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O processo de formação inicial em Educação Física na perspectiva inclusiva: o que nos dizem os egressos?
The process of initial training in Physical Education in an inclusive perspective: what do graduates say?
El proceso de formación inicial en Educación Física en la inclusión participativa: ¿qué dicen los graduados?
O processo de formação inicial em Educação Física na perspectiva inclusiva: o que nos dizem os egressos?
Práxis Educativa, vol. 12, núm. 2, pp. 356-372, 2017
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Recepção: 25 Maio 2016
Aprovação: 25 Outubro 2016
Resumo: O processo de inclusão das pessoas com deficiência em contextos escolares, em que pesem os avanços produzidos no âmbito das legislações educacionais brasileiras, ainda se apresenta como um grande desafio à materialização de um projeto educacional justo, plural e igualitário a todos os cidadãos. Nessa direção, este estudo realizou uma pesquisa qualiquantitativa, descritiva e exploratória, com o objetivo de analisar o entendimento de egressos do curso de Licenciatura em Educação Física acerca do processo de formação inicial vivido e suas possíveis contribuições para atuação na Educação Básica na perspectiva inclusiva. Os resultados evidenciam a importância de que os processos de formação inicial de professores fortaleçam a articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão, alicerçados à perspectiva crítico-reflexiva, como forma de potencializar a práxis pedagógica de base inclusiva.
Palavras-chave: Formação inicial, Educação Física, Currículo, Inclusão.
Abstract: The process of inclusion of disabled people in school contexts, even considering the advances produced in the context of Brazilian education laws, is still a great challenge to the materialization of a fair, plural and egalitarian educational project for all citizens. In this sense, this study carried out qualitative-quantitative, descriptive and exploratory research, aiming at analysing the understanding of graduates of the Physical Education course about the initial training process experienced and its possible contributions to the work in basic education in an inclusive perspective. The results revealed the importance of teachers’ initial training processes to strengthen the articulation between teaching, research and extension, allied to a critical-reflexive perspective as a way to reinforce the inclusive pedagogical praxis.
Keywords: Initial training, Physical Education, Curriculum, Inclusion.
Resumen: El proceso de inclusión de las personas con discapacidad en el contexto escolar, a pesar de los avances realizados en el marco de la legislación educativa brasileña, también presenta un desafío importante para la realización de un proyecto educativo justo, plural e igual a todos los ciudadanos. De este modo, este estudio llevó a cabo una investigación cualitativa cuantitativa, descriptiva y exploratoria, con el objetivo de analizar la comprensión de los graduados en Licenciatura en Educación Física desde el proceso de formación inicial y analizó a estas contribuciones por una perspectiva de inclusión, en la enseñanza de educación básica. Los resultados muestran la importancia del proceso de formación inicial de los profesores en fortalecer los vínculos entre la educación, la investigación y la extensión, a partir de la perspectiva crítica y reflexiva, con el fin de inserir las praxis pedagógicas como sedimento de la inclusión.
Palabras clave: La formación inicial, Educación Física, Plan de estudios, Inclusión.
Considerações iniciais
A promoção de experiências1 de inclusão no processo pedagógico escolar pressupõe que seus agentes (atores) fomentem novos posicionamentos a fim de não somente reconhecer, mas também, e principalmente, responder às diversas dificuldades e potencialidades de seus alunos, como forma de assegurar uma educação de qualidade2 a todos. Isso implica um esforço de atualização, reflexão e reestruturação das condições presentes nos contextos escolares, tais como: o currículo, as estratégias de ensino, os recursos materiais e humanos, as parcerias com as comunidades, as políticas de formação docente, foco principal deste estudo, entre outras micro e macroesferas (VELTRONE; MENDES, 2007).
Debates afetos aos processos de formação inicial e continuada de professores na atualidade nos anunciam a necessidade de uma melhor compreensão sobre como vêm se constituindo as identidades dos professores nos diferentes e diversos cotidianos escolares, como forma de contribuir para a promoção de processos educativos que atendam às distintas demandas que atravessam os cotidianos das escolas com vistas a promover a equidade de oportunidades e de condições a todos os envolvidos.
A busca por compreender e analisar a constituição das identidades docentes, conceito aqui visto como um “[...] conjunto de conhecimentos que dá sentido à formação inicial e continuada e à prática pedagógica que norteia o itinerário pedagógico do professor em sua forma e conteúdo, constituindo-se a docência” (BENITES; HUNGER; NETO, 2008, p. 345), apoia-se no entendimento de Paiva et al. (2006), quando defendem que o estudo acerca das identidades docentes aliado à perspectiva crítico-reflexiva se constitui em elemento capaz, mas não único, de contribuir para a formação de professores comprometidos com a educação pública laica e democrática, com foco na educação cidadã, logo, de base inclusiva.
Nessa direção, acreditamos que refletir sobre como vêm sendo gestados os processos de formação inicial de professores, a partir de análise sobre elementos conceituais referentes a essa temática, pode favorecer a promoção de processos educativos cada vez mais significativos às diferentes e diversas realidades escolares, sem perder de vista a articulação desse debate com os conhecimentos culturalmente sistematizados e a formação humana. Entendemos que esse pode ser um interessante caminho para que os professores em formação se sintam em condições para mediar os processos de apropriação e ressignificação dos conhecimentos de seus alunos com e no mundo e, por consequência, capazes de atuar com autonomia nos diferentes e diversos contextos escolares, num movimento constante de diálogo reflexivo acerca dos micro e macromovimentos promovedores de uma escola de fato inclusiva (CHICON; SÁ, 2010).
Por esse viés, defendemos que os pressupostos da educação crítico-reflexiva podem fomentar aos futuros professores o movimento constante de refletir sobre suas ações, suas práticas profissionais, as escolas, os currículos, as diferentes e diversas culturas e histórias de vida que ali se instalam, as políticas escolares, entre outros elementos (PEREZ-GOMES, 1992; PIMENTA, 1997; NUNES, 2001; ZEICHNER, 2003).
Partimos do pressuposto de que refletir sobre a própria prática significa uma ação constante, sistemática e rigorosa de pensar sobre aquilo que se faz, antes, durante e, principalmente, após a ação, num movimento dialético no sentido da ação-reflexão-ação. Tais ações possibilitam aos envolvidos condições para que se sintam participantes das decisões tomadas ao longo de todo o processo educativo, ou seja, do planejamento, do desenvolvimento das aulas e da avaliação. A ideia é que se promova a reflexão constante sobre “[...] como poderia fazer diferente e melhor, [...] construindo teorias, novas técnicas, testar hipóteses e modificar suas ações [...] com isso, rompendo com a robotização das ações” (WALDON, 2009, p. 142).
Outro aspecto a se destacar diz respeito à forma como vêm sendo gestados os processos de formação inicial de professores na atualidade, especialmente no que concerne à relação entre os conhecimentos considerados de caráter teórico e os de caráter prático, articulados à busca pela autonomia docente. Discussão recorrente à formação inicial de professores de Educação Física, principalmente quando retomamos o processo histórico de legitimação que essa área viveu, e ainda vive, ao longo dos anos, em especial no que tange às mudanças paradigmáticas em relação à função da Educação Física no contexto escolar. Para Chicon e Sá (2010), ainda há muito que se fazer em busca de que a Educação Física consiga romper de fato com a perspectiva hegemônica da aptidão física, indo ao encontro de uma concepção de prática pedagógica alicerçada no conceito de práxis3 com foco na transformação social, tendo em vista uma sociedade mais justa e igualitária a todos.
Nessa perspectiva, apoiamo-nos em Caparroz e Bracht (2007) ao postularem sobre a importância da relação entre teoria e prática como uma ferramenta potencializadora à constituição da autonomia docente, haja vista as possibilidades que os saberes compreendidos como teóricos possibilitam aos professores no sentido da construção de novos conhecimentos a partir das situações incertas e singulares encontradas nas diferentes e diversas práticas pedagógicas. Os autores percebem potência nos conhecimentos considerados práticos que, por sua vez, se materializam nas realidades escolares e, nesse contexto, compete aos professores refletir constante e rigorosamente sobre suas ações, a partir das ferramentas conceituais que possuem, como forma de experimentar, questionar, problematizar e, por que não, propor novas alternativas para os desafios presentes aos cotidianos. Esse movimento dialético de, a partir da prática, recorrer à teoria para pensar uma outra e nova prática, possibilita a reconfiguração de novas formas de se produzir sentidos e significados a esses saberes.
Ainda de acordo com Caparroz e Bracht (2007), a consolidação desses pressupostos necessita que, ao longo de todo o processo de formação inicial de professores, ocorram movimentos constantes em direção à reflexão da/na/sobre as práticas docentes, levando-se em consideração as diferentes e diversas realidades escolares articuladas aos interesses e necessidades dos alunos. Tais ações potencializam os processos formativos na medida em que oportunizam condições para conhecer e refletir acerca da sua formação de forma a reorganizar suas ações com foco no pensamento autônomo, reelaborando, assim, novos conhecimentos a partir das realidades produzidas nos campos de atuação escolar.
Tomando por base essas considerações, propusemo-nos, neste estudo, analisar o entendimento de egressos de Educação Física acerca do processo de formação inicial e suas possíveis contribuições para atuar na Educação Básica na perspectiva inclusiva. Para tanto, investigamos quais seriam os principais avanços, limites e tensões vislumbrados pelos envolvidos ao longo dos processos de formação inicial vividos. Outro ponto que nos interessou compreender foram os principais desafios apontados no intuito de se trabalhar com autonomia nos diferentes e diversos cotidianos escolares, sem perder de vista a perspectiva inclusiva.
Política de formação inicial de professores de Educação Física e seus atravessamentos à perspectiva inclusiva
Conforme já abordado, a consolidação dos ambientes escolares em consonância com a perspectiva inclusiva pressupõe, em grande medida, uma política de formação de professores (inicial e continuada) comprometida com a qualificação docente, que estimule o aluno em formação e o professor em atuação a se tornar capaz de mediar situações de ensino-aprendizagem significativas às necessidades diferenciadas de seus alunos, considerando o contexto social plural em que eles se encontram inseridos (VELTRONE; MENDES, 2007).
Para tanto, faz-se necessário que os cursos de formação de professores constituam currículos promovedores de uma práxis pedagógica que não perca de vista a compreensão sobre a diversidade e a diferença presentes nos cotidianos escolares, como forma de formentar um olhar multidimensional das relações humanas e seus atravessamentos aos processos de ensino-aprendizagem em contextos inclusivos.
Os estudos de Veltrone e Mendes (2007) nos apontam que, apesar de a política de formação de professores se constituir num relevante pilar para a consolidação do projeto da inclusão escolar, esta requer mudanças em diferentes dimensões, como em termos de recursos humanos, em condições de trabalho mas, também e, principalmente, no que se refere aos currículos de formação de professores para atuar na Educação Básica a fim de que o projeto se consolide. Na busca pela materialização desse projeto, as políticas educacionais no Brasil tomaram novos contornos a partir dos anos de 1990, momento em que são disparadas ações com o intuito de melhorar a qualidade da Educação Básica. Para tanto, inicia-se um movimento de reavaliação dos currículos de formação de professores, cujo desafio maior se pautava no despreparo "[...] dos professores cuja formação, de modo geral, manteve predominantemente um formato tradicional, que não contempla muitas das características consideradas, na atualidade [...]” (BRASIL, 2002, p. 4).
Nessa direção, podemos destacar, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, nº 9.394/1996), os arts. 58 a 60, que definem a política de Educação Especial a ser oferecida na rede regular de educação escolar, considerando o currículo, os sistemas de apoios, os métodos e possíveis organizações específicas para atender às necessidades desses educandos. Essa lei anuncia a terminalidade específica para alunos que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, bem como, em relação aos superdotados, permite a aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar (BRASIL, 1996).
Ainda nessa mesma direção, destacamos a Resolução nº 1/2002,4 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica em nível superior, curso de licenciatura de 2002 a 2015. Essa resolução se constitui de um conjunto de princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na organização institucional e curricular de cada estabelecimento de ensino com vistas a promover:
o ensino visando à aprendizagem do aluno;
o acolhimento e o trato da diversidade;
o exercício de atividades de enriquecimento cultural;
o aprimoramento em práticas investigativas;
a elaboração e a execução de projetos de desenvolvimento dos conteúdos curriculares;
o uso de tecnologias da informação e da comunicação e de metodologias, estratégias e materiais de apoio inovadores;
o desenvolvimento de hábitos de colaboração e de trabalho em equipe (BRASIL, 2001, p. 2).
De acordo com essa resolução, a formação de professores que atuarão nas diferentes etapas e modalidades da educação deverá tomar os seguintes princípios norteadores desse preparo para o exercício profissional específico:
a competência como concepção nuclear na orientação do curso;
a coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro professor;
a pesquisa, com foco no processo de ensino e de aprendizagem, uma vez que ensinar requer tanto dispor de conhecimentos e mobilizá-los para a ação, como compreender o processo de construção do conhecimento.
Tais propostas tiveram como eixo norteador a intenção de fomentar um modelo curricular para um ensino inovador e reflexivo apresentando mudanças importantes nas novas formas de organização e estruturação curricular, apontando o papel do professor, dos alunos e da escola para os cursos de formação de professores. Como descrito por Paiva et al. (2006, p. 218),
O eixo norteador dessas diretrizes perpassa os pressupostos de uma educação inovadora que ofereça bases culturais a alunos e professores para a construção de uma cidadania consciente e ativa. O professor é compreendido como profissional do ensino, agente ativo de suas próprias práticas pedagógicas.
Entretanto, apesar dos avanços que tais políticas promoveram à formação inicial de professores para atuar na Educação Básica, não podemos negar que muitas dificuldades e desafios ainda necessitam serem superados, principalmente no que se refere à consolidação da Educação Inclusiva, aqui compreendida como um processo pelo qual a sociedade se (re)organiza, em suas diferentes/diversas dimensões (humana, estrutural, política, entre outras), para acolher e potencializar socialmente as pessoas público-alvo da Educação Especial (SASSAKI, 2006).
Conforme já abordado, tivemos significativos avanços em termos de políticas públicas na perspectiva da inclusão dos sujeitos público-alvo da Educação Especial no Brasil, entretanto, faz-se importante que as universidades acompanhem esse processo da forma mais ampliada possível, a fim de formentar nos futuros profissionais o comprometimento com soluções didáticas potencializadoras ao ensino de alunos público-alvo da Educação Especial da forma mais qualitativa possível (OMOTE, 2003).
Ao direcionarmos nossas considerações para o contexto das aulas de Educação Física na Educação Básica, questionamos: apesar desses avanços legais, os alunos público-alvo da Educação Especial se encontram, de fato, incluídos nos contextos escolares? De que maneira os processos de formação inicial de professores vem contribuindo/garantindo a consolidação dessa perspectiva?
Em nosso entender, a Educação Física tem um papel fundamental nos processos de inclusão escolar, por ser um campo de conhecimento capaz de promover mudanças significativas nos processos de desenvolvimento integral (motor, cognitivo, humano/social) de seus alunos, promovendo, assim, novos/outros sentidos na vida desses cidadãos (CRUZ, 2008).
No que se refere à perspectiva inclusiva no âmbito da Educação Física escolar, várias são as argumentações levantadas pelos professores para não atuarem em consonância com essa perspectiva. Dentre elas, podemos destacar a falta de apoio pedagógico e o não conhecimento sobre as diferentes tipologias das deficiências. Como muitos afirmam, a experiência vivida na formação inicial não foi suficiente para prepará-los para atuar na perspectiva inclusiva (RODRIGUES, 2003).
Acreditamos que a superação desse desafio se faz necessária para que os currículos produzidos nos cursos de formação de professores de Educação Física invistam em possibilidades que aproximem os alunos em formação dos sujeitos público-alvo da Educação Especial. Entendemos que tais ações potencializam o futuro docente, na medida em que fomentam a reflexão da/na/sobre a sua prática pedagógica, despertando nele um olhar mais atento e comprometido com a educabilidade de seus alunos.
Nessa direção, compreendemos que, conforme nos alertam Silva e Araújo (2005, p. 4):
A reflexão é o movimento realizado entre o fazer e o pensar, entre o pensar e o fazer, ou seja, no ‘pensar para o fazer’ e no ‘pensar sobre o fazer’. Nesta direção, a reflexão surge da curiosidade sobre a prática docente. No entanto, com o exercício constante, a curiosidade vai se transformando em crítica. Desta forma, a reflexão crítica permanente deve se constituir como orientação prioritária para a formação dos professores que buscam a transformação através de sua prática educativa.
Nesse sentido, os processos de formação inicial não se limitam à relação entre o pensar e o fazer de forma estanque, unilateral, visto que são ferramentas que devem se imbricar constantemente a fim de potencializar a ação pedagógica no campo escolar.
Delineamento teórico-metodológico
A pesquisa em tela se constituiu num estudo qualiquantitativo, descritivo e exploratório cuja preocupação principal se voltou para um entendimento acerca de processos educativos de formação de professores, na medida em que se busca uma compreensão “[...] profunda e ao mesmo tempo ampla e integrada de uma unidade social” (ANDRÉ, 2005, p. 34). Outro fator a se destacar refere-se ao fato de que essa perspectiva investigativa valoriza o papel do sujeito na sua produção de conhecimento, envolvendo todo o aspecto social, a realidade em que vive, seus costumes e experiências, tornando-se uma preocupação do pesquisador.
Os participantes do estudo foram dez professores da rede regular de ensino da Grande Vitória5, com idades ente 20 e 26 anos, sendo seis do sexo feminino e quatro masculino, cujo período de integralização curricular ocorreu entre 2010 e 2013. Assim, por ocasião do estudo (2015), seis estavam formados há dois anos (2013), dois tinham três anos de formados (2012) e dois contavam quatro anos de formados (2010). Dentre eles, cinco eram ex-bolsistas de um laboratório de ensino, pesquisa e extensão pertencente à Universidade no Espírito Santo e cinco egressos que não participaram de nenhuma atividade nesse laboratório ao longo de seus respectivos processos de formação inicial. Destes, cinco atuavam no ensino fundamental, três no Ensino Infantil e dois atuavam, simultaneamente, no Ensino Infantil e Fundamental.
O histórico de atuação dos participantes estava vinculado a experiências de ensino em escolas regulares localizadas em bairros de classe baixa e média-baixa da região da Grande-Vitória/ES, bem como a condição sócio-econômica dos mesmos não destoava desse cenário. Vale ressaltar também que todos os entrevistados já ministraram e/ou ministram aulas para alunos público-alvo da Educação Especial6 em suas classes regulares.
A opção pela escolha dos cinco ex-bolsistas se deu em virtude de que, desde 1995, o Laboratório de Educação Física Adaptada (Laefa) vem buscando contribuir para a formação profissional dos acadêmicos por meio da articulação de ações no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão, com foco no desenvolvimento de práticas inclusivas capazes de potencializar a apropriação e ressignificação das mais variadas formas de produção de conhecimentos (atitudinais, conceituais, técnico-instrumentais, entre outros) que possibilitem a autonomia e a independência necessária para se relacionar com o meio sociocultural.
Para efeito de análise, os dados foram organizados com base nas seguintes subdivisões: o Grupo A foi composto pelos egressos que nunca participaram de nenhuma atividade de pesquisa e/ou extensão ao longo de seu processo de formação inicial e o Grupo B se contituiu pelos egressos ex-bolsitas do Laefa.
Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada que ocorreu no período de 2014 a 2015, utilizando-se de videogravação e transcrição dos depoimentos posteriormente. A entrevista foi composta por seis perguntas, cujo objetivo se pautava em compreender o entendimento dos egressos do CEFD/Ufes acerca do processo de formação inicial vivido.
Após a transcrição de todas as entrevistas, adotamos procedimentos da técnica de análise de conteúdos (BARDIN, 2004), produzindo um quadro de referência das respostas, as quais foram categorizadas a partir das recorrências que emergiram das entrevistas. Tais recorrências evidenciaram os avanços, as tensões e os limites percebidos no currículo e suas possíveis contribuições para atuar na Educação Básica numa perspectiva inclusiva.
Nossa metodologia buscou compreender aspectos formativos tanto dos participantes que tiveram uma experiência no Laefa quanto dos que não tiveram essa experiência. Assim, vale destacar alguns dados e aspectos didático-metodologicos referentes ao processo de formação inicial assumido por esse laboratório.
Nessa direção, cumpre ressaltar que no período compreendido entre 2010 e 2014, o Laefa desenvolveu os seguintes projetos de ensino, pesquisa e extensão articulados à formação de professores de Educação Física do CEFD/Ufes:
Prática pedagógica de Educação Física Adaptada para pessoas com deficiência: participam 40 adolescentes, jovens e adultos com deficiência intelectual/transtorno global do desenvolvimento. O projeto era dividido em duas atividades que consistiam em: práticas corporais da juventude e dança;
Brinquedoteca: aprender brincando: participam 55 crianças da educação infantil - 45 das turmas regulares de três, quatro e cinco anos do Centro de Educação Infantil do município e dez crianças com deficiência (autismo, síndrome de Down, paralisia cerebral, deficiência física, entre outras). No projeto, eram desenvolvidas três atividades: atividades lúdicas no meio aquático (na piscina), aprender brincando (na brinquedoteca) e brincando e aprendendo com a ginástica (na sala de ginástica artística);
Cuidadores que dançam: participam 20 mães e/ou cuidadoras dos adolescentes, jovens e adultos com deficiência intelectual/transtorno global do desenvolvimento matriculados no laboratório, onde, por meio das atividades de dança e expressão corporal, se busca despertar e potencializar a corporeidade dos envolvidos.
Todos os encontros dos projetos e subprojetos aconteciam às quintas-feiras, das 14 às 16 horas, nos diversos espaços esportivos da Universidade em tela. Logo após o processo de intervenção, os bolsistas, voluntários e alunos em formação realizavam a avaliação e o planejamento da aula seguinte. Além dessa dinâmica, cada projeto promovia grupos de estudos semanais para melhor conhecimento e experiência acerca das temáticas envolvidas.
Nesse contexto, podemos evidenciar que os projetos acima citados têm se constituído numa relevante possibilidade de enriquecimento acerca da experiência crítico-reflexiva do professor em formação, na medida em que a promoção de um ambiente acolhedor às diferenças pressupõe uma organização didático-pedagógica capaz de articular os diversos conhecimentos que perpasam os processos de formação docente num movimento dialético de reflexão coletiva da/na/sobre a ação (CHICON; SÁ, 2010).
Outro aspecto a se destacar é que esse tipo de atividade gera a necessidade de estudos e pesquisas, que se realizam simultaneamente à ação, favorecendo a qualificação profissional, a produção e socialização do conhecimento por meio de publicações, participação em eventos científicos e capacitação profissional.
Entendimento sobre os avanços curriculares promovedores de práticas educacionais inclusivas
De acordo com 60% dos respondestes ex-bolsistas e não bolsistas, os principais avanços vislumbrados nos respectivos currículos vividos constituíram-se na inserção das disciplinas obrigatórias e optativas que acolhem o debate acerca da temática inclusão, como é possível observar nas seguintes falas:
Considerando que antes não havia nada na estrutura curricular de inclusão, de necessidades especiais e hoje a gente tem lá, duas, três matérias, tem um laboratório só para necessidades especiais e está aberto para sempre que a gente precisar, ter o apoio [...]. Para mim, isso é o principal avanço, só de ter na estrutura curriular duas disciplinas de necessidades especiais (A4).
Acredito que é um avanço o curso ter diciplinas que discutam a educação inclusiva e ter professores altamente capacitados para tal (B2).
Ambos os grupos reconhecem os avanços produzidos nos processos de formação docentes a partir das reformas curriculares implantadas nos cursos de formação de professores em Educação Física, sobretudo com a Resolução nº 1/2002, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior. Segundo os respondentes, tais reformas promoveram avanços nos processos de formação inicial de professores, tendo em vista a incorporação, nas respectivas matrizes curriculares, de disciplinas obrigatórias com foco na prática pedagógica inclusiva, ligadas à temática da Inclusão. No caso específico do CEFD estão se referindo às disciplinas Educação e Inclusão, Educação Física, Adaptação e Inclusão e Fundamentos da Língua Brasileira de Sinais - Libras.
Ainda em relação ao currículo implantado no CEFD/UFES a partir desta determinação legal, destacam-se também as Atividades Interativas de Formação (Atifs), compostas por disciplinas de caráter optativo, que “[...] formalizam o tempo institucional para o desenvolvimento de atividades complementares que potencializem o conhecimento construído na e pela experiência de aprender a ser professor” (FIGUEIREDO, 2008, p. 4). Dentre as quais, podemos destacar um movimento articulado em parceria com o Laefa e que discorre a respeito da temática da Educação Física e Inclusão, buscando aliar a prática pedagógica com crianças, adolescentes, jovens e adultos com deficiência/transtorno global do desenvolvimento aos conhecimentos específicos da área.
Nesse sentido, com relação às políticas educacionais sobre os currículos nos cursos de formação de professores, reconhecemos os avanços significativos promovidos que vão ao encontro de um perfil docente com autonomia para atuar na educação escolar em consonância com a perspectiva inclusiva. Todavia, faz-se necessário que as universidades não tenham como objetivo somente acompanhar os processos de políticas inclusivas, mas que se empenhem em formar professores que tenham atitude investigativa e reflexiva sobre sua prática pedagógica inclusiva. Tal perspectiva corrobora com o pensamento de Rodrigues e Rodrigues (2011, p, 43) ao afirmarem que “O objetivo da Educação Inclusiva não se resume a uma mera mudança curricular, [...] trata-se de uma reforma bem mais profunda abrangendo os valores e as práticas de todo o sistema educativo tal como ele é comumente concebido”.
Buscando compreender melhor o contexto que perpassa o currículo do curso de Formação de Professores de Educação Física do estudo em tela, percebemos que a forma como esse debate se encontra inserido proporciona aos alunos do curso não somente uma formação que atenda aos encaminhamentos legais, mas também apresentem medidas inovadoras, como a oferta de disciplinas optativas que fomentam um olhar ampliado sobre essa temática. Além disso, é preciso considerar a existência de um laboratório voltado à promoção de ações no âmbito do ensino da pesquisa e da extensão que fomente o debate e a reflexão crítica sobre a educação inclusiva, anunciando, assim, um compromisso político-social sobre essa discussão (PAIVA et al., 2006).
Isso fica evidenciado quando 60% dos respondentes ex-bolsistas consideram a existência de um laboratório de pesquisa e atuação no âmbito da Educação Física adaptada um grande avanço no currículo do Centro de Educação Física da Ufes, enquanto apenas 20% dos respondentes não bolsistas citaram esse fato em suas respostas, conforme ilustra a fala de um ex-bolsista:
O que tem de avanço [...] no periodo que eu passei aqui, no Laefa, eu tive todas as possibilidades de trabalhar com inclusão, desde uma abordagem mais teórica, para congressos, em uma perspectiva mais filosófica, epistemologia da questão inclusiva, até da parte prática mesmo, o dia a dia nos projetos do Laefa. Então eu tive uma abordagem muito ampla dentro da Educação Física (B3).
Há um indicativo evidenciado nessa fala sobre a importância de que os espaços de formação inicial de professores fomentem as ações comprometidas com a reflexão crítica da, na e sobre a formação, com articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão, tecidos em diferentes dimensões, sentidos e significados, visto a potência que tais ações apresentam na promoção de sujeitos mais ativos e autônomos para atuar nos diferentes e diversos cotidianos escolares (SILVA; ARAÚJO, 2005).
Nessa mesma direção, corroboramos o pensamento de Nóvoa (1992, p. 28), quando afirma: “[...] a formação passa pela experimentação, pela inovação, pelo ensaio de novos modos de trabalho pedagógico. E por uma reflexão crítica sobre a sua utilização. A formação passa por processos de investigação, directamente articulados com as práticas educativas”.
Os limites, as tensões e os desafios atravesadores do currículo em tela
No que se refere aos limites e tensões destacados pelos respondentes, 40% dos ex-bolsistas e 20% dos não bolsistas evidenciaram que, apesar de reconhecerem a importância das disciplinas presentes ao currículo sobre inclusão, estas ainda não são suficientes para qualificar a formação para a atuação profissional na perspectiva inclusiva, bem como acreditam que a carga horária que lhes é destinada7 também não é suficiente, como é possível observar nas seguintes narrativas:
Eu acredito que a disciplina que eu tive de inclusão com o professor C. foi muito boa […], mas eu acredito que é pouco tempo para muita coisa a ser trabalhada. Eu acredito que o poderia ser feito era aumentar a carga horária dessa área […]. Então, a preparação que a gente teve foi muito boa, mas foi muito curta também, porque o tempo que a gente teve foi muito proveitoso e superinteressante, mas não foi o suficiente (A5).
Acredito que o currículo da Educação Física ainda tem muito a melhorar no que tange à educação inclusiva. As disciplinas e cargas horárias ainda ficam aquém da real necessidade de vivência e aprendizado dos futuros professores. Dessa forma, acredito que deveria haver mais disciplinas que tratassem deste tema e que as mesmas, de alguma forma, aproximassem mais os licenciados da realidade de se trabalhar com a inclusão no ambiente escolar (B2).
Apesar de reconhecermos o fato de que todo currículo (currículo prescrito) é construído antes de ser efetivamente vivido/praticado, não podemos deixar de evidenciar que os processos formativos se constituem numa via de mão dupla, cuja responsabilidade sobre seu resultado é de todos os envolvidos, inclusive do aluno. Dessa forma, entendemos que os discentes precisam compreender a necessidade de conduzir seus respectivos processos formativos da forma mais ampliada possível, sem se limitar em vivienciar apenas as matérias necessárias à integralização currícular (CHICON; SÁ, 2010).
Em nosso entender, a escolha torna os processos formativos muito restritos, especialmente quando pensamos em processo de formação (inicial e continuada) de professores na perspectiva inclusiva, visto a complexidade que perpassa os cotidianos escolares, logo, merecedores de um olhar multidimensional acerca dos professores.
Nesse aspecto, não podemos negar, conforme já apresentado, que o currículo em tela possibilita esse movimento, tendo em vista as diferentes e diversas possibilidades presentes no ensino, nos projetos de pesquisa e de extensão oferecidos à comunidade discente. Todavia, essa iniciativa deve partir do estudante em formação, ou seja, o aluno também deve assumir as consequências das suas escolhas/ou não escolhas para a sua formação e, consequentemente, para sua vida profissional (SACRISTÁN, 2000).
Para além dessas questões, 20% dos respondentes ex-bolsistas citam também, como ponto nevrálgico, a pouca articulação entre os conhecimentos considerados teóricos com os conhecimentos práticos, conforme ilustra a fala que segue: “É preciso fazer um diálogo entre a teoria e prática. No momento em que você vai dar aula, vai intervir e mediar. Essa é uma tensão que se tem” (B1).
Ao encontro desse ponto de vista, concebemos que os conhecimentos considerados teóricos devem ser pensados, em sua grande maioria, sem perder de vista sua articulação com as mais variadas situações encontradas nas diferentes realidades escolares, num movimento dialético da reflexão crítica sobre a situação em tese, como nos apontam Caparroz e Bracht (2007, p. 27):
Assim, entendemos que o professor não deve aplicar teoria na prática e, sim, (re)construir (reinventar) sua prática com referência em ações/experiências e em reflexões/teorias. É fundamental que essa apropriação de teorias se dê de forma autônoma e crítica, portanto, como ação de um sujeito, de um autor.
Segundo as falas de 40% dos ex-bolsitas, esse quadro de distanciamento também se apresenta na relação existente entre a universidade e as escolas regulares, cuja aproximação ocorre apenas no âmbito dos Estágios Supervisionados e, mesmo assim, somente se a escola campo de estágio possuir alunos com deficiência.
Nessa mesma direção, 20% dos ex-bolsistas afirmam que a falta de debates sobre essa temática da educação inclusiva, dentro da própria universidade, no caso do curso de Educação Física, também compromete o processo formativo na perspecitva inclusiva, como nos evidencia a seguinte narrativa: “[...] como tensões e limites, o fato da importância da formação inclusiva ainda não ter alcançado debates maiores dentro da universidade. [Então], é relevante que venham à tona as implicações e desafios de se trabalhar com a inclusão dentro do ensino básico” (B2).
Esses depoimentos chamam a nossa atenção para a importância dessa articulação (escola/universidade) nos currículos prescritos e praticados de formação de professores, haja vista a possibilidade que esse movimento produz na compreensão acerca da pluralidade e da complexidade que perspassam os contextos escolares na perspectiva inclusiva (SILVA; ARAÚJO, 2005).
Outra questão abordada foi que 40% dos respondentes não bolsistas referem-se à falta de vivência com os alunos público-alvo da Educação Especial, conforme ilustra a fala seguinte:
[...] gosto muito do assunto, as disciplinas foram legais, mas faltou a prática, a vivência com crianças, com pessoas com necessidades especias. Porque somente as pessoas que estavam dentro do laboratório tinham esse contato maior. O currículo não lembrou que pessoas com necessidades especias existem em todo lugar e a todo o momento (A2).
Reconhecemos a importância de que os currículos de formação de professores valorizem a aproximação com o campo de atuação em toda a sua configuração (estrutura física, humana, organizacional, pedagógica, entre outras). Nesse aspecto, também vislumbramos a necessidade de uma maior aproximação com os alunos, tenham eles deficiência/transtorno global do desenvolvimento ou não, no intuito de que os acadêmicos em formação possam vivenciar as mais diferentes experiências, que ajudem a refletir sobre a construção do conhecimento e sobre novas possibilidades para sua ação pedagógica. Entretanto, gostaríamos de ressaltar que também cabe ao discente exercer o seu protagonismo nesse processo, no intuito de fomentar essa aproximação e, nesse aspecto, faz-se necessário destacar que os projetos de ensino, pesquisa e extensão ofertados pelo laboratório em tela possiblitam condições para o contato com alunos com deficiência/transtono global do desenvolvimento, sem desconsiderar o caráter pedagógico dessa aproximação, qualificando, assim, a formação docente na perspectiva da inclusão. Cabe apenas ao docente em formação reconhecer a importância dessa aproximação (CHICON; SÁ, 2010).
No que tange aos desafios presentes no cotidiano escolar para se trabalhar numa perspectiva inclusiva, observamos que os subgrupos abordaram questões diferenciadas. Em relação ao grupo dos ex-bolsistas, constatamos que, dentre as questões mais abordadas, podemos destacar, na mesma proporção percentual (40%), os seguintes pontos: a) falta de diálogo entre escola e professores; b) despreparo da equipe escolar; c) falta de informação por parte da família.
Nesse contexto, podemos observar que os problemas direcionandos por esse subgrupo apontam para a necessidade de mudança na comunidade escolar como um todo (família, professores, pedagogos, gestores etc.), indo ao encontro da perpsectiva inclusiva, visto que, para que a inclusão aconteça de forma qualificada, não basta apenas a garantia legal, mas demanda modificações multidimensionais no sistema ne ensino como um todo, conforme nos evidencia a seguinte narrativa:
A gente não consegue promover a inclusão por completo, a gente consegue promover momentos de inclusão, porque toda organização curricular da escola, da educação, eu acho que teria que se reestruturar, até a equipe teria que se complementar, com piscólogo, com assistente social, para poder ajudar a promover a inclusão de fato. E essas seriam as possiblidades para transpor esses desafios, reestruturar o sistema educacional, ampliar a equipe pedagógica, ter um momento de planejamento junto com os outros professores, estagiários, juntar a escola toda para fazer uma equipe, fazer um planejamento em comum, para todos os alunos, em especial, para os alunos com deficiência (B1).
Para tanto, urge que todos os envolvidos com o ambiente escolar promovam coletivamente a experimentação, inovação e criação de diferentes e diversas possibilidades de propor o trabalho pedagógico sem perder de vista o diálogo constante entre os diversos atores pertencentes a esse contexto (pais, professores, gestores, alunos etc.), tendo em vista uma perspectiva inclusiva, como apontam Esteban e Zaccur (2002, p. 23),
[...] coletivamente, [...], fica garantida a pluralidade de ideias e caminhos, estimulando um olhar mais crítico para a realidade. Este movimento dá condições para que cada um se fortaleça como sujeito e, no coletivo, torne-se mais competente para formular alternativas viáveis de transformação do real.
Em outra direção, do grupo de não bolsistas, quando questionados sobre essa mesma questão, 80% apontaram que os maiores desafios na percepção deles referem-se à falta de materiais e estrutura física para atuar com esses alunos, como é possível observar na narrativa a seguir:
Cada escola tem sua realidade inclusiva. No meu ambiente hoje de trabalho, eu tenho grande dificuldade em acesso, em acessibilidade, principalmente para alunos com deficiencia fisica. Não tem rampa, é uma escada. A escola tem um projeto, mas esse projeto de acessibilidade ainda não ficou pronto. Normalmente é o que a gente encontra na maioria das escolas, tem acesso a muitas coisas, mas na quadra não tem, porque a Educação Física ela é um pouco esquecida. A Educação Física é o que faz a escola mover, mas é a mais esquecida pelos docentes, pelos donos e tudo mais. A gente tem dificuldade também de materiais para trabalhar especificamente com essas pessoas (A5).
Outros pontos levantados pelo grupo foram a falta de preparo da equipe pedagógica escolar para atuar na perspectiva inclusiva (40% dos respondentes) e também a falta de formação continuada em serviço com foco no debate sobre a perspectiva inclusiva (20% dos respondentes).
Esse conjunto de respostas nos preocupa visto que, em nosso entender, a formação de professor para atuar na perspectiva inclusiva necessita bem mais da mudança atitudinal de toda a comunidade escolar, no sentido de se fomentar constantemente o movimento de investigar, dialogar e, por consequência, ressignificar as práticas docentes a fim de que os alunos com deficiência se sintam pertecentes ao espaço escolar, e bem menos de uma mudança estrutural que desconsidere os diversos sentidos e significados que perpassam as realidades escolares (SACRISTÁN, 2000).
Nesse aspecto, a Educação Física escolar dispõe de diversas possibilidades para que os alunos com deficiência possam se beneficiar dessa prática corporal, visto que eles “[…] podem usar o corpo, o movimento, o jogo, a expressão e o desporto como oportunidades de celebrar a diferença e [obter] [...] experiências que realcem a cooperação e a solidariedade” (RODRIGUES, 2003, p. 11).
Assim sendo, defendemos que todos os envolvidos estejam abertos ao diálogo, a aprender, investigar e compreender a complexidade que atravessa a realidade social da escola, sem perder de vista as dificuldades presentes no cotidiano escolar na educação inclusiva, contribuindo, assim, para a transformação do ambiente escolar num sentido justo, ético e igualitário a todos (OMOTE, 2003).
Considerações finais
O estudo nos revela, de acordo com o entendimento da maioria dos egressos de Educação Física do CEFD/Ufes entrevistados, que o processo de formação experienciado foi significativo para sua atuação profissional na Educação Básica na perspectiva inclusiva. Todavia, reconhecem a existência de algumas lacunas que ainda precisam ser revistas na consolidação dessa perspectiva, especialmente no que se refere às cargas horárias destinadas às disciplinas voltadas a essa temática.
No que tange ao currículo propriamente dito, a maioria dos entrevistados destaca avanços em relação a incorporação dessa tématica ao conjunto dos componentes curriculares obrigatórios e optativos. Os avanços indicados se referem aos elementos teórico-práticos fundamentais que lhes oportunizam condições para mediar os processos de planejamento, de intervenção e de avaliação das aulas, de forma a incluir todos os alunos, independentemente de suas identidades de gênero, orientação sexual e religiosa, deficiência, entre outros.
Acrescentamos, também, como avanços, a existência do laboratório de ensino, pesquisa e extensão nessa temática, como um grande diferencial na formação profissional dos entrevistados, haja vista as diversas posssibilidades formativas que esse espaço oportuniza aos discentes, sem desconsiderar a articulação entre os conhecimentos teórico-práticos necessários à formação profissional na perspectiva inclusiva. Entretanto, ainda existem questões que precisam ser superadas, tais como: a falta de debates sobre a temática inclusão dentro da universidade; a fragmentação teoria e prática; o pouco diálogo entre as escolas; o tempo reduzido destinado às disciplinas sobre inclusão e a falta de vivência com os alunos público-alvo da Educação Especial.
No que se refere ao entedimento sobre os principais desafios vislumbrados pelos egressos, destacamos algumas questões:
articulação entre os conhecimentos antropológico-sociais e as realidades educacionais, necessária para ampliar o olhar do futuro professor sobre as complexidades das relações sociais e organização política que perpassam os ambientes escolares;
organização curricular do curso (disciplinas comuns, Estágios Supervisionados, projetos de extensão, ensino e pesquisa), sem perder de vista a tríade: conhecimentos específicos sobre a temática, prática pedagógica e contextos escolares, no sentido da promoção de um perfil de formação docente considerando a realidade concreta;
maior aproximação entre a Universidade e campo de atuação profissional, preferencialmente, em contextos inclusivos. Especialmente no que se refere aos Estágios Supervisionados, nos quais é possivel estabelecer uma relação com outras disciplinas, proporcionar novas experiências e contato acerca da educação inclusiva. O estágio não pode ser apenas um momento para que o aluno em formação observe e reproduza aulas; é importante que esse espaço dê ao futuro professor condições para dialeticamente retomar seu processo formativo com outros novos olhares e questões acerca da sua formação.
Desse modo, o estudo desvela a importância de que as Resoluções Legais afetas aos cursos de formação de professores não percam de vista o compromisso com um perfil de formação docente articulado à reflexão crítica sobre a tématica, no intuito de se garantir a permanência qualitativa dos alunos público-alvo da Educação Especial no ambiente escolar, especialmente nas aulas de Educação Física.
Vale ressaltar a importância de que os alunos em formação se responsabilizem pela condução desse processo, ou seja, que não se limitem a vivienciar apenas os componentes curriculares obrigatórios de seu currículo, mas que busquem aproveitar as diversas possibilidades que a Universidade oportuniza no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão.
Nessa perspectiva, cumpre evidenciar que o entendimento sobre a educação inclusiva de cada grupo entrevistado (não bolsistas e ex-bolsistas) se diferenciam em alguns pontos. Analisamos que o grupo de ex-bolsistas apresenta um olhar mais crítico e ampliado sobre a temática nas mais diferentes dimensões (atitudinal, conceitual e procedimental) sem desconsiderar o compromisso político e social que envolve o ambiente escolar. Por outro lado, o grupo de não bolsistas apresentou uma preocupação maior no sentido da estruturação e organização do espaço escolar inclusivo.
Em nosso entender, isso ocorreu pelos seguintes motivos: a) diferentes dimensões formativas (ensino, pesquisa e extensão) que esse laboratório fornece aos alunos; b) tempo que esses alunos se dedicam ao laboratório durante todo seu processo formativo (20 horas semanais); c) dinâmica reflexivo-crítico-colaborativa que os alunos são estimulados a exercer dentro do laboratório.
Acreditamos que esse pefil de formação docente incentiva e potencializa a formação docente (objetiva e subjetiva), proporcionando um movimento dialógico constante sobre os diversos sentidos e significados necessários para se promover um ambiente escolar com base inclusiva.
Por fim, defendemos que a efetivação desse projeto necessita que toda a comunidade escolar (professores, pedagogos, coordenadores, diretor, merendeiros, porteiros, família etc.) esteja comprometida com a consolidação de um perfil de sociedade que reconheça o direito universal de todo cidadão ter acesso, permanência e apropriação dos conhecimentos no ambiente escolar. Assim, precisamos nos questionar cotidianamente: que tipo de escola, de aluno e de professor estamos construindo, tendo em vista o desafio de promovermos uma educação inclusiva mais emacipatória?
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Notas