte: "Dá para escrever o texto em inglês?" porque eu tinha escrito o artigo num linguajar acadêmico, como se fosse parte da minha tese. Por isso tive de reescrevê-lo em linguagem do dia a dia para os professores. Assim compreendi que há diferentes públicos, e uma das discrepâncias que encontramos como universitários, pesquisadores e profissionais em qualquer lugar do mundo é que a linguagem para o público precisa ser diferente, apenas isso.

Silvia: Na sua tese "Escolas de música na Inglaterra durante o século XX", Eileen Bentley (>BENTLEY, 1989) demonstra que a música nas escolas se expandiu, passando de uma atividade quase exclusivamente dedicada à execução de canções para uma disciplina que na década de 1980 abrangia trabalho instrumental, apreciação musical, elaboração criativa de música e música eletrônica. Você concorda que isso aconteceu? Como é que isso afetou o canto nas escolas?

Welch: A música sempre fez parte do currículo, mas era tratada de maneiras diferentes. Como no Brasil do século XX, o foco inicial do estudo de música no Reino Unido foi o canto, porque cantar não é caro. Você fazia todo mundo cantar, mas não estava realmente interessado em tornar essa atividade musical. Cantar contribuía para dar às crianças um senso de identidade coletiva, para socializá-las, para lhes oferecer uma linguagem, para que também se tornassem mais morais e capazes de cantar música religiosa, algo semelhante ao programa de Villa-Lobos na década de 1940 no Brasil. Era usar o canto para outros propósitos (musicais), e no século XX tornou-se um consenso, a partir de várias Leis do Parlamento referentes a Educação Pública no final da década de 1920 em diante, que era legítimo levar o aluno a fazer alguma coisa. Isso realmente ganhou destaque depois da guerra, quando por meio do trabalho pioneiro de seguidores de músicos como Orff, começamos a ver instrumentos de percussão de altura definida e indefinida aparecerem nas escolas primárias. Começamos a ter uma ideia do trabalho instrumental que era possível realizar na escola elementar. De repente vimos outros instrumentos também aparecerem. O currículo tornou-se potencialmente mais enriquecido, mas a maioria dos professores não tinha formação para saber o que fazer com música, assim qualquer ação nesse sentido ainda era muito irregular e acidental. Acho que está muito melhor agora. Como é que isso afetou a escola de canto? Essa é uma questão interessante. Acho que nas escolas da igreja sempre houve o cultivo do cantar, porque sempre existiu esse componente religioso, mas teria sido um cantar coletivo (em geral a escola inteira). A BBC transformou a cena musical, se quiser saber, a partir da década de 1930, sob a liderança de uma pioneira da música e do movimento, Ann Driver. Na década de 1930, a BBC começou a transmitir programas para escolas, música e movimento, música e dança. Quando eu era garoto, passei por essa experiência; e quando comecei a lecionar, eu usava o rádio. Marcava-se um certo horário, as horas no salão, quando tínhamos o rádio ligado com música apropriada, além de instruções para dançar e outras coisas. Como professor, usei dois conjuntos de programas por vários anos: com as crianças menores "Time and Tune" [Tempo e Melodia] e com as maiores "Singing Together" [Cantando Juntos]. E a BBC me enviava folhetos, para mim e para o resto do país, com todas essas canções apresentadas, ainda estão no meu escritório, e transmitidas a cada semana. Com o advento dos gravadores de fita cassete, podíamos gravar os programas e tocá-los num tempo de nossa escolha, em vez de nos sentarmos no salão às 10:00, esperando para ligar o rádio. Uma vez gravado o programa, podia-se dar um gravador para qualquer outro professor na escola, e todos podiam ter a aula de canto daquela semana. Os livros eram passados de classe em classe, e assim não havia necessidade de um conhecedor de música ou canto. Por meio da BBC, as crianças chegavam a conhecer uma enorme gama de música e tradições musicais, além de muitas e muitas canções de sua própria cultura. Um lado negativo dessas atividades era que, mais uma vez, tratava-se de música a ser reproduzida, de recriar a música que estava no livro. Surgiam canções que seriam ensinadas, e frequentemente essas canções teriam pequenos acompanhamentos bem simples (por exemplo, bater palmas ritmadas), assim [ele bate palmas num certo ritmo], e isso seria copiado. E eu desperdicei anos da minha vida tentando ensinar esses pequenos ritmos aos garotos. Nós cantávamos e então eu dizia: "É a vez de vocês, aqui estão os blocos de madeira". E, claro, eles não tinham coordenação física - exatamente como meu filho de três anos, o Alex. Se peço que ele bata palmas, ele apenas bate palmas - [Se pergunto:] "Vocês sabe bater palmas no ritmo? O que é pulso?" [Ele vai provavelmente responder:] "Sou músico. Você me desapontou!" Isso não funciona. Mas assim que você diz para as crianças, "Vamos cantar. Aqui estão alguns blocos de madeira de percussão. Toquem o que quiserem", não tem como dar errado. O que quer que eles improvisarem, vai se encaixar. "Faz o que passar pela sua cabeça. Não importa se está no ritmo ou não." De repente, é sucesso.

Silvia: Como é que os professores na Inglaterra eram preparados para lecionar o canto na escola?

Welch: Bem, de um modo geral, essa preparação se deu por meio da BBC que trazia esses programas pré-arranjados. Assim, não era preciso pensar sobre a pedagogia, Alguém na BBC estava pensando sobre isso. Mas esse expediente não era necessariamente uma ajuda. Uma das coisas que se descobria era que, se a BBC tinha tempo suficiente, eles arrumavam um coro de crianças para ser o modelo vocal dos materiais transmitidos. Você podia escutar o coro das crianças, depois seus próprios garotos, assim eram vozes de crianças como modelos para vozes de crianças. Mas isso não acontecia toda semana, porque a BBC não tinha recursos para tanto. Assim, em lugar do coro infantil, eles às vezes contratavam uma soprano ou um barítono para cantar, e meus garotos da região central da cidade diziam "O que é isso?". Era algo estranho.

Silvia: Como os professores são preparados hoje em dia?

Welch: Bem, uma das coisas que aconteceram no final dos anos 1990, há quase 20 anos, foi que tivemos um novo governo socialista (trabalhista), eleito em 1997. Seu plano central era educação. Tivemos um Ministro da Educação para as Escolas, e seu chefe, o Secretário de Estado para Educação, e os dois eram casados com musicistas instrumentais. Assim havia muita ênfase política na música que se infiltrava nos sistemas das escolas. E em 1994 os dois ministros - cultura e educação - se reuniram para criar um Manifesto Musical.1 Eles perguntaram à comunidade da música, inclusive à indústria da música: se vamos fazer música, como ela deveria ser? E quando se reuniram como um grupo de trabalho, eles disseram: a primeira coisa mais simples que podemos fazer é algo sobre cantar. É por isso que surgiu em 2007 o Programa Nacional do Canto "Sing up" , que funcionou por cinco anos como um programa financiado por órgãos públicos, disponibilizado gratuitamente para todas as escolas na Inglaterra. A organização que o criou é agora uma organização privada "não lucrativa"2 e continua a chegar a milhares de escolas. Há muito mais canto agora do que havia antes.

Silvia: A música é obrigatória no currículo britânico? Poderia explicar como isso funciona e que desafios os professores têm de enfrentar?

Welch: A música é obrigatória no sentido de que na pré-escola e na creche, nos primeiros anos, a música faz parte do currículo criativo, por isso há exemplos de crianças produzindo sons e brincando com eles. Dos cinco aos quatorze anos, a música nas escolas é compulsória, e a intenção é ter uma atividade musical toda semana para cada criança e para cada classe. Mais tarde, dos 14 aos 16 anos, quando os alunos estão se preparando para seu exame dos 16 anos, a música se torna uma opção, e nesse ponto o envolvimento com a música passa de 100% aos 14 anos para em torno de 8% ou 9% entre os que têm mais de 14 anos, aqueles que optam por estudar música como uma disciplina sujeita a exames. Essa é uma variação enorme, e quando fizemos uma investigação sobre a música da faixa de 14 a 16 anos apenas nas escolas locais na área ao redor do Instituto de Educação, em algumas escolas havia 35% das crianças optando por fazer música, porque a música era importante para elas e para a escola, e por isso era natural continuar esse estudo, mas em outras escolas os que optavam por música eram apenas 6 a 8% dos alunos, uma minoria. No atual governo conservador (de direita), com sua ênfase no baccalaureate3 inglês no qual não há disciplinas de arte sujeitas a exames, há muita pressão nas escolas secundárias para que não se opte pelas disciplinas de arte, porque elas não passam por exames públicos e assim não são usadas na avaliação da qualidade do ensino e aprendizado. As escolas são avaliadas pelos órgãos públicos com base no seu desempenho em disciplinas "nucleares", como inglês, matemática, ciências, e uma ou duas outras coisas que têm sido acrescentadas a esse assim chamado bacharelado inglês, o que significa que dos 14 anos em diante há muito menos música em algumas escolas. O paradoxo interessante é que no setor privado, no setor independente em que os pais pagam pela escolaridade dos filhos (10% nacionalmente), há, em geral, música em todas as classes. Há sempre música, porque o setor independente considera a música parte da cultura, e a música é valorizada e considerada como algo que vale a pena. Assim veem-se algumas atividades musicais nas escolas independentes, mas não em todas as escolas públicas, e essa é a razão de haver uma pressão contínua em vários setores para tentar assegurar que a música seja mais bem representada em cada escola, para cada criança. Há música dos 5 aos 14 anos, mas poderia ser melhor.

Silvia: Eu gostaria que falasse sobre as dificuldades nas escolas, porque no Brasil há escolas que não têm uma sala apropriada, nem mesmo instrumentos musicais. Sua colega, Dra. Jo Saunders, me disse que aqui na Inglaterra, em algumas escolas, as condições são as mesmas; eles não têm instrumentos musicais. Gostaria que você explicasse, porque no Brasil achamos que na Inglaterra as coisas acontecem sem esse tipo de problema.

Welch: Ainda é política oficial do governo, e tem sido nos últimos três governos, que toda criança tenha a oportunidade de aprender um instrumento ao menos durante um período letivo, idealmente por um ano. Em algumas regiões do país, as crianças aprendem um instrumento até por dois anos e ainda mais tempo, uma oportunidade oferecida pela escola, mas isso depende dos valores da liderança da escola, o que também seria o caso se eu examinasse essa questão na Alemanha, ou se eu fosse à Coreia, ou se eu fosse ao Brasil. Se as pessoas que dirigem a escola valorizam a música, vamos encontrar música no currículo, vamos ver a música acontecendo. E as pessoas que realizam esse trabalho estão tão convictas de sua importância que nem sonhariam em deixar de fazê-lo, porque acham que sua escola, suas crianças são transformadas pelas artes em geral e pela música em particular. Assim em todo e qualquer país podemos encontrar exemplos fantásticos de atividades musicais. Em São Paulo, por exemplo, vocês têm um de seus programas de fazer música com crianças pequenas, e esse trabalho é visto como um programa de intervenção social. Há 50.000 crianças e jovens nesse programa, em que assistentes sociais e músicos trabalham juntos, de mãos dadas, para usar a música, celebrar a música, proporcionar aos garotos a oportunidade de se aperfeiçoarem musicalmente e, ao mesmo tempo, terem uma experiência positiva mais ampla, socialmente inclusiva, tirá-los de algumas daquelas experiências e mentalidades negativas de que falei antes. É essa rica experiência musical que podemos encontrar em qualquer cultura, se as pessoas encarregadas da educação valorizam a música e lhe dão respaldo. Uma das dificuldades, um dos desafios que temos no Reino Unido neste momento não é apenas a diversidade das etnias, porque isso sempre tivemos. Mas agora há uma série de crenças diferentes e um senso de separatismo em algumas partes da comunidade, e um senso de diferença que precisamos abordar na educação, inclusive na educação musical. Outro exemplo que tenho é fruto da minha limitada experiência de professor visitante na Irlanda na década passada. Quando a economia é muito rica, quando a economia está em ascensão e em rápido desenvolvimento, todo mundo está tão ocupado que todos têm muito que fazer, estão felizes e têm dinheiro, de modo que a quantidade de discussões, a quantidade de dificuldades que havia na Irlanda foi muito reduzida. Esse foi um dos efeitos colaterais da chamada economia do "Tigre Celta". Todas as pessoas viviam lutando e se matando nos últimos 20, 30, 50, 100 anos, mas de repente esse embate diminuiu muito, porque não fazia mais sentido, porque todo mundo estava participando de uma sociedade bem-sucedida. Mas assim que a economia do "Tigre" na Irlanda sofreu o impacto da "quebra" financeira mundial que aconteceu parcialmente em 2008, surgiu uma sensação de tensão, um senso de culpa. Na Inglaterra, por exemplo, as pessoas dizem "Vocês vêm roubar nossos empregos" a quem chega da França, Alemanha, Polônia ou são refugiados árabes. No passado recente, a Alemanha Ocidental era uma espécie de casa das máquinas para toda a economia da Europa. De repente, depois da queda do Muro de Berlim, a Alemanha Ocidental se tornou Alemanha, incluindo a Alemanha Ocidental e a Alemanha Oriental. Essa incrível transformação social precisa continuar. Os alemães ocidentais começaram a olhar para dentro e para fora de suas fronteiras, porque de repente se viram numa situação completamente diferente. Em meio a todas essas coisas acontecendo, a educação sofre, se não somos cuidadosos, devido ao que as crianças e os jovens trazem para o sistema das escolas. De repente, eles acham que estão sendo talvez rotulados, que estão sendo discriminados. Portanto, uma das questões que temos no momento, segundo a estatística dos últimos 30 anos apresentada num relatório que saiu na semana passada, é que essas crianças estão na maior das desvantagens; a lacuna entre elas (as pessoas nas margens da sociedade) e todos os demais nos últimos 30 anos ainda é a mesma. A população não é a mesma ao longo desse período, porque temos uma mistura muito maior de pessoas vindas do mundo inteiro. Essa lacuna e seu correlato educacional não precisam acontecer, porque a evidência indica que parte da melhor educação em todo o país e na Europa pode ser encontrada na região central de Londres, onde vivem os mais pobres e onde também existe a maior mistura de etnias. A mistura quase chega a mais de 200 grupos étnicos e línguas diferentes. Em algumas partes de Londres, como o leste de Londres, em que eles de repente decidem fazer música ou enfatizar a capacidade de ler e escrever, os padrões se elevam. Isso aconteceu em Tower Hamlets, por exemplo, que é uma área muito pobre no leste de Londres com um grande número de crianças imigrantes ou de segunda e terceira geração. As escolas e os políticos locais têm um compromisso muito forte com uma grande variedade de valores inclusivos diferentes. Ainda assim, apesar da pobreza e da variedade étnica, o desempenho educacional dessas crianças é muito alto comparado ao de crianças semelhantes em outros lugares do país, porque corresponde exatamente à expectativa do sistema escolar local e dos pais. Toda a cultura é preparada para ser mais efetiva porque todos estão em desvantagem. Entretanto, neste fim de semana o noticiário afirma que se você for a Oxford ou Cambridge, onde estão duas das cinco principais universidades do mundo - se você estiver no lado errado das circunstâncias, se pertencer à classe operária pobre, é altamente improvável que ingresse nessas universidades, menos de 1% ou sem chance alguma. Assim no que diz respeito à qualidade da educação para crianças que estão em grande desvantagem, nessas cidades altamente privilegiadas - com mais dinheiro trancado nessas universidades do que a maioria dos outros países jamais sonhariam ter - a disparidade na experiência e oportunidade educacional é extraordinária. Uma década atrás, Oxford contratou um captador de fundos. Ele arrecadou um bilhão de libras - apenas em doações privadas. Essa enorme disparidade econômica existe em todo o mundo e eu, pessoalmente, acredito que a música pode fazer uma pequena diferença. Em parte, apenas pelo ato de fazer música. Se bem produzida, a música é diversão. Faz as pessoas se sentirem bem. Faz as pessoas sorrirem. Provoca experiências emocionais positivas, e acarreta também muitas outras coisas, como progressos no senso de identidade de uma criança, na sua cognição e saúde, física e mental. Você não tem de abandonar a música para fazer as outras coisas. Só fazer música já vai trazer muitas das outras coisas; desde que seja divertido, desde que seja prazeroso.

Referências

BENTLEY, E. Music in School in England during the twentieth. (PhD Thesis). Manchester University, 1989.

Artigo em Português

WELCH, G. F. Investigar o desenvolvimento da voz e do canto ao longo da vida. Música, Psicologia e Educação, Porto, n. 5, p. 5-20. 2004.

Publicações recentes do autor

WELCH, G. F. Singing and vocal development. In: McPHERSON, G. (Ed.). The child as musician: a handbook of musical development. 2nd Edition. New York: Oxford University Press, 2016. p. 441-161. Also to be published in WELCH, G. F.; HOWARDS, D. M.; NIX, J. (forthcoming). The Oxford Handbook of Singing. New York: Oxford University Press .

WELCH, G. F.; HOWARD, D. M.; NIX, J. (Eds.) (in press). The Oxford Handbook of Singing. New York: Oxford University Press . [53 chapters, 40 chapters online}. 2016.

WELCH, G. F.; OCKELFORD, A. The Role of the Institution and Teachers in Supporting Learning. In: HALLAM, S.; CROSS, I.; THAUT, M. (Eds.). The Oxford Handbook of Music Psychology. Second Edition. Oxford: Oxford University Press, 2016.

WELCH, G. F.; SAUNDERS, J.; HIMONIDES, E.; MOULTON, V. An External Evaluation (2013-2014) of In Harmony Newcastle Gates head at Hawthorn Primary school. London: International Music Education Research Centre, UCL Institute of Education. 2015.

WELCH, G. F.; SAUNDERS, J.; EDWARDS, S.; PALMER, Z.; HIMONIDES, E.; KNIGHT, J.; MAHON, M.; GRIFFIN, S.; VICKERS, D. A. Using singing to nurture children's hearing? A pilot study. Cochlear Implants International, v. 16, n. S3, p. 1-8. 2015.

WELCH, G. F.; OCKELFORD, A. The importance of music in supporting the development of children with learning disabilities. International Journal of Birth and Parent Education, v. 2, n. 3, p. 21-23, 2015.

WELCH, G. F.; HENLEY, J. Addressing the challenges of teaching music by generalist schoolteachers. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 22, n. 32, p. 12-38, 2014.

Notas

* Esta entrevista foi realizada com o apoio da CAPES através do Programa de Pesquisa Pós-Doutoral no exterior. Agradeço aos colegas Marcelo Almeida Sampaio e Luciane Cuervo por suas contribuições na formulação das perguntas. Tradução: Rosaura Eichenberg.
3 Exame em várias disciplinas prestado ao final da escola secundária, equivalente ao ENEM.


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