Dossiê: Desenvolvimento profissional docente

Imitação-criação no processo de formação para o desenvolvimento profissional docente*

Imitation-creation in the education process for teaching professional development

Imitación-creación en el proceso de formación para el desarrollo profesional docente

Walêska Dayse Dias de Sousa
Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Brazil
Andrea Maturano Longarezi
Universidade Federal de Uberlândia, Brazil

Imitação-criação no processo de formação para o desenvolvimento profissional docente*

Práxis Educativa, vol. 13, núm. 2, pp. 443-462, 2018

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 20 Julho 2017

Aprovação: 30 Novembro 2017

Resumo: Este artigo trata de uma pesquisa realizada com professores do Ensino Superior com o objetivo de sistematizar processos formativos que favoreçam o desenvolvimento profissional docente, tendo a teoria histórico-cultural como aporte teórico. O procedimento teórico-metodológico utilizado foi a intervenção didático-formativa com a utilização combinada de questionários, entrevistas, observação de aulas, análise de documentos e encontros formativos. As análises permitiram concluir que o processo de imitação-criação favorece o desenvolvimento profissional docente. Os fundamentos teóricos relacionados ao ensino só produzem sentido para o professor em criações que o ajudam a materializar a prática pedagógica, o que contribui para o seu desenvolvimento profissional. Assim sendo, a formação deve oportunizar a construção de conceitos teóricos vivenciados na prática pedagógica por meio da imitação-criação docente.

Palavras-chave: Docência universitária, Formação de professores, Teoria histórico-cultural.

Abstract: This paper deals with a research carried out with Higher Education professors with the aim of systematizing formative processes that favor the teaching professional development, taking the historical-cultural theory as theoretical contribution. The theoretical-methodological procedure used was didactic-formative intervention with the combined use of questionnaires, interviews, observation of classes, analysis of documents and formative meetings. The analysis allowed us to conclude that the process of imitation-creation favors the teaching professional development. The theoretical foundations related to teaching make only sense for the professor in creations that help him/her to materialize the pedagogical practice, which contributes to his/her professional development. Therefore, education should provide opportunities for the construction of theoretical concepts experienced in pedagogical practice through teaching imitation-creation.

Keywords: University teaching, Teacher education, Historical-cultural theory.

Resumen: Investigación realizada con profesores de enseñanza superior con el objetivo de sistematizar procesos formativos que favorezcan el desarrollo profesional docente, teniendo la teoría histórico-cultural como aporte teórico. El procedimiento teórico-metodológico utilizado fue la intervención didáctico-formativa con la utilización combinada de cuestionarios, entrevistas, observación de clases, análisis de documentos y encuentros formativos. Las análisis permiten concluir que el proceso de imitación-creación favorece el desarrollo profesional docente. Los fundamentos teóricos relacionados con la enseñanza sólo producen sentido para el profesor en creaciones que le ayudan a materializar la práctica pedagógica y eso contribuye a su desarrollo profesional. Siendo así, la formación debe oportunizar la construcción de conceptos teóricos vivenciados en la práctica pedagógica por medio de la imitación-creación docente.

Palabras clave: Docencia universitaria, Formación de profesores, Teoría histórico-cultural.

Introdução

Tendo como referência dados de pesquisa finalizada em 2016, realizada com professores do Ensino Superior que atuam em cursos de licenciatura de uma universidade pública brasileira, este artigo tem como objetivo analisar a tese de que o processo de imitação-criação favorece o desenvolvimento profissional docente. Imitação e criação são conceitos empregados por Vigotski ao longo de sua obra, para explicar processos psíquicos indicadores do desenvolvimento humano. Com eles é possível compreender possibilidades de superação em diferentes estágios da constituição sócio-histórica do homem, mediante sua atividade consciente e voluntária. São conceitos presentes na obra vigotskiana, em diferentes publicações. Para Vigotski (2009):

Nosso cérebro mostra-se um órgão que conserva nossa experiência anterior e facilita a sua reprodução. Entretanto, caso a atividade do cérebro fosse limitada somente à conservação da experiência anterior, o homem seria capaz de se adaptar, predominantemente, às condições habituais e estáveis do meio que o cerca. Todas as modificações novas e inesperadas no meio, ainda não vivenciadas por ele na sua experiência anterior, não poderiam, nesse caso, provocar uma reação necessária de adaptação. Ao lado da conservação da experiência anterior, o cérebro possui ainda função não menos importante. Além da atividade reprodutiva, é fácil notar no comportamento humano outro gênero de atividade, mais precisamente a combinatória ou criadora. (VIGOTSKI, 2009, p. 13).

As condições de materialidade da profissão docente incluem, quase sempre, o inesperado, visto que a própria relação professor-estudante é constituída de contrários, de diferentes, que, mesmo existindo um para o outro, tem histórias, trajetórias, necessidades, sentimentos únicos. Assim, apreender um conceito ou uma rede conceitual que fornece os instrumentos necessários para o professor organizar didaticamente sua aula e, ainda, dominar uma área de conhecimento específico, embora fundamentais, ainda não são suficientes para materializar a aula. Sua organização é complexa e envolve um processo de estudos, de opções e de escolhas teórico-práticas, para que se consolide tendo em vista a aprendizagem e o desenvolvimento do estudante. Assim sendo, o professor, certamente, deve lançar mão de sua atividade criadora na busca por seus objetivos.

Ocorre que, muitas vezes, o professor não utiliza seu potencial criador para organizar a atividade docente com a intencionalidade e a fundamentação teórico-prática necessárias. Em algumas situações, o professor reproduz práticas, mecanicamente, sem se dar conta dos porquês de suas escolhas, e/ou se limita a discursar princípios pedagógicos presentes em sua oralidade, a ser considerados na organização didática, que não se refletem, coerentemente, em suas próprias práticas. Nessas situações, as unidades teoria-prática e conteúdo-método não se materializam e, portanto, não produzem boas condições para criações do professor.

Toda atividade do homem que tem como resultado a criação de novas imagens ou ações, e não a reprodução de impressões ou ações anteriores da sua experiência pertence a esse segundo gênero de comportamento criador ou combinatório. O cérebro não é apenas o órgão que conserva e reproduz nossa experiência anterior, mas também o que combina e reelabora, de forma criadora, elementos da experiência anterior, erigindo novas situações e novo comportamento. Se a atividade do homem se restringisse à mera reprodução do velho, ele seria um ser voltado somente para o passado, adaptando-se ao futuro apenas na medida em que este reproduzisse aquele. É exatamente a atividade criadora que faz do homem um ser que se volta para o futuro, erigindo-o e modificando o seu presente. (VIGOTSKI, 2009, p. 13-14).

A criação docente não se produz do nada. O professor movimenta seu percurso formativo, com sentidos que são produzidos por ele na sua relação com a cultura por meio da apreensão de conceitos relacionados à sua área de formação específica e à área do ensino, experiências anteriores como docente e estudante; enfim, referências da realidade concreta que são sua base para, continuamente, produzir sua atividade profissional. Essas referências reconfiguram-se à medida que são promovidos conflitos de toda ordem, contribuindo para que ele se desenvolva. "A pedagogia deve orientar-se não ao ontem, senão ao amanhã do desenvolvimento [...]. Só então esta poderá promover, durante o processo de ensino-aprendizagem, os processos de desenvolvimento que agora se encontram na zona de desenvolvimento próximo” (VIGOTSKI, 2007, p. 359).

O desenvolvimento, do ponto de vista da psicologia histórico-cultural, provoca uma reorganização completa do pensamento. Esse processo promove um salto qualitativo na forma que o pensamento se organiza, o qual muda o sujeito e a cultura. Não se trata de um movimento linear, mas complexo, objetivo-subjetivo, repleto de sinapses e de conexões internas, articulado à singularidade de cada ser humano. Os desafios, as dificuldades, as inquietações e a busca por novas aprendizagens adquirem um papel importante nesse processo, tornando as experiências formativas no campo do ensino potencializadoras do desenvolvimento profissional. Constituem referências importantes para o professor em formação permanente. "A instrução é possível quando existe a possibilidade de imitar” (VIGOTSKI, 2007, p. 358). Na pesquisa, o conceito de imitação de Vigotski (2007) foi analisado, para que fosse possível defender a tese de que imitação e criação constituem uma unidade dialética no desenvolvimento profissional docente. Esse é o objetivo deste artigo.

Alguns fundamentos da teoria histórico-cultural

A teoria histórico-cultural teve seu limiar de produção científica no início do século XX na Rússia. A obra buscava confrontar modelos tradicionais e conservadores da então psicologia, marcada pelo comportamentalismo, corrente de estudos influenciada pelo positivismo, que parte da compreensão de que o comportamento humano é o único dado observável e, portanto, com possibilidades de ser quantificado, resultante dos estímulos do ambiente, sendo por essa via a medida da aprendizagem. Assim, de acordo com essa perspectiva teórica, os estímulos corresponderiam às respostas, a serem desenvolvidas por meio de treinamento. Os fenômenos psíquicos só poderiam ser investigados por meio de comportamentos observáveis (DOMINGUÉZ GARCÍA, 2006).

O limiar da teoria histórico-cultural também questionava os limites do capitalismo, que no contexto russo, recém-saído do feudalismo, continuava reproduzindo grande desigualdade social, analfabetismo, miséria, exploração do trabalho, entre outros. Vigotski, pioneiro da teoria histórico-cultural, e, depois, seus inúmeros colaboradores combatiam, veementemente, esses limites, fundamentados pelos ideários marxistas. Eles defendiam a necessidade de uma sociedade socialista e uma educação escolar que, de fato, colaborasse para que todos se apropriassem dos conhecimentos historicamente produzidos pelos homens e com eles se desenvolvessem. Assim, seria possível que os homens agissem de forma competente e cidadã, definindo e transformando, com mais instrumentos, o mundo e suas próprias trajetórias de vida.

A psicologia histórico-cultural parte do princípio fundamental de que o homem nasce com potencial para desenvolver sua humanidade, e isso só se concretiza ao longo da vida, porque ele se apropria, de forma única e "irrepetível”, da experiência sócio-histórica. É a sua relação com a cultura humana, representada por conceitos, valores, normas sociais, conhecimentos, entre outros, que produz sua humanidade e também continua produzindo a cultura, de forma permanente e dialética. Esse princípio traz uma implicação importante para o professor, pois pressupõe que a atividade profissional docente não está dada, a priori, nem ao menos está reduzida a uma lista de procedimentos técnicos a serem seguidos.

A atividade profissional docente exige produção permanente do sujeito professor, como sujeito ativo que pensa a sua condição profissional, examina necessidades e dificuldades para encontrar formas de superá-las, de modo a impactar o seu desenvolvimento e a própria docência, motivo que torna os processos formativos dos quais ele participa tão importantes para a sua vida. Para a produção da ciência pedagógica, esse também é um princípio importante, pois denota seu caráter de permanente desenvolvimento e dinamicidade sócio-histórico-científico. Psicologia e pedagogia, a partir desse aporte teórico, são saberes que articulados contribuem para o estabelecimento de leis, de princípios e de regularidades relacionados aos processos de ensinar e aprender. "A psicologia não pode fornecer diretamente nenhum tipo de conclusões pedagógicas. Mas como o processo de educação é um processo psicológico, o conhecimento dos fundamentos gerais da psicologia ajuda, naturalmente, a realizar essa tarefa de forma científica” (VIGOTSKI, 2003, p. 41).

Outro fundamento importante da teoria histórico-cultural é o conceito de atividade. Esse conceito, com menções iniciais já incluídas na obra de Vigotski, foi analisado e sistematizado por Leontiev, um de seus seguidores. Ao considerar-se esse conceito, a produção da vida humana, que só ocorre por meio da interação social, é ação intencional e busca alcançar uma finalidade: está aí a gênese do conceito de atividade, ou seja, o modo humano de produzir-se como tal, por meio de ação intencional e coincidente a uma necessidade e um motivo que orienta operações por meio das quais são realizadas as ações. Necessidade, motivo, ação, operação, condição, são elementos da atividade humana caracterizados filosófica e psicologicamente pelo autor, de forma a contribuir para a compreensão do movimento constitutivo do homem na sua relação com o mundo social, tendo em vista o papel de cada um desses elementos combinados aos demais (LEONTIEV, 1978).

A atividade principal do professor é ensinar e é necessário compreender essa atividade com a intencionalidade que ela demanda. A falta de intencionalidade pode reduzir o papel do professor e torná-lo mero executor de procedimentos técnicos que não convergem para a busca de sentidos que a docência deve produzir para ele. Quando o professor age sem pensar acerca dos motivos, das intenções, das finalidades e dos referenciais teórico-práticos que orientam cada uma de suas ações no ensino, ele deixa de se reconhecer na profissão, contribuindo com processos alienantes e angustiantes que dificultam sua possibilidade de desenvolvimento. Ele passa a realizar um "ativismo”, ou seja, a realização de diferentes ações desconectadas entre si que não convergem para que ele alcance os seus objetivos e responda às suas necessidades. Em última análise, sem se produzir por meio da atividade, ele não investe na sua própria produção de humanidade.

Produzir-se como docente por meio da atividade também leva em conta o princípio do ensino para o desenvolvimento. Não só o desenvolvimento profissional docente, mas também o desenvolvimento do estudante que participa da relação educativa. O exercício da docência deve considerar esse princípio, concretizando um ensino desenvolvimental (DAVIDOV, 1988), ou seja, um ensino que promova o desenvolvimento por meio de uma didática como mediação da mediação cognitiva (LIBÂNEO, 2010), um trabalho que considere a organização das categorias didáticas: objetivos de aprendizagem, conteúdos, metodologias e avaliação, como mediadoras das relações entre o aluno e os objetos de conhecimento, razão pela qual o conceito nuclear do didático é a aprendizagem e, por sua vez, a razão de ser do ensino (LIBÂNEO, 2010).

O materialismo histórico-dialético e a produção da pesquisa

O materialismo histórico-dialético, base fundamental de realização da pesquisa, como método de produção de conhecimento, leva em conta a dialética e a história. Nele, a realidade torna-se objeto na relação ativa com o sujeito, ou seja, sujeito e objeto interagem, mediados pela atividade. O objeto concreto não se apresenta imediatamente aos sentidos porque é produto de uma construção teórica (MARX, 1999). O conhecimento é, portanto, ao mesmo tempo, produto e processo.

No método dialético, o concreto é ponto de partida e ponto de chegada. No concreto, como ponto de partida, o objeto é captado pela experiência sensível e, portanto, caótico, fragmentado, desconectado da totalidade em suas relações (MARX, 1999). Assim, é necessário ser abstraído pelo pensamento para que se torne concreto pensado. O procedimento mental de abstração, próprio do ser humano, sua atividade pensante, elabora os dados captados na forma de conceitos. Com isso, o concreto inicial já foi modificado, distanciou-se da sua relação com a experiência sensível, já que opera com outros elementos do pensamento. Para apreender o conceito, o sujeito reflete as conexões internas do objeto, suas relações internas e externas, contradições, condições históricas reais e atua com todos esses elementos de acordo com a sua pessoalidade e individualidade, construída de modo permanente.

O concreto inicial então passa a ser o concreto pensado, a compreensão da realidade em seus nexos internos, em suas multideterminações, dando à realidade uma visão de totalidade dinâmica. O método de produção de conhecimento do materialismo histórico-dialético é, portanto, aquele que vai do concreto inicial caótico, da materialidade tal qual ela se apresenta, passa pelo abstrato, ou seja, a operação mental de apreensão da realidade, até o concreto pensado ou a formalização ou construção do conceito, sendo a prática o critério de verdade para o conhecimento produzido.

No método materialista histórico-dialético, é possível estabelecer análises concretas de situações concretas, isto é, estabelecer as multideterminações que influenciam e são influenciadas por determinado objeto, desvelando a realidade de forma crítica, histórica, em movimento. Ao analisar a formação que potencializa o desenvolvimento profissional docente, procurou-se analisar as múltiplas determinações que envolvem essa situação concreta. Assim, foi necessário estabelecer os nexos internos, os condicionantes objetivos da realidade mais ampla em que os sujeitos da pesquisa estavam inseridos para chegar ao concreto pensado, à formalização de sínteses que colaborassem para a produção do campo de conhecimento em questão.

Tomando como base esses princípios, foram definidos alguns encaminhamentos para a pesquisa:

  1. A compreensão de que a prática, em uma perspectiva materialista-dialética constitui o critério de verdade, demandando, portanto, para a pesquisa, ir além de um estudo diagnóstico, demandando, também, a realização de uma intervenção.

  2. A compreensão da necessidade de produzir um diagnóstico profundo, como ponto de partida, que levasse em conta o contexto mais amplo e a singularidade dos sujeitos envolvidos.

  3. A compreensão da necessidade de apropriação de conceitos oriundos do referencial teórico tomado como base para referendar e produzir as ações da intervenção, para que elas não se perdessem em uma perigosa espontaneidade.

  4. A compreensão de que a intervenção se produziria em um esforço ativo, criador e coletivo, produto e processo da inter-relação entre pesquisador, pesquisado, condições objetivas do contexto e referenciais teórico-práticos.

Tudo isso colaborou para a construção do método da pesquisa: entender a importância da reflexão filosófica no encaminhamento da investigação, posicionar-se frente à escola de pensamento assumida e dela abstrair encaminhamentos teórico-práticos, até fazer as próprias escolhas. Tudo isso constituiu o método.

Metodologia: a intervenção didático-formativa

A pesquisa utilizou como referência teórico-metodológica a intervenção didático-formativa. Essa metodologia prevê a realização de intervenções que contribuam com o desenvolvimento de professores e estudantes, realizando atividades desenvolvedoras do pensamento teórico. Para Longarezi e Moura (2017), a

[...] intervenção didático-formativa emerge como resultado de um esforço coletivo e como possibilidade para a concretização de pesquisas que se proponham a intervir em contextos escolares brasileiros, orientando-se pelos fundamentos da didática desenvolvimental. (LONGAREZI; MOURA, 2017, p. 9, grifos dos autores).

Esse tipo de pesquisa consiste em uma metodologia criada e desenvolvida no Brasil por um grupo de pesquisadores do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática Desenvolvimental e Profissionalização Docente (GEPEDI), que tem se dedicado a pesquisas de intervenção, sobre e com didática desenvolvimental no contexto da escola pública brasileira (LONGAREZI, 2012, 2014, 2017; FRANCO, 2015; DIAS DE SOUSA, 2016; GERMANOS, 2016; SOUZA, 2016; FEROLA, 2016).

No âmbito desta pesquisa, a metodologia foi organizada em três etapas interdependentes: 1. Diagnóstico da realidade do ensino observada; 2. Intervenção didática a partir da qual foram integradas ações de formação/instrumentalização e planejamento/desenvolvimento de atividades didáticas; e 3. Análise e sistematização das principais conclusões da pesquisa.

Vários procedimentos foram empregados de forma combinada ao longo do processo de investigação. Na etapa de diagnóstico, em que participaram cinco professores, os dados foram produzidos com base no uso de questionário de identificação, de entrevistas, de observação de aulas e de análise de documentos. O diagnóstico teve duração de um semestre letivo. A etapa de intervenção didático-formativa, em que participou uma professora da Licenciatura em Geografia com formação de Doutorado na área do ensino de Geografia, aconteceu com a realização de encontros para instrumentalização/formação, planejamento e avaliação. Também foram analisados documentos oficiais da instituição em que foi realizada a pesquisa e do sistema de ensino ao qual ela está vinculada, realizadas entrevistas, aplicados questionários e feitas observações das atividades didáticas desenvolvidas nas suas aulas. A intervenção durou um ano e meio. A etapa de análise de dados constituiu-se no mergulho profundo dos dados produzidos, para analisar e sintetizar regularidades e contribuições da pesquisa para a área de formação de professores em uma perspectiva desenvolvimental.

Especificidades e convergências dos conceitos de imitação e criação

Na ação de instrumentalização da intervenção didático-formativa, etapa em que foram realizados encontros formativos, a professora participante do processo, com o nome fictício de Santana, vivenciou uma aula em que foi proposto o estudo "formação de conceitos”, com base na teoria de Vigotski (2007). A aula foi organizada tendo como referência a seguinte questão: "A partir da definição: formação de conceitos, que elementos essenciais e suficientes colaboram em sua definição? Vamos discutir a rede conceitual que se forma” (Registro de observação). Nos encontros seguintes, a professora retomou a experiência, pois, de acordo com ela, havia sido significativa. Ela expressou sua preocupação em planejar as próprias aulas junto aos estudantes com base nos conceitos da teoria histórico-cultural. Ao mesmo tempo, sentiu-se encorajada a pensar em propostas que pudesse coordenar, tomando como subsídio as experiências anteriores relacionadas ao estudo da "formação de conceitos”.

A orientação que Santana vivenciou para estudo da "formação de conceitos” serviu para ela como importante instrumento de instrução (VIGOTSKI, 2007), possibilitando, assim, imitar aquilo que se aprendeu em suas bases essenciais. De acordo com o autor, a imitação não deve ser compreendida simplesmente como um ato mecânico, conforme veiculada no senso comum. Ela deve ser compreendida como possibilidade de trazer em si qualidade que já inclui traços da individualidade de quem imita. Compreendê-la nessa perspectiva implica na necessidade de criar condições para que a imitação inclua traços de criação a serem desenvolvidos, em situação de colaboração e ensino, visto que deve estar orientada para o amanhã do desenvolvimento. A professora, ao longo da intervenção didático-formativa, foi produzindo suas sínteses, seja no planejamento ou na realização de suas aulas, procurando materializar sua compreensão criativa dos conceitos apreendidos. De acordo com Fernandes (2007):

[...] através da imitação, as crianças fazem uma recriação e não uma mera cópia do mundo em que vivem, pois, ao apropriar-se dos conhecimentos historicamente acumulados, transformam-se e transformam esses conhecimentos. A imitação é inerente ao processo de aprendizagem, sofrendo determinações históricas e culturais, não de forma mítica ou mecânica, mas como um determinante para a aquisição do conhecimento e, por conseqüência, para o desenvolvimento do aluno. (FERNANDES, 2007, p. 1).

Durante o processo investigativo, foi possível perceber que o processo imitativo não ocorre somente com as crianças em situação de aprendizagem. Ele ocorre também entre os adultos. Santana pôde experimentar isso, em um movimento que foi dinâmico e favoreceu seu desenvolvimento docente. A professora, com base no processo de imitação como referência para a sua apropriação de conhecimento, pôde materializar sua atividade docente, repleta de intencionalidade e de elaboração intelectual. Dessa forma, as análises produzidas no decurso da investigação corroboram com a tese de Vigotski (2001, p. 328) acerca da imitação:

Na velha psicologia e no senso comum, consolidou-se a opinião segundo a qual a imitação é uma atividade puramente mecânica. Desse ponto de vista, costuma-se considerar que, quando a criança resolve o problema ajudada, essa solução não ilustra o desenvolvimento do seu intelecto. Considera-se que se pode imitar qualquer coisa. O que eu posso fazer por imitação ainda não diz nada a respeito da minha própria inteligência e não pode caracterizar de maneira nenhuma o estado do seu desenvolvimento. Mas esta concepção é totalmente falsa. (VIGOTSKI, 2001, p. 328).

Só se pode imitar aquilo que está na zona de desenvolvimento próximo, ou seja, no espaço das potencialidades intelectuais que ainda não estão completamente maduras e, por isso, demandam a colaboração de outro sujeito mais capaz para serem superadas. O fato de Santana ter se apoiado em uma experiência do âmbito do ensino de conceitos científicos para produzir suas próprias propostas didáticas, evidencia esse processo.

O desenvolvimento decorrente da colaboração via imitação, que é a fonte do surgimento de todas as propriedades especificamente humanas da consciência, o desenvolvimento decorrente da imitação é o fato fundamental. Assim, o momento central para toda a psicologia da aprendizagem é a possibilidade de que a colaboração se eleve a um grau superior de possibilidades intelectuais, a possibilidade de passar daquilo que a criança consegue fazer para aquilo que ela não consegue por meio da imitação. Nisso se baseia toda a importância da aprendizagem para o desenvolvimento, e é isto que constitui o conteúdo do conceito de zona de desenvolvimento imediato. A imitação, se concebida em sentido amplo, é a forma principal em que se realiza a influência da aprendizagem sobre o desenvolvimento. A aprendizagem da fala, a aprendizagem na escola se organiza amplamente com base na imitação. Porque na escola a criança não aprende o que sabe fazer sozinha, mas o que ainda não sabe e lhe vem a ser acessível em colaboração com o professor e sob sua orientação. O fundamental na aprendizagem é justamente o fato de que a criança aprende o novo. Por isso a zona de desenvolvimento imediato que determina esse campo de transições acessíveis à criança, é a que representa o momento mais determinante na relação da aprendizagem e do desenvolvimento. (VIGOTSKI, 2001, p. 331).

Embora Vigotski tenha realizado seus estudos e seus experimentos com crianças em idade escolar, os dados da intervenção didático-formativa analisados nesta investigação corroboram as sínteses do autor também em processos de aprendizagem com adultos. Aprender o novo, também para os adultos, especialmente quando o que está em jogo é um processo de apropriação-objetivação, não está circunscrito a compreender a lógica formal de um conceito, mesmo quando o sujeito já tem a possibilidade de realizar um pensamento teórico - caso dos professores -; é necessário agir com o conceito, experimentá-lo; observar sua aplicação em diferentes contextos, assim como Santana teve a oportunidade de vivenciar, sempre em situação de colaboração e orientação.

Defende-se que a imitação forma unidade dialética com a criação no processo de formação para o desenvolvimento profissional docente, pois imitar não se restringe a repetir de forma mecânica determinada prática docente experimentada ou conhecida por intermédio de outros. Para além dessa perspectiva, imitar pressupõe, simultaneamente, criar, reelaborar outra prática, consciente de fundamentos teórico-práticos e intencionalidades. Isso ocorreu no processo de intervenção didático-formativa e, portanto, em condições de ensino-aprendizagem. A imitação foi criadora e transformou sujeitos e objetos envolvidos desde a sua gênese.

A imitação é uma atividade ligada ao impulso reprodutor, mas não se restringe a este impulso, pois ao imitar o ser humano o fará sempre de acordo com as suas referências culturais que traz consigo e que lhe servirão de base para estabelecer novas associações e novas combinações de acordo com os seus interesses e necessidades. Ao imitar, o indivíduo nunca faz uma mera cópia do outro, estando em constante processo de criação. Nesse sentido, existe uma unidade dialética entre imitação e criação. (FERNANDES, 2007, p. 11).

Há de fortalecer-se o esforço criador relacionado ao processo educativo. "[...] a educação deve ser vista com o propósito de se formar o pensamento criador, tendo uma visão ativa e participativa do aluno no processo de sua instrução e desenvolvimento” (NASCIMENTO, 2014, p. 383). A relação imitação-criação é contraditória, pois a criação ou atividade criadora do homem, aquela em que se cria algo novo, leva em conta as referências anteriores, já que o homem não cria no vazio (VIGOTSKI, 2009). Ele produz novas combinações para a sua existência sob a base do que já foi produzido.

Para Vigotski (2009), a atividade criadora pode ser de dois tipos: uma reprodutiva, que repete meios de conduta ou "ressuscita” impressões precedentes; e outra combinatória ou propriamente criadora. A base da primeira tem origem orgânica: a plasticidade do cérebro, sua capacidade de memorizar, de armazenar experiências e de retomá-las sempre que necessário. O segundo tipo de atividade criadora tem como base a imaginação.

A atividade propriamente criadora ou combinatória tem a capacidade de esboçar, na imaginação, um quadro de futuro sobre o próprio homem, criando novas imagens ou ações, e não meramente a reprodução de impressões ou ações anteriores da sua experiência. A imaginação é a base da atividade criadora e, de acordo com a Psicologia, é baseada na capacidade de combinação do cérebro humano. Ela se manifesta em todos os campos da vida cultural, tornando possível a criação artística, a científica e a técnica, o que justifica o fato de o professor poder se desenvolver na docência por meio da criação docente.

Vigotski (2009) critica fortemente o uso do conceito de criação quando associado, circunscrito ou destinado a alguns gênios, eleitos, talentos que criaram grandes obras artísticas, fizeram notáveis descobertas científicas ou inventaram alguns aperfeiçoamentos na área técnica. Ele diz:

[...] esse ponto de vista é incorreto. Segundo uma analogia feita por um cientista russo, a eletricidade age e manifesta-se não só onde há uma grandiosa tempestade e relâmpagos ofuscantes, mas também na lâmpada de uma lanterna de bolso. Da mesma forma, a criação, na verdade, não existe apenas quando se criam grandes obras históricas, mas por toda parte em que o homem imagina, combina, modifica e cria algo novo, mesmo que esse novo se pareça a um grãozinho, se comparado às criações dos gênios. [...]. O entendimento científico dessa questão obriga-nos, dessa forma, a olhar para a criação mais como regra do que como exceção. (VIGOTSKI, 2009, p. 15-16).

O autor dedicou-se também a investigar como ocorre a atividade criadora de combinação. De acordo com ele, essa atividade não irrompe de uma vez. Ela se desenvolve de maneira lenta e gradativa ao longo da vida, transformando-se de formas mais elementares para outras mais complexas. "Além disso, não existe de modo isolado no comportamento humano, mas depende diretamente de outras formas de atividade, em particular do acúmulo de experiência” (VIGOTSKI, 2009, p. 19). Considerando que a imaginação é a base da atividade criadora ou combinatória e que ela está intimamente relacionada à realidade do sujeito, o autor destaca que a imaginação não é um passatempo da mente, mas uma função vital necessária.

Nessa perspectiva, imaginação e realidade relacionam-se de quatro formas principais. A primeira consiste em compreender que toda obra da imaginação é tomada de elementos da realidade que estiveram, de alguma forma, presentes na experiência do sujeito. Assim, pode-se compreender que as proposições didáticas criadas por Santana tiveram referência em experiências anteriores que, para serem criadas, foram imitadas, inicialmente.

A segunda forma de relação entre imaginação e realidade diz respeito à articulação entre o produto final da imaginação e um fenômeno complexo da realidade: a experiência social. Assim, é possível que a experiência de outros compartilhada produza a criação de novas combinações. Nesse caso, a imaginação não funciona livremente, "[...] mas é orientada pela experiência de outrem, atuando como se fosse por ele guiada” (VIGOTSKI, 2009, p. 25). Essa forma de relação entre imaginação e realidade amplia muito as possibilidades de criação dos sujeitos, pois eles podem imaginar a partir de experiências de outras pessoas, mesmo sem tê-las vivido, diretamente, em sua experiência pessoal.

A terceira forma de relação entre imaginação e realidade é de caráter emocional. De um lado, ela se manifesta quando um sentimento ou emoção tende a se encarnar em imagens conhecidas correspondentes a esses sentimentos. Assim, a emoção parece selecionar imagens, ideias que estejam adequadas ao sentimento que domina o sujeito em determinado momento. A emoção influencia a imaginação, "[...] colore a percepção dos objetos externos” (VIGOTSKI, 2009, p. 26). Isso explica porque não é suficiente analisar os processos educativos apenas do ponto de vista do que é objetivo, como o planejamento da ação, a seleção de conteúdos e de metodologias, as condições do contexto sem considerar os sentimentos de professores e de estudantes envolvidos.

O sentimento seleciona elementos isolados da realidade, combinando-os numa relação que se determina internamente pelo nosso ânimo, e não externamente, conforme a lógica das imagens. [...]. Daí resulta uma obra combinada da imaginação em cuja base está o sentimento ou o signo emocional comum que une os elementos diversos que entraram em relação. (VIGOTSKI, 2009, p. 26-27).

O caráter emocional da relação entre imaginação e realidade também se verifica de outra forma. Enquanto, no primeiro, caso os sentimentos influenciam na imaginação; no segundo caso, ocorre o inverso, ou seja, a imaginação influi no sentimento. Vigotski (2009) chama esse fenômeno de "lei da realidade emocional da imaginação”. Isso significa que uma construção fantasiosa influi sobre os sentimentos, mesmo se essa construção não corresponder à realidade. Os sentimentos que a imagem fantasiosa provoca são verdadeiros, de fato, vivenciados pela pessoa, mesmo que tenham partido de uma imagem fantasiosa. É o que ocorre quando se lê uma história que toca ou ouve-se uma música que evoca emoções que se reconstroem de forma criativa em cada sujeito. Em ambos os casos, é possível observar que há uma relação dialética imaginação-sentimento que se produz em unidade.

A quarta e última forma de relação entre imaginação e realidade tem relação com todas as anteriores já descritas, embora se diferencie delas de forma substancial. Sua essência consiste em que:

[...] a construção da fantasia pode ser algo completamente novo, que nunca aconteceu na experiência de uma pessoa e sem nenhuma correspondência com algum objeto de fato existente, no entanto, ao ser externamente encarnada, ao adquirir uma concretude material, essa imaginação ‘cristalizada’, que se fez objeto, começa a existir realmente no mundo e a influir sobre outras coisas. (VIGOTSKI, 2009, p. 29).

Ou seja, a imaginação torna-se realidade. É materializada, encarnada, como no exemplo das invenções humanas destinadas a tornar a vida mais fácil e ágil. Esses objetos são criados pela imaginação combinatória humana. Não existiam antes, mas guardam uma relação concreta com a realidade, adquirindo uma história. Foram submetidos a uma complexa reelaboração, relacionados também aos sentimentos, transformando-se em produtos da imaginação. Ao encarnarem-se, retomam seu elo com a realidade como uma nova força ativa a transformá-la. A imaginação encarnada completa o círculo da atividade criativa da imaginação. Nesse ciclo, os fatores emocionais e intelectuais "[...] revelam-se igualmente necessários para o ato de criação. Tanto o sentimento quanto o pensamento movem a criação humana” (VIGOTSKI, 2009, p. 30).

A caracterização da articulação realidade-imaginação-criação corrobora elementos para constituição da unidade imitação-criação no processo de formação para o desenvolvimento profissional docente. Nela fatores como experiência social, sentimentos que produziram e foram produzidos por meio da imaginação e ferramentas teóricas apreendidas se reelaboram em unidade para materializar a criação, tornando-se realidade e promovendo o desenvolvimento humano.

As elaborações didáticas produzidas pela professora participante da pesquisa são exemplos de como a imaginação, que, por sua vez, tem lastros na experiência social, nos sentimentos do sujeito e na apreensão de conceitos teóricos, se torna realidade, produzindo novas combinações criativas para os objetivos que se pretende alcançar. Tais combinações guardam estrita relação com a realidade desde a gênese, modificando, qualitativamente, a existência, possibilitando transformações nos sujeitos envolvidos e também em si mesma.

Compreendendo que a intervenção didático-formativa esteve voltada ao futuro do desenvolvimento do professor, ou seja, às suas possibilidades concretas de superação, a pesquisa incluiu análises de situações, de expressões, de impressões que permitem afirmar que a unidade imitação-criação potencializa o desenvolvimento profissional docente, sendo um caminho importante para a conquista de autonomia na profissão.

Análises da unidade imitação-criação no desenvolvimento profissional docente

Encorajada pelo estudo dos nexos conceituais em torno da formação de conceitos, na perspectiva da teoria histórico-cultural, Santana propôs-se a planejar suas aulas, tomando a teoria como fundamento. Para isso, elaborou proposições didáticas partindo da compreensão da inter-relação entre diversos elementos presentes na relação educativa, como as características do conteúdo a ser ensinado, o conhecimento acerca das formas de produção do pensamento dos sujeitos, os objetivos de aprendizagem a serem alcançados, entre outros. As proposições didáticas de Santana revelaram seus esforços em fazer opções conscientes e fundamentadas, considerando os estudantes em suas necessidades e a leitura de todo o contexto.

As proposições da professora procuraram ser adequadas aos objetivos de aprendizagem e às formas de dar execução a essas intenções. Santana materializou o processo em que imitou-criou, em uma reelaboração com referência anterior que trazia traços da especificidade da sua própria compreensão e capacidade criadora. Considerando que o estudo de conceitos nas áreas que foram objetos de conhecimento na pesquisa, ou seja, Psicologia, Pedagogia, Filosofia, ensino de Geografia, demandam leitura como estratégia de ensino fundamental, esse procedimento de ensino constituiu-se ponto de referência para que as ações seguintes se desdobrassem.

De acordo com Vigotski (2007, p. 421): "Quando se assimila uma nova palavra, o processo de desenvolvimento do conceito correspondente não finaliza, senão só começa”. Para a formação de conceitos, parte-se do enunciado do conceito e dele se extrai os nexos conceituais. Assim, é possível dizer que a leitura de um texto referência pode assumir o papel "de início da assimilação do novo”, no processo de construção dos conceitos a serem discutidos, conforme ocorreu na situação vivenciada por Santana.

A professora buscou superar-se, desenvolver-se, usando, conscientemente, a referência anterior para modificá-la. A experiência anterior atuou em sua zona de desenvolvimento próximo e, em situação de colaboração (na intervenção didático-formativa), pôde incorporar reelaborações criadoras à nova proposta, fruto do seu processo de imitação-criação, traços da sua compreensão em relação aos conceitos.

As intervenções da professora ajudaram os estudantes a fazer generalizações entre o que tinha sido lido, analisado como características dos conceitos e relacionado às observações que foram realizadas por eles durante as aulas no campo de estágio. Foram intervenções que possibilitaram aos estudantes compreender melhor os conceitos e, além disso, perceber suas conexões com o campo da profissão docente, atividade que em breve passariam a materializar. Nas intervenções, a professora utilizou o conteúdo dos conceitos, chamando os estudantes a nomeá-los, identificá-los e caracterizá-los, não de forma abstrata, mas na relação com uma dada realidade observada. Foi, portanto, uma proposta didática que superou a ideia de apresentação de uma determinada definição genérica de um conceito que poderia ser memorizada e, posteriormente, facilmente, esquecida. Com a proposição didática, Santana criou condições de instrução para que o estudante pudesse imitá-la, posteriormente.

O professor, ao trabalhar com um estudante sobre um tema, explicava, transmitia conhecimentos, perguntava, corrigia, obrigava o próprio estudante a explicar. Todo este trabalho sobre os conceitos, todo o processo de sua formação tem sido apreendido pelo estudante em colaboração com o adulto durante o processo de aprendizagem. E o que exige o teste de parte do estudante enquanto este o resolve? A habilidade de imitar, de resolver esta tarefa com ajuda do professor, apesar de que no momento de sua resolução não contamos com uma situação atual de colaboração. Esta situação ficou no passado. O estudante deve desta vez aproveitar por sua conta dos resultados da colaboração anterior. (VIGOTSKI, 2007, p. 368).

Santana produziu instrumentos para a solução do problema proposto, mesmo antes dos estudantes desenvolverem suas próprias propostas. Portanto, foi uma tarefa feita em colaboração que continuou quando o estudante também desenvolveu sua proposta. Os estudos e mais a experiência anterior realizados em colaboração foram base do processo imitação-criação dos estudantes, para que eles avançassem em seu processo de aprendizagem docente.

Quando eles também desenvolvessem sua proposta, confrontariam seu estágio de desenvolvimento em relação à docência: hipóteses, generalizações acerca dos conceitos estudados, encaminhamentos metodológicos possíveis. A nova experiência, nova atividade, apresentaria elementos criados pelo estudante, mas com referência na experiência anterior, considerando a capacidade plástica que o cérebro humano tem de conservar, de combinar, de reelaborar e de criar em unidade; enfim, o processo de imitação-criação.

Ao longo da intervenção didático-formativa, a professora participante da pesquisa também demonstrou preocupação em avaliar seu percurso docente:

Ficou mais visível que nos dedicamos menos à sala de aula, dentro das nossas tarefas na universidade.

Necessário? Eu acho que é tentar selecionar os melhores materiais, os melhores conteúdos para um semestre.

Eu pensei: por que não continuar e tentar ir melhorando e ver os problemas?

O meu papel é de mostrar isso. Intervir para que vocês percebam isso.

Ganho para os alunos: tiveram maior consciência do que estavam fazendo e também maior consciência dos próprios resultados. Eu também tive maior consciência do que eu queria alcançar junto aos alunos. (Santana, registros de observação).

A ação de avaliação desenvolveu-se de forma permanente ao longo da intervenção, seja em encontros específicos para avaliar percursos, seja ao longo das situações em que era necessário avaliar para prosseguir. Esses momentos foram importantes para o processo formativo de Santana, pois demandaram observação acerca do que estava sendo produzido, tendo em vista o seu desenvolvimento. Além disso, os momentos de avaliação indicaram um estado permanente de acompanhamento do processo, de modo que a ação intencional docente estivesse articulada à teoria que a fundamentou.

Do ponto de vista da unidade imitação-criação, o processo avaliativo que acompanhou a formação se constituiu em um esforço de emancipação de Santana, pois avaliar sugere utilizar a referência anterior e, ao mesmo tempo, criar a partir daí. Isso inclui repensar o próprio percurso, fonte inicial de imitação de si mesmo em busca de superação e de desenvolvimento. Assim, nessa perspectiva, avaliar-se é construir sua práxis pedagógica, pois no processo de avaliação são examinados os pressupostos teóricos que fundamentaram as práticas que, por sua vez, se materializaram na atividade profissional docente.

Avaliar o percurso formativo é, ainda, voltar-se ao futuro do desenvolvimento olhando para o que foi produzido como referência do que ficou no passado e que, mesmo assim, não se perde, ao contrário, se reconfigura, se reorganiza por meio da atividade criadora humana.

É fácil compreender o enorme significado da conservação da experiência anterior para a vida do homem, o quanto ela facilita sua adaptação ao mundo que o cerca, ao criar e elaborar hábitos permanentes que se repetem em condições iguais. A base orgânica dessa atividade reprodutiva ou da memória é a plasticidade da nossa substância nervosa. Chama-se plasticidade a propriedade de uma substância que permite que ela seja alterada e conserve as marcas dessa alteração. (VIGOTSKI, 2009, p. 12).

A avaliação tem essa característica plástica, pois o que se avalia se mantém e, ao mesmo tempo, se altera na busca por superar limites, dificuldades, compreensões a serem ampliadas. Esse caminho avaliativo põe o professor no curso da autonomia a ser construída por meio da unidade imitação-criação, pois ele se detém na análise do realizado para planejar outras realizações. Ele continua sendo o que foi e conquista outras possibilidades de ser.

Os registros selecionados para analisar os esforços da professora em avaliar seu percurso docente foram indicações do processo de imitação-criação construído na intervenção didático-formativa. Neles podem ser identificadas compreensões da professora em relação a elementos da profissão docente; compreensões dos limites que a profissão apresenta no contexto universitário, reflexões dirigidas aos estudantes sobre elementos considerados importantes da profissão para a qual eles estão se formando. Nos registros, a professora avaliou a importância do processo interventivo como fator que possibilitou pensar no que se fazia, no que se queria fazer e no que de fato foi feito. Assim, a professora assumiu a condição de sujeito da sua ação.

Para que a ação do professor não seja uma repetição irrefletida de procedimentos presentes em livros didáticos ou em modelos de aula disponíveis na mídia, o conhecimento acerca das bases teóricas nas quais as metodologias e técnicas estão assentadas faz-se necessário. Essa é uma condição, embora não a única, para que ele seja sujeito de sua própria ação. (SFORNI, 2015, p. 378).

A avaliação que a professora fez do seu processo formativo permitiu que ela continuasse a reformular sua ação no campo da docência, compreendendo que esse tipo de pensamento é fundamental para o seu desenvolvimento. O ato de pensar a necessidade de reformular e/ou de manter o que foi produzido encerra em si a contradição de ser o que se é e almejar continuar a se fazer, dialeticamente, fortalecendo, portanto, a ideia de que o professor se desenvolve por meio da unidade imitação-criação. Além disso, a consciência à que a professora se refere, revelou o seu processo permanente de construção.

O desenvolvimento mental de um indivíduo é, antes de tudo, o processo de formação de sua atividade, de sua consciência, e, claro, de todos os processos mentais que as ‘servem’ (processos cognitivos, emoções, etc.). A psique se desenvolve durante toda a vida da pessoa, do nascimento à morte. (DAVIDOV, 1988, p. 7).

A professora avaliou qualidades que devem ser assumidas pelos professores no exercício da sua profissão. Ela o fez seja para avaliar a própria postura, seja para se dirigir aos estudantes, expressando o que precisava ser analisado no processo de aprendizagem. Ao elaborar tais sínteses relativas à função de professor, Santana procurou assumir-se como tal, indicando que a profissão demanda formação e habilidades específicas a serem desenvolvidas. Assim, os pressupostos teóricos da área específica de conhecimento devem dialogar com as práticas que se formulam, o que, de forma recorrente, encontra-se fragmentado nos cursos de formação de professores.

[...] transmite-se um conteúdo sem levar em conta o percurso investigativo da ciência ensinada, de modo que a metodologia de ensino das disciplinas é quase sempre trabalhada independentemente do conteúdo. [...] o conteúdo ou a metodologia de ensino estão separados do método da ciência, ou seja, em nenhum caso se faz um estudo aprofundado da epistemologia e dos processos de investigação da ciência ensinada nas suas relações com o ensino dessa ciência. Com isso, conteúdo e metodologia do ensino desse conteúdo são tratados separadamente. (LIBÂNEO, 2014, p. 90).

Santana avaliou a necessidade de romper com esse modelo de formação de professores. Ela avaliou suas propostas didáticas, indicou a necessidade de utilizar procedimentos potencializadores do pensamento dos estudantes, tornando claro para eles que cada determinado conteúdo selecionado demanda uma organização do ensino específica e adequada e que essas dimensões não atuam em separado, mas em unidade no processo de aprendizagem. Ela procurou pensar o modelo recorrente que fragmenta o aprender o conteúdo específico e os conhecimentos pedagógicos necessários para aprender o conteúdo específico. Ela ponderou que as propostas didáticas devem deixar claro o conteúdo como objeto da atividade mental dos estudantes, para que, de fato, se construa condições de efetividade da aprendizagem, diferente do que se verifica em muitas organizações curriculares que acabam não convergindo para esse fim.

[...] o professor recorre a receitas para ensinar unidades de medidas de massa e de volume, mas a atenção dos alunos volta-se mais para a receita em si do que para as unidades de medida; o professor trabalha com um projeto ambiental que integra conhecimentos biológicos e geográficos, mas os alunos prendem-se ao discurso da conscientização e pouco aos conceitos de biologia e geografia. Situações desse tipo levam os professores a considerar que, se os conteúdos foram ensinados, devem ser aprendidos. Quando percebem que isso não aconteceu, não conseguem compreender a razão. Acontece que, nesses casos, mesmo estando contido na atividade, o conteúdo não foi objeto da atividade mental dos estudantes e, portanto, não resultou em aprendizagem. (SFORNI, 2015, p. 388).

De acordo com Galperin (1957), a apropriação de determinado conceito científico ocorre em níveis diferenciados para as diferentes pessoas só sendo possível identificar que esse processo já está em um estágio superior de generalização quando o sujeito consegue executar mentalmente alguma ação com o conceito, atuando sobre ele. As proposições didáticas desenvolvidas por Santana junto aos estudantes, ao longo da intervenção didático-formativa, consideraram esse princípio.

Para materializar essa intenção, Santana teve de utilizar sua capacidade criativa, procurando criar sentidos que estivessem próximos dos estudantes, produzindo aproximações ao referencial de estudo. Nessa perspectiva, não era suficiente analisar o sistema conceitual em torno do qual a teoria histórico-cultural está construída, mesmo considerando a caracterização dos principais nexos conceituais, visto que "[...] cada conceito particular supõe a existência de um determinado sistema de conceitos, fora do qual não pode existir” (VIGOTSKI, 2007, p. 386).

Era necessário criar articulações que estivessem muito próximas à profissão docente, sobretudo das aulas de Geografia - área específica de formação dos estudantes - sendo esta a opção assumida pela professora. Assim, mesmo que a organização do estágio supervisionado em cursos de licenciatura, muitas vezes, esteja orientada para a observação, a análise e a implementação de aulas genéricas de Geografia, com avaliação mais voltada à seleção e à avaliação de metodologias, Santana, responsável por esse momento da formação dos estudantes, estava sensível à necessidade de romper com esse modelo. Ela se mobilizou para orientar um estágio organizado em torno da observação, da análise e da implementação de aulas que dessem sustentação à formação de conceitos geográficos específicos, em uma preocupação de coerência da unidade conteúdo-forma.

Em diversas oportunidades, ela discutiu com os estudantes, tendo como objeto conceitos da área geográfica, explicações acerca do que seriam conhecimentos espontâneos, conhecimentos científicos, generalização, zona de desenvolvimento próximo, entre outros. Organizou sua linguagem para articular as diferentes áreas envolvidas: Geografia, Pedagogia, Psicologia, contribuindo para que essas áreas convergissem em torno das atividades de estudo propostas aos estudantes.

Assim, as análises conceituais não ficaram descoladas de uma dada realidade do ensino já que se tinha como propósito promover a aprendizagem de conceitos específicos da ciência estudada, no caso, conceitos da Geografia. A elaboração das intervenções da professora, articulando conceitos da Geografia às explicações conceituais em torno da teoria histórico-cultural, colaborou na constituição da unidade imitação-criação. Para isso, Santana teve de desconstruir definições da área geográfica e reconstruí-las à luz dos referenciais da teoria histórico-cultural, possibilitando ao estudante perceber suas interseções e, a partir daí, produzir suas próprias generalizações conceituais. A unidade imitação-criação ficou evidente, pois Santana serviu-se do construído para reconstruir; do estável para provocar a instabilidade e criar a partir daí. Ela produziu sínteses escritas em relação a conceitos da Geografia, tomando como referencial a teoria histórico-cultural.

A teoria (histórico-cultural) parte da ideia de que tudo que uma pessoa sabe ela aprendeu de alguma maneira. Ou seja, que o conhecimento não é inato (não nasce com ela), se aprende. Por exemplo: não nascemos sabendo que o espaço é dividido por limites político-administrativos e um deles é o Estado de Minas Gerais. Isso é um pensamento conceitual. Por isso, se um aluno não aprendeu em algum momento anterior sobre a formação territorial deste Estado e suas características ambientais e das regiões econômicas, quando o professor ensinar sobre conflitos atuais entre estados vizinhos devido a um desmembramento territorial ou política de desenvolvimento do país, este aluno pode não interagir com a informação e muito menos interiorizá-la ou subjetivá-la; ele pode ter dificuldades em criar nexos entre a formação do Estado ocorrida num contexto político e social de organização espacial, com o de ocupação de espaços supostamente vazios, que se assentou na expansão da fronteira agrícola no país e em incentivos fiscais que beneficiaram e foram rentáveis principalmente aos setores privados. (Santana, produção do sujeito de pesquisa).

A professora explicou com o seu exemplo, tomando, inicialmente, o conceito de estado, a relação que este estabelece com outros conceitos que se formam como sistema conceitual que deve atuar no ensino de Geografia: formação territorial, conflitos entre estados, desmembramento territorial, política de desenvolvimento, ocupação, expansão de fronteira agrícola. Ela demonstrou a inter-relação entre todos esses conceitos e como eles formam uma rede conceitual que enriquece a análise de uma dada realidade. Trata-se de uma forma de mostrar, adequada ao contexto da formação de professores, de como se estrutura a formação de conceitos científicos no ambiente escolar e de como eles criam entre si uma rede de generalização.

Todo conceito é uma generalização. [...] os conceitos não surgem na mente da criança como grãos jogados num saco. Não estão um junto ao outro, ou um sobre o outro, sem nenhuma conexão nem relação. De outro modo seria impossível toda operação mental que exigisse coordenação entre conceitos, seria impossível que a criança tivera uma concepção de mundo, dito brevemente, seria impossível a complexa vida de seu pensamento. [...]. Mas se a generalização enriquece a percepção imediata da realidade, é evidente que isto não pode suceder por outra via psicológica que não seja a do estabelecimento de complexas conexões, dependências e relações entre os objetos representados no conceito e na realidade restante. (VIGOTSKI, 2007, p. 385-386).

Santana referiu-se aos conceitos de generalização e formação de conceitos científicos, para além da definição. Ela utilizou, em uma situação de ensino, conceitos da Geografia que estão em rede para que estes produzissem sentido junto aos estudantes. Extraiu nexos existentes entre eles, indicando para os futuros professores que a vida psíquica humana assim se produz na perspectiva da teoria histórico-cultural. Os conceitos não estão fragmentados ou sobrepostos, o que tornaria impossível para as pessoas construírem sua concepção de mundo. Ao contrário, os conceitos estão conectados entre si e com a realidade. Dessa forma, a professora indicou caminhos para a organização didática do ensino de conceitos geográficos, fundamentando suas opções do ponto de vista da produção psicológica que ocorre nessa perspectiva.

Santana, com a organização de sentidos que produziu, demonstrou o sistema conceitual em torno do conceito geográfico estudado, necessário à sua construção e, portanto, da sua generalização. Sua forma de organização didática foi feita de forma criativa. Ela promoveu a instrução, uma referência de imitação para os estudantes e ainda revelou a sua maneira de compreensão, revelando a potencialidade da unidade imitação-criação no processo de desenvolvimento profissional docente.

Algumas considerações em relação à unidade imitação-criação e o processo de desenvolvimento profissional docente

Afinal, é possível afirmar que houve desenvolvimento profissional da professora Santana? Na perspectiva de Vigotski (1995), o desenvolvimento é

[...] um processo dialético que se distingue por uma complicada periodicidade, a desproporção no desenvolvimento das diversas funções, as metamorfoses ou transformações qualitativas de umas formas em outras, o entrelaçamento complexo de processos evolutivos e involutivos, o complexo cruzamento de fatores externos e internos, um complexo processo de superação de dificuldades e de adaptação. (VIGOTSKI, 1995, p. 141).

Na definição, destaca-se a compreensão de que o desenvolvimento não constitui um processo linear e uniforme, completamente ascendente. Também é parte desse processo as dificuldades e as formas encontradas de superá-las, as dúvidas, as incertezas que, por algum motivo, podem levar a retrocessos momentâneos. Trata-se, portanto, de um processo complexo, contraditório, desproporcional e, ao mesmo tempo, produtor de transformações e de metamorfoses que "empurram” os sujeitos no caminho da sua história, com qualidades que vão sendo reconfiguradas de forma permanente.

Santana participou, ativamente, do percurso materializado com a pesquisa, desde o diagnóstico, perpassando as ações de instrumentalização, de planejamento, de execução e de avaliação. Por ter sido uma participação "ativa”, traduziu-se na busca por satisfazer necessidades relativas aos propósitos investigativos, e, especialmente, necessidades da professora, de ordem pessoal e profissional. Assim, desse ponto de vista, é possível afirmar que Santana se moveu rumo à satisfação de suas necessidades. Não se manteve no mesmo lugar de desenvolvimento que estava antes, como indicam os dados produzidos na pesquisa.

Ela reconheceu sua caminhada ao longo da intervenção didático-formativa: "[Os encontros de estudo] foram os momentos mais importantes para pensar. [...]. Só que nós precisamos de mais” (Santana, registro de entrevista). Com a afirmação, Santana indicou que a experiência colaborou para que ela produzisse sentidos à sua história profissional e que o processo deveria continuar. A professora modificou sua forma de compreensão relativa a conceitos como ensino, aprendizagem, escola, educação, desenvolvimento que foram conceituados por ela na etapa de diagnóstico da pesquisa. Questionada novamente, ao final do processo interventivo-formativo, em relação aos mesmos conceitos, foi possível observar as mudanças.

Os conceitos expressos na segunda entrevista deixaram o caráter de pouca objetividade, grande genericidade e, até mesmo, indefinição da primeira entrevista, como no exemplo relacionado ao conceito de ensino:

Ensino eu acho que todo mundo ensina e todos os objetos. [...]. Mas nem tudo toma isso como profissão perante um objetivo público e social que é de um professor. Então se tudo ensina o professor também ensina. (Santana, registro de entrevista).

As expressões dos conceitos conquistaram qualidades de maior objetividade e direcionamento ao campo da formação de professores:

Ensino eu acho que é uma tarefa, uma ação de um profissional que é o professor. Tem certos objetivos dentro dessa ação profissional. Por ser uma ação profissional, ela tem que ser pensada, planejada de acordo com princípios, subsídios teóricos, éticos, metodológicos. (Santana, registro de entrevista).

A expressão dos conceitos da segunda entrevista também apresentou mais riqueza conceitual, além de elementos teóricos, como no exemplo do conceito de desenvolvimento:

O desenvolvimento se dá no momento em que eu saio do meu estágio de acomodação em relação àquele objeto de estudo e reformulo, ou acrescento, ou envolvo em relação àquele objeto de estudo formando uma nova concepção sobre aquilo, um novo pensamento sobre aquilo. (Santana, registro de entrevista).

Na experiência que combinou elementos dos estudos teóricos - fontes de imitação - com elementos da materialização prática - criações da professora -, foi possível perceber as superações de Santana. Ela:

  1. exerceu autonomia na elaboração da sua prática, com a consciência da inter-relação de elementos presentes na relação educativa: características do conteúdo de estudo e articulação deste com metodologias mais adequadas, objetivos a serem alcançados, condições da realidade, estudantes reais com suas necessidades;

  2. selecionou de forma intencional e autônoma instrumentos mediadores que considerou serem os mais adequados aos seus propósitos de ensino;

  3. compreendeu como poderia colaborar para que o estudante pensasse suas opções didáticas nas aulas do campo de estágio, com intervenções na forma de questionamentos e apontamentos teóricos;

  4. compreendeu que tais intervenções poderiam colaborar para que os estudantes produzissem suas próprias generalizações e conexões dos conceitos estudados com a profissão docente;

  5. refletiu a necessidade de rever percursos e opções didáticas que não se mostraram adequadas à prática pedagógica;

  6. compreendeu que o conteúdo de estudo precisa ser objeto da atividade mental dos estudantes para potencializar aprendizagem e desenvolvimento;

  7. observou mais claramente a desarticulação entre conteúdo e forma nos currículos dos cursos de licenciatura e, portanto, procurou romper com esse modelo;

  8. deteve-se na compreensão de que os sentimentos envolvidos no processo educativo também têm atuação importante como elemento para o desenvolvimento, e, portanto, não podem ser desprezados.

Todas estas sínteses de Santana são indicações de aprendizagem, e, por consequência, potencializaram seu desenvolvimento. A unidade imitação-criação, como processo de apropriação/objetivação do saber historicamente produzido para responder a demandas do campo do ensino utilizando o potencial criador do professor, mostrou-se evidente no processo formativo concretizado. Nela se revelaram elementos que explicam mecanismos de produção da psique humana, e, por conseguinte, da produção de cada história em particular, pois a cultura e, especialmente, os bens culturais produzidos por meio da ciência são apropriados e reelaborados por meio das sínteses de cada sujeito em especial e, no caso específico, da professora que participou da experiência investigativa.

Esse processo não é passivo e muito menos, meramente, reprodutivo, desde que o sujeito envolvido construa, em colaboração, instrumentos que lhe subsidiem a ter uma atitude consciente e intencional diante dos encaminhamentos teórico-práticos. A colaboração, portanto, encaminha o sujeito para a autonomia, ou seja, para a ampliação de condições de ele se autogovernar e tomar decisões pautadas nas sínteses teórico-práticas que formula, ao longo de um processo que dura toda a existência, em elaborações que podem ser cada vez mais sofisticadas e criativas.

Imitar e criar, portanto, são faces antagônicas que se complementam na formação e promovem o desenvolvimento profissional docente. De um lado, a imitação fornece as referências, os modelos, as imagens; e, de outro, tomando como base a luta que se estabelece dentro do homem para que ele se produza, a criação apresenta a síntese, a novidade, a plasticidade de cada indivíduo em especial em uma dada realidade, produzindo na gênese a unidade imitação-criação. Desse processo, decorre a grandiosidade da inteligência humana, que consegue ser ilimitada na compreensão e na produção de um mesmo referencial. Por tudo isso, os sujeitos não podem permanecer alienados; precisam desenvolver suas potencialidades e se humanizar, permanentemente. É a significação genuína da existência.

A pesquisa permitiu concluir que o professor, para se desenvolver, precisa imitar criando. Essas duas dimensões, aparentemente contraditórias, congregam uma unidade dialética na constituição da docência.

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Notas

* Financiamento Capes (Obeduc/2012) e CNPq.
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