Seção temática: E depois do pós-estruturalismo?: experimentações metodológicas na pesquisa em currículo e educação
Recepção: 24 Abril 2018
Revised document received: 19 Maio 2018
Aprovação: 21 Maio 2018
Publicado: 11 Junho 2018
DOI: https://doi.org/10.5212/PraxEduc.v.13i3.0020
Financiamento
Fonte: CNPq
Número do contrato: 2013-2015
Financiamento
Fonte: FAPERJ
Número do contrato: 2015-2016
Descrição completa: A tese contou com financiamento do CNPq (2013-2015), por meio de bolsa de Doutorado, e da FAPERJ (2015-2016), através da Bolsa de Doutorado Nota 10. O presente texto foi, atualmente, desenvolvido com financiamento do CNPq, por meio de Bolsa de Pós-Doutorado Júnior da FAPERJ, por meio do Edital de Auxílio Recém-Contratado.
Resumo: Neste artigo, parto dos percursos de uma tese de Doutorado em currículo e estudos queers a fim de explorar os caminhos de pesquisa menos como um exercício de produzir empiria ou dados e mais como uma crítica criadora e expansiva. Pergunto: o que acontece se a pesquisa não passar de ficção? Sugiro, desse modo, que é o momento de arriscar os fundamentos da pesquisa em currículo diante daquilo que nem sempre se encarou de frente: os recursos e os artefatos de investigação qualitativa menos como algo metodológico e mais como um novelo de questões ético-políticas e, portanto, ontológicas. Nessa direção, indico como a ficção emerge do esgarçamento da relação performativa entre linguagem e referência e coloca uma política da escrita. O texto da pesquisa em um currículo figura, portanto, uma política de aliança e relacionalidade, levando a sério como a alteridade pode transformar conceitos e pressupostos políticos e teóricos.
Palavras-chave: Ficção, Currículo, Ontologia.
Abstract: In this paper, my starting point is the trajectory of a Doctoral dissertation in curriculum and queer studies in which I explore the paths of research. In this case it is not so much an exercise of producing empirical elements or data but more of a creative and expansive critique. The question is: what happens if the research is nothing more than fiction? Therefore, I suggest that it is time to risk the foundations of curriculum research in relation to what has not always been dealt with: the resources and artifacts of qualitative investigation being less methodological, and more about a set of ethical-political issues, as in ontological investigation. In this way, I point out how fiction emerges from the performative relation between language and reference, and puts in place a written policy. Thus, the text of curriculum research is seen as a policy of alliance and relationality, showing how otherness can seriously transform political and theoretical concepts and assumptions.
Keywords: Fiction, Curriculum, Ontology.
Resumen: En este artículo, parto de las tramas de una tesis de doctorado en currículo y estudios queers para explorar los caminos de investigación no tanto como un ejercicio de producir información empírica o datos, sino más como una crítica creadora y expansiva. Pregunto: ¿qué ocurre si la investigación no pasa de ficción? Sugiero, de ese modo, que es el momento de arriesgar los fundamentos de la investigación en currículo ante aquello que no siempre se ha enfrentado: los recursos y los artefactos de investigación cualitativa menos como algo metodológico, y más como un ovillo de cuestiones ético-políticas y, por lo tanto, ontológicas. En esta dirección, indico cómo la ficción emerge del desprendimiento de la relación performativa entre lenguaje y referencia y plantea una política de escritura. El texto de la investigación en currículo figura, por lo tanto, una política de relacionalidad, tomando en serio cómo la alteridad puede transformar conceptos y presupuestos políticos y teóricos.
Palabras-clave: Ficción, Currículo, Ontología.
Como uma bola de demolição
Rio de Janeiro, 2013. Eu começara, em meio aos gritos de amanhã vai ser maior, aquilo que seria minha tese de Doutorado1. Para sua realização, mudei da minha cidade natal, Aracaju, Sergipe, para um bucólico bairro da zona sul carioca, residência de um antigo morador, a quem foi chamado, certa vez, de bruxo. Enquanto ouço Lady Gaga tocar no meu celular, percorro as ruas do Cosme Velho embalado pelas palavras de Carlos Drummond de Andrade sobre Machado de Assis: "[...] mas onde a dúvida/apalpa o mármore da verdade, a descobrir/a fenda necessária;/onde o diabo joga dama com o destino, /estás sempre aí, bruxo alusivo e zombeteiro" (ANDRADE, 1992, p. 287). A música acompanhava uma inquietação sobre as ressonâncias dos estudos queers no campo curricular mais afeitas a acariciar verdades sobre a escola e a suturar fendas. Identificava, ali, uma tendência daquilo que Butler (1994) chamou de síndrome dos objetos próprios, permeada por um sentimento paradoxal de ansiedade, entorpecimento e promessa de libertação. Minha impressão era de escutar nos textos produzidos na interface entre currículo, gênero e sexualidade o diálogo sobre o fim dos tempos entre Ahasverus e Prometeu no conto Viver!, de Machado, ao qual Drummond faz referência: diante de "um sentimento de enfado, tedium vitae" (ASSIS, 1994, p. 51) e seu "profundo fastio da existência" (ASSIS, 1994, p. 51), anseia-se pela promessa de que "o errante pousará" (ASSIS, 1994, p. 53) e de que "o desprezado dos homens governará os homens" (ASSIS, 1994, p. 53). Ali, "[...] onde uma vida cuspiu lama, outra vida porá uma auréola" (ASSIS, 1994, p. 54). No "limiar da eternidade" (ASSIS, 1994, p. 51), a promessa de libertação vem saciar, em delírio, a prenunciada certeza de que tudo chegou ao fim. Ou, no que, hoje, estaria mais para profecia, em outra música da playlist: brilhe intensamente como um diamante, em uma visão de êxtase2.
Ao acompanhar as trajetórias escolares de jovens gays, as músicas, os videoclipes com suas coreografias ardentes e sua imagética frenética e erótica passaram também a embalar meu corpo. Eu me vi diante de desafios para os quais não tinha nenhuma habilidade. Precisava literalmente aprender a dançar! As performances apresentadas em festas escolares saltaram à minha frente quanto mais era arrastado para ambientes que suspendem qualquer sensação de se estar em um lugar classificável. Podiam ser muito bem uma quadra ou um pátio escolar, mas não eram menos teatro ou boate e um pouco de tudo isso junto. Além da atmosfera festiva, a prática de dança, os corpos ensaiando meses a fio me atravessam. Percebi uma qualidade inequívoca de mobilização da vida ordinária, das demandas do discurso pedagógico, da circulação global da música pop, da história inscrita da cidade - um trabalho político de encenação, oferecendo uma contribuição para o que Hage (2015) chamou de alter-política. Empolgado, comecei a socializar com colegas e professores impressões, ainda tateantes, por certo, para pensar currículo como relação ética. Fiquei impressionado com a desconfiança. Mesmo no ano em que as principais avenidas do país tremiam, em que o anúncio era para se preparar porque, agora, era hora do show das poderosas3, em que vivendo em mundo em chamas, sentindo a catástrofe, as garotas vieram para ficar4, a surpreendente reação marcava uma repetida impossibilidade dos relatos que provia. Não passavam de ficção!
Eu era jovem - se bem que isso não é uma desculpa -, mas o fato é que levava a pesquisa um tanto a sério demais para lidar com as muitas vezes que fui instado a confessar a veracidade do que escrevia. Um tanto incomodado, decidi não negar quaisquer desconfianças e tomei a condição ficcional que me era imputada como um jeito impróprio de não me furtar ao debate. Recorri a dois insights, um sobre ficção e verdade, de Foucault (1980), e outro sobre fantasia, de Butler (2004a), para afirmar que a impossibilidade decretada, exigente de uma verdade confessada, cedia lugar a uma impropriedade em virtude daqueles modos de vida assediarem os limites do que era reconhecível como vidas reais pelas pesquisas em currículo, gênero e sexualidade, as quais, por sua vez, terminavam por empurrar outras tantas vidas e histórias para o campo da fantasia. Não é que, hoje, discorde desse apontamento. Provocado a retomá-lo, percebo, porém, que a força vigorosa das escoras - a ficção como trabalho político de fazer surgir o que ainda não existe e a fantasia como assédio aos limites da realidade - foi subsumida a uma crítica um tanto quanto tímida ao quadro de inteligibilidade do campo de pesquisas com o qual me implicava, mesmo diante da popularidade crescente das formas de crítica queer que Foucault e Butler inspiraram. Àquela altura, contentei-me em formular uma saída plausível5 por funcionar mais como uma cortina de fumaça para a etapa subsequente, quase lógica, de usar um arcabouço teórico para "analisar" o que era jogado na pista e no palco.
Estava diante de um problema de gênero! - do gênero da pesquisa, por certo. Essa depuração teórico-analítica parecia conter uma tendência de aniquilar politicamente as vidas dos tantos amigos que fiz pela progressiva slonganização - termo que tomo emprestado de Said (2003) - que alguns conceitos como performatividade, abjeção, norma, para ficar com poucos exemplos, passaram a ganhar na pesquisa em currículo (RANNIERY, 2017a). Tudo se avolumava diante de certa postura salvacionista que sobrevive com força na educação, subscrevendo que nunca as vidas, que insiste em descrever como abjetas, outras, diferentes, seja lá que nome for, serão parte da realeza6, quer pela tutela do salvacionismo pedagógico, quer pela nada sutil forma de discriminação política. Àquela altura, uma suspeita dupla me perseguia. Eu me perguntava se a pesquisa em currículo estaria disposta a interrogar fundamentos e categorias seguras que subjazem aos seus esquemas avaliativos e analíticos, como Butler (2013) defendeu para o exercício da crítica. Por outra via, o esforço de dizer qualquer coisa incorria no risco de que a pesquisa em currículo fosse usada como alimentadora da máquina de guerra das ciências, na expressão de Stengers (2010), como um meio para justificar sua autoridade imaginativa fundada em uma ontologia que extrai sua diferença do que as ciências estabelecem (ou não) como vida. Uma inflexão estava em jogo: a pesquisa em currículo, ao menos aquela interessada pela diferença, não poderia demonstrar o quer que fosse sem cair em uma forma de realismo epistemológico.
Não retomo minha - se é que tal propriedade existe - trajetória porque possuo, agora, algum tipo de posição interpretativa melhor; antes, porque me permite situar meu argumento sem oferecer algum tipo de grande resposta amórfica. Percorro, neste artigo, os caminhos de pesquisa menos como suporte empírico para dizer de algo, um objeto chamado currículo e/ou diferença, e mais como uma crítica imaginativa experimental. Realizo esse movimento por reconhecer que uma introdução corriqueira aos estudos queers em currículo tem sido assumir que gênero e sexualidade são práticas culturais acessíveis e, logo, compreensíveis por definição. Essa formulação, ao configurar um terreno passível de ser objetivado, alinha-se com a pretensão cientificista de "[...] aspirar a condição de simples depuração, a eliminação de parasitas, encenação prática das categorias segundo as quais convém interrogar o objeto" (STENGERS, 2002, p. 201); contra a qual vem, sem muito sucesso, tentando se voltar. Quase sempre, continua-se a partilhar a visão de um mundo composto de objetos autossuficientes e independentes que podem ser acessados por algum tipo de recurso ou de procedimento de investigação. Quando silencia a questão ontológica, a pesquisa continua albergando a crença em uma de versão logística de ciência fiadora de uma distinção com a ficção. A bandeira progressista termina por conformar gênero e sexualidade à agenda humanista liberal7 em razão de se sustentar na ideia de que há uma verdade a ser dita, acessada pelo esforço intelectual do pesquisador e do seu aparato teórico-metodológico tornados "[...] tão transparentes, naturais e reais que esquecemos que são ficções" (ST. PIERRE, 2011, p. 623).
Daí o título: Vem cá, e se fosse ficção? Qual seria, então, a diferença se a minha tese de Doutorado fosse toda ela da ordem da ficção? St. Pierre (2013) vem sugerindo que a pesquisa em ciências humanas e sociais dependente da ideia de "dado" ou "empiria" não é mesmo mais possível em virtude da sua aparência realista dever ao empirismo naturalista e ao positivismo fantasmagoricamente impregnados nas metodologias de investigação. Embora concorde com o diagnóstico, sigo por um caminho diferente, sugerindo que a virada ontológica propicia uma ativação política da relacionalidade na escrita da pesquisa em currículo. Com tal percurso, meu desejo não é propriamente afirmar que o texto se torna o local dos fracassos da representação e de perturbar as próprias reivindicações de representação, conforme sugere Lather (2007). Aproximo-me das inquietações de Lather (2007) e St. Pierre (2013), lendo, entretanto, de outro modo, quase que de ponta a cabeça, as críticas de Spivak (1988) e Alexander e Mohanty (1997) sobre a subsunção da diferença a uma unidade singular monolítica que ambas autoras mobilizam. Essa expiação da representação termina por justificar o legado colonial ao fazer coincidir tal concessão com a indicação de que por baixo da alteridade só seria possível comtemplar os nossos "próprios" fundamentos.
O problema que ressoo, no percurso deste texto, é, ao mesmo tempo, conceitual e prático sobre como operacionalizar a provocação de Macedo (2017, p. 550), de que "[...] tarefa de uma teoria curricular comprometida com a alteridade [é a de] por em questão os seus próprios fundamentos". Arrisco sugerir que uma entrada para essa contribuição passa por recolocar o texto como um espaço-tempo de experimento de imaginação, um campo de montagem. A ficção permite-me assumir a não transparência da escrita sem, entretanto, dispensar a alteridade, quer pelo risco autoencapsulamento, quer por riscar da paisagem os diversos modos pelos quais a diferença distorce, desloca, faz derivar e constitui a escrita da pesquisa. Não apenas a escrita da pesquisa constitui o "Outro" como um dado objetivado, mas a alteridade é, mais propriamente, invocada por meio da escrita. Espero, portanto, indicar que a ficção é um modo de enfrentar os enquadramentos apontados por St. Pierre (2013) na pesquisa em currículo, mantendo no horizonte a preocupação de não funcionar como uma bola de demolição8 ontológica. Percorro, assim, a possibilidade de se aliar com a modos de existência, se implicar com o que estão a realizar para ecoá-los no pensamento curricular, tendo como pano de fundo a indicação de Viveiros de Castro (2002) de que levar a alteridade a sério é abrir uma oportunidade para oferecer uma imagem diferente de nós mesmos, uma imagem na qual não nos reconheçamos.
Tal operação implica, como argumentarei, reorganizar práticas de pesquisa em "[...] um novo 'entre' corpos" (BUTLER, 2015a, p. 89), não redutível a escala de indivíduos, em "[...] um espaço de ambientes materiais duradouros e habitáveis e de interdependência" (BUTLER, 2015a, p. 89). É um espaço de interação, ou ainda, de intra-ação, para escrever com Barad (2003), a fim de reconhecer a composição da pesquisa a partir do entrelaçamento, de um torna-se com, no vocabulário Haraway (2008), que é também um pensar entrelaçado a. Logo, se, como sublinha St. Pierre (2011, p. 623), no vivemos "[...] um apelo para uma investigação filosoficamente informada realizada por pesquisadores que leram e estudaram filosofia", esse apelo passa a depender de uma aliança com uma filosofia estilizada de carne, nos termos pelos quais Butler (2003) descreveu atos de gênero, ou de carnalidade da filosofia com força suficiente para transformar conceitos, pressupostos políticos e teóricos. Enquanto estamos centrados na retificação de certo imaginário curricular marcado pela atrofia e seu sonho colonial apegado a noções como verdade, sujeito e conhecimento, modos de vida estão rebolando bem na nossa cara9, indicando que precisamos de um de outro corpo sensual10 de ideias. Quanto a isso, já estão por aí estão por aí cantando: vai malandra11!
Do twerk: uma requebrada de pensamento
A crítica sentenciosa faz-me adormentar; gostaria de uma crítica feita com centelhas de imaginação. Não seria soberana, nem vestida de vermelho. Traria consigo os raios de possíveis tempestades. (FOUCAULT, 1980, s/p).
À essa altura, o começo deste texto deveria ser outro. Tudo que reluz entre suas linhas só me veio quando fui atravessado por performances impulsionadas por "uma urgência feroz do agora" para relembrar o discurso Tenho um sonho, de Martin Luther King. Foi quando braços de tantos outros tomaram minha cintura em desafio a colocar meus quadris para trabalhar, work, work, work12, que veio o desejo de seguir sem ser movido pela força do heroísmo romântico e narcisista a reduzir componentes heterogêneos a uma "[...] identidade ou modalidade visível, audível, legível ou tangivelmente evidente" (PUAR, 2005, p. 128). O aperto sobre o meu corpo ativou um desejo de oferecer algo sobre currículo que "[...] pudesse tomar outras categorias fundacionais que são menos abstratas e mais palpáveis, tais como a vida e a morte" (MBEMBE, 2003, p. 14). O embalo, que me deslocava para uma dimensão estético-política da teoria de currículo, entrelaçava uma reconfiguração ético-política da pesquisa em resposta ao fato de que "[...] tempos queers requerem mesmo queerizar modalidades de pensamento, análise, criatividade e expressão" (PUAR, 2005, p. 121). Eu me aproximava do twerk, como se os amigos que fiz fossem parceiros de uma rebolativa improvisação do pensamento, abrindo espaço para seus solos, deixando-me tocar por sua força. Faço referência ao estilo de dança com movimentos giratórios e provocativos da bunda e dos quadris emergidos na cena musical de Nova Orleans nos Estados Unidos na década de 1990, aprendido entre meus amigos, na cidade de Aracaju, Sergipe, quando inundou, em 2013, videoclipes de cantoras pop, como Rihanna, Miley Cirus, Nick Minaj, Iggy Azalea, Sia e Beyoncé.
Twerk tem uma história de significados múltiplos que desliza entre diversos trocadilhos. Uso, aqui, aqueles que a deslizam pelo verbo torcer (to twist), retorcer e girar (to jerk), mas também pelo substantivo idiota (jerk) e pela gíria to work, usada entre boates de stripper para descrever os movimentos sensuais das prostitutas para os clientes13. Se disser que você é idiota, lembre-se, você é uma puta, uma rainha das ruas, meu amor! - disse-me um daqueles garotos quando confessei certa vergonha de seguir adiante. Nesse cruzamento transoceânico, as conjunções entre imagem, sexualidade, mídia e música criaram condições para laços de socialidade, sobrevivência e experimentação da existência no coração das reconfigurações tecnológicas, de consumo e do capitalismo. Era como se ecoassem um verso de Applause, de Lady Gaga, agora a arte está na cultura pop, em mim em uma imantação mais complexa do que costuma revelar a vulgata comum. Há algo de experimentação do pensamento nesse convite de colocar o corpo para requebrar que não está distante do idiota de Dostoievski retomado por de Stengers (2005, p. 14), um personagem intersticial que demanda "[...] que não nos consideremos autorizados a acreditar que possuímos o significado do que conhecemos" ou bobo de Clarice Lispector tomado de empréstimo por Paraíso (2016), com seu ganhar a vida com alegria despretensiosamente, com um saber não-transcendental. Poderia a pesquisa em currículo girar suas zonas provocativamente? Uma torção que é sobre aceitar perder a consistência de qualquer coisa que lhe é "própria" ao transmutar no aparato de investigação que "[...] ontologia se refere [a] um ser que está sempre entregue aos outros" (BUTLER, 2015b, p. 15). Aquelas manifestações corporais não conteriam força conceitual o suficiente para serem desdobradas em uma de interlocução ao fazer testemunhar aquilo "[...] que desenha os laços que nos ligam ao outro, que nos ensina que estes laços constituem o que somos" (BUTLER, 2004b, p. 48)?
Minha formação em gênero e sexualidade deu-se em núcleos de pesquisa que acompanharam, em potência e extensão, os efeitos das matrizes pós-estruturais, mesmo que frequentemente hibridizadas, no campo curricular brasileiro. O queer me atraía - creio que a vários colegas formados comigo - como o nome de "[...] uma geração mais jovem que quer[ia] resistir [à] política mais institucionalizada e reformista" (BUTLER, 2008, p. 321). Para nós - com alguma licença, usarei a primeira pessoa do plural - o diálogo com os estudos queers se deu marcado pela virada cultural e linguística. Foi um contágio inspirador, sobretudo, por funcionar como uma espécie de alavanca de nossa autoestima. Em um cenário no qual gênero e sexualidade eram objetos de investigação desprezados no ranking epistemológico da pesquisa em currículo - eram territórios de silêncio, dizíamos -, nós nos regozijávamos com a centralidade da linguagem e da cultura. Todo currículo, aprendemos, ali, funcionava como um texto cultural generificado e sexualizado, sugeriu Louro (2004), em obra que nenhum de nós passou incólume. A sensação era de poder ver e fazer aparecer gênero e sexualidade em quaisquer lugares. Éramos capazes de estranhar a ilusão essencialista das identidades, de suspender as pretensões de fixidez da heteronormatividade, de criticar a representação de determinados sujeitos e grupos; de desmontar quaisquer operações discursivas de naturalização de gênero e sexualidade. Enfim, de mostrar os jogos de verdade e poder e destronar a força do discurso. Não é que fosse fácil, mas era - e ainda é - sedutor por nos colocar em uma posição de superioridade epistemológica que figura, paradoxalmente, uma colonização ontológica.
Uma lição mal resolvida levou-nos a dar de cara com essa enrascada: a linguagem é, como aprendemos a dizer, performativa, antes que meramente descritiva ou expressiva. Recorríamos, com alguma facilidade, à declaração de que "[...] a linguagem não é um meio ou instrumento externo em que despejo um eu e onde vislumbro um reflexo desse eu" (BUTLER, 2003, p. 207) e, logo, a "[...] identidade é performativamente constituída pelas próprias expressões tidas como seus resultados" (BUTLER, 2003, p. 48). No entanto, qualquer coisa era constituída pela linguagem, exceto, claro, os procedimentos e os recursos de pesquisa, que, subitamente, estavam imunes, recorrendo ao velho "[...] truque de Deus de ver tudo do nada" (HARAWAY, 1998, 581). A suposição corriqueira era de que a "diferença" e a "identidade" estavam sendo construídas por currículos e precediam a pesquisa de formas independentes e inalteradas. Contudo, caso assim o fosse, o trabalho de pesquisa, que também não se faz por fora da linguagem, estaria condenado a produzir o "objeto" que pressupõe apreender por efeito dos discursos que o fundamentam. Ao assumir, em algum lugar, a transparência que supunha desvelar, nossos procedimentos de investigação foram mantidos intactos ao "[...] adotar [em] uma meta-posição em relação ao seu objeto, um gesto que parece compatível com o instrumentalismo das metodologias científicas e as demandas de objetividade" (KIRBY, 2011, p. 14). É difícil precisar, ao certo, se o encarceramento nessa tautologia é uma resposta desesperada porque realizávamos que o "objeto de pesquisa" não podia ser recuperado ou se porque, diante da frustação, tendemos a elevar nossos pressupostos a encarnação última dos princípios determinantes.
Os méritos foram, sem dúvida, muitos. No entanto, o legado dos estudos queers - sei que posso estar exagerando - foi uma redução do pensamento curricular a um ceticismo anestésico e hipocondríaco, àquilo que Sedgwick (2003) caracterizou de leitura paranoica, de descobrir, e procurar amortecer a descoberta, da normatividade por tudo quanto é lado. Nos rios turbulentos dos estudos queers, cheguei a tirar, nem sempre de forma legível, alguns rumos para uma composição metodológica na pesquisa em currículo (RANNIERY, 2016b). Segui, de maneira imprecisa, a formulação de Sedgwick (1990) sobre conhecimento e sujeito e sua recusa a reduzir queer a uma agenda anti-homofobia a favor de uma definição mais expansiva de vida política. No conjunto dessa expansão, desconfio do uso adjetivante de queer do qual me servi, que deve ser, hoje, lido com alguma precaução. É mais expressão de um sentimento de incômodo ao ler pesquisas em gênero e sexualidade que, ao esbarrarem com o currículo, o reduziam a uma grade de relações de poder imutável ou mutável apenas a partir de uma adoção mistificadora de alteridade como uma identidade evidente. Esse era um tipo trabalho que me perturbava por elidir da paisagem curricular modos de viver e habitar currículo ou, ainda, por assumir uma marca triunfalista e voluntarista quer fosse da normatividade, que nos lançava à beira do fim dos tempos, quer fosse da libertação dela, que nos lançava na promessa humanista de um novo mundo.
Nesses últimos anos, a interrogação dos fundamentos que me percebi obrigado a estabelecer tem me permitido reconfigurar a experiência de pesquisa a partir da sugestão de Foucault (1989) na epígrafe desta sessão que, sutilmente, deixei em suspenso. Oferecida por um amigo, a citação é um disparador não tanto por descrever como minha pesquisa buscou uma vida "real" que existia para além ou que aquém do que se podia reconhecer, monumentalizando a experiência vivida nas escolas. A partir dela, posso recolocar a escrita da pesquisa diante da insistência de que a linguagem, como propriamente Sedgwick (1993) notou, não passa desvios, de que qualquer interrogação é, desde já, inter-rogação. Se "[...] só podemos nos aproximar do transformativo se não tivermos vergonha de arriscar o óbvio" (SEDGWICK, 1990, p. 22), essa transformação é, agora, entretanto, mais do que arriscar a transparência; exige arriscar a obviedade ontológica dos fundamentos que assume. Eu desconfiava, mas, àquela altura, faltavam-me palavras para descrever que, como Kirby (1993) apontou, qualquer reivindicação de autenticidade é, inevitavelmente, um ato de poder que torna um objeto conhecível. Estava, com razão, diante de "[...] uma reverberação da metafísica que assume a diferença inerente entre [...] sujeito e objeto" (BARAD, 2003, p. 829), marcante nos modos de compor pesquisa em currículo que se agrava quando poderiam ser inflacionados por um espírito tão denuncista quando reformista.
Inquietado, comecei a realizar que a pesquisa em currículo testemunha e se produz no próprio processo de diferenciação quanto é, simultaneamente, uma articulação teórica; ou, como aprendemos com Haraway (1998), é a produção de um saber situado. Algo que nunca foi sobre assumir uma posição fixa e única ou performar uma entidade fechada em si mesmo, mas sobre a exploração da "zona de contato de uma relação emaranhada" (HARAWAY, 2008, p. 227), da relacionalidade como uma pratica experimental de transversalidade investigativa. Mesmo "[...] um ponto de vista particular nunca é uma unidade simples", sugere Kirby (1997, p. 161); qualquer perspectiva, continua a autora, "[...] é sempre e necessariamente diferente de si mesma, deslocando e distendo a própria propriedade de um ponto de vista" (KIRBY, 1997, p. 161). Esse perspectivismo implica ir além do jogo simples de silenciamento promulgado pela normatividade ou, como resposta expurgadora, da produção de narrativas alternativas. É um ressoar a alteridade, recolhendo sinais, gestos, vibrações com sensibilidade sem deles tirar grandes sentidos. É ainda despojar a orientação moralista da pesquisa em currículo, que, em lugar de se referir a procedimentos estáticos, varrendo a alteridade, ecoa, como aprendemos a afirmar, a instável força da repetição. Na efervescente atmosfera queer, estranhava que esse caminho fosse reduzido ao engano ou ao engodo, a menos que chegassem as mesmas conclusões conspiratórias, "[...] que também encontrem violência onde pareceu haver possibilidade" (SEDGWICK, 2003, p. 123).
Essa hermenêutica da suspeita é um tanto demissionária ao ser incapaz de ouvir sinais de vida por sua atenção implacável às estruturas de verdade, poder e conhecimento que obscurecem à "[...] textura surpreendente e animadora [...] da comunidade" (SEDGWICK, 2003, p. 17). Em uma clivagem, Sedgwick (2003) propôs, assim, um retorno reparativo ao ontológico e ao intersubjetivo. No passo dessa sugestão, aproximei-me da chamada virada ontológica14 e suas apostas em "[...] endossar o incalculável, a confusão e as responsabilidades de não saber" (LATHER, 2016, p. 5). Sei que a palavra "ontologia" pode soar estapafúrdia para um campo que, no Brasil, tem forte tradição sociológica. O termo tem, entretanto, ganhado adesão no curso do que St. Pierre (2011) descreveu de pesquisa pós-qualitativa, trabalhando "[...] dentro e contra as verdades das formas humanistas, convencionais e interpretativas de pesquisa e análise que centraram e dominaram textos e práticas de pesquisa qualitativa" (JACKSON; MAZZEI, 2017, p. 707). Talvez, a essa altura, fosse mais fácil me engajar no uso de uma matriz inspirada em Gilles Deleuze que, segundo as sínteses da literatura internacional, sobretudo norte-americana15, ofereceria a possibilidade de "[...] compreender o que está no horizonte em termos de novas análises e práticas de investigação" (LATHER, 2007, p. 1). Quero, todavia, manter o diálogo com os estudos queers a partir dos quais venho constituindo alguma trajetória de pesquisa e por reconhecer a força que adquiriram em configurar as questões de gênero e de sexualidade no campo curricular brasileiro.
Encontro companhia em projetos muito diferentes16 que, com o risco do resumo, constituem "[...] não só uma resistência às normas sociais ou uma negação dos valores vigentes, mas antes uma construção positiva e criativa de modos de vida diferentes" (HALPERIN, 1995, p. 65). Tal construção ganha corpo na condução de uma pesquisa que passa a exigir "[...] formas ilimitadas de especulação, modos de pensar que não são alinhados com rigor e ordem, mas com inspiração e imprevisibilidade" (HALBERSTAM, 2011, p. 10). De fato, a "promessa dos monstros" (HARAWAY, 1992, p. 300) já era um convite à "exploração de mundos possíveis" (HARAWAY, 1992, p. 300) que estão no horizonte "em difração antes que em reflexão" (HARAWAY, 1992, p. 300); um "[...] mapeamento da interferência, não da replicação [...] ou reprodução", que não é sobre "[...] onde as diferenças aparecem, mas antes mapeia onde os efeitos da diferença aparecem" (HARAWAY, 1992, p. 300, grifos nossos). Ignorante que era em muito do que essa prática multiforme realizou, cheguei tarde àquilo que Haraway (2013) chamou de fabulação especulativa. Não porque me encoraja a ver o currículo de forma diferente, muito menos porque oferece coragem para manejar a diferença; antes por mostrar que "[...] um mundo moldado de outra forma é possível" (O'ROURKE, 2006, p. 135) - um mundo que não está para além ou aquém de qualquer currículo, mas que já está incluído no seu tecido.
Não é difícil perceber as razões para tantas dificuldades frente às situações que derivam da assunção de que "[...] a realidade que [se] produziu é capaz de prestar um testemunho fidedigno" (STENGERS, 2002, p. 201). Quando se trata de currículo, não é raro a pesquisa converte-se, com certo presenteísmo imediatista, em sonhos épicos de solução técnico-política nos quais currículo ganha uma obviedade quase inquebrantável, um modo consensual de apresentar situações e mobilizar pensamento e ação pouco afeito à zombaria, ao humor e à piada que, de resto, conhecemos tem insuflado os estudos queers. Stengers (2005) tem insistido nas limitações de denunciar o mundo em nome de um ideal ou da busca por uma paz transcendental para criar um espaço de hesitação. Por mais que os percursos pareçam moralmente atraentes, não comportam menos violência ao sucumbir ontologias às vezes de espantalho de um projeto de pacificação e harmonia social. Friso, logo, que não estou realizando uma defesa de como devemos ceder à tarefa celebratória de abraçar e conceder a diferença o que quer que seja ou contando como percebi que as relações de poder podem ser eclipsadas em nome daquilo que Britzman (2000) nomeou de vantagem do outro. Minha inquietação é sobre como a suspensão dos "[...] limites do esquema histórico das coisas, o horizonte epistemológico e ontológico dentro do qual os sujeitos podem surgir" (BUTLER, 2013, p. 13), tarefa no qual fomos tão bem formados, depende de uma relação com alteridade.
Por dependência, quero afirmar que a tarefa de nos alter-ramos, como torção, é concernente a tomar o "eu como outro" (DERRIDA, 2010, p. 33) e, logo, indicar que a alteridade não é algo substancial e invariavelmente diferente e apartada de "nós", quem quer seja esse "nós", mas que é constitutiva desse "nós", está nele enovelada. Esse "nós" é mais sobre entrelaçamentos e emaranhados; de que "[...] não temos de nos inventar radicalmente diferentes daquilo que somos, porque somos já bem diferentes daquilo que acreditamos ser" (STENGERS, 2002, p. 200). Há muito as contribuições feministas, pós-coloniais e queers e seus cruzamentos, embora muito divergentes, vêm sinalizando para como a ubíqua forma de tornar-se outro não é moldada por uma estrutura pré-estabelecida. Não sem razão, o crescente espraiamento da ontologia emerge "[...] no momento em que os fundamentos ontológicos de nossa civilização - a supremacia cultural inquestionável dos povos que a fundaram - são vistos como começando a desmoronar" (VIVEIROS DE CASTRO, 2014, p. 10). A alteridade não diz, porquanto, de uma diferença aditiva ou opositora, mas predicativa de como o mundo social é sempre cruzado por fissuras. Diferença não existe pronta para ser acessada na ordem das coisas, pois é "[...] o diferir como discernibilidade, distinção, afastamento, diastema" (DERRIDA, 1991, p. 91). Diferença é introdução de uma variação - "o diferir como desvio, demora, reserva" (DERRIDA, 1991, p. 91) - que não pode ser "mostrada", pois não tem referência nem comparação - o que "[...] podemos chamar de diferença [é] a essa discórdia 'ativa', em movimento, de forças diferentes e de diferenças de forças" (DERRIDA, 1991, p. 91).
Como continuar pesquisando em currículo quando se é lançado nessa abertura constante, oblíqua e dissonante, nesse instável tecido que "[...] não mantém nada integralmente no lugar, mas se torna ele mesmo uma espécie de rompimento perpétuo" (BUTLER, 2015b, p. 26)? Ao mesmo tempo, o que a pesquisa em currículo pode ser quando esse deslocamento perpétuo implica uma rotação, não da perspectiva de quem pesquisa sobre algo como seu objeto, mas das categorias que usa, uma requebrada de pensamento? Hoje, quando retomo os textos por meio dos quais fui iniciado aos estudos queers, não diria que possíveis respostas eram desconhecidas. No coração da lição com que comecei essa sessão, havíamos aprendido que a linguagem não pode ser autocontida; o "[...] sentido do seu endereçamento está fora de controle" (BUTLER, 1997, p. 3) por estar habitada por um excesso que a fratura, "[...] efeito de invocações prévias e futuras que ao mesmo tempo constituem e escapam a enunciação" (BUTLER, 1997, p. 3). A linguagem não designa uma referência dada e existente, mas suplementa-a, criando uma referencialidade espectral que não é capaz de conter. A subsequente crítica empreendida por Butler (1997, 2015b) nos levou ainda a realizar que as modalidades materiais não são nem inteiramente discursivas nem pré-discursivas. Em uma distensão, se os artefatos de pesquisa são levados a constituir o objeto que referenciam, alguma coisa acontece no meio do caminho; algo de excessivo emerge do esgarçamento da linguagem ao "aponta[r] em direção a um referente que não consegue capturar, porque o referente não está completamente construído na linguagem, não é o mesmo que o efeito lingüístico" (PRINS; MEIJER, 2002, p. 160).
Era essa a condição performativa: a abertura para o que não poder ser delimitado nem previsto linguisticamente, porque não é outra coisa senão a exposição a uma alteridade obsediante que nos habita, um "[...] contato com o que está fora de mim, o veículo para um relacionalidade ex-tática e a cena em que uma linguagem encontra outra e algo novo acontece" (BUTLER, 2017, p. 21). Longe de esgotada, a estranha lição da performatividade não é sobre alçar um fundamento ontológico à explicação última da existência; "[...] é, com efeito, uma contestação dos hábitos que [...] conferem à linguagem e outras formas de representação mais poder na determinação de nossas ontologias do que elas realmente merecem" (BARAD, 2003, p. 802). A ficção emerge desse despojamento; de que não há referência incontornável ou verificável porque é um campo de alter-ação; de que, enfim, a "ficção torna-se vetor de devir" (STENGERS, 2002, p. 203). Para fazer jus a suspeita de meus colegas e professores, escrevo como se fosse verdade, pois sendo ficção, a questão não é se debater contra ou sobre os jogos de poder que constituem o que pode ser verdadeiro, mas usufruir desse embate a fim de "[...] exigir que sejam desvinculados verdade e poder e entrelaçados verdades e devires" (STENGERS, 2002, p. 203). Logo, a ficção não falseia uma realidade acessível; é a condição de nossas práticas de pesquisa acontecerem sem a escrita suturar o "[...] encontro ontológico [...] - entre atual e possível, existente e inexistente - em que estes se redefinem reciprocamente" (NODARI, 2015, p. 82-83). A questão é como a pesquisa em currículo figura e mantém esse encontro vivo; em como é possível reverberar a "impregnância" dérmica da relacionalidade de qualquer pesquisa; de que a alteridade está emaranhada no que, creio, podemos chamar de pensamento, recolocando as práticas de conhecimento em termos de enredamentos topológicos e dinâmicos.
Com algum risco, é possível indicar os seguintes eixos:
Tomo, nesse percurso, liberdade para aproximar a figura do pesquisador em currículo da drag-queen, porque há algo de montagem na pesquisa que tem também a ver com "improvisação dentro de uma cena constrangimento" (BUTLER, 2004a, p. 1). Se há algo de próprio na drag-queen, é um montar-se como derivar a si mesmo. Como Noë (2015, p. 7) coloca, em formulação de difícil tradução, "it is our nature to acquire second natures". O que estou defendendo é uma pesquisa em currículo que, enredada, resta-lhe a opção de transmutar em seu próprio corpo escrito, se assim posso me expressar, a indistinção entre teatralização e política da qual Butler (2008) já falava acerca do termo queer. Sei que as perguntas podem soar disparatadas, mas penso que vale a pena fazê-las: pode a teoria de currículo se montar? Isto é, adquirir outra natureza, dito de outro modo, outra ontologia e não simplesmente reconhecer outra cultura? Há anos minha dissertação de Mestrado (RANNIERY, 2012) já flertava com o teatro. Vai não vai, esse flerte me persegue. Foi, porém, no encontro com as performances que pude realizar o porquê do meu fascínio. Pude perceber a tarefa da pesquisa como a "[...] substituição de toda a história ou narração por um 'gestus' como lógica de posturas e de posições" (DELEUZE, 2010, p. 90) a fim de encontrar uma alternativa à reconhecida abordagem sociologizante de currículo, realizando que "o ensaio crítico é uma obra de teatro" (DELEUZE; BENE, 1979, p.87). Encerro, assim, essa sessão retomando a tarefa crítica da pesquisa em currículo para suspender a distinção entre as perguntas sobre como fazer pesquisa da sua tessitura e de suas condições de possibilidade.
Lá, quando fomos começamos a ler Butler, mesmo sem entender muita coisa, aprendemos sobre o exercício da crítica se aproveitar da debilidade de esquemas normativos por meio dos quais a vida pode permanecer à tona. Talvez, esse movimento dependa, agora, de um exercício paralelo de (re)constituição de modos inexplorados de existência onde se julgava a plena e pura eficácia de esquemas de inteligibilidade. O comprometimento da teoria curricular com a alteridade não está estritamente contido em interrogar os próprios termos a partir deles, mas inter-rogar enlaçado à alteridade "com seu poder de deformar" (BUTLER, 2008, p. 322). Modos de habitar currículos não são mesmo "coisas" sobre as quais se pode falar. Não que só venham à tona a partir do momento que são descritos, muito menos porque se pode descobrir algo novo que estaria à espera para ser revelado, quiçá por tomar a pesquisa como uma produção bem-acabada a dar alguma forma para algo que, de outro modo, não existiria. Se a vida emaranhada da diferença está sempre se (des)fazendo, escreve-se em uma zona ecoante e derivativa. Essa ontologia do gerúndio (BUTLER, 1988) é uma oportunidade de transfiguração ontológica, de arriscar aberturas, e não de enraizamento existencial. É razoável pedir, assim, que não se confunda essa "teatralização com autoexibição e autocriação" (BUTLER, 2008, p. 326). Para poder produzir algo viável, qualquer pesquisa, de fato, "retoma e cita" (BUTLER, 2008, p. 322) a diferença em uma montagem que explicitamente "[a] imita e [a] faz hiperbólica" (BUTLER, 2008, p. 322).
A pesquisa monta-se, exacerbando a fissura, para torcer o vocabulário pelo qual é levada a falar e arrisca sua inteligibilidade, entregando-se à desmontagem para reconstituir-se, montando-se a partir do enlaçamento constitutivo, de como a diferença é parte da textura das relações conceituais e escriturais que lança. O exercício levado à cabo pelos estudos queers de que não se pode falar sobre a diferença por seu tentador exercício de falar em nome dela nunca foi sobre a impossibilidade do heterogêneo assediar. Ver cair o manto da promessa de assumir a posição do outro permanece mal resolvido se for aprisionado na retórica da apropriação e simplificação da diferença - é "[...] um outro tipo de trabalho que acontece no nível de um imaginário filosófico" (PRINS; MEIJER, 2002, p. 158). Para seguir Mol (1999), a preocupação ontológica não é uma política do quem (pode conhecer ou falar), mas uma política de quais realidades tomam forma e como essas realidades são tecidas e criadas; tem a ver como valorizar versões contrastantes de realidade e como permitem viver. Tem a ver com como a realidade é criação! Tem a ver, portanto, com ficção!
Ficção começa quando traz à tona modos situados da "[...] dança de encontros modelando sujeito e objeto" (HARAWAY, 2008, p. 3) na feitura da pesquisa. Passa por um modo de amplificar esse encontro marcado pela difração e dispersão, antes que pela articulação e sutura. Em sua deriva, abre um espaço de desmantelamento dos códigos de legitimidade do pensamento curricular a partir ou mesmo dependente de um "(des)tornar-se com como co-constitutivo, heterogêneo, múltiplo e em curso" (HARAWAY, 2008, p. 3, grifos da autora), retirando desse entrelaçamento uma atenção para temas candentes que assombram nosso tempo e, claro, a vida e a morte de tanta gente no mundo. É a isso que se poderia chamar de implicação ético-política, se, por implicação for tangível se envolver com o mundo, um envolvimento diferente que tem a ver com sentar, quicar e descer de uma vez17, perguntando o que acontece à pesquisa em currículo ao ser descolada de grandes conceitos e de categorias invariavelmente aplicáveis a quaisquer situações e sujeitos classificáveis para ser desdobrada, deslocada para o espaço aberto entre as palavras e as coisas18. Gostaria, por fim, de uma crítica que é um estouro, que faz pegar fogo, que bate, que brilha e se joga também, com delicadeza e malícia - em uma paráfrase proposital do meu encontro, do corpo da minha escrita, com Bumbum de ouro de Gloria Groove. A lição de partida, para ficar no vocabulário dos manuais, é de se torcer e se montar, ou como me perguntaram, esse seu trabalho aí, de pensar, de ser intelectual, não pode fazer um twerk, não? A cabeça também está na cintura, viado!
F(r)icção: escrita especulativa
Rio de Janeiro, janeiro de 2018. Cinco anos depois, o Doutorado havia se encerrado, a tese havia sido defendida e olhares de suspeita, em alguma medida, dissipados. Poderia me tranquilizar, à exceção de ver "[...] a possibilidade de suspender e interrogar a reivindicação ontológica, de revisar suas próprias produções e, por assim dizer, contestar sua reivindicação do real" (BUTLER, 2004a, p. 29), tão investidas nas performances apresentadas em quadras escolares, para "[...] imaginar a nós mesmos e outros de outra forma; [de] estabelecer o possível em excesso do real" (BUTLER, 2004a, p. 29) se esvair junto ao meu sossego de ver o trabalho de pesquisa deixando de ser ficção. Foi diante de certo risco esterilizador que a pergunta-título se colocou. A interrogação reluz sobre o lugar do texto e do trabalho imerso com palavras, dos "[...] rearranjos materiais dos signos e das imagens, das relações entre o que se vê e o que se diz, entre o se faz e o que se pode fazer" (RANCIÈRE, 2009, p. 60). Faço esse retorno ao que tanto me perturbou não como quem se debate sobre o que é real e o que é fantasia, o que é verdadeiro e o que é falso. Realizo, agora, que, na escrita, a pesquisa se materializa em seu "fazer/ser performativo" (BARAD, 2003, p. 826) ao colocar em funcionamento um "[...] trabalho de ficção dentro da verdade, [...] e, de algum modo, fazer com que o discurso permita surgir, fabrique, algo que ainda não existe, portanto, ficcione algo" (FOUCAULT, 1980, s/p); um trabalho de fabulação especulativa que perderia muito se fosse reduzível a um texto que mostraria, apontaria ou refletiria uma referência supostamente dada.
Mesmo que um tanto anacrônica, minha preocupação é atravessada pela formulação de Saer (2009). Discutindo o gênero non-fiction, Saer (2009, p. 9) define, sem pudores, a "ficção como uma antropologia especulativa", em que não apenas reconhece a impossibilidade de extirpar qualquer vestígio de ficção, como dispara:
[...] não se escreve ficções para se esquivar, por imaturidade ou irresponsabilidade, dos rigores que o tratamento da "verdade" exige, mas justamente para pôr em evidência o caráter complexo da situação, caráter complexo de que o tratamento limitado ao verificável implica uma redução abusiva e um empobrecimento. Ao dar o salto em direção ao inverificável, a ficção multiplica ao infinito as possibilidades de tratamento. Não dá as costas a uma suposta realidade objetiva: muito pelo contrário, mergulha em sua turbulência, desdenhando a atitude ingênua que consiste em pretender saber de antemão como é essa realidade. Não é uma claudicação ante tal ou qual ética da verdade, mas uma busca de uma um pouco menos rudimentar. (SAER, 2009, p. 2).
Poderia encerrar por aqui. Não se expurga a ficção dos gêneros, como os textos acadêmicos, que se pretendem não ficcionais porque a escrita, se envolve mergulho e deriva, contém algo de multiplicadora. Daí a fórmula na qual a literatura partilha "[...] com a antropologia o diferimento absoluto (o princípio da contradição, o não ser-idêntico-ao-ser) como condição ontológica de possibilidade" (NODARI, 2015, p. 81). Há, porém, uma marca diferencial, pois o que "[...] a literatura cartografa são mundos inexistentes, sendo uma cosmografia comparada das perspectivas extra-mundanas" (NODARI, 2015, p. 81) enquanto "[...] a antropologia cartografa mundos possíveis, constituindo uma cosmografia comparada das perspectivas do anthropos" (NODARI, 2015, p. 81). Se ouso distender essa formulação para o texto da pesquisa em currículo não é por emular a literatura ou a antropologia. Minha sugestão é mais simples. A pesquisa em currículo avizinha-se e, ao mesmo tempo, toma certa distância tanto de uma quanto da outra porque a ficção torna-se um poderoso instrumento filosófico para a escrita da pesquisa em currículo enredar a alteridade. Se as perguntas de Butler (2004b, p. 33): "[...] o que é real? Que vidas são reais? Como pode a realidade ser efeito?", perseguem o pensamento curricular impactado pelos estudos queers, elas não nos obrigam a uma resposta direta, linear, transparente e simples posto que "[...] o real precisa ser ficcionado para ser pensado" (RANCIÈRE, 2009, p. 58). Talvez, por isso, o que fiz foi escrever como que especulando: e se essas vidas fossem reais? E se essas vidas fossem tomadas por vivíveis? Tal especulação, e se?, parece-me a condição de ecoar à alteridade no pensamento curricular ao invés de varrê-la do mapa.
Ficcionar é a condição da pesquisa em currículo conferir à alteridade essa força animada que se move por meio de e move corpos e objetos. Se a pesquisa em currículo não é nada mais que montagem, escreve-se devolvendo às vidas que circulam e se entrelaçam nos currículos a estranha turbulência de existir, "[...] seu caráter de 'irrealidade', de montagem de palavras e de imagens, própria para reconfigurar o território do visível, do pensável e do possível" (RANCIÈRE, 2009, p. 62). Concluo - uma conclusão imprudente, por certo - indicando que o exercício queer e a resposta à alteridade, finalmente, convergem. Ali, onde as palavras dão literalmente corpo à suspensão dos fundamentos do pensamento curricular é pela deriva, pelo rebolado da escrita, que a pesquisa pode ser e fazer outra coisa, dizer outra coisa. Não porque vai mudar o mundo, mas porque, tal como as coreografias ardentes nas festas escolares, pode nos fazer mudar de mundo. Ficção é sobre o quão a vida pode impregnar a imaginação curricular ao ser o corpo de uma escrita que é transfiguração de mundos. Essa afirmação é uma referência à certa antropologia que, na citação de Ingold (1992, p. 696), realizada por Viveiros de Castro (2002), encontra-se como a "antropologia é a filosofia com pessoas incluídas" que bem poderia ser expandida à teoria de currículo. A essa altura, gostaria de sugerir que teoria e pesquisa em currículo é filosofia com a vida e também a morte reverberando, com a textura das interrelações a animando.
Por fim, os estudos queers no pensamento curricular não se esgotam na analítica da normatividade, mas despontam interesse, ou emergem de um entrelace, por mundos possíveis traçados em agenciamentos históricos de conceitos, materiais e forças como capazes de deixar vestígios incomuns no próprio corpo do pensamento curricular; um interesse por ecoar os "[...] traços, restos, coisas que são deixadas, penduradas no ar como um rumor" (MUÑOZ, 2006, p. 65) na força conceitual e imaginativa que lança; um interesse pela criação de mundos incompossíveis que já estão sendo traçados por tanto modos de vida em virtude da corrosão e do sufocamento, para quem o amanhã nunca foi uma certeza. Se há, portanto, alguma virada ontológica em curso, não se esgota na versão de filosofia que sugere St. Pierre (2011). Soaria um tanto quanto paradoxal se essa investigação filosoficamente informada não empreendesse como contraparte a descolonização dessa filosofia, por falta de palavra mais apropriada, como o nome para "[...] uma forma especial de direcionalidade do vivente que tem potencialidade de transcender seu próprio substrato de origem e ter lugar ali onda haja pensamento" (ROMANDINI, 2010, p. 225). Ou, ali, onde as performances fazem do pensamento carne para viver outro mundo!
O problema de gênero da pesquisa em currículo - nosso gender trouble, por assim dizer - está em se aliar com essa filosofia feita de carne na imaginação conceitual de currículo. Essa aliança é o que pode criar as condições para teoria de currículo produzir "um conjunto ativo e intransitivo de inter-relações" (BUTLER, 2015b, p. 210), uma política em que a pesquisa marca "[...] o limite da autossuficiência e nos estabelece [pesquisadores também] como seres relacionais e interdependentes" (BUTLER; ATHANASIOU, 2013, p. 91). A desmontagem das fundações para "reativar o novo, a diferença bloqueada" (MACEDO, 2017, p. 581) envolve, portanto, tornar o próprio currículo ordinariamente estranho a partir do que emerge do entrelaçamento, isto é, dependente de tomar as vidas com as quais se envolve como materializando uma espécie de filosofia em que o corpo faz todo o trabalho19 e na qual se "[...] explora sobre bases completamente novas o espaço do vivente" (ROMANDINI, 2010, p. 225). Se uma das características marcantes do queer foi uma tentação para o que é marginal, talvez, seja preciso admitir que a marginalidade no que tange ao pensamento curricular poderia se localizar não nas pessoas, mas na perspectiva de que se pode lançar sobre o currículo, deslocando pontos tomados como centrais da teoria de currículo.
A escrita torna-se o terreno para a exploração dessa interrelação, ou melhor, do que a relação pode reverberar na imaginação curricular. Uma escrita que não é sobre imaginar uma experiência pedagógica, de como, o currículo se fosse como - nada mais próximo aos sonhos de pacificação da educação como projeto que tomaria imaginação por prescrição -, "mas de experimentar uma imaginação" (VIVEIROS DE CASTRO, 2012, p. 155). Experimentar a imaginação do pensamento curricular é o que aconteceria ao currículo se colidisse e fosse friccionado a outras ideias e corpos, se respondesse ao convite de dançar como se estivesse fazendo amor20. A tese que começou se debruçando sobre as experiências de gênero e de sexualidade de jovens gays na escola, logo se deslocou para as relações mantidas por jovens gays com a escola ou ainda como algo que nomeie em outro momento de delicado trabalho de criação da vida vivível (RANNIERY, 2017b, 2017c) incidia sobre o currículo. Percebi um passo suplementar que consistia em uma crítica do próprio pensamento curricular, navegando constantemente nessa espécie de meio constituído pelos encontros e relações que estabeleciam comigo, com o mundo e a escola. A ficção tornou-se para mim o eco da alteridade no limite da teoria de currículo ao dar corpo em palavras aquilo que emerge do entrelaçamento.
Suspender a fronteira entre a ficção e a escrita da pesquisa em currículo é, por fim, negar aos recursos metodológicos o privilégio ilusório que a desnaturalização, tal como aprendemos, reivindicou para si. Por outra via, ficção é o nome para uma política da escrita em uma aproximação impregnante; em que modos de vida podem, finalmente, provincializar a imaginação curricular onipresente e colocá-la em simetria e aliança ético-política com o trabalho de tornar a vida vivível. Qualquer resposta da teoria de currículo à alteridade envolve interrogar às nossas reinvindicações ontológicas - um trabalho de fricção - a partir da abertura para o inimaginável que, por sua vez, já está sendo experimentado e está em curso por tantos modos de vidas - um trabalho de ficção que não é somente um tropo discursivo ou conceitual, mas é, sem pudores, uma crítica experimental e imaginativa sobre outros mundos possíveis. Fri(c)ção: produzir pesquisa em currículo, como quem roça os corpos, borrando os limites entre o eu e o outro, entre qualquer território chamado de "si mesmo" e a alteridade que o habita e que busca encobrir.
Um parágrafo final
Escrevi este texto só para dizer que ando cada vez mais desconfiado e avesso à apresentação do currículo como desencantado. Estaríamos tão imersos no marco colonial que a única possibilidade é tomar nossa escrita como descritora denuncista do que faz acachapante os modos de habitar currículos ou como redenção reveladora do que se esconderia soterrado? Reconhecer a fantasia colonial subjacente às práticas de pesquisa é crucial para estudos queers no pensamento curricular desafiarem tanto habituais suspeitos quanto reconhecidos aliados e levar às últimas consequências a já não tão nova lição queer no aparato de investigação: a repetição estilizada de atos foi sobre intensificar e expandir a vida na própria configuração do pensamento e da política posto que teorização, práticas corporais e habitação da vida são inseparáveis. Sendo ficção, o trabalho político da escrita da pesquisa em currículo não é nada mais do que corporificar nos textos pontos de vistas inesperados sobre as complexas interrelações por meio das quais um currículo nunca corresponde a um campo ontológico hermético fechado, mas subleva uma zona borrada de inter-relações e movimentos, um espaço-tempo mais aberrante do que gostaríamos, à esquerda ou à direta do espectro político, que fosse. E não era a viagem e a fronteira o tema do capítulo de abertura do, hoje, clássico livro de Louro (2004)? Não haverá virada ontológica no pensamento curricular sem desafiar o limite pelo qual se institui a crença do currículo como terreno da unicidade da existência. A questão que nos resta é perguntar se e o quanto estamos dispostos a escrever de forma mais precária, como quem diz: olha a explosão! Quando ela desce com o bumbum no chão!21 Talvez, isso implique deixar de fazer pesquisa para fazer outra coisa que não sabemos o que será e nem será preciso saber.
Referências
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