Resumo: Este artigo analisa as taxas de retenção e de rotatividade dos docentes da Educação Básica nas Redes Municipais de Ensino no Brasil referentes ao período 2015-2016. Tais medidas foram operacionalizadas com base nos microdados do Censo Escolar, tendo considerado os fluxos de entrada e de saída dos professores, de um ano para o outro, nos estabelecimentos educacionais vinculados administrativamente aos municípios. Além dos resultados das taxas de retenção e de rotatividade de todos os municípios do país, foram apresentadas as características dos docentes (sexo, cor/raça, etapa da Educação Básica, tipo de contratação e localização da escola).
Palavras-chave: RetençãoRetenção,RotatividadeRotatividade,DocentesDocentes,Redes Municipais de EnsinoRedes Municipais de Ensino.
Abstract: This paper analyzes the retention and rotation rates of the Basic Education teachers in the Municipal Education networks in Brazil related to the period 2015-2016. These measures were operationalized based on the microdata of the School Census, considering the inflows and outflows of teachers, from one year to the next, in the educational establishments administratively linked to the municipalities. In addition to the results of retention and rotation rates of all municipalities in the country, the characteristics of the teachers (gender, color/race, Basic Education stage, type of hiring and location of the school) were presented.
Keywords: Retention, Rotation, Teachers, Municipal Education Networks.
Resumen: En este artículo se analizan las tasas de retención y de rotación de los docentes de Educación Básica en las Redes Municipales de Enseñanza en Brasil referentes al período 2015-2016. Tales medidas fueron operacionalizadas con base en los microdatos del Censo Escolar, habiendo considerado los flujos de entrada y de salida de los profesores, de un año para el otro, en los establecimientos educativos vinculados administrativamente a los municipios. Además de los resultados de las tasas de retención y de rotación de todos los municipios del país, fueron presentadas las características de los docentes (sexo, color/raza, etapa de la Educación Básica, tipo de contratación y localización de la escuela).
Palabras clave: Retención, Rotación, Docentes, Redes Municipales de Enseñanza.
Artigos
Retenção e rotatividade docente nas Redes Municipais de Ensino no Brasil
Retention and teacher rotation in Municipal Education Networks in Brazil
Retención y rotación docente en las Redes Municipales de Enseñanza en Brasil
Recepção: 01 Abril 2018
Revised document received: 15 Junho 2018
Aprovação: 20 Junho 2018
Este estudo propõe-se a analisar as taxas de retenção e de rotatividade dos docentes da Educação Básica nas Redes Municipais no Brasil em relação ao período 2015-2016. Tais medidas foram operacionalizadas levando em consideração os fluxos de entrada e de saída dos professores, de um ano para o outro, nos estabelecimentos educacionais vinculados administrativamente aos municípios. A fonte de dados utilizada foi o Censo Escolar, desenvolvida anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)1, que traz informações censitárias dos professores, das turmas, das escolas e dos alunos da Educação Básica no país.
A Educação Básica é o primeiro nível do ensino escolar, cuja trajetória se inicia na Educação Infantil (creche e pré-escola), passa pelo Ensino Fundamental (1º ao 9º ano), até chegar ao Ensino Médio (1ª a 3ª série). A estruturação do sistema educativo no país é constitucionalmente (BRASIL, 1988) definida a partir do regime de colaboração entre as esferas públicas e seus sistemas de ensino (Art. 211). A atuação prioritária dos municípios deve ser a Educação Infantil e o Ensino Fundamental (§ 2º); e a dos estados e do Distrito Federal, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio (§ 3º). À União fica as atribuições de organizar o sistema federal de ensino e de atuar, conforme o § 1º, do mesmo artigo, na “[...] função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios” (BRASIL, 1988, p. 139).
Na Educação, a centralidade dada aos municípios encontra-se explicitamente expressa na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) - Lei Nº 9.394/1996. O artigo 11, inciso V, estabelece que cabe aos municípios
[...] oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino. (BRASIL, 1996, p. 27835).
Ao dimensionar a Educação Básica desenvolvida no país, os dados do Censo Escolar de 2016 apontaram a existência de aproximadamente 49 milhões de matrículas, mais de 2 milhões de docentes, distribuídos em cerca de 186 mil estabelecimentos educacionais. Especificamente em unidades educacionais vinculadas administrativamente aos municípios, encontravam-se matriculados mais de 22,8 milhões de crianças/alunos (47% do total de matrículas).
A necessidade de conhecer mais profundamente a realidade do trabalho docente na Educação Básica no Brasil e os obstáculos para sua valorização no contexto diverso e desigual em que se apresenta ganhou mais relevância com a aprovação da Lei Nº 13.005, de 25 de junho de 2014 (BRASIL, 2014), que instituiu o Plano Nacional de Educação (PNE). No referido Plano, quatro das suas 20 metas foram dedicadas à questão dos profissionais da educação. Soma-se a isso a prescrição de se desenvolver o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SINAEB), conforme disposto no artigo 11 da Lei Nº 13.005/2014. Segundo o Documento Base Preliminar para Discussão (BRASIL, 2016a), produzido pelo Inep, essa prescrição
[...] traz uma compreensão mais amadurecida de avaliação educacional que, além de reiterar sua centralidade na garantia do direito à educação de qualidade para todos, preconiza a construção de um sistema nacional de avaliação que contemple a riqueza dos fatores intra e extraescolares envolvidos no processo educacional e aponta para a superação de concepções e práticas avaliativas centradas quase exclusivamente no desempenho dos estudantes no âmbito dos testes em larga escala. (BRASIL, 2016a, p. 2).
Ressalte-se que o SINAEB foi instituído por meio da Portaria MEC Nº 369, de 5 de maio de 2016 (BRASIL, 2016b), porém foi revogada pela Portaria MEC Nº 981, de 8 de agosto do mesmo ano (BRASIL, 2016c).
A compreensão mais ampla de avaliação, considerando múltiplas dimensões do processo educativo, reflete o amadurecimento de anos de discussão e envolvimento de diferentes setores em torno da construção do Plano Nacional de Educação. Essa é uma compreensão que avança em relação a algumas tendências observadas em diferentes realidades nacionais e mesmo no interior do país. Alguns municípios e estados brasileiros têm desenvolvido sistemas próprios de avaliação que acabam por traduzir-se em uma visão bastante restrita do processo educacional, avaliando os professores por meio dos resultados dos alunos, o que coloca em risco o futuro de gerações. Essas avaliações deixam de considerar importantes dimensões do processo educacional, tais como as condições de trabalho dos professores que afetam diretamente a qualidade da oferta escolar. Nesse sentido, um importante fator a ser observado é a constituição do coletivo docente das escolas. Desde a aprovação da referida LDBEN Nº 9.394/1996, espera-se que o projeto pedagógico da escola seja construído de forma coletiva e participativa pelos professores, o que pressupõe o trabalho conjunto e colaborativo entre os pares em uma mesma unidade educacional. Para tanto, a permanência dos professores na escola por mais tempo, ou seja, com uma jornada de trabalho que lhes permitam dedicarem-se a outras tarefas que não só a sala de aula, é bastante desejável, o que foi reconhecido na Lei Nº 11.738/2008, que institui o Piso Nacional Salarial Profissional (BRASIL, 2008). Entretanto, a vinculação do professor à escola deve também ser duradoura, permitindo-lhe acumular experiência com o passar dos anos, desenvolver laços de solidariedade com seus colegas e maiores vínculos com a comunidade e seus alunos, em especial. Nesse sentido, conhecer os níveis de rotatividade e de retenção dos professores nas escolas e em suas respectivas redes de ensino passa a ser uma importante medida a se considerar na avaliação das políticas públicas educacionais.
O Brasil possui mais de 5,5 mil municípios que apresentam grande diversidade e desigualdade de condições entre eles. Todos os municípios, porém, têm autonomia para criarem suas próprias redes de ensino, o que resulta em uma diversidade de situações que não permite generalizações.
A investigação da retenção e da rotatividade dos professores nas Redes Municipais de Ensino no Brasil exige dados abrangentes sobre as condições de oferta dos municípios. Assim, o caráter censitário dos dados do Censo Escolar possibilita a análise sistêmica da Educação Básica nacional. Apesar da disponibilização desses dados, são poucos os estudos no Brasil que os utilizam no sentido de analisar as condições de trabalho dos professores. Em busca bibliográfica sobre “condições de trabalho docente”, foi encontrada aproximadamente uma centena de estudos de diferentes áreas do conhecimento, produzidos desde 1980, mas somente dois analisaram dados do Censo Escolar (PEREIRA JUNIOR, 2017).
A retenção e a rotatividade são medidas relacionadas às taxas de substituição de professores, pois consideram a permanência e a alteração do corpo docente nas Redes Municipais de Ensino. Enquanto a retenção refere-se à capacidade de manter os professores em seus quadros, evitando que eles abandonem os seus postos de trabalho, a rotatividade, também conhecida por turnover, refere-se ao giro de profissionais nos municípios, considerando tanto as entradas quanto as saídas de docentes. Ambas as medidas podem ser impactadas por inúmeros fatores (JOHNSON; BERG; DONALDSON, 2005) e podem incidir em diferentes tipos de custos (JOHNSON; BERG; DONALDSON, 2005).
Uma discussão mais aprofundada sobre a retenção e a rotatividade de professores será feita na seção seguinte, antes de serem apresentados os aspectos metodológicos do estudo e os resultados obtidos. A produção acadêmica sobre a saída e a permanência dos professores nas escolas identifica elementos que permitem compreender os fatores que influenciam nessa decisão e também aponta possíveis perdas ou custos para o sistema educacional.
O ato de deixar ou de permanecer nos postos de trabalho das escolas de Educação Básica é o elemento principal para abordar a rotatividade e a retenção dos professores. A decisão do docente de continuar ou não na profissão foi apontada por diferentes autores (INGERSOLL, 2001, 2003; JOHNSON; BERG; DONALDSON, 2005; LADD, 2011) como sendo decorrente das condições de trabalho, ao mesmo tempo que constitui importante fator para a qualidade do ensino.
A multiplicidade de fatores que impactam na retenção dos professores foi apontada por Johnson, Berg e Donaldson (2005, p. 2, tradução nossa), ao afirmarem que “[p]esquisas de professores realizados em um conjunto de indivíduos e organizações, ao longo de vários anos, revelam que muitos fatores de trabalho dos professores influenciam as suas decisões sobre entrar e permanecer na profissão”.2 Frisou, portanto, a ocorrência de fatores em diferentes níveis analíticos capazes de influenciar na entrada ou na saída da profissão.
Em estudos desenvolvidos no Brasil, Kasmirski (2012) investigou a mobilidade de professores na rede estadual paulista, com base nos dados do Censo Escolar de 2007 a 2011 e do Saresp de 2007 a 2009, tendo desenvolvido modelo estatístico cuja variável resposta foi o fato de o professor trocar ou permanecer na escola de um ano para o outro. Lemos (2009) entrevistou dois grupos de professores, também da rede estadual paulista: o primeiro formado por docentes que desistiram do trabalho e abandonaram a escola; e o segundo por professores que optaram por sair da sala de aula, mas permaneceram na escola designados como diretores. Entre os motivos apresentados para o abandono da profissão docente, foram citados: desvalorização do professor; progressão continuada; péssimas condições de trabalho; salários baixos; falta de apoio da direção/coordenação pedagógica/governo; falta de tempo para estudar/formação continuada; desorganização do sistema educacional; instabilidade no emprego (LEMOS, 2009). Fonseca (2013) desenvolveu estudo para identificar os motivos dos professores desistirem da profissão, tendo sido apontado os seguintes fatores: o tamanho das turmas; o tempo em sala de aula; o tempo para o recreio; a remuneração; as condições físicas das escolas; o trabalho em equipe; o relacionamento com os estudantes; a estrutura; e a organização escolar.
Na realidade norte-americana, Ingersoll (2001) constatou que os problemas de falta de professores nas escolas eram ocasionados, em grande medida, pela saída voluntária desses profissionais, sobretudo os mais qualificados. Os motivos não se referiam à aposentadoria ou à oferta insuficiente desses profissionais. Ingersoll (2001) investigou se fatores ligados às características e às condições organizacionais das escolas impulsionavam a rotatividade dos professores, tendo utilizado dados do Schools and Staffing Survey e de seu suplemento, o Teacher Follow-up Survey, desenvolvido pelo National Center for Education Statistics.
Johnson, Berg e Donaldson (2005) sustentaram que pesquisas têm mostrado grande número de fatores do local de trabalho dos professores capazes de influenciar a decisão sobre entrar e permanecer na docência. Mais especificamente, apontaram seis grandes grupos de fatores associados à retenção dos professores, referindo-se um deles às condições de trabalho, contemplando instalações, equipamentos, carga de trabalho, atribuições, currículos e avaliações.3 Essas constatações encontram-se na obra Who stays in teaching and why: A review of the literature on teacher retention, desenvolvido com o propósito de rever a literatura relacionada à retenção dos professores. Os autores foram categóricos ao afirmar que
[a] pesquisa mostrou que as condições de trabalho dos professores afetam sua capacidade de ensinar bem e a satisfação que derivam de seu trabalho. Quando os elementos físicos de sua escola - instalações, equipamentos e suprimentos - são deteriorados ou deficientes, os professores relatam que as suas opções de instrução ficam limitadas e se sentem desencorajados e insultados como profissionais. Professores reportam também que se sentem acuados e oprimidos quando são designados para cursos ou classes para as quais não estão preparados, quando eles têm muitos cursos de uma só vez ou quando eles têm de lidar com grande número de estudantes. Sob tais condições, os alunos também pagam um preço, sofrendo os efeitos da instrução desinformada, planejamento de aulas pobre e classes lotadas. Os professores muitas vezes também não possuem formação para a sua missão de ensino ou têm formação que não está alinhada com as normas necessárias para ensinar ou os testes que seus alunos devem fazer.4 (JOHNSON; BERG; DONALDSON, 2005, p. 50, tradução nossa).
Ladd (2011) desenvolveu estudo para verificar a relação entre as percepções dos professores do estado da Carolina do Norte, Estados Unidos, sobre as condições de trabalho e as pretensões em sair das escolas. Por meio de survey, uma das conclusões foi que a variação entre escolas em relação às condições de trabalho percebidas pelos professores é altamente preditiva para as intenções individuais dos docentes em deixar as escolas em que se encontram (LADD, 2011).
A importância de medidas como a retenção e a rotatividade dos professores para o sistema educacional fica destacada em dois principais motivos: a atratividade docente; e os custos associados à retenção. A atratividade docente relaciona-se à capacidade de atrair profissionais para a docência. O sistema educacional deve possuir quantidade de professores suficiente para atender ao aumento da oferta da educação, além de substituir os que abandonam a docência - seja para se aposentar ou migrar para outra atividade. Isso significa que, para manter a suficiência do corpo docente, “[...] é necessário não somente recrutar candidatos para a docência, mas também oferecer o suporte necessário para, então, retê-los, uma vez que entraram na sala de aula”5(JOHNSON; BERG; DONALDSON, 2005, p. 1, tradução nossa). Novamente, vale esclarecer que nem sempre o valor máximo de retenção é desejado, pois, conforme argumentaram Johnson, Berg e Donaldson (2005, p. 32, tradução nossa), “[p]ouco pode ser obtido (e muito pode ser perdido) quando um distrito obtém sucesso na redução da rotatividade dos professores se alguns desses professores são incompetentes, medíocres, desengajados ou desmotivados”6.
Nos Estados Unidos, existe evidência de que, na primeira década deste século, a docência tem se tornado menos atrativa em relação aos últimos trinta anos. Johnson, Berg e Donaldson (2005, p. 1, grifo nosso, tradução nossa) constataram que “[...] taxas de turnover entre os novos professores estão rapidamente aumentando, particularmente em escolas que atendem pessoas de baixa renda”.7 Tal situação também ocorre no Brasil, conforme constatada na “denúncia” de eminente colapso da Educação Básica derivado da escassez de profissionais (DUARTE, 2013, p. 17) e no indicativo de alto percentual de estudantes dos cursos de Pedagogia e de licenciaturas em Física e Matemática que, ao final do curso, não pretendem trilhar a carreira do magistério (LEME, 2012).
Ao dimensionar a saída de professores nos Estados Unidos, Johnson, Berg e Donaldson (2005, p. 5) enfatizaram que aproximadamente um a cada seis professores deixam as escolas anualmente naquele país. Isso equivale a cerca de 450 mil professores. Voltando ao Brasil, a situação é ainda mais preocupante quando se considera que 38% do total de professores lotados nas escolas em 2012 deixaram de estar na mesma escola no ano seguinte8. Mesmo levando em conta que a taxa engloba todos os tipos de saída no referido período (aposentadoria, afastamento por motivo de saúde, abandono da profissão, licenças, mudança de escola), é importante considerar que, em números absolutos, equivale a 694.594 professores. Diante desse cenário, o desafio imposto ao sistema educacional é repor as saídas.
O segundo motivo para justificar a investigação de medidas como a retenção e a rotatividade dos professores recai nos custos associados. Sobre a saída de professores, Johnson, Berg e Donaldson (2005) atribuíram três tipos de custos associados: 1) custos de instrução direta para os alunos; 2) custos financeiros para a escola ou para o sistema escolar; e 3) custos organizacionais. Em relação ao primeiro tipo, Johnson, Berg e Donaldson (2005) defenderam que a saída dos professores nas escolas impacta negativamente na qualidade do ensino, pois, geralmente, os que saem são os melhores profissionais. Além disso, apontaram a tendência das escolas em perder os docentes com menos de cinco anos na atividade que, na maioria das vezes, acabam sendo substituídos por novatos, sem experiência alguma na docência. Na realidade brasileira, com base em painel de dados referentes ao desempenho médio de estudantes do 5º ano do Ensino Fundamental, Biondi e Felício (2007, p. 16) verificaram que a rotatividade de professores de Matemática, durante o mesmo ano letivo, causou efeito negativo na avaliação dessa disciplina.
O segundo tipo de custo decorrente da rotatividade de professores atinge financeiramente a escola ou o sistema escolar. O cálculo leva em consideração, sobretudo, os processos de recrutamento ou seleção, de contratação e de reposição dos profissionais que saíram. O Texas Center for Educational Research (2000 apudJOHNSON; BERG; DONALDSON, 2005, p. 12) apontaram os custos estimados do turnover no estado norte-americano do Texas variando entre 329 milhões e 2,1 bilhões de dólares, levando em consideração a taxa de rotatividade equivalente a 15,5%. A substituição de professores contabiliza aumento superior a 200% do salário do professor que abandona a escola, pois engloba custos de treinamento, férias e produtividade, além da curva de aprendizagem do profissional.
O terceiro e último tipo de custo provocado pela rotatividade de professores atinge a organização, ou seja, a escola. Neild et al. (2003apudJOHNSON; BERG; DONALDSON, 2005, p. 14, tradução nossa) destacaram que a rotatividade geralmente impediu “[...] o desenvolvimento de um programa educativo coerente, memória institucional e coesão da equipe”9. No Brasil, Kasmirski (2012) apontou que outro aspecto negativo da rotatividade pode se manifestar no desenvolvimento do projeto pedagógico da escola, pois a “[...] mudança frequente e de parcela significativa dos professores pode implicar em menor coesão e pior clima na equipe e em um relacionamento pobre entre a equipe escolar e a comunidade do entorno da escola” (KASMIRSKI, 2012, p. 4).
Este artigo é resultado de estudo sobre as taxas de retenção e de rotatividade nas Redes Municipais de Ensino do Brasil. As medidas abrangentes do sistema educacional brasileiro foram operacionalizadas de forma a abranger todos as cidades do país, com base nos quantitativos de entrada, de saída, de permanência e do total de professores nas unidades educacionais vinculadas aos municípios. Adiante, segue explicitada a fonte de dados utilizada e são descritas as taxas de retenção e de rotatividade, juntamente às fórmulas de cálculo.
A fonte de dados utilizada foi o Censo Escolar da Educação Básica, ou simplesmente Censo Escolar, o qual é desenvolvido todos os anos pelo Inep. Os principais objetivos são oferecer informações estatísticas para a realização de diagnósticos e análises sobre a realidade do sistema educacional e subsidiar a definição e a implementação de políticas públicas da área. Essas informações servem para referenciar a transferência de recursos públicos, como ocorre com a merenda e o transporte escolar, a distribuição de livros e os uniformes, a implantação de bibliotecas, a instalação de energia elétrica, além de subsidiar programas como o Dinheiro Direto na Escola e a política de financiamento da Educação Básica por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Em função do caráter censitário, abrange todas as unidades de Educação Básica do país (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) das diferentes modalidades (ensino regular, educação especial, educação de jovens e adultos e educação profissional de nível técnico) e de todos os municípios. Tanto das redes públicas (Federal, estaduais e municipais) quanto das instituições privadas (particular, comunitária, confessional e filantrópica).
Os dados são informados pelos diretores ou responsáveis das escolas por meio de um sistema online de coleta de dados formado por quatro tipos de cadastros: 1) escolas; 2) turmas; 3) alunos; e 4) profissionais escolares em sala de aula. O presente estudo utilizou os dados de 2015 e 2016.
Considerando que o propósito deste estudo é analisar medidas - de retenção e de rotatividade - para os municípios, foram selecionados somente os professores das unidades educacionais públicas vinculadas ao município. Deixaram de ser analisados, portanto, os docentes de escolas privadas e públicas estaduais e federais e, também, os auxiliares/assistentes educacionais, os profissionais/monitores de atividades complementares e os tradutores intérpretes de Libras. Essa segunda delimitação foi realizada devido ao fato de serem os docentes os responsáveis formais pela(s) turma(s) em que atua(m).
As fórmulas de cálculo das medidas analisadas neste estudo encontram-se adiante explicitadas.
A taxa de retenção considera a capacidade das Redes Municipais de Ensino de impedir que os professores abandonem os seus postos de trabalho nas escolas. O cálculo dessa medida exige informações referentes ao número de professores que permaneceram em seus postos de trabalho de um ano para o outro e o total de professores do período anterior, conforme a fórmula a seguir:
Sendo:
P = número de docentes que permaneceram na Rede Municipal de Ensino no ano (i) em comparação ao período anterior (i - 1);
N (i - 1) = número total de docentes da Rede Municipal de Ensino no período anterior (i - 1).
A operacionalização da medida evidencia a necessidade da base de dados não somente do período analisado (i), mas também do anterior (i - 1). Nesse caso, como o cálculo é feito considerando o ano de 2016, as informações referentes a 2015 são indispensáveis para o cálculo da referida taxa. A polaridade dessa medida é positiva, pois quanto maior ela for, melhor para a Rede Municipal de Ensino. Assim, a melhor situação refere-se à Rede Municipal de Ensino com taxa de retenção igual a um, sendo o número de docentes que permaneceram nas escolas municipais exatamente igual ao número de docentes do período anterior. E o pior cenário é aquele em que nenhum docente permaneceu nas escolas da Rede Municipal de Ensino, perfazendo um indicador igual a zero.
A taxa de rotatividade leva em consideração a entrada e a saída dos docentes nas Redes Municipais de Ensino e demanda conhecer o tamanho dos quadros docentes dos municípios. É uma medida relacionada ao giro de profissionais dentro dos estabelecimentos escolares das Redes Municipais de Ensino. A operacionalização dessa taxa necessita de informações referentes ao quantitativos de entrada, de saída e do total de docentes, tanto do período analisado quanto do anterior.
A fórmula de cálculo da taxa de rotatividade docente nas redes municipais encontra-se a seguir:
Sendo:
E = número de docentes que entraram para a Rede Municipal de Ensino no ano (i) em comparação ao período anterior (i - 1);
S = número de docentes que saíram da Rede Municipal de Ensino no ano (i) em comparação ao período anterior (i - 1);
N (i - 1) = número total de docentes da Rede Municipal de Ensino no período anterior (i - 1);
N (i) = número total de docentes da Rede Municipal de Ensino no período em análise (i).
Ressalte-se que a fórmula de cálculo da taxa de rotatividade também exige a disponibilidade da base de dados do período analisado (i) e daquele imediatamente anterior (i - 1). Essa medida apresenta polaridade negativa, pois, quanto menor, melhor será para a Rede Municipal de Ensino. Assim, a melhor situação esperada é a do município com taxa de rotatividade igual a zero, o que significa que nenhum profissional deixa ou entra para o corpo docente do município. Por consequência, o quantitativo de docentes é o mesmo nos dois períodos analisados, o que pode ser considerado um indicador de permanência do corpo docente. O pior cenário consiste em igualar o conjunto de entradas e de saídas ao total do corpo docente nesses dois períodos, o que equivale a um indicador igual a um.
Com base nos dados do Censo Escolar, esta seção fornece informações sobre características dos docentes das Redes Municipais de Ensino no Brasil e apresenta os resultados das taxas de retenção e de rotatividade obtidas junto aos 5.568 municípios do país. A distribuição dos docentes das Redes Municipais de Ensino no Brasil, simultaneamente em relação à raça ou cor e ao sexo, mostrou que os maiores percentuais foram registrados junto às mulheres brancas e às mulheres pardas, equivalentes a 33,2% e 23,8% do total, respectivamente (Tabela 1). Ficou evidenciada a predominância de mulheres na Educação Básica. Embora a distribuição dos profissionais em relação ao sexo não tenha sido segmentada de acordo com a etapa da Educação Básica, a participação feminina na Educação Infantil é muito superior à masculina, e essa diferença vai diminuindo à medida que se avança nas etapas e nos níveis de ensino. Por outro lado, identifica-se a persistência da dificuldade do Censo Escolar em obter a informação de cor/raça dos docentes, cuja parcela sem a declaração dessa variável atinge quase 30% do total de profissionais.

Os docentes das Redes Municipais de Ensino que atuavam na Educação Infantil representavam 28,9% do total de profissionais, enquanto que aqueles do Ensino Fundamental relativos aos anos iniciais e aos anos finais contemplavam 38,3% e 29,1%, respectivamente (Tabela 2). Somente 0,4% dos docentes de escolas vinculadas administrativamente aos municípios atuavam no Ensino Médio. Isso se deve ao fato de que a atuação prioritária dos municípios, conforme a Constituição Federal de 1988, recai somente na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, como já comentado.

Aproximadamente três a cada quatro docentes que atuavam na Rede Municipal de Ensino possuíam vínculo permanente com o ente federado (Tabela 2), sendo denominados de concursados, efetivos ou estáveis. Assim, prestaram concurso público para atuarem nesses postos de trabalho.
Levando em consideração a localização das escolas, registrou-se parcela de 76,6% de docentes das Redes Municipais de Ensino que atuavam nas áreas urbanas (Tabela 2). Cabe salientar que a vasta quantidade de municípios existentes no país difere muito em relação à participação de pessoas residentes em áreas urbanas e em áreas rurais.
Antes de apresentar as taxas de retenção e de rotatividade docentes das Redes Municipais de Ensino do país, vale ressaltar que essas redes apresentaram tamanhos bem diferenciados em relação à quantidade de profissionais, contando a menor com somente três docentes, e a maior, com 36.984 (Tabela 3). A média aritmética geral foi de 207,7 docentes por Rede Municipal de Ensino e o desvio-padrão de 713,6. Com base na mediana obtida, é possível afirmar que a metade das Redes Municipais de Ensino possuía até 43 docentes e, a outra parte, acima desse valor. Em relação aos municípios com maiores quantidades de docentes a eles vinculados, um quarto deles (1.392) detinha mais de 199 desses profissionais.

A dimensão das Redes Municipais de Ensino merece ser observada devido à sensibilidade das taxas de retenção e de rotatividade. Ao considerarmos as saídas de docentes das redes municipais, aquela que possuiu somente três docentes será enormemente afetada por um único profissional que vier a deixá-la - independentemente do motivo. Em termos relativos, corresponderá à perda de 33% do total de docentes vinculados ao referido município. Por outro lado, se levarmos em conta a maior Rede Municipal de Ensino, que possuiu registrados aproximadamente 37 mil docentes, uma saída de 1.000 profissionais corresponderia a um percentual pequeno de perda de força de trabalho.
Ao explorar mais sobre o tamanho das Redes Municipais de Ensino, foram estabelecidas as seguintes categorias de porte em função do quantitativo de docentes: muito pequeno porte, contemplando os municípios com até 49 docentes; pequeno porte, referente àqueles com quantitativo variando de 50 a 99 docentes; médio porte, abrangendo as redes com 100 até 299 docentes; e grande porte, que possuem 300 ou mais docentes vinculados. Em 2016, o percentual de municípios cujas redes de ensino foram classificadas como sendo de pequeno porte representava 30,1%, contra 15,4% referentes aos de grande porte (Gráfico 1). As Redes Municipais de Ensino de pequeno e de médio porte totalizaram 23,2% e 31,3% dos municípios do país, respectivamente.

A operacionalização da taxa de retenção e da taxa de rotatividade docente das Redes Municipais de Ensino e a distribuição dos resultados obtidos dos municípios de todo o país são apresentadas no Gráfico 2. Ambas possuem zero como sendo o valor mínimo possível e um como o máximo possível. Considerando tais valores, a taxa de retenção docente concentrou-se, em grande medida, no intervalo superior ao ponto médio (0,5), e a taxa de rotatividade distribuiu-se no intervalo inferior.

Os valores médios encontrados foram 0,77 para a taxa de retenção e 0,12 para a taxa de rotatividade (Tabela 4). Em relação à variabilidade dos dados, o desvio-padrão da taxa de retenção foi igual a 0,10 e o da taxa de rotatividade, 0,05. Tanto no Gráfico 2 quanto na Tabela 4 fica evidenciado a maior dispersão dos municípios em relação à taxa de retenção, tendo apresentado amplitude total (valor máximo menos o valor mínimo) de 0,83 contra 0,42 da taxa de rotatividade.

As taxas de retenção e de rotatividade docentes foram operacionalizadas com base nos fluxos de permanência e de saída dos professores nas escolas públicas municipais de ensino, tendo sido utilizados os dados do Censo Escolar de 2015 e 2016. Ambas as medidas possuíram o município como unidade de análise, sendo verificado se o docente que pertence a alguma escola vinculada administrativamente ao município permanece ou não na mesma unidade educacional ou em outra com a mesma vinculação. Desconsidera, portanto, a migração de uma escola para outra dentro da mesma rede municipal.
Como já afirmado, na condução das políticas públicas em Educação, os municípios como entes federados são os responsáveis prioritários em relação à oferta da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Cabe aos municípios estabelecer os diferentes aspectos relacionados à valorização profissional dos professores, incluindo a remuneração, a jornada de trabalho, o plano de carreira, ainda que obedecendo às normativas gerais para o país.
Ao analisar os resultados obtidos, a taxa de retenção docente nas Redes Municipais de Ensino registrada no período 2015-2016 foi igual a 0,77. Isso significa que 23% do total de professores que estavam em escolas públicas municipais em 2015 deixaram de estar no ano seguinte. Apesar dessa taxa computar todos os tipos de saída (aposentadoria, afastamento por motivo de saúde, abandono da profissão, licenças), tal situação é preocupante, pois, em números absolutos, as saídas equivalem a 265.943 professores.
Diante de tantas saídas, o desafio imposto às Redes Municipais de Ensino é repô-las. As alternativas de reposição podem ser a contratação temporária dos concluintes de cursos de licenciaturas ou dos licenciados há mais tempo, a nomeação de candidatos aprovados em concursos ou mesmo a realização de novos concursos. Em todas elas, o fato é que isso incide em custos para o sistema educacional, seja em termos de formação, de processos de recrutamento ou de seleção, de contratação.
Ressalte-se que, embora a taxa de retenção dos professores possua polaridade positiva, cabe considerar os argumentos de Johnson, Berg e Donaldson (2005, p. 2) sobre a necessidade de se avaliar mais criticamente a capacidade de retenção nos distritos, pois, apesar de melhorar as taxas de retenção entre professores ser uma alta prioridade para muitos distritos escolares, deve-se também considerar a qualidade dos professores. É diferente considerar a saída de um “bom professor” e a de um profissional desengajado. Ingersoll (2003, p. 11) defendeu que uma baixa rotatividade pode ser benéfica para as organizações, substituindo aqueles considerados como “maus profissionais”. Contudo, ambas as argumentações se referem ao cenário vivenciado nos Estados Unidos, cujos processos de formação, seleção, contratação e demissão e as condições de trabalho são bem distintas do que se verifica no Brasil.
Os municípios brasileiros, com raras exceções, são considerados os entes federados com menor capacidade de financiamento, fazendo com que dependam de transferências intergovernamentais, notadamente o Fundo de Participação dos Municípios, o que os colocam em situação mais vulnerável dentro do pacto federativo (GIROLDO; KEMPFER, 2012). Essa condição impacta diretamente a oferta da Educação Básica pública, em especial as condições de trabalho, remuneração e carreira dos profissionais da educação. Nesse sentido, a intenção deste estudo é lançar luzes sobre essa realidade diversificada, oferecendo subsídios que possam orientar políticas que visem a corrigir os desequilíbrios que dela resultam.





