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Formação docente, avaliação e prática pedagógica - questões debatidas em pesquisas acadêmicas produzidas no âmbito do Projeto Alfaletrar
Teacher education, evaluation and pedagogical practice - issues discussed in academic researches produced within the scope of the Alfaletrar Project
Formación docente, evaluación y práctica pedagógica - cuestiones debatidas en investigaciones académicas producidas en el ámbito del Proyecto Alfaletrar
Práxis Educativa, vol. 13, núm. 3, pp. 878-893, 2018
Universidade Estadual de Ponta Grossa

Dossiê: Alfabetização e formação de rede: novas perspectivas, novos desafios


Recepção: 30 Março 2018

Revised document received: 11 Junho 2018

Aprovação: 12 Junho 2018

DOI: https://doi.org/10.5212/PraxEduc.v.13i3.0014

Resumo: A formação continuada de professores, as avaliações sistêmicas, o trabalho com a linguagem na Educação Infantil e a literatura foram temas de seis pesquisas realizadas da Rede Municipal de Lagoa Santa, Minas Gerais. As pesquisas foram desenvolvidas no período de 2011-2016 e, em cada uma, o Projeto Alfaletrar foi analisado sob perspectivas diferentes. O objetivo deste artigo é apresentar e discutir os seis trabalhos acadêmicos que tomaram o Projeto Alfaletrar como objeto de conhecimento ou que fizeram dele campo de investigação para o desenvolvimento de pesquisa. A análise das pesquisas revelou que é possível elaborar projetos semelhantes em outros municípios, desde que sejam resguardadas as especificidades locais, a garantia de continuidade do processo formativo e o compromisso de gestores e de professores.

Palavras-chave: Projeto Alfaletrar, Alfabetização, Políticas públicas.

Abstract: Continuing education of teachers, systemic evaluations, the work with language in Childhood Education and literature were themes of six researches carried out at the Municipal Network of Lagoa Santa, Minas Gerais, Brazil. The researches were developed in the period of 2011-2016 and, in each one, the Project Alfaletrar was analyzed under different perspectives. The objective of this paper is to present and discuss those six academic papers that approached the Alfaletrar Project as an object of knowledge or that have made it a field of research for the development of research. The analysis of the researches revealed that it is possible to develop similar projects in other cities, provided the local specificities are safeguarded, the continuity of the educational process is ensured and the commitment of managers and teachers.

Keywords: Alfaletrar Project, Literacy, Public policies.

Resumen: La formación continua de profesores, las evaluaciones sistémicas, el trabajo con el lenguaje en la Educación Infantil y la literatura fueron temas de seis investigaciones realizadas de la Red Municipal de Lagoa Santa, Minas Gerais. Las investigaciones fueron desarrolladas en el período de 2011-2016, y en cada una se analiza el Proyecto Alfaletrar bajo diferentes perspectivas. El objetivo de este artículo es presentar y discutir los seis trabajos académicos que tomaron el Proyecto Alfaletrar como objeto de conocimiento o que lo hicieron campo de investigación para el desarrollo de ésta. El análisis de las investigaciones reveló que es posible elaborar proyectos semejantes en otros municipios, desde que sean resguardadas las especificidades locales, la garantía de continuidad del proceso formativo y el compromiso de gestores y de profesores.

Palabras clave: Proyecto Alfaletrar, Alfabetización, Políticas públicas.

Introdução

Este artigo tem como objetivo apresentar e discutir trabalhos acadêmicos que tomaram o Projeto Alfaletrar1 como objeto de conhecimento ou que fizeram dele campo de investigação para o desenvolvimento de pesquisa. O levantamento das teses e das dissertações resultou em seis pesquisas, todas defendidas na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no período de 2011-2016. São duas teses e quatro dissertações, uma delas defendida no Mestrado profissional. Ao analisarmos esse conjunto de produções, buscamos identificar os pontos convergentes entre elas, uma vez que as pesquisas foram realizadas no mesmo município e no bojo do Projeto Alfaletrar.

A análise das pesquisas revelou-nos que a denominação Projeto não reflete todo o trabalho realizado na Rede Municipal de Ensino de Lagoa Santa. Do nosso ponto de vista, trata-se de programa político mais amplo voltado ao ensino do Português nas escolas públicas do Município de Lagoa Santa, organizado a partir da constituição do Núcleo de Alfabetização e Letramento, com importantes conquistas educacionais, tais como tempo e espaço para formação nas escolas, garantia aos integrantes do Núcleo de encontros semanais e realização de mostras anuais denominadas Paralfaletrar e Alfalendo2. Além disso, percebe-se que o projeto foi, ao longo dos anos, ganhando consistência teórica e prática sobre aspectos do processo de ensino-aprendizagem, ampliando o diálogo e a participação dos professores nas definições pedagógicas.

As temáticas abordadas nas seis pesquisas foram: a linguagem na Educação Infantil, a avaliação da aprendizagem, a literatura infantil no contexto escolar e a formação docente, como pode ser visto no Quadro 1 a seguir. Podemos dizer que tais temáticas estão também fortemente presentes nas ações e nas propostas do Núcleo de Alfabetização e Letramento, em sintonia com os desafios enfrentados nas escolas e com as políticas públicas nacionais. Nesse sentido, as pesquisas ajudam-nos a entender como têm sido apropriados pelo município os programas nacionais de formações continuadas, as avaliações de larga escala, a política de distribuição dos livros de literatura e o debate nacional sobre as perspectivas do trabalho com a linguagem na Educação Infantil.

Quadro 1
Dissertações e Teses sobre o Projeto Alfaletrar (2011-2016)

Em geral, os trabalhos focaram os efeitos do desenvolvimento do Projeto Alfaletrar na realidade das escolas, visando analisar seu impacto na prática das professoras e na aprendizagem dos alunos. As dissertações 2 (Pereira) e 3 (Duarte), por exemplo, tiveram, respectivamente, como um dos objetivos: verificar a influência do projeto de formação continuada sobre os resultados dos alunos; e analisar os efeitos de uma participação em formação continuada de rede, com foco na alfabetização e no letramento, sobre a prática profissional dos professores que atuam na Educação Infantil (Infantil I e II) e no Ensino Fundamental anos iniciais, em uma rede municipal de ensino. O interesse por esse tipo de análise pode estar relacionado ao fato de o Projeto Alfaletrar ser pioneiro em articular diferentes aspectos do processo de ensino escolar da Língua Portuguesa no âmbito de toda uma rede pública de ensino.

Por outro lado, o interesse pelo Projeto Alfaletrar também pode ser explicado, no caso das dissertações 1, 2 e 3, considerando a autoria dos trabalhos, uma vez que foram realizados por profissionais que atuavam na rede de ensino de Lagoa Santa, quando ingressaram nos programas de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFMG (FaE/UFMG). A reflexão distanciada sobre a realidade que se vive no cotidiano escolar, provocada pela posição que se ocupa durante o trabalho de pesquisa e pelos procedimentos metodológicos adotados no percurso da investigação, faz com que muitos profissionais das escolas busquem os cursos de Pós-Graduação. Assim, no campo educacional, é comum os pesquisadores orientarem-se pelos problemas do cotidiano escolar e da gestão das políticas públicas que os desafiam profissionalmente. Por outro lado, os trabalhos produzidos por aquelas pessoas que não pertenciam à rede de ensino de Lagoa Santa (dissertação 4, teses 1 e 2) tematizaram a implementação de propostas e práticas de leitura literária e do programa de distribuição de livros de literatura infantil do Ministério da Educação (PNBE - Programa Nacional Biblioteca Escolar) no contexto da rede de ensino de Lagoa Santa. Nesses casos, na perspectiva de quem produz o trabalho, a situação inverte-se: trata-se de construir uma percepção de fora para dentro.

Por fim, vale destacar que, no desenvolvimento dos trabalhos, identificamos, nos depoimentos das participantes das pesquisas - gestores, professores, bibliotecários - e das pesquisadoras, uma forte ancoragem na produção de Soares (livros, artigos e entrevistas), uma vez que a autora atua como coordenadora do Programa/Projeto em Lagoa Santa.

Levadas pelos temas e pelas discussões feitas nas dissertações e nas teses analisadas, optamos por examinar como os desafios educacionais em evidência nas últimas décadas são tratados nas pesquisas, e buscamos estabelecer uma relação entre contextos macro e micro da gestão. O texto foi estruturado a partir dos seguintes tópicos: a formação de leitores e o acesso ao livro de literatura, a formação continuada de professores e de professoras na área da alfabetização, a avaliação da aprendizagem no Ensino Fundamental e a perspectiva do trabalho com a linguagem na Educação Infantil.

A formação de leitores e o acesso ao livro de literatura

A temática em torno da formação do leitor e do acesso aos livros de literatura tem sido debatida desde a criação do Ministério da Educação e Cultura, em 1930. Mesmo assim foram poucas as ações e muitas as promessas de políticas públicas de programas de livro de leitura direcionadas às escolas. Em geral, as ações governamentais foram marcadas pelas descontinuidades e pelas fragilidades na implementação das propostas, o que em nosso país traz muitos problemas. A situação torna-se ainda mais agravante, por serem os alunos, em sua maioria pertencentes às camadas desfavorecidas, os mais prejudicados por essas fragilidades.

Esse quadro teve uma mudança somente no ano de 2010, com o Decreto Nº 7.084, de 27 de janeiro de 2010, sobre os Programas do Livro, e a possibilidade de se ter uma ação mais longeva, tal como previsto em seu Art 1º:

Os programas de material didático executados no âmbito do Ministério da Educação são destinados a prover as escolas de educação básica pública das redes federal, estaduais, municipais e do Distrito Federal de obras didáticas, pedagógicas e literárias, bem como outros materiais de apoio à prática educativa de forma sistemática, regular e gratuita. (BRASIL, 2010, p. 3).

O Decreto Nº 7.084/2010 veio, de certo modo, legitimar dois programas políticos de distribuição de livros na escola: o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e o Programa Nacional Biblioteca Escolar (PNBE), que já se apresentaram com regularidade em sua execução: o primeiro desde 1996 e o PNBE, desde que foi reestruturado, em 2005.

O PNBE é uma política de democratização do acesso aos livros e de formação de leitores. Nesse programa, os livros de literatura infantil são avaliados e encaminhados para as escolas públicas do país. A formulação dessa política de distribuição dos livros de literatura tem sido foco da realização de várias pesquisas no campo educacional. É nesse contexto que as pesquisas de Oliveira (2011), Montuani (2013) e Paiva (2013)3 foram realizadas, explorando-se a temática literatura no Ensino Fundamental. Isso não quer dizer que o foco dos trabalhos tenha sido exclusivamente analisar o PNBE, mas sim investigar o que os livros de literatura têm propiciado para alunos e professores e como estes têm utilizado esses livros.

Não foi por acaso que as autoras realizaram suas investigações no Município de Lagoa Santa. Desde o início da criação do Núcleo de Alfabetização e Letramento, a coordenação geral já apontava a literatura como um dos eixos norteadores do trabalho pedagógico das professoras, considerando os processos de alfabetização e letramento das crianças na Educação Infantil e em todos os anos do Ensino Fundamental.

A pesquisa de Oliveira (2011) foi a primeira a ser realizada em Lagoa Santa após a criação do Núcleo Alfabetização e Letramento. A autora analisa como professoras trabalham a literatura e o desenvolvimento do letramento literário junto às crianças, descrevendo e analisando os espaços das bibliotecas, a atuação e os desafios enfrentados pela professora mediadora nas atividades literárias. Uma das conclusões apontadas por Oliveira (2011), ao analisar e mostrar as diferenças nos trabalhos realizados em quatro escolas, onde em apenas duas havia biblioteca escolar favorável ao desenvolvimento do letramento literário das crianças, diz respeito à importância de se ter a biblioteca escolar como um espaço adequado e equipado com livros destinados aos seus leitores para a formação leitora dos alunos. Outro ponto discutido pela pesquisadora relaciona-se à presença de uma professora na biblioteca para a realização, de forma sistemática, de práticas pedagógicas que promovem a leitura literária nas escolas. Ao comparar duas escolas que contavam com o apoio de uma professora do Núcleo com outras duas escolas pesquisadas em que isso não ocorria, Oliveira (2011) identificou mais envolvimento das crianças com a literatura nas duas primeiras escolas.

A pesquisa de Daniela Montuani (2013), realizada dois anos mais tarde, mostrou outro cenário: a criação e/ou reestruturação dos espaços destinados às bibliotecas em todas as escolas da Rede Municipal de Lagoa Santa. Contrapondo aos espaços encontrados por Oliveira (2011), como, por exemplo, “sala escura, pouco atrativa”, Montuani (2013) traz-nos relatos da existência de bibliotecas escolares, considerando-se as possibilidades de uso pelas crianças, evidenciando uma mudança conceitual em relação aos usos do espaço da biblioteca, não mais aceito como local destinado a guarda de livros didáticos, sala de pesquisa, lugar de castigos, sala de vídeos e reuniões pedagógicas (MONTUANI, 2013). Além disso, todas as escolas passaram a contar com a professora de apoio no trabalho com a literatura na escola. Assim, a literatura como o carro chefe na organização da proposta curricular e da prática pedagógica nas escolas de Lagoa Santa foi ganhando força e novos contornos. A leitura literária diária e as idas semanais à biblioteca fazem parte da rotina dos alunos e das professoras. As integrantes do Núcleo de Alfabetização e Letramento tornaram-se responsáveis pela gestão da biblioteca e pelo apoio aos professores na exploração das obras literárias.

Os professores, em Lagoa Santa, diferentemente de muitos outros municípios de nosso país, ao receberem os acervos do PNBE, retiram os livros das caixas para conhecerem as obras, lerem e, assim, fazer o planejamento de como irão apresentá-los às crianças. Há, nas escolas, uma mobilização entre os profissionais em torno da chegada e da apresentação dos livros para as crianças. Em geral, essas apresentações são acompanhadas de muita magia e criatividade. A pesquisa de Montuani (2013) apresenta em detalhes a história da Livrolina, uma personagem idealizada por uma professora integrante do Núcleo: “[...] uma contadora de história que veio da Livrolândia, onde todos amam os livros. [...]. Na Livrolândia, todos viajam sem sair do lugar porque o livro proporciona isso. Livrolina anda sempre com uma mala, sempre recheada de livros” (MONTUANI, 2013, p. 131). Livrolina participa sempre de eventos específicos para a promoção da leitura literária na Rede. Assim como Livrolina, há outras personagens, como a Maria do Livro e a Bruxonilda, evidenciando o comprometimento do grupo de professoras em levar adiante boas práticas nas escolas.

Outra ação que promove as boas práticas com a literatura é a exposição Alfalendo4, realizada anualmente como resultado do trabalho coletivo nas escolas. Esse evento é programado para o segundo semestre, visando mostrar para toda a comunidade escolar os resultados dos trabalhos realizados com obras financiadas pelo governo. Configura-se, assim, como um retorno que as escolas dão aos pais, à comunidade local e aos governantes de que é possível realizar um trabalho com compromisso e qualidade para a aprendizagem significativa e prazerosa com crianças, desde as turmas do Maternal ao 6º ano do Ensino Fundamental. Montuani (2013) destaca que, a cada ano, cresce o número de visitantes de professores e alunos de graduação, e de equipes de secretarias de educação de outras regiões para conhecer os trabalhos realizados no Núcleo Alfabetização e Letramento de Lagoa Santa.

A formação continuada de professores e de professoras na área da alfabetização

A dissertação de Duarte (2013, p. 8) teve como objetivo “[...] analisar os efeitos de uma formação continuada de rede com foco na alfabetização e letramento, desenvolvida em Lagoa Santa”. Como integrante do Núcleo Alfabetização e Letramento, a autora propôs-se distanciar da sua atuação profissional para compreender o modelo de formação continuada de rede que estava sendo gestado no município de Lagoa Santa. Para isso, analisou documentos sobre o Projeto Alfaletrar, categorizou e discutiu os resultados de um questionário aplicado em todas as escolas da Rede Municipal de Lagoa Santa e participou como observadora de reuniões de formação realizadas no Núcleo de Alfabetização e Letramento e nas escolas. Para ancorar e subsidiar sua análise, a autora discutiu dois modelos de formação: formação em rede e formação de rede.

As propostas de formação em rede ganharam força no cenário nacional, principalmente a partir de 2004, com a criação pelo MEC da Rede Nacional de Formação Continuada. A implementação dos programas nacionais de formação de professores, organizados pelo Ministério da Educação, e as ações desenvolvidas nessa área envolveram, em regime de colaboração, Universidades e governos estaduais e municipais. Em 2007, a Secretaria de Educação Básica/MEC assumiu a formação continuada em todo o país com o programa Pró-Letramento, iniciado em alguns estados do Nordeste e implementado mais tarde em cadeia nacional. O Plano Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), lançado em 2013, deu continuidade ao Pró-Letramento e ampliou a ação de formação, ao articular em projeto de formação continuada as políticas educacionais desenvolvidas pelo Ministério da Educação, como, por exemplo, o PNLD e o PNBE. Não é objetivo deste artigo aprofundar a análise desses dois programas; entretanto, cabe-nos trazer as reflexões da autora sobre eles.

Duarte destacou a legitimidade das propostas de formação em rede, especialmente do PNAIC, que estava sendo implementado no ano em que ela realizou seu trabalho acadêmico. No entanto, a autora problematizou aspectos das condições de formação que caracterizam tais programas.

As estratégias de formação propostas pelo PNAIC objetivam garantir a qualidade do ensino público no país e revelam a preocupação das instâncias executivas com a educação. Os materiais disponibilizados contribuirão para a promoção da melhoria na qualidade da educação, caso sejam efetivamente utilizados pelos docentes. No entanto, mais uma vez se apresenta o problema do tempo de formação. Somente 120 horas de duração da formação, em cada ano, poderão não possibilitar discussões sobre a prática desenvolvida a partir da formação e durante ela, bem como discussões sobre a utilização dos materiais fornecidos e sobre leituras da literatura da área da alfabetização. (DUARTE, 2013, p. 59).

Continuando sua reflexão sobre as condições que determinam o desenvolvimento dos programas de formação em rede, a autora fez um alerta sobre a dificuldade de se promover uma reflexão sobre a prática docente nesse modelo de formação:

Por ser um projeto nacional, os materiais a serem elaborados devem contemplar conceitos e estratégias que possam ser replicados em contextos diversificados; no entanto, por tais documentos ao serem elaborados de forma genérica, a questão da reflexão sobre a prática, na prática, e sobre si e o fazer pedagógico pode não avançar para contextos reais do cotidiano escolar. (DUARTE, 2013, p. 51).

Contrapondo o modelo de formação em rede, Duarte dispôs as estratégias que ocasionam a reflexão dos professores na formação de rede: discussão e definição de metas de ensino que norteiam o planejamento de ações pedagógicas, análise dos processos e dos resultados da aprendizagem dos alunos, estudos teóricos organizados a partir dos desafios enfrentados em sala de aula, dentre outras. A formação, nessa perspectiva, é compreendida

[...] como espaço de estudo e análise do cotidiano das práticas das salas de aula, das práticas pedagógicas que envolvem a escola e a rede de ensino e, a partir daí, de planejamento e propostas de ações para o conjunto da rede. Trata-se de uma dinâmica circular, não havendo uma escala hierárquica das instâncias e das decisões. As análises e estudos realizados pelo Núcleo partem do cotidiano das práticas desenvolvidas pelos professores nas unidades escolares; essas práticas são sistematizadas com base em teorias que as legitimam ou as promovem. (DUARTE, 2013, p. 122).

A duração e a dinâmica da formação de rede, diferentemente da proposta de formação em rede, não são determinadas a priori, pois os profissionais a assumem como um processo de formação em desenvolvimento, ou seja, se ocorre em um continuum. A pesquisa de Duarte evidenciou que “[...] uma formação que envolve toda a rede, em uma proposta de desenvolvimento contínuo, sem definição de data de término, estendendo-se por todo o ano letivo, pode processar mudanças na cultura da escola” (DUARTE, 2013, p. 126).

No caso de Lagoa Santa, a equipe do Núcleo de Alfabetização e Letramento reúne-se semanalmente e os profissionais das escolas, uma vez por mês. O planejamento e o encaminhamento desses encontros têm origem nas demandas de formação dos professores, que são levadas pelos professores representantes das escolas no Núcleo de Alfabetização e Letramento.

Com base nos dados produzidos ao longo da investigação, Duarte (2013) concluiu que os professores reconhecem que a formação de rede, desenvolvida no âmbito do Projeto Alfaletrar, tem contribuído para que o professor reavalie sua prática, aumente sua competência profissional, assuma uma postura questionadora e compreenda mais os processos de aprendizagem dos alunos.

Duarte (2013) mostra-nos que a implantação de um projeto de formação continuada de rede pressupõe formulação de ações educacionais, tais como concebidas no Projeto Alfaletrar: estabelecimento de metas de ensino, realização de avaliações da aprendizagem e do ensino, socialização de estratégias/recursos didáticos, encaminhamento de estudos teóricos e mobilização dos professores para o desenvolvimento profissional necessário ao exercício da docência. No entanto, trazemos aqui alguns questionamentos sobre o modelo de formação analisado que a autora apresentou e que podem ser objetos de futuras investigações na Rede Municipal de Lagoa Santa:

Essa formação continuada de rede tem reflexos sobre os resultados futuros dos alunos? Estes, nos níveis posteriores de ensino, continuarão alcançando resultados escolares satisfatórios?

Outra questão que a pesquisa suscita é a possibilidade de replicação desse modelo formativo em outras realidades educacionais. O modelo de formação de rede aqui estudado, caracterizado como a criação de um espaço de estudos, planejamento, análise das práticas docentes, constituição de professores reflexivos, é específico do município estudado ou poderia ser tentado em outros municípios? (DUARTE, 2103, p. 128, grifo da autora).

A avaliação da aprendizagem na Educação Infantil e no Ensino Fundamental

A dissertação Alfabetização de crianças da Rede municipal de Lagoa Santa - MG: um estudo longitudinal, de Juliana Storino Pereira (2013), dialoga com a pesquisa de Duarte (2013) apresentada no tópico anterior. Enquanto esta última traz uma análise do modelo de formação de rede no âmbito do Projeto Alfaletrar, Pereira (2013) analisa os resultados de avaliações aplicadas nos anos iniciais do Ensino Fundamental “[...] ao longo de quatro anos, focalizando-se, particularmente, os efeitos, sobre alunos inicialmente com baixo desempenho, de uma política de desenvolvimento profissional de professores alfabetizadores” (PEREIRA, 2013, p. 17), considerando o contexto da formação de rede que se consolidava em Lagoa Santa.

Em 2006, o problema enfrentado pela Secretaria Municipal de Educação, que resultou na criação do Núcleo de Alfabetização e Letramento, eram os baixos rendimentos dos alunos nas avaliações sistêmicas. Os professores queixavam-se da dificuldade de se modificar esse quadro e, por isso, a secretaria buscou alternativas para atender às demandas dos professores5. A pesquisa de Pereira buscou esclarecer a atuação do Núcleo no sentido de melhorar os resultados das escolas nas avaliações em larga escala, atendendo a demanda dos professores e, consequentemente, proporcionando um melhor aprendizado da leitura e da escrita aos alunos. A autora inicia seu trabalho apresentando o histórico da implementação das avaliações de larga escala no país e no estado de Minas Gerais e contextualiza as avaliações no Município de Lagoa Santa. Apresenta a formulação, a implantação e o modelo das avaliações desenvolvidas pelo Núcleo de Alfabetização e Letramento no âmbito do Projeto Alfaletrar.

Sobre as avaliações de larga escala, Pereira (2013) destaca o fato de essas avaliações, visando fazer um diagnóstico dos sistemas educacionais, exercerem uma forte influência nas políticas educacionais do país, uma vez que geram dados sobre diferentes elementos que compõem a trajetória escolar dos alunos. Para Pereira (2013), o dado que mais impacta os sistemas de ensino e as escolas é a divulgação do ordenamento do desempenho dos alunos em índices de níveis de proficiência6, que, isolada da sua interpretação e de outros indicadores, estimulam políticas de recompensas e acabam expondo as equipes pedagógicas das escolas e as administrações estaduais e municipais. Cria-se, dessa forma, um ambiente favorável para a adoção de estratégias que, segundo a autora, desvirtuam o processo: “[...] treinos de alunos para responder às questões das avaliações, competição entre escolas e entre professores, discordâncias sobre critérios de seleção de habilidades a serem avaliadas e critérios de correção, entre outros” (PEREIRA, 2013, p. 15).

Para gerar interpretações adequadas e coerentes dos resultados das avaliações externas no município de Lagoa Santa, os professores participaram de um amplo debate em torno da função e da estrutura das avaliações externas, das matrizes de avaliação, dos resultados de cada escola e do resultado geral da rede. Além disso, buscou-se estabelecer relação entre as capacidades avaliadas e as metas de aprendizagem que orientam as práticas pedagógicas dos professores nas escolas da rede (PEREIRA, 2013).

Esse movimento acabou por desencadear a elaboração de avaliações diagnósticas pelo Núcleo da Alfabetização e Letramento no ano de 2008. Os professores participaram da definição da matriz de avaliação e discutiram as questões das avaliações, “[...] que foram aplicadas em períodos distintos: Educação Infantil e 1º e 2° anos acontecem desde 2008, 3º ano a partir de 2010 e 4º e 5º anos a partir de 2011” (PEREIRA, 2013, p. 56) Desde então, as ações que compõem a avaliação diagnóstica da aprendizagem e do ensino (elaboração dos itens, aplicação dos testes, registro e análise dos resultados) são de responsabilidade de todos os profissionais e visam verificar a aprendizagem das habilidades e competências definidas nas metas da matriz curricular Projeto Alfaletrar pelos alunos, configurando-se, também, como uma avaliação do ensino desenvolvido na rede.

Todo o processo que envolve as ações de avaliação é descrito da seguinte maneira por Pereira (2013):

Inicialmente, se define no Núcleo a matriz da avaliação diagnóstica, discutida em seguida com os professores nas escolas; as questões são elaboradas pelos professores da rede, em seguida são analisadas, revisadas e selecionadas para compor as provas pelas integrantes do Núcleo. Após essa seleção, as duas técnicas da Secretaria de Educação, que também integram o Núcleo, organizam os testes e disponibilizam a versão final para as escolas. As escolas, por sua vez, providenciam a impressão das provas.

Só após esse trabalho cumpre-se o cronograma de aplicação na rede, definido no calendário escolar; a aplicação é responsabilidade de cada professor em sua turma, bem como a correção e a elaboração do gráfico de desempenho da turma. Após esta etapa, acontece aquela considerada a mais importante por todo o grupo: a análise dos resultados. [...]. Ainda um aspecto importante é que, na aplicação das provas, são mantidas as rotinas e integridade dos ambientes das salas de aula, não havendo assim, alterações no contexto escolar, como acontece no caso das avaliações externas. Após a aplicação do teste, os professores das turmas, sob orientação do professor da própria escola que participa do Núcleo de Alfabetização e Letramento, confeccionam um quadro que possibilita analisar o desempenho de cada aluno e da turma como um todo. (PEREIRA, 2013, p. 63).

Em diálogo com a pesquisa de Pereira, Duarte (2013) analisou respostas de professores sobre a influência das avaliações internas à rede na prática pedagógica: “[...] 58% dos professores afirmaram ser alta, 35% disseram ser moderada e 6% declararam haver pouca influência em sua prática” (DUARTE, 2013, p. 100). Essa percepção dos professores pode ser explicada pelo fato de os resultados das avaliações serem usados para a discussão coletiva do processo de aprendizagem dos alunos e, consequentemente, do que é preciso ser ensinado, como nos mostra a descrição de Duarte (2013), no trecho a seguir, sobre o registro dos resultados da avaliação produzido pelas professoras.

Nos relatórios das avaliações diagnósticas, as professoras descrevem, cada uma em relação à sua turma, as dificuldades encontradas, suas possíveis razões e possibilidades de desenvolvimento de atividades e estratégias para obtenção das competências que os alunos ainda não conseguiram atingir, conforme o estabelecido nas metas de ensino. (DUARTE, 2013, p. 99).

Esse tipo de registro e análise, que implica uma revisão da prática pedagógica, acaba fomentando a revisão das metas estabelecidas, do planejamento das estratégias metodológicas e das rotinas escolares. Direciona, ainda, o plano individual e coletivo de formação a partir do reconhecimento de aportes teóricos do campo da alfabetização e letramento necessários à compreensão e à proposição do fazer docente.

Por fim, vale ressaltar que o fato de as pesquisadoras fazerem parte do quadro de Rede Municipal de Lagoa Santa e participarem do Núcleo, desde a criação, facilitou-lhes o acesso aos documentos e à equipe de profissionais da Rede, possibilitando à Juliana Pereira realizar uma pesquisa longitudinal, uma vez que a pesquisadora participou de todas as avaliações analisadas em seu trabalho.

A perspectiva do trabalho com a linguagem na Educação Infantil

O ensino da linguagem escrita tem ganhado relevância nas discussões em torno das práticas pedagógicas e nas diretrizes curriculares para a Educação Infantil. Por outro lado, tem se configurado também como uma discussão polêmica entre educadores e pesquisadores. Morais, Albuquerque e Brandão (2016) destacam quatro posicionamentos que vêm direcionando o debate nacional sobre a questão: (i) o “letramento sem letras”, no qual o trabalho com a linguagem escrita deve priorizar a leitura e a escrita compartilhados com as crianças, criando oportunidades para que elas usufruam das possibilidades de desenvolvimento implicadas nessas práticas; (ii) a “obrigação de alfabetização”, no qual se defende o ensino direto e sistemático da língua escrita, organizado seguindo a mesma rotina e atividades do Ensino Fundamental para que as crianças sejam preparadas para a etapa seguinte da Educação Básica; (iii) o “aprendizado à deriva”, no qual as práticas de letramento são comuns e a curiosidade da criança em torno do sistema de escrita alfabética pode gerar interações pedagógicas em sala de aula; no entanto, atividades voltadas à reflexão sobre a relação oralidade e escrita não são planejadas; e, por fim, (iv) “a alfabetização e o letramento na especificidade das crianças na Educação Infantil”, posição assumida pelo autor.

Parece urgente discutir uma quarta via: aquela que, considerando o lugar da escrita na cultura, em pleno século 21, vê como tarefa da escola assegurar às crianças o direito de familiarizarem-se com as práticas letradas de recepção e de produção dos textos de diferentes gêneros escritos e de reflexão sobre as palavras escritas, vivendo, com prazer e sem cobranças, uma progressiva apropriação daqueles bens simbólicos (MORAIS; ALBUQUERQUE; BRANDÃO, 2016, p. 531).

O Projeto Alfaletrar, em 2008, atendia às turmas de alfabetização, incluindo, à época, as turmas de cinco e seis anos da Educação Infantil. De acordo com Duarte (2013),

[...] foram progressivamente ampliadas e organizadas, chegando em 2011 a abranger a Educação Infantil, com a inclusão do Maternal, até o 5o. ano do Ensino Fundamental, organizando-se em ciclos: Ciclos de Introdução (Educação Infantil), Ciclo Básico 1°., 2°. e 3°. anos) e Ciclo de Consolidação (4°. e 5°. anos). (DUARTE, 2013, p. 74).

O trabalho de Sousa (2016), cujo título é Alfabetização e letramento na educação infantil: um estudo de caso em uma instituição de Educação Infantil no Município de Lagoa Santa, teve como proposta discutir as orientações do Projeto Alfaletrar para o ensino da linguagem oral e escrita na Educação Infantil (EI). Para realizar sua pesquisa, a autora traz dados históricos e empíricos sobre as 17 instituições de EI da Rede Pública de Lagoa Santa e o crescimento de matrículas ao longo dos anos, atendendo a 1220 crianças em 2014, ano da pesquisa da autora. A pesquisadora descreve toda a estruturação do projeto Alfaletrar, do Maternal ao 5º ano do Ensino Fundamental, destacando os quatro princípios: continuidade, integração, sistematização e acompanhamento, presentes na proposta curricular.

Segundo o Projeto Alfaletrar, apropriação do sistema alfabético e das práticas fundamentais de leitura e produção textual deve ocorrer a partir do maternal ao terceiro ano do Ensino Fundamental (2 aos 8 anos) e deve consolidar-se no 4o. e 5o. anos por meio de um continuum. Neste trabalho contínuo, é importante que cada professora dê continuidade ao que foi feito antes, preparando o que vai ser feito depois. Os conteúdos são distribuídos, de modo que cada um deles esteja relacionado aos demais para garantir a integração entre os componentes do processo de alfabetização e letramento, possibilitando, assim, que uma professora de um determinado ano de escolarização interaja com a professora do ano anterior ou do ano seguinte. Desse modo, os conteúdos e as habilidades são desenvolvidos de forma contínua e integrada. (SOUSA, 2016, p. 78).

De acordo com a autora, três documentos orientam a prática docente na Educação Infantil em Lagoa Santa: a proposta curricular do Município para a Educação Infantil, o Projeto Político Pedagógico elaborado no âmbito de cada escola e o Projeto Alfaletrar.

Como seu objeto de pesquisa está centrado nas crianças da Educação Infantil, a autora traz como principal contributo as reflexões teóricas de Vigotski (2009). Sous (2016) destaca que

[...] para estudar o desenvolvimento da escrita da criança, Vigotski (1935/2002) considera importante estudar o que ele chama de “a pré-história da linguagem escrita”, ou seja, ele busca investigar o que se passa com a criança antes de ela ser submetida a processos deliberados de alfabetização. (SOUSA, 2016, p. 28).

Além de Vigotski, a autora apoia-se em Benjamin (2009), Brougère (2010) e Kishimoto (2010), para os quais o brincar é determinante para o desenvolvimento infantil. Nesse direcionamento, a autora traz as críticas de Roure (2010) sobre o didatismo pedagógico do brincar e as polêmicas sobre alfabetizar ou não na EI de Kramer (2006) e Baptista (2013). Com esses aportes teóricos, Sousa (2016) observa a prática de uma professora durante nove dias. Segundo a autora,

[...] as observações das práticas pedagógicas foram realizadas em uma classe do infantil dois com crianças de cinco anos. A escolha desse nível de educação infantil se deu devido a sua maior proximidade com ensino fundamental, que, em geral, acarreta uma maior exigência em relação à aprendizagem da leitura e da escrita e uma maior intensificação das atividades relacionadas à alfabetização e a letramento. Essa classe do infantil dois, que contava com 19 crianças, 10 meninas e nove meninos, foi indicada pela direção da instituição pesquisada. (SOUSA, 2016, p. 48).

A autora, ao analisar a prática da professora, salienta que esta seguia o que era proposto no Projeto Alfaletrar, planejava de acordo com as metas e os componentes da matriz curricular.

As atividades tinham como objetivo desenvolver a consciência fonológica, o conhecimento do alfabeto, a escrita e a leitura de palavras, a tecnologia da escrita, a compreensão de textos, a ampliação do vocabulário e situações em que eram explorados diferentes usos sociais da escrita. (SOUSA, 2016, p. 124).

No que diz respeito à prática pedagógica da professora observada durante o desenvolvimento da pesquisa, Sousa (2016) problematiza sobre a organização do trabalho e a abordagem dos textos literários. Para a pesquisadora:

Ainda que se percebam, em algumas situações, a escrita como prática social e as crianças como sujeitos ativos, fica evidente que a rotina privilegia atividades direcionadas ao aprendizado da leitura e da escrita. Tais atividades se caracterizam como sendo situações escolares de transmissão de conteúdos a serem apreendidos pelas crianças. [...]. Este tipo de organização do tempo para a construção de conhecimentos parece favorecer a lógica de organização da cultura da escola, tradicionalmente assumida pelo Ensino Fundamental e médio e menos a ótica da criança e de seu ciclo de vida, que é a infância. [...]. Deste modo, é possível perceber que há uma transposição de um modelo escolar que toma os conteúdos a serem ensinados como a principal referência de organização das práticas. (SOUSA, 2016, p. 127-128).

Considerando que há importantes aspectos que vão além de se trabalhar a estrutura do texto ou a exploração do livro como um objeto cultural, tais como diversidade da autoria, relação imagem-texto, capacidade de realizar inferências, compreensão e apropriação de figuras de linguagem, exploração das potencialidades artísticas do texto, esse tempo parece escasso. Além disso, ao usar o texto literário com o objetivo voltado para o estudo da estrutura do sistema de escrita, corre-se o risco de menosprezar o objetivo principal do texto literário, que é ser um objeto de arte. Considerando que a ênfase da prática da professora é a apropriação da base alfabética, podemos concluir que há uma priorização do eixo da alfabetização. Se, como vimos, tanto a teoria quanto os pressupostos contidos no Projeto Alfaletrar enfatizam que alfabetização e letramento são dois eixos do processo de apropriação da linguagem escrita a serem abordados de forma indissociável, seria de se esperar que houvesse um maior equilíbrio em termos quantitativos na organização do tempo. (SOUSA, 2016, p. 129).

Ao que tudo indica, não foram observados na prática da professora participante da pesquisa todos os componentes do trabalho pedagógico que estão na matriz curricular elaborada no âmbito do Projeto Alfaletrar, principalmente aqueles que buscam ampliar a vivência das crianças com a linguagem na Educação Infantil: “[...] linguagem oral, tecnologia da escrita, compreensão de textos, vocabulário e usos sociais da escrita” (SOUSA, 2016, p. 85).

Coerente com seus aportes teóricos e suas concepções de ensino da língua escrita na EI, Sousa descreve e analisa as atividades e os horários para cada uma das atividades previstas. Aponta como problemas a centralidade, o tempo dispendido às atividades de aprendizagem da leitura e da escrita, em detrimento de outras áreas de conhecimentos, o enfoque na apropriação da escrita e o pouco tempo destinado às brincadeiras.

A pesquisa de Souza cumpre com seu objetivo de registrar e sistematizar informações documentais sobre a história da Educação Infantil no município; os dados de atendimento, as principais definições contidas no Projeto Alfaletrar, seus princípios e métodos e suas considerações a partir de um estudo de caso com uma professora da EI integrante do Projeto.

Considerações finais

Passados onze anos da criação do Núcleo de Alfabetização e Letramento (2007), podemos dizer que a consolidação e o amadurecimento do Grupo podem, em grande parte, ser compreendidos pelo comprometimento das Professoras da Rede Municipal de Lagoa Santa em dar continuidade ao trabalho, de forma fortalecida e aglutinadora pela equipe do Núcleo Alfabetização e Letramento. Pudemos acompanhar nas pesquisas o fortalecimento do Grupo como uma conquista, uma vez que os anos iniciais foram marcados por forte resistência de professores que não acreditavam na proposta, ou não queriam mudar suas práticas, além das questões envolvendo partidarismo político, momentos bem destacados no trabalho de Oliveira (2011). Um projeto de formação continuada não pode apenas dar voz aos professores, é preciso saber ouvi-los, refletir com eles e atendê-los sempre que possível. Todo projeto de formação de rede deve, assim, mobilizar os professores para o desenvolvimento profissional necessário ao exercício da docência, assumindo-se como “copartícipe e coautor” da política educacional.

A constituição inicial e o processo de construção do Núcleo podem ser compreendidos ao analisar as produções, que, sob diferentes perspectivas, trouxeram temáticas gestadas no Núcleo, em diálogo com as escolas e consoante às políticas públicas nacionais: PNBE, Avaliações em larga escala; formação continuada de rede e as polêmicas envolvendo a aprendizagem da língua escrita na Educação Infantil. As pesquisas ajudam-nos a entender como as escolas públicas de Lagoa Santa têm se apropriado, beneficiado e até mesmo modificado as propostas nacionais e/ou estaduais de formação, avaliação e uma proposta de Base Municipal Curricular de Lagoa Santa.

Destacamos que, sob diferentes perspectivas, é presente nas pesquisas: as preocupações em torno da literatura, da formação de rede, da avaliação e da Educação Infantil, do diagnóstico, da definição das metas, do planejamento, do cumprimento das metas, do monitoramento, do retorno do Núcleo e para o Núcleo, das avaliações, da socialização e da devolutiva para a comunidade/país.

As pesquisas apontam em uma direção de um processo em construção. Pode parecer redundante o uso do termo processo em construção, mas não é, dadas as características do que nos foi apresentado nas pesquisas. Como exemplo, citamos a proposta curricular do Núcleo Alfabetização e Letramento, diferentemente de uma proposta curricular nacional, que é revista a cada dois anos.

Essas propostas não seguem uma direção divergente ao que se apresenta como propostas nacionais. O que as pesquisas revelaram é um modelo singular de atender às demandas nacionais e/ou estaduais com um caráter peculiar, específico para o município, ainda que enfrente temas, como a apropriação do sistema de escrita na EI. Ainda que esse último tema, de grande polêmica, reprove que se trabalhe a língua escrita com as crianças na EI, o município de Lagoa Santa vem demonstrando que é possível, sim, um trabalho dessa natureza com as crianças na EI.

O Núcleo busca conciliar as demandas nacionais ao perfil e aos objetivos defendidos e às metas definidas no Programa. Desse modo, garante a autonomia dos professores na execução do que precisa ser ensinado, seguindo as metas. O que pode parecer, à primeira vista, impositivo, a definição de metas de ensino-aprendizagem para a EI ao 5º ano do EF não é, se acompanhamos o processo histórico de constituição desse Grupo, na construção dessas metas. A revisão das metas constitui uma parte do processo de formação em desenvolvimento dos integrantes do grupo de formação de rede.

A seguir, apresentamos pontos para reflexão suscitados pelas pesquisas. Em primeiro lugar, a desmitificação de que a participação dos municípios em políticas públicas nacionais engessa, homogeneíza o ideário pedagógico. Foi possível constatar em Lagoa Santa de como as escolas se organizam e se apropriam das demandas e das ações de políticas públicas; aqui, no caso, analisamos: formação de alfabetizadores, avaliações nacionais e formação do leitor literário.

Em todas essas ações foi possível identificar a autonomia do município, por meio de seus gestores, diretores e professores em adequar a proposta nacional aos interesses e aos objetivos das escolas públicas de Lagoa Santa. Em geral, as críticas às ações governamentais voltam-se para o enquadramento, a perda da autonomia, a pasteurização de um determinado modelo direcionado para todo o Brasil. Não nos restam dúvidas de que o caso de Lagoa Santa é exemplar, e é justamente esta a razão que nos leva a divulgar, socializar essas experiências, pois uma boa prática precisa se espraiar para sairmos do modelo padrão, ou desistir.

Uma segunda reflexão diz respeito à formação de rede. Como vimos, difere das propostas nacionais, estaduais e até mesmo de alguns municípios. Essa proposta é gestada nos e pelos próprios participantes da rede. É necessário, portanto, um trabalho coordenado, em equipe, coletivo e contínuo. Não dá para realizar formação de rede com prazo determinado para acabar; assim também entendemos que a proposta de Lagoa Santa é como um processo de formação de professores em desenvolvimento contínuo. O terceiro ponto de reflexão: uma definição de metas precisa ser feita com responsabilidade e sempre com a possibilidade de revisar. Não é um currículo fechado, ele é revisto, adequado às novas demandas.

E, finalmente, um ponto por onde começar e também finalizar e reiniciar: as avaliações diagnósticas podem parecer modelo padrão, mas é e não é. É, por serem aplicadas em todas as escolas, no mesmo momento, corrigidas, com retorno para os gestores, mas deixam de ser padrão na medida em que atendem a cada escola de acordo com suas necessidades.

Não foi e nem será nossa intenção apresentar ao leitor um modelo de formação continuada, de proposta curricular, de avaliação diagnóstica, de metas para a aprendizagem da leitura e escrita na EI, de usos dos livros do PNBE nas escolas. O que apresentamos aqui foram pesquisas realizadas em um mesmo município e que, por serem consideradas boas práticas, podem servir de referências, sem pensar em generalizações7.

Referências

BAPTISTA, M. C. O lugar da linguagem escrita no currículo da educação infantil. In: FAVACHO, A. M. P.; PACHECO, J. A.; SALES, S. R. Currículo: conhecimento e avaliação. Curitiba: CRV, 2013. p. 209-220.

BENJAMIN, W. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Editora 34, 2009.

BRASIL. Decreto Nº 7.084, de 27 de janeiro de 2010. Dispõe sobre os programas de material didático e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 27 jan. 2010. Seção 1 - Edição Extra, n. 18-A, p. 3-5.

BROUGÈRE, G. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, 2010.

CASSIANO, J.; ARAÚJO, E. P. O Projeto Alfaletrar na Rede Municipal de Lagoa Santa - MG: elementos centrais. Práxis Educativa (ahead of print), Ponta Grossa, v. 13, n. 3, p. 1-19, set./dez. 2018.

DUARTE, J. R. G. Formação continuada de rede: um estudo de caso da formação de professores no Município de Lagoa Santa. 2013. 147 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.

KISHIMOTO, T. M. Brinquedos e brincadeiras na educação infantil. SEMINÁRIO NACIONAL: CURRÍCULO EM MOVIMENTO - PERSPECTIVAS ATUAIS, 1., 2010, Belo Horizonte. Anais eletrônicos... Belo Horizonte: UFMG/MEC, 2010. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2010-pdf/7155-2-3-brinquedos-brincadeiras-tizuko-morchida/file>. Acesso em: 21 jun. 2018.

KRAMER, S. As crianças de 0 a 6 anos nas políticas educacionais no Brasil: educação infantil e/é fundamental. Educação & Sociedade, Campinas, v. 27, n. 96, p. 797-818, out. 2006. DOI: https://doi.org/10.1590/s0101-73302006000300009

MONTUANI, D. F. B. O Programa Nacional Biblioteca da Escola PNBE: conhecimento, circulação e uso em um Município de Minas Gerais. 2013. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.

MORAIS, A. G. A republicana proposta curricular de Língua Portuguesa que Magda Soares vem construindo com os educadores de Lagoa Santa - MG: coerência e inovação. Práxis Educativa (ahead of print), Ponta Grossa, v. 13, n. 3, set./dez. 2018.

MORAIS, A. G.; ALBUQUERQUE, E. B. C.; BRANDÃO, A. C. P. A. Refletindo sobre a língua escrita e sobre sua notação no final da Educação Infantil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 97, n. 247, p. 519-533, set./dez. 2016. DOI: https://doi.org/10.1590/s2176-6681/277833582

OLIVEIRA, V. S. A. Entre as proposições teóricas e a prática: o uso da literatura infantil nas escolas municipais de Lagoa Santa. 2011. 170 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.

PAIVA, A. P. M. Um livro pode ser tudo e nada: especificidades da linguagem do livro-brinquedo. 2013. 736 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.

PEREIRA, J. S. Alfabetização de crianças da Rede Municipal de Lagoa Santa - MG: um estudo longitudinal. 2013. 122 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.

ROURE, G. Q. Infância, experiência, linguagem e brinquedo. In: REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 33., 2010, Caxambu. Anais eletrônicos... Caxambu: ANPEd, 2010. Disponível em: <http://33reuniao.anped.org.br/33encontro/app/webroot/files/file/Trabalhos%20em%20PDF/GT07-6935--Int.pdf>. Acesso em: 21 jun. 2018.

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SOUSA, E. V. R. Alfabetização e letramento na Educação Infantil: um estudo de caso em uma Instituição de Educação Infantil no Município de Lagoa Santa. 2016. 129 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016.

VIGOTSKI, L. S. Imaginação e criação na infância. Tradução de Zoia Prestes. São Paulo: Ática, 2009.

Notas

1 O Projeto Alfaletrar é desenvolvido no município de Lagoa Santa – MG, desde 2007. As orientações formuladas para o ensino do Português e as ações realizadas em todas as escolas da rede de ensino são resultado do trabalho da equipe do Núcleo de Alfabetização e Letramento, que integra a Secretaria de Educação do município. A respeito do Projeto Alfaletrar, ver informações no site http://alfaletrar.org.br; ver ainda em Soares (2014); Silva e Oliveira (2018); Cassiano e Araújo (2018), Morais (2018).
2 Sobre as mostras Paralfaletrar e Alfalendo, ver Cassiano e Araújo (2018).
3 A pesquisa de Virginia Souza Avila Oliveira - Entre as preposições teóricas e a prática: os usos da literatura infantil nas escolas municipais de Lagoa Santa, defendida em 2011, e as teses de Daniela Montuani (2013) - O Programa Nacional Biblioteca da Escola PNBE: conhecimento, circulação e usos em um Município de Minas Gerais - e de Ana Paula Paiva (2013) - Um livro pode ser tudo e nada: especificidades da linguagem do livro-brinquedo - foram orientadas pela Prof.ª Aparecida Paiva.
4 Sobre isso, vale a pena ver como Montuani (2013) descreve e analisa, em sua tese, vários trabalhos apresentados nos Alfalendo de 2011 e 2013, e a parte da tese de Paiva (2013), em que a autora realizou uma pesquisa-ação, com desdobramentos no evento Alfalendo 2010: “Viajando com asas de papel”.
5 Todas as pesquisas relatam esse fato.
6 O Programa de Avaliação da Alfabetização (PROALFA), do estado de Minas Gerais (que avalia alunos do 3º ano do Ensino Fundamental em capacidades de leitura e interpretação), por exemplo, classifica os resultados em níveis de proficiência: baixo desempenho, intermediário e recomendável.
7 Atualmente, o Projeto Alfaletrar é referência para outras redes de ensino. O Núcleo de Alfabetização e Letramento registrou nos últimos anos a visita de equipes das secretarias de educação dos seguintes municípios: Confins, São José da Lapa, Jaboticatubas, Morro do Pilar, Pedro Leopoldo, Vespasiano, Contagem, Belo Horizonte, Ouro Preto, Taquaraçu de Minas, Santa Luzia, Ribeirão das Neves, Santana do Riacho, Juiz de Fora, Sete Lagoas, Varginha, São Francisco de Paula, Araxá, Monte Carmelo, Brumadinho, Mateus Leme, Matozinhos, Manhuaçu, Carmo do Cajuru, Esmeraldas, Itaúna, Sombrio (Santa Catarina), Sarandi (Paraná). Muitas delas procuram conhecer o Projeto Alfaletrar para colocar em prática, em suas redes de ensino, a mesma proposta curricular e as ações de formação docente desenvolvidas em Lagoa Santa. Além disso, o município já recebeu equipes e professores das Universidades Federais de Minas Gerais, de Pernambuco, do Recife e de Campo Grande, e do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária/CENPEC.


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