Resumo: As Escolas Complementares existiram nas primeiras décadas do Brasil Republicano com a finalidade de formar professores para escolas rurais multisseriadas. Este artigo apresenta resultados de investigação acerca da criação de Escolas Complementares nas cidades fronteiriças de Porto União (SC) e União da Vitória (PR). As cidades formam um único conjunto urbano, mas pertencem a Estados diferentes. Nasceram da antiga Porto União da Vitória (PR), dividida com o Acordo de Limites (1916) ao fim da Guerra do Contestado. Os trilhos da ferrovia que ligava São Paulo ao Rio Grande do Sul demarcam a fronteira interestadual. Esta investigação foi delimitada entre 1928 e 1938, quando ambas as municipalidades decidiram investir na formação de professores primários, criando e mantendo as duas escolas para egressos dos grupos escolares. Nesta pesquisa foram utilizadas fontes primárias das duas instituições, preservadas em arquivos escolares locais; notícias publicadas em periódicos; foram consultados arquivos públicos do Paraná e de Santa Catarina, entre outros. A pesquisa permitiu compreender a organização socioeducacional nas cidades, o papel das Escolas Complementares na formação de jovens moças e rapazes, a construção de representações sobre a formação para o magistério, o pertencimento à pátria, aos dois estados e aos municípios.
Palavras-chave: Escolas rurais multisseriadasEscolas rurais multisseriadas,Escolas ComplementaresEscolas Complementares,Formação de professoresFormação de professores.
Abstract: Complementary Schools existed in early decades of Republican Brazil in order to train teachers for rural and multi-graded schools. This article presents results from a research on the creation of Complementary Schools in the border towns Porto União (SC) and União da Vitória (PR). The towns form a single urban set, but they belong to different States. They were born from the former Porto União da Vitória (Paraná State, Brazil)), divided with the agreement called Acordo de Limites (1916) at the end of the Contestado war. The railroad tracks that linked São Paulo to the Rio Grande do Sul delimit the interstate border. This investigation was delimited between 1928 and 1938, when both towns decided invest in training teachers for the first years, by the creation of the two schools for egresses from the school groups. Primary sources from the two institutions were used in this research, preserved in local school archives; news published in newspapers; public archives of Paraná and Santa Catarina were consulted, among others. The research allowed understand the social-educational organization of both towns, the role played by the Complementary Schools in young women and boys, the construction of representations on the training for teaching, and the belonging to the mother country, the two states and the municipalities.
Keywords: Multi-graded rural schools, Complementary Schools, Teacher training.
Resumen: Escuelas Complementares existieron en las primeras décadas del Brasil Republicano con la finalidad de formar profesores para escuelas rurales multiseriais. Este artículo presenta resultados de investigación acerca de la creación de Escuelas Complementares en las ciudades fronterizas de Porto União (SC) y União da Vitória (PR). Las ciudades forman un único conjunto urbano, pero pertenecen a Estados diferentes. Nascieron de la antigua Porto União da Vitória (PR), dividida con el llamado Acordo de Limites (1916) al fin de la Guerra del Contestado. Los carriles del ferrocarril que ligaba São Paulo al Rio Grande do Sul demarcan la frontera interestatal. Esta investigación fue delimitada entre 1928 y 1938, cuando las dos ciudades decidieron invertir en la formación de profesores para los primeros años, creando y manteniendo las dos escuelas para egresos de los grupos escolares. En esta investigación fueron utilizadas fuentes primarias de las dos instituciones, conservadas en archivos escolares locales; noticias publicadas en periódicos; fueron consultados archivos públicos de Paraná y de Santa Catarina, entre otros. La investigación ha permitido comprender la organización socio-educacional en las dos ciudades, el role que jugaron las Escuelas Complementares en la formación de jóvenes mujeres y hombres, la construcción de representaciones sobre la formación para el magisterio, la pertenencia a patria, a los dos estados y los municipios.
Palabras clave: Escuelas rurales multiserias, Escuelas Complementares, Formación de profesores.
Artigos
Escolas complementares: um novo modelo de escola para formação de professores na região do Contestado (1928-1938)*
Complementary schools: a new school model for teacher training in the region of Contestado (1928-1938)
Escuelas complementarias: un nuevo modelo de escuela para formación de profesores en la región del Contestado (1928-1938)
Recepção: 17 Fevereiro 2018
Revised document received: 20 Junho 2018
Aprovação: 24 Junho 2018
Este artigo foi organizado com base em pesquisa de doutorado, tendo como temática central a organização socioeducacional e a formação de professores primários por meio das Escolas Complementares na região sul do Paraná e norte Catarinense, após a Guerra do Contestado. Objetivamos apresentar resultados de investigação acerca da criação dessas Escolas para a formação de professores primários nas cidades fronteiriças de Porto União (SC) e União da Vitória (PR), no período de 1928 e 1938. Os estabelecimentos de ensino congêneres oportunizaram inter-relação socioeducacional e mobilidade aos jovens estudantes e população das cidades.
A cidade de Porto União da Vitória (PR), que deu origem a Porto União (SC) e União da Vitória (PR), no ano de 19171, desenvolveu-se às margens do Rio Iguaçu, em terras do Paraná e, na segunda metade dos Oitocentos, foi local de passagem de tropeiros e de comércio. No final do século XIX, vapores transportavam riquezas e pessoas pelo vale do Iguaçu, como os colonos vindos da Europa e que se estabeleciam na região (SILVA, 2006; RIESEMBERG, 1978; MILIS, 2002).
Em 1906, os trilhos da ferrovia chegavam à cidade onde foi construída a estação ferroviária interligando São Paulo - Rio Grande do Sul e à cidade portuária de São Francisco do Sul (SC). Um dos indícios do crescimento local foi a inauguração de um prédio escolar construído com recursos do governo paranaense, nos primeiros meses de 1913, obedecendo a planta arquitetônica para os grupos escolares da época (CASTRO, 2009). Na Casa Escolar (que depois foi Grupo Escolar) poderiam funcionar até quatro escolas: duas masculinas, regidas por professores; e duas femininas, regidas por professoras. Mas, de acordo com Stentzler (2015), houve dificuldade para o provimento de professores para esse estabelecimento, situação similar ao que acontecia na região, nas escolas primárias, com professores leigos.
A falta de professores formados e dificuldade em receber os honorários por serviços prestados agravava a situação do ensino nas Escolas Rurais. Por meio do periódico Missões2 (Porto União da Vitória, 16/10/1910, p. 2), o jornalista e diretor José Julio Cleto da Silva denunciava que havia escolas funcionando em locais improvisados, onde atuavam, em geral, indivíduos “[...] açoutados pela necessidade, a míngua de instrucção profissional. [Recebendo] parco salário, somente pagável na capital do Estado”. O exercício da docência não era estimulado, embora houvesse necessidade de ampliar o número de escolas na região e supri-las com profissionais qualificados. Estes fatores ocasionavam a existência de várias cadeiras vagas, ou seja, não havia professor, conforme aponta pesquisa de Stentzler (2015).
A falta de professores não era sentida somente em escolas rurais. Durante a Guerra do Contestado, até mesmo na Casa Escolar Professor Serapião, na antiga cidade de Porto União da Vitória (PR), o número de escolas diminuiu em função da remoção ou licença de professores. Aqueles que permaneciam assumiam responsabilidades e recebiam o reconhecimento da comunidade. Exemplar foi a organização de uma “encantadora festa escolar” em 13 de maio, o Dia da Fraternidade dos Brasileiros (BRASIL, 1987), pela professora normalista Amasilia Pinto de Araújo, da 1ª cadeira feminina da Casa Escolar Professor Serapião e Bernardina Schleder, da Escola Isolada mista de Tocos (STENTZLER, 2015). A programação completa foi publicada no jornal Missões (Porto União da Vitória, 20/05/1916, p. 2).
No ano de 1917, apenas três dos sete professores que atuavam na cidade de União da Vitória eram normalistas. Inúmeras escolas rurais da região do Contestado funcionavam com professores leigos. No final de década de 1920, as Escolas Complementares3 foram criadas em ambas as cidades com o intuito de formar profissionais qualificados para lecionar em escolas rurais multisseriadas. Obedecendo a percursos formativos diferenciados, vinculados à legislação educacional específica, as duas escolas oportunizaram, aos jovens, a continuidade dos estudos e a empregabilidade. Estudos acerca da remodelação educacional foram realizados por Teive (2008), Höeller (2009; 2014), Fiori (1975), Moreno (2007), Souza (1998), entre outros.
Nesta região, cronologicamente, a primeira Escola Complementar foi criada pelo Decreto nº 2135, de 12 de março de 1928, na cidade de Porto União (SC), anexa ao Grupo Escolar Balduíno Cardoso (SANTA CATARINA, 1929). A segunda foi criada pelo Decreto nº 33, de 4 de janeiro de 1929, na cidade de União da Vitória (PR), anexa ao Grupo Escolar Professor Serapião (PARANÁ, 1929). Em 1935, as Escolas Complementares catarinenses foram transformadas em escolas normais primárias, existindo como tal até dezembro de 1938. Desenvolviam atividades educacionais aproximando pessoas da comunidade e escolares, com festividades cívicas, desfiles, exames e exposições de trabalhos, entre outros. Os futuros professores eram formados em ambiente cívico e de interação social, exemplo a ser seguido em sua trajetória profissional.
O processo de escolarização e formação de professores por meio das Escolas Complementares entretece-se ao contexto sociopolítico do período, idealizado por sujeitos sociais, portadores de conhecimentos e interesses relacionados à educação republicana. Respeitadas as especificidades das pesquisas de Febvre (2004, p. 35) sobre a Europa, nesta região fronteiriça, a educação nutriu-se da “[...] diversidade, de pedaços, de entulhos arrancados de unidades históricas anteriores, elas mesmas feitas de pedaços, de entulhos, de fragmentos de unidades anteriores”. A educação formal coexistiu com costumes e cultura das populações de imigrantes e dos sertanejos como, por exemplo, a crença nos ensinamentos dos Monges. Em uma analogia à acepção de Thompson (1981, p.58), sobre laboratórios da humanidade e respeitadas especificidades do estudo, “nunca poderemos retornar [...] impor nossas próprias condições, e repetir novamente o experimento”, por isto nosso conhecimento do passado é realizado por meio de vestígios que permitem compreender a organização socioeducacional na região, como parte de um conjunto maior, que repercute até os dias atuais.
A pesquisa foi realizada nos arquivos públicos do Paraná e de Santa Catarina, bem como na Biblioteca Pública do Paraná e Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Também foram utilizados periódicos locais, como O Comércio, cujos exemplares do arquivo foram disponibilizados para consulta. Os documentos escolares relacionados ao Grupo Escolar Professor Serapião de União da Vitória (PR) e Escola Complementar anexa foram inventariados cerca de trinta fontes primárias. Trata-se de acervo significativo, com transcrição total dos documentos encontrados no arquivo que, atualmente, está sob a guarda da Escola Municipal Professor Serapião, que funciona no mesmo estabelecimento que foi construído em 1917. O acervo e o prédio histórico localizado na área central de União da Vitória constituem Patrimônio Histórico Cultural, tombado em 1988 (KLEIN, 2013).
A Escola de Educação Básica Balduíno Cardoso guarda o acervo com documentos centenários, como a primeira ata de visita às Escolas Reunidas de Porto União, criadas em 1918; do Grupo Escolar Balduíno Cardoso (1927); da Escola Complementar anexa (1928), transformada em Escola Normal Primária (1935) e extinta em 1938, entre outros. No arquivo do Grupo Escolar Balduíno Cardoso foram catalogadas cerca de 350 fontes primárias. Entre elas estão livros de visitas assinados por autoridades, livros destinados aos registros de inspetores escolares, livro ponto, registros de reuniões pedagógicas, diplomas, relatórios anuais do curso primário e do curso normal, entre outros.
O trabalho de catalogação de fontes está vinculado ao Núcleo de Catalogação, Estudos e Pesquisas em História da Educação (Nucathe) do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), campus de União da Vitória, criado em 2009 com a finalidade de conhecer a história da Educação na região, por meio de pesquisas histórico-educacionais, compreendendo o processo educacional como parte de um contexto macro.
A Reforma da Instrução Pública (SANTA CATARINA, 1910) catarinense foi orquestrada pelo Professor paulista Orestes Guimarães, durante o governo de Vidal Ramos, em 1910. Em 1911 foi publicado ad Referendum do Congresso, o Regulamento das Escolas Complementares (SANTA CATARINA, 1911), com a finalidade de “desenvolver o ensino dos alumnos que tenham terminado o curso dos grupos escolares” difundindo a instrução primária no interior do Estado (SANTA CATARINA, 1911, p. 5). Com o exemplo das Casas Escolares, que já existiam no Paraná, no mesmo ano em que foi assinado o Acordo de Limites (RASIL, 1916), as Escolas Reunidas foram regulamentadas (SANTA CATARINA, 1916) em Santa Catarina. No ano de 1918, as Escolas Reunidas foram instituídas na cidade de Porto União (SC), ocupando o prédio onde funcionou a Casa Escolar Professor Serapião até o Acordo de Limites (SANTA CATARINA, 1919).
Nas Escolas Reunidas de Porto União (SC) funcionaram escolas multisseriadas, em número compatível com as salas de aula disponíveis. Em decorrência do processo de uniformização das atividades desenvolvidas nos estabelecimentos escolares catarinenses, no ano de 1927, as Escolas Reunidas de Porto União (SC) foram elevadas à categoria de Grupo Escolar, com mais outros dez estabelecimentos do gênero, no Estado de Santa Catarina. Iniciou então, o Grupo Escolar Balduíno Cardoso (SANTA CATARINA, 1928a). Sua existência foi fundamental para que, em Porto União (SC), pudesse ser criada uma Escola Complementar anexa ao Grupo Escolar, a qual existiu entre 1928 e 1935, ano que foi transformada em Escola Normal Primária (SANTA CATARINA, 1936). Em 1938, as Escolas Normais Primárias foram extintas (SANTA CATARINA, 1939) em Santa Catarina. As disciplinas das Escolas Complementares catarinenses eram as mesmas dos dois primeiros anos das Escolas Normais. Com isto, caso desejasse, o complementarista cursaria apenas o último ano da Escola Normal, formando-se normalista.
Sua instalação exigiu o investimento financeiro das municipalidades. O Decreto nº1599, de 11 de outubro de 1927, que autorizou a criação dessa Escola em Porto União (SC), previa que o Município recolhesse anualmente (mas, em parcelas trimestrais) o valor de 3:600$000 (três contos e seiscentos mil réis) aos cofres do Estado (SANTA CATARINA, 1928b, p. 58). A permanência da Escola Complementar no Município estava articulada a do Grupo Escolar, o qual deveria ter matrícula mínima de 150 alunos e frequência mínima de 70 deles em cada seção (a masculina e a feminina). A Escola Complementar de Porto União funcionava em turno contrário ao Grupo Escolar, com disciplinas ministradas por três professoras normalistas do Grupo Escolar e o Diretor, de acordo com Stentzler (2015).
No Estado do Paraná, os Códigos de Ensino de 1915 e 1917 previam o funcionamento das Escolas Intermediárias, com o fim de preparar alunos para a entrada no primeiro ano da Escola Normal. Quem desejasse ingressar no magistério, após a conclusão da Escola Intermediária, seria contratado como professor efetivo4 em escolas primárias (PARANÁ, 1915; 1917). As Escolas Complementares Primárias (PARANÁ, 1925) foram criadas no ano de 1925 e, a exemplo do vizinho estado de Santa Catarina, funcionariam em anexo ao grupo escolar, ofertando ensino profissionalizante em quatro distintas modalidades. Essas Escolas deveriam ser espaços de formação para combater “vícios da nossa organização didactica”, aperfeiçoar a “escola brazileira para os seus grandes ideais de educação popular e nacionalização”, conforme a mensagem do Presidente do Estado do Paraná à Assembléia Legislativa (ROCHA, 1928, p. 213). A mensagem revela dados sobre a docência no Paraná. Havia
[...] 1269 professores atuantes no Estado do Paraná. Desses, 884 trabalhavam em escolas isoladas e 68 eram normalistas; 203 eram efetivos; 198 subvencionados federais ou estaduais (nem sempre formados) e 405 provisórios, os professores “improvisados” sem formação, mas eram eles que garantiam o funcionamento de grande parte das Escolas Isoladas do interior do Estado. Embora em menor número, os professores provisórios também lecionavam nos Grupos Escolares (STENTZLER, 2015, p. 108).
Formar professores era uma necessidade. Os normalistas correspondiam a somente 5,36% do total de docentes atuantes. As escolas isoladas eram em maior número nas várias áreas do Estado, bem como na região do Contestado. Rocha (1928, p.1) concluía que, “apesar da existência das três escolas normaes e das duas Escolas Complementares normaes [no Paraná], ainda não temos o numero sufficiente de professores que precisamos para o provimento de todas as escolas do Estado.” As escolas complementares foram uma alternativa possível para a qualificação de pessoas em cidades do interior do Estado.
O regulamento para esses estabelecimentos previa que os municípios paranaenses poderiam “solicitar a sua instalação [da Escola Complementar Primária] desde que concorram com o apparelhamento necessário ao seu completo funcionamento” (PARANÁ, 1925, p. 1). Em União da Vitória, a Escola Complementar funcionou em imóvel alugado, pois o Grupo Escolar não possuía espaço suficiente. Os docentes eram escolhidos entre os que atuavam no Grupo Escolar Professor Serapião, e uma das classes (do primeiro ou segundo ano) teria a regência do(a) Diretor(a) do estabelecimento, conforme Stentzler (2015).
Na fotografia em seguida (Figura 1), datada de 1929, possivelmente feita diante do edifício alugado para a Escola Complementar Primária anexa ao Grupo Escolar Professor Serapião, estavam 12 meninos e 13 meninas, todos uniformizados, junto a dois prováveis professores. Na fotografia não há registro de nomes dos alunos ou alunas e quais séries cursavam no Grupo Escolar e/ou da Escola Complementar. Entretanto, segundo registro no verso da imagem, a mulher ao centro é a professora normalista Amasilia Araújo. O homem à esquerda não foi identificado. Contudo, considerando que a fotografia foi feita em 1929, possivelmente é Tancredo Martins de Oliveira, professor e diretor do estabelecimento de ensino.

A existência de duas Escolas Complementares, com currículos específicos nas cidades vizinhas de Porto União (SC) e União da Vitória (PR), ampliou possibilidades de escolarização para egressos do curso primário. Este modelo foi uma solução mais viável, utilizando a estrutura física e os docentes já atuantes nos respectivos Grupos Escolares. Contudo, Stentzler (2015) aponta a existência de algumas particularidades, além das curriculares:
Em relação às matrículas, na Escola Complementar de União da Vitória (PR) poderiam ingressar os formados em Grupos Escolares, Escolas Isoladas ou escolas particulares, desde que comprovassem a Conclusão do Curso mediante documentação. Na Escola Complementar de Porto União (SC) exigia-se apresentar o certificado de conclusão de Grupos Escolares. Entretanto, em ambas as escolas os candidatos poderiam ingressar via exame de admissão, caso não houvesse documentação comprobatória da conclusão.
Na Escola Complementar de Porto União (SC) não havia idade mínima para ingresso; enquanto na congênere paranaense, o candidato deveria comprovar ter, pelo menos, 15 anos. Conforme apontou Stentzler (2015), a Diretoria de Instrução Pública do Estado recebeu uma denúncia sobre o descumprimento desta normativa, fato que motivou a instalação de sindicância conduzida pelo Inspetor J. Busnardo. Constatada a desobediência ao Código de Ensino do Paraná, o inspetor “determinou que os alunos em situação irregular fossem matriculados no 4º ano do Grupo Escolar”, afastando o diretor do estabelecimento e designando, como diretora interina, a Professora Amasilia Araujo (BUSNARDO, 1933, p. 4).
Quanto aos benefícios, os concluintes da Escola Complementar de Porto União (SC) poderiam matricular-se no terceiro ano da Escola Normal, gozando de “todos os direitos e prerrogativas que as leis estaduais outorgam aos complementaristas” (BREKENBROK, 1935, p. 14). A congênere, de União da Vitória (PR), habilitava os concluintes do primeiro ano à matrícula no Ginásio; os do segundo ano a matricular-se no primeiro ano da Escola Normal; e o §3º do Art. 107 do Código de Ensino do Paraná garantia aos egressos “ser nomeados professores effectivos” (PARANÁ, 1917, p. 19). Contudo, para frequentar qualquer uma das escolas, os estudantes necessitavam do consentimento do pai, tutor, protetor ou da pessoa por eles responsável.
Os trilhos do trem, de marco divisório, constituíram-se um espaço de mobilidade. Estudantes e professores puderam optar por estudar ou lecionar em ambos os municípios. Em pesquisa realizada por Souza e Faria Filho (2006, p. 47) evidenciou-se, também, a “[...] possibilidade de melhoria de vida, de ascensão social, mediante melhores empregos e salários, com oportunidade de participação política, social, econômica e cultural”, devido ao maior nível de escolaridade propiciado. Para Stentzler (2015, p. 96), as Escolas Complementares, “ao ampliarem as possibilidades de formar os jovens professores nas suas próprias localidades, possibilitaram uma oportunidade de permanência e, muitas vezes, melhoria de condição social” e, no caso de Porto União (SC) e União da Vitória (PR), extrapolando limites político-administrativos.
A educação nas cidades fronteiriças foi permeada por políticas e interesses que marcavam a república brasileira, mas eram comuns a ambos os Estados, na busca pela conformação socioeducacional na região. O agrimensor José Cleto (1954, p. 54) verificou existir moradores que “vivem abandonados e pobres [...] seus filhos crescem sem conhecer o alfabeto porque escolas não existem!” Em 1929, o Inspetor Escolar Tancredo Martins de Oliveira percorreu escolas isoladas do Município de União da Vitória (PR), destacando elementos que, direta ou indiretamente, favoreceriam a criação da Escola Complementar. De acordo com Stentzler (2015), Oliveira destacou a carência de bons professores, registrando que “professores há, em minha jurisdição, que além de atrasadíssimos não falam a língua brasileira” (OLIVEIRA, 1929, p. 147). Em algumas colônias, a língua estrangeira concorria com a portuguesa.
Para Stentzler (2015, p. 96), a busca pela consolidação de um “modelo de escola e, mais que isso, uma cultura escolar nova, brasileira, também contribuiu para a criação de Escolas Complementares nas cidades vizinhas”, pois as escolas locais seriam lugares apropriados para a alfabetização e a formação de cidadãos brasileiros, em uma região que foi diretamente afetada com conflitos internos, dividida entre os dois Estados. Soma-se a esta questão as particularidades que caracterizavam as diferentes colônias de imigrantes, inclusive não aceitando professores brasileiros, como consta no relatório do inspetor Tancredo Martins de Oliveira: “[...] por tal motivo a posse da professora Judith foi dada quase que a força. Hoje está ela trabalhando regularmente e promete mesmo ser uma professora das que necessitamos. É trabalhadora” (1929, p.148-149).
Estudantes da Escola Complementar praticavam o que aprendiam em suas escolas, especialmente durante as inúmeras solenidades noticiadas pela imprensa local, compreendendo exames, exposições escolares, formaturas, festas de encerramento, desfiles, comemorações cívicas, entre outras. Atividades de integração entre escola e comunidade estavam previstas no calendário escolar e distribuídas ao longo do ano letivo. O calendário, conforme Le Goff (1990, p. 13) é “produto da expressão histórica, está ligado às origens míticas e religiosas da humanidade (festas), aos progressos tecnológico e científico (medida do tempo), à evolução econômica, social e cultural (tempo do trabalho e tempo do lazer)”. O calendário escolar é harmonizado ao calendário civil e religioso, estabelecendo o tempo escolar, em um ciclo anual de atividades onde professores, estudantes e sociedade interagem.
Na região, a escola constituía um espaço de integração, aproximação e esperança. Oportunizava, também, a construção de referenciais de identidade social, tanto paranaense ou catarinense, quanto brasileiro, perpassando a construção de conhecimentos para os futuros professores. Um exemplo da potencialidade socioeducacional da escola foi a solenidade de 1932 quando, sob o olhar atento de familiares e amigos, alunos do Grupo Escolar Balduíno Cardoso e da Escola Complementar anexa participaram da solenidade em 3 de Maio5, data em que se comemorava o Descobrimento do Brasil. O festejo reuniu, a partir das 15h30min, no pátio do Grupo Escolar, um grande número de “exmas. famílias e cavalheiros” para uma
[...] imponente festa escolar, organizada pela diretoria do Grupo Escolar Professor Balduíno Cardoso, desta cidade [...] às dezesseis horas, formavam gaborosamente, em frente ao prédio escolar, os alunos do Grupo e da Escola Complementar anexa, que, acompanhadas pelo Sr. Professor Antonio Gasparello, director, e demais docentes, entoavam o Hino do Grupo (O Comércio, Porto União, 08/05/1932, p. 1).
Com notícias como esta, a imprensa disseminava representações, tanto sobre a nação (sua datas magnas) quanto sobre a escolarização e seus resultados, transformando o conteúdo escolar em parte da vida das pessoas. Consideradas as especificidades da pesquisa, Hobsbawn (1990) tece considerações sobre os mecanismos de identificação nacional e os meios utilizados para esse fim na Europa do fim dos anos 1910. Os veículos de comunicação, inclusive a imprensa, têm o potencial de transformar “o que, de fato, eram símbolos nacionais em parte da vida de qualquer indivíduo e, a partir daí, romper as divisões entre a esfera privada e local, nas quais a maioria dos cidadãos normalmente vivia, para as esferas pública e nacional” (HOBSBAWN, 1990, p.170). Ao divulgar e enaltecer as festividades escolares, a imprensa reforçava o trabalho realizado pela escola, visando à conformação do espírito nacional, em que cidadãos “[...] reconhecem-se mutuamente como membros de coletividades e de comunidades” (HOBSBAWN, 1990, p. 63-64). Hinos, cânticos escolares, poesias e literatura, entre outros, faziam parte do cotidiano das escolas, cultivando o sentimento de ser paranaense, ou catarinense, nas cidades fronteiriças.
As Escolas Complementares foram uma resposta possível às necessidades e possibilidades de ambas as municipalidades. Podemos compreender sua inserção no cotidiano das cidades, em um determinado tempo histórico, obedecendo a “limites do que é politicamente [...] intelectual e culturalmente possível”, conforme Thompson (1998, p.77), respeitadas as especificidades da pesquisa. Também nas cidades, a organização da educação esteve condicionada aos interesses políticos, econômicos e aos processos de formação, marcando a escolarização primária e a ação de professores.
Esses estabelecimentos de ensino foram fundamentais para a região. Embora já passassem duas décadas do início da Guerra do Contestado, a educação dos sertanejos ainda era um desafio. Socialmente excluídos, durante a guerra, famílias e comunidades produziam para a subsistência. Comercializavam alimentos e armas em alguns pontos das margens do rio Timbó, afluente do rio Iguaçu, conforme escreve Machado (2004). Em um dos registros realizados durante a guerra, Cleto da Silva, o diretor do periódico Missões (Porto União, 27/11/1915, p.2), escreve que a falta de escolarização da população sertaneja os levava a agir seguindo “a seus maos conselheiros”. Para ele, as pessoas deixavam transparecer “os longos soffrimentos que vinham suportando, devido a sua ignorância” (p.2). Para Cleto da Silva, a pobreza, as doenças, a fome e a ignorância compunham um quadro desolador. A condição de analfabetismo e representações construídas sobre as populações de sertanejos exemplificava a necessidade e potencialidades da educação.
A população de imigrantes também era numerosa na região. De acordo com Stentzler (2015), diferentemente dos sertanejos, os colonos vindos da Europa eram portadores de uma tradição em que a escola fazia parte do seu cotidiano. Nas colônias, as escolas primárias eram construídas pelos próprios colonos. Um artigo publicado pelo jornal O Comércio, nos primeiros anos da década de 1930, permite compreender dificuldades vividas por um professor vindo de Florianópolis (SC), nomeado para a regência de uma escola em uma comunidade rural de Porto União (SC). Desconhecendo a realidade local, no primeiro momento, não localizou a comunidade onde lecionaria. Quando chegou ao local onde seria professor, “[...] viu-se logo a braços com todas as dificuldades, pois os colonos lhe declararam que só aceitariam, na escola pública estadual, um professor que falasse a língua polaca!” (O Comércio, Porto União, 29/05/1932, p. 2).
Notícias como esta reforçavam e justificavam o investimento do Estado (para a formação de professores primários) e dos municípios fronteiriços (com aluguel de imóvel ou repasse financeiro) para a criação e manutenção das Escolas Complementares anexas aos Grupos Escolares das duas cidades, pois ambas formariam os professores para escolas primárias e seriam, conforme escreve Teive (2008, p. 34) as “instâncias civilizadoras e inculcadoras de novos valores [nacionais] e normas de comportamento”. Os alunos dessas Escolas eram os egressos das Escolas Primárias das cidades vizinhas; portanto, jovens conhecedores da realidade local, e as Escolas Complementares proveriam, com mestres brasileiros, as escolas rurais dos municípios.
De acordo com Stentzler (2015), o intercâmbio na região fronteiriça intensificou-se, com a nomeação de complementaristas para lecionar nas áreas rurais, em particular em colônias de imigrantes ou comunidades mais populosas. Muitos deles eram nascidos e/ou formados no Paraná e se efetivaram como professores em Santa Catarina, ou vice-versa. Um exemplo é da complementarista Noêmia Schultz, uma “inteligente professora” nascida no Paraná e formada em 1932, na Escola Complementar de Porto União (SC), nomeada para reger a recém-criada Escola Estadual na Colônia Maratá, também em Porto União - SC (O Comércio, Porto União, 7/10/1934, p. 6).
A imprensa foi uma grande difusora de ideais educacionais. Independente da fronteira interestadual, os periódicos locais produziram e disseminaram representações sobre as Escolas Complementares e a educação, indicando que os limites interestaduais não eram empecilho para solenidades cívico-educacionais conjuntas. Exemplar é o caso da matéria publicada na primeira página do jornal A Imprensa, de Porto União, SC, (02/06/1929) referente à inauguração de retratos do Presidente do Estado do Paraná, Afonso Camargo, e do Diretor Geral do Ensino paranaense, Sr. Ostílio do Amaral, no edifício da Escola Complementar de União da Vitória (PR), com a presença de
[...] altas autoridades de União da Victória [como o prefeito Dr. Penido Monteiro], o Professor João Rodrigues, official de gabinete do Diretor de Ensino Paranaense, o Dr. Arthur Santos, representante do Chefe da Polícia, o Deputado Catharinense Cid Gonzaga, o Diretor do Grupo Professor Balduíno Cardoso [o professor] Estevam Juck, o Dr. Antonio Gonzaga, delegado de Hygiene e o Capm. Delegado especial de Porto União, innumeras senhoras, senhoritas e vários cavalheiros das duas cidades (A Imprensa, Porto União,02/06/1929, p. 1).
Comparada a uma colmeia de ensino, a Escola Complementar de União da Vitória (PR) era festejada por autoridades locais. Era o maior nível de escolarização em escola pública nas cidades. Na ocasião, a estudante complementarista Maria Araujo (filha da professora Amasilia Araujo) fez uso da palavra, com “uma bela allocução de agradecimentos aos fundadores daquela colméia de ensino” (A Imprensa, Porto União, 02/06/1929, p. 1), composta por um Jardim de Infância, um Grupo Escolar e uma Escola Complementar. Formar cidadãos capazes de promover o “engrandecimento do ensino pátrio” era a meta principal das escolas situadas na região de fronteira interestadual, mas, para alcançá-la, era necessário o compromisso conjunto de “alunos e professores”, conforme palavras do Oficial de gabinete do Diretor de Ensino Paranaense, Professor João Rodrigues (A Imprensa, Porto União, 02/06/1929, p. 1).
À abertura da exposição de trabalhos manuais dos alunos do Grupo Escolar Professor Serapião somava-se a inauguração do retrato, engrandecendo a festividade. As portas do saguão, ornadas “com um laço de fita verde e amarelo”, foram descerradas pelo deputado catarinense e diretor do periódico A Imprensa, Sr. Cid Gonzaga (A Imprensa, Porto União, 02/06/1929, p.1). As memórias deste evento, eternizadas pela imprensa, estão impregnadas de caráter simbólico. Na solenidade de cunho cívico-patriótico, símbolos nacionais e resultados educacionais eram exibidos conjuntamente. Este registro, feito por meio do periódico, indica que a escola oportunizava, aos jovens estudantes, autoridades e familiares, novas perspectivas para o futuro a partir da educação. Os resultados eram atribuídos ao “esforço e dedicação” de todos os envolvidos, causando a “mais agradável impressão [...] reveladora do aproveitamento dos alunos e do esforço dos professores” (A Imprensa, Porto União, 02/06/1929, p.1). Eventos como este disseminavam, na comunidade, representações acerca do papel da escolarização infantil, primária e o trabalho de professores.
A exposição de trabalhos era um dos mais importantes momentos festivos da escola e de apresentação de resultados para a comunidade. Marcava o encerramento do ano letivo e, juntamente com os exames escolares, estabelecia uma “hierarquia da excelência [quando] o saber do aluno evidenciava não somente a apropriação de um capital cultural socialmente valorizado [...] como manifestava a qualidade do ensino ministrado pela escola” (SOUZA, 1998, p. 245). Cada escola organizava exposições de seus alunos, integrando pessoas das duas cidades. Famílias eram convidadas, livros de honra assinados, diplomas e premiações entregues aos formandos. A imprensa enaltecia a presença de familiares, distintos cavalheiros e autoridades civis, militares e eclesiásticas do âmbito local e estadual.
As duas Escolas Complementares cumpriram um papel formativo até então inexistente no panorama socioeducacional da região. Pela primeira vez na história das cidades (e antes delas, de Porto União da Vitória), egressos do primário vislumbraram uma perspectiva de continuidade de estudos nas cidades, com formação que os habilitava para o mercado de trabalho, como professor primário. Uma das diplomadas da primeira turma foi Alice de Paula Dias, filha do escrivão local, egressa da Escola Complementar anexa ao Grupo Escolar Professor Balduíno Cardoso de Porto União (SC). Manuscrito, emitido em dezembro de 1931, sob o registro nº1 no livro de registos, seu diploma6 da Escola Complementar revela aspectos, como o estado e ano do nascimento, disciplinas cursadas e médias finais, assim como os direitos profissionais a ela concedidos. Foi assinado pelo diretor do estabelecimento, o educacionista professor Antonio Gasparelo. Nomeada logo após sua formatura, o exemplo da Alice de Paula Dias e de seu pai poderia ser seguido por outros jovens e pais das cidades. Sua nomeação foi noticiada nas páginas do jornal O Comércio (Porto União, 1/5/1932, p. 1):
Foi nomeada professora da Escola de Pinheiros, no distrito de Vallões, a senhorinha Alice de Paula Dias, complementarista diplomada pela Escola Anexa ao Grupo Escolar Prof. Balduíno Cardoso, desta cidade, e filha do Sr. Francisco de Paula Dias, antigo e correcto escrivão do Registro Civil. [...] Cumprimentando a jovem professora, felicitamos também ao estimado educacionista professor Antonio Gasparelo, pôr ver já nomeada uma das componentes da primeira turma, que a Escola Complementar, a seu Cargo, diplomou no ano findo.
A professora Alice de Paula Dias representava o êxito da Escola Complementar catarinense na formação de professores primários. Seu pai era um ex-professor, considerado como um “antigo e correcto escrivão” (O Comércio, Porto União, 1/5/1932, p.1), que foi parabenizado por enviar a filha à escola, exemplo que deveria ser seguido por outros pais. E assim, escolas isoladas como, por exemplo, a da localidade de Pinheiros (no distrito de Vallões), passaram a ter jovens professores Complementaristas lecionando, pessoas que conheciam muitos aspectos da cultura e vida das populações da região do ex-Contestado. Notícias como a de Alice de Paula Dias enalteciam o trabalho nas Escolas Complementares. Como no exemplo dela, outros complementaristas formados após esse ano foram nomeados para lecionar em escolas rurais multisseriadas.
O ano de 1935 marcou a formação de professores em Santa Catarina e nas cidades vizinhas, pois a Escola Complementar anexa ao Grupo Escolar Balduíno Cardoso foi transformada em Escola Normal Primária (SANTA CATARINA, 1935)7. Os egressos receberiam diplomas de Normalistas Primários. A mudança foi informada aos moradores de Porto União (SC) e também de União da Vitória (PR) pelo jornal O Comércio (Porto União, 17/01/1935), com uma notícia discreta, sobre a transformação da Diretoria de Instrução Pública catarinense em Departamento de Educação, “[...] abrangendo o ensino pré-primário, fundamental-comum, supletivo, secundário e vocacional para o preparo completo do magistério primário e secundário [...]” (O Comércio, Porto União, 17/1/1935, p. 2). Com a alteração, mudou também o currículo da Escola Normal Primária, incluindo a disciplina Noções de Pedagogia e Psicologia no terceiro ano, conteúdo específico do Curso Normal.
A primeira turma de normalistas primários formou-se em dezembro de 1935. Após o encerramento dos exames escolares (O Comércio, Porto União, 28/11/1935), pais e população em geral eram convidados para a abertura da exposição de trabalhos manuais: “[o] acto [de abertura da exposição], que será solene, terá a comparência [sic] das autoridades locais e será presidido pelo Promotor Público João Cleto Mourão” (O Comércio, Porto União, 05/12/1935, p. 4). Ao prestigiar a abertura de trabalhos manuais da Escola Normal Primária e do Grupo Escolar Balduíno Cardoso, as autoridades enalteciam a escolarização. O periódico citado detalha que o evento de encerramento foi realizado em duas partes, com intervalo para “[...] distribuição de prêmios, assinatura do livro de honra, distribuição dos Boletins de promoção e Diplomas, discursos do paraninfo [Inspetor Escolar Germano Wagenführ] das normalistas diplomadas e do aluno Cícero França8, após o que será vocalizado o Hino à Escola Normal” (O Comércio, Porto União, 12/12/35, p. 3).
Naquele ano, a Escola Normal Primária registrou a matrícula de alunos formados na Escola Complementar Primária de União da Vitória, em busca de continuidade de estudos e do diploma de normalista primário. Conforme Stentzler (2015, p. 118), estes são
[...] indícios de uma inserção profissional na região e valorização do estudo. [...] No de Porto União (SC) e União da Vitória (PR), havia dois estabelecimentos de ensino que, com nuanças curriculares estaduais, motivaram o intercâmbio de alunos, futuros professores e que, notadamente, a partir de 1935, buscaram ampliar suas possibilidades de atuação profissional, este fato parece ter ocorrido com Cícero Otomar de França, filho de pai militar e com Guilhermina Liegel, ambos diplomados em 1934, na Escola Complementar paranaense e formados, em 1935, na Escola Normal Primária catarinense.
Em pouco tempo, mudanças significativas aconteceram devido às políticas do Estado Novo, com a ditadura de Vargas iniciada em 1937 concorrendo para a nacionalização do ensino. Foram fechadas inúmeras escolas étnicas na região do Contestado. As Escolas Normais Primárias de Santa Catarina foram extintas em 1938 (SANTA CATARINA, 1939). Em seu lugar foi implantado o Curso Complementar, o qual seguia um currículo padronizado a partir do Colégio Pedro II. Extinguiam-se as especificidades das Escolas formadoras de professores que marcaram a história da educação nas cidades fronteiriças de Porto União (SC) e União da Vitória (PR). A nova proposta educacional não mais priorizava a formação de professores primários para o meio rural.
Fragmentos do passado permitem compreender aspectos da existência dessas escolas e o trabalho desenvolvido pelos educadores que nelas atuaram. Em quadros de formatura feitos em madeira nobre, como das Figuras 2 e 3, cuidadosamente entalhados, acessamos parte da história desse processo de escolarização e de formação de professores inserida na memória socioeducacional de uma região. Para Le Goff (1990, p .465), respeitadas as especificidades da pesquisa, o uso das fotografias como recurso para a memória coletiva “[...] multiplica-a e democratiza-a, dá-lhe uma precisão e uma verdade visuais nunca antes atingidas”, como é o caso da próxima ilustração, que traz a turma de normalistas primários formados em 1937.


A Figura 3 é um quadro de 1938, com formandos da Escola Complementar Primária de União da Vitória (PR). Junto com os professores, cujas imagens estão na parte superior do quadro, estão as imagens de 8 formandos: 3 moças e 5 rapazes (Figura 2). Este quadro de formatura eterniza o momento que jovens alunos tornaram-se complementaristas, também homenageando a Escola Complementar anexa ao Grupo Escolar Professor Serapião, de União da Vitória (PR), onde se formaram.
Tornar-se um professor complementarista representava seguir uma carreira profissional respeitada e valorizada, tanto para moças quanto para rapazes. Por meio dessas Escolas, muitos jovens atingiam o maior nível de escolarização possível em cidades do interior. Como escreveu o Inspetor Escolar Germano Wagenführ (1939, p.49), “espero, pois, que todos, animados do mesmo ideal prossigam com todo o entusiasmo e até sacrifício, a cooperar nesta grande obra patriótica da alfabetização dos jovens brasileiros”. A Escola Complementar era o local em que se replicavam possibilidades de construção de uma atmosfera de saber, onde mulheres e homens eram formados para o mundo do trabalho, de acordo com projetos e ideais hegemônicos de uma elite dominante.
O processo de escolarização de massas e a necessidade de formação de mão de obra qualificada para atuar em setores estratégicos, como a Educação, levou o governo a adotar mecanismos de formação que pudessem ampliar a escolarização também em cidades do interior dos Estados do Paraná e de Santa Catarina. As Escolas Complementares ocuparam espaço fundamental na ampliação do conhecimento escolarizado, na elevação do nível de escolarização local (até então o maior nível era o primário) e suprindo, com profissionais, um campo de trabalho em escolas primárias multisseriadas rurais.
As municipalidades de Porto União (SC) e União da Vitória (PR), cujas raízes estão assentadas na disputa territorial da Guerra do Contestado (1912-1916), assumiram desafios e viveram experiências que oportunizaram a ambas tornarem-se centro irradiador de conhecimentos no interior dos Estados. Se a realidade anterior à criação de Escolas Complementares era de que professores normalistas nomeados (e que vinham de fora) permanecessem por poucos meses regendo uma escola, ou conforme afirmou o governador Adolpho Konder, se recusavam a “servir em escolas isoladas rurais” (1928, p. 69), devido à distância das cidades de origem ou outros fatores, este quadro tendia a mudar, na medida em que as cidades formavam seus professores primários e eles fossem nomeados para lecionar em escolas rurais multisseriadas. Esta era uma realidade comum aos dois Estados.
As Escolas Complementares foram o maior nível de escolarização pública nas cidades. Com especificidades curriculares, os estabelecimentos de ensino oportunizaram a mobilidade de jovens entre os dois Estados. A pesquisa em arquivos históricos forneceu documentos com pistas para compreender o papel dessas escolas na formação de professores primários para a região, que se reerguia no pós-guerra do Contestado. A inter-relação entre passado e presente, revelada por registros documentais, permitiu a compreensão de mudanças socioeducacionais na região do Contestado. Elos unem passado, presente e futuro na formação de professores, hoje, também realizada por meio de cursos de licenciatura na Universidade Estadual do Paraná.


