Dossiê: Desenvolvimento profissional docente
As apropriações da profissão docente no estágio probatório: em busca de lógicas para além da avaliação de desempenho
Appropriations of teaching profession in the probationary period: in search of logics beyond performance evaluation
Las apropiaciones de la profesión docente en la etapa probatoria: en búsqueda de lógicas más allá de la evaluación de desempeño
As apropriações da profissão docente no estágio probatório: em busca de lógicas para além da avaliação de desempenho
Práxis Educativa, vol. 13, núm. 2, pp. 499-514, 2018
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Recepção: 19 Julho 2017
Aprovação: 16 Novembro 2017
Resumo: Este artigo analisa o Estágio Probatório (EP) de professores concursados na Rede Municipal de Curitiba (RMEC) como processo de avaliação profissional, fundado na cultura do desempenho, no qual se identificou a necessidade de novas lógicas conceptuais relativas à inserção profissional inicial de docentes nessa rede de ensino. As teorizações sobre essa discussão foram fundamentadas nas concepções de García Marcelo, Silva, Tardif, Giroux e Lessard, e articuladas ao conceito de habitus de Bourdieu, discutido em relação à cultura escolar e à da escola, por Viñao Frago. A pesquisa qualitativa com base em Lüdke e André foi realizada em seis escolas da RMEC, com a aplicação de questionário semiestruturado a 21 professores, e por realização de entrevistas com 6 diretores e 5 pedagogas que acompanharam o EP, em 2017. A análise dos depoimentos revelou processos estabilizadores do habitus professoral, além da necessidade da atuação das pedagogas de interlocução e de organização da formação e do desenvolvimento profissional, visando a autonomia, a autoavaliação e a ética docente, decorrente da mudança de lógicas de avaliação da inserção inicial de professores/as em escolas da RMEC.
Palavras-chave: Estágio Probatório, Cultura escolar e habitus, Formação inicial do professor.
Abstract: This article analyzes the Probationary Period (PP) of teachers admitted in the Municipal Network of Curitiba (called RMEC) as a process of professional evaluation based on performance culture, in which new conceptual logics related to the initial insertion of teachers in this teaching network were identified. The theories on this discussion were based on García Marcelo, Silva, Tardif, Giroux and Lessard’s conceptions, and articulated with Bourdieu’s concept of habitus, discussed in relation to school culture and school drawn from Viñao Frago. The qualitative research based on Lüdke and André was carried out in six schools of the RMEC, with the application of a semi-structured questionnaire to 21 teachers, and by conducting interviews with six directors and five pedagogues, who accompanied the PP in 2017. The analysis of the testimonies revealed stabilizing processes of the teacher habitus, besides the necessity of the pedagogues’ interlocution and organization of the formation and professional development, aiming at autonomy, self-evaluation and the teacher ethics, deriving from the change of logics of evaluation of the initial insertion of teachers at RMEC schools.
Keywords: Probationary period, School culture and habitus, Initial teacher education.
Resumen: En el artículo se analiza la Etapa Probatoria (EP) de profesores concursados en la Red Municipal de Curitiba (RMEC) como proceso de evaluación profesional, fundado en la cultura del desempeño, en el cual se identificó la necesidad de nuevas lógicas conceptuales relativas a la inserción profesional inicial de docentes en esta red de enseñanza. Las teorizaciones sobre esta discusión fueron fundamentadas en las concepciones de García Marcelo, Silva, Tardif, Giroux y Lessard, y articuladas al concepto de habitus de Bourdieu, discutido en relación a la cultura escolar y de la escuela, por Viñao Frago. La investigación cualitativa basada en Lüdke y André fue realizada en seis escuelas de la RMEC, con la aplicación de cuestionario semi estructurado a 21 profesores, y por realización de entrevistas con 6 directores y 5 pedagogas, que acompañaron al EP, en 2017. El análisis de los testimonios reveló procesos estabilizadores del habitus de profesores, además de la necesidad de la actuación de las pedagogas de interlocución y organización de la formación y del desarrollo profesional, visando la autonomía, la autoevaluación y la ética docente, derivada del cambio de lógicas de evaluación de la inserción inicial de profesores en escuelas de la RMEC.
Palabras clave: Etapa Probatoria, Cultura escolar y habitus, Formación inicial del profesor.
Introdução
Na presente abordagem, propõe-se problematizar o tema do Estágio Probatório (EP) para além de sua proposta técnico-administrativa e burocrática, para analisar esse processo avaliativo profissional de três anos, investigando essa trajetória no locus de escolas públicas municipais de Curitiba. A avaliação por tempo de trabalho em EP é a forma como historicamente as instituições escolares públicas têm avaliado o exercício profissional do professor nos anos iniciais, o qual tem sido realizado a partir de uma lógica calcada na cultura do desempenho. A ideia de que o docente está sendo avaliado pelo cumprimento de determinados quesitos, está posta sem discussões ou mesmo clarificações relativas ao seu exercício profissional.
Segundo Pacheco (1998), no contexto de um sistema altamente centralizado e burocrático, as expressões reiteradas nos discursos políticos sobre flexibilização, modernização, participação, autonomia, de certa forma imposta, coexistem com uma visão normativa e prescritiva visível no volume de regras e de normas emanadas, de acordo com as quais as escolas e os professores têm de exercer sua profissão. Para Flores (2011), a crescente burocracia, no entanto, e os seus efeitos no modo de estar e de viver a profissão docente, descentram o professor do seu trabalho pedagógico com os alunos, com implicações na docência e na formação de sua identidade profissional. Os professores que iniciam na carreira detêm alguns conhecimentos dos cursos de formação inicial ou alguma experiência de trabalho por que passaram, mas, sobretudo, mantêm suas crenças sobre o ser professor, como alerta García Marcelo (2009a), e ainda não consolidaram seus saberes didático-pedagógicos. Nessa imersão na cultura escolar e de seus profissionais, procuram desenvolver formas de enfrentamento dos desafios da nova profissão em suas trajetórias iniciais de trabalho.
A cada seis meses, os professores que ingressam por concurso público na RMEC e que passam pelo processo de EP organizado pela Secretaria Municipal de Recursos Humanos, são acompanhados e avaliados por uma equipe constituída na escola, composta por diretor, pedagogo e professores, obedecendo a um cronograma vinculado à vida profissional desses servidores. Esse processo é regulado por documentos prescritivos e por uma ficha avaliativa própria, pautada em critérios de assiduidade, entrosamento no trabalho, uso das mídias e materiais tecnológicos, entre outros itens. Ao final, o professor deverá obter uma nota de aprovação superior a sete, em cada uma das etapas.
O professor aprovado, uma vez na escola, manterá um diálogo inicial com a direção e a pedagoga. O acompanhamento do exercício profissional inicial do professor é organizado de forma burocratizada, em uma proposição verticalizada, sem a contextualização da função social que exercerá na escola. A percepção desse processo de avaliação profissional, no entanto, não impede que os professores aprovados em concurso sejam integrados aos processos culturais escolares, recebendo nesse espaço influências decisivas na sua constituição profissional docente. As ações desencadeadas em uma perspectiva que não considera as necessidades da formação e do desenvolvimento inicial da profissão docente na rede pública, implicaram em alguns questionamentos como: O professor concursado precisa ser avaliado? Como se define a concepção do Estágio Probatório da RMEC, como processo proposto no tempo-espaço de três anos?
A partir dessas questões centrais, decorreram outras questões contingenciais: Como os professores se percebem no período de EP, considerando os critérios de avaliação utilizados na fase inicial de sua profissão? No tempo do EP, o professor passa a conhecer a função social da escola e da RMEC? Ao final do Estágio Probatório, o professor obtém as aquisições necessárias ao desenvolvimento inicial e futuro da profissão docente?
Essas questões levaram a problematizar as concepções e as ações práticas avaliativas do EP na RMEC.1 Buscou-se, desse modo, analisar o processo de avaliação e de acompanhamento profissional, considerando a inserção nos processos culturais das escolas nas quais ingressam, para situar as necessidades e as demandas da constituição da profissão docente nessa fase. Visa-se assim, favorecer novas lógicas para a formação e o desenvolvimento profissional desses professores concursados.
A investigação foi realizada em seis escolas da RMEC e envolveu vinte e uma professoras, seis diretoras e cinco pedagogas2, tendo tomado como opção metodológica a abordagem qualitativa de Lüdke e André (1986). Nessa empreitada de pesquisa, buscou-se oferecer a oportunidade de verbalizações e de aproximação das pesquisadoras com os profissionais selecionados.
Para a obtenção de compreensões necessárias à investigação desse processo, o estudo e a pesquisa propostos requisitaram a utilização do conceito de habitus de Bourdieu (1980), a partir da percepção do habitus escolar, conceito que, ao incluir as aquisições da profissão docente no tempo do EP, requisitou a constituição do habitus professoral. Ao esclarecer esse conceito, Silva (2005) explica que a natureza do ensino na sala de aula é constituída por uma estrutura estável e estruturante, porém não estática. As atitudes, as orientações, os processos formativos e as relações propiciadas nas escolas por outros professores, pedagogos e diretores podem construir, nesse período de três anos da avaliação no EP, formas de apreensão sobre a docência que se processam sobre a estrutura do habitus.
A análise realizada sobre o EP nos processos da cultura escolar e da escola identificou expectativas, necessidades e interesses que influenciam o desenvolvimento profissional docente nesta fase inicial de três anos, que corresponde ao período inicial de ingresso na carreira docente. A busca por desenvolver esse processo, em distanciamento à cultura do desempenho e voltado às possibilidades de outras lógicas de acompanhamento relacionadas à constituição inicial da profissão docente, propõe qualificar esse período de forma a considerar as demandas da docência diante da função social da escola pública municipal de Curitiba.
Nesse sentido, a Figura 1 a seguir apresenta categorizações que passam a ser discutidas na sequência, como fundamentação da análise de dados e de percurso da pesquisa.

Compreensões sobre a cultura do desempenho no processo avaliativo
As formas de trabalho docente, realizadas nas diversas fases da escolarização, têm sido descritas como atividades profissionais cada vez mais exigentes nos dias atuais. A incerteza, a imprevisibilidade, a intensificação e a multiplicidade de tarefas associadas à docência para o ensino escolar têm requisitado uma compreensão mais ampla e profunda dessa profissão, o que requer analisá-la em sua inserção em determinado contexto social, político, cultural e econômico. Essa compreensão da função social da escola e de seus profissionais implica em repensar as formas de ingresso e de avaliação no momento inicial dos profissionais na carreira docente, em busca de formas adequadas de acolhimento, de incentivo à aprendizagem do ser e tornar-se professor.
Em relação ao acompanhamento e à avaliação da profissão docente no EP na RMEC constata-se, nesse espaço de tempo de três anos, os resquícios de um tipo de avaliação de desempenho, que passou a ser adotada desde 1960 no processo de organização do capital no espaço produtivo, laboral e institucional, e que incidiu nas atividades de servidores públicos em geral, incluindo os profissionais da educação escolar.
De acordo com Farenzena (2006), uma nova regulamentação surge a partir de 1980, momento que ocorre a descentralização dos serviços sociais, os quais designam à escola a incumbência de gerir recursos e, por consequência, de responsabilizar-se pelos resultados dos rendimentos do trabalho profissional de seus servidores. No centro dessa forma de conceber o papel da escola na avaliação do trabalho de professores recém-admitidos, encontram-se os critérios que decorrem das teorias administrativas empresariais de produtividade e de eficiência.
As reformas educacionais que ocorreram nos anos de 1960 e 1970, com a Lei No 5692/71, alteraram as estruturas no âmbito administrativo e pedagógico das escolas, como explicam Fonseca, Richter e Valente (2012), promovendo a implantação de uma gestão educacional concebida como mais moderna para a época, apoiada no modelo empresarial e balizada por um sistema de avaliação eficaz, com mecanismos de avaliação discente e docente.
Depreende-se dessas exigências de atuação dos profissionais da educação a função de servir ao Estado no intuito de manter o controle sobre o sistema educacional escolar, referendando os procedimentos dos estatutos do capitalismo empresarial. Esse tipo de normativa administrativa imputou aos trabalhadores da educação um pensamento de luta pela sobrevivência, que os tornou agentes da própria dominação mercadológica. De acordo com Fonseca, Richter e Valente (2012), essas questões estão diretamente relacionadas ao trabalho do professor, uma vez que as responsabilidades sobre o desempenho dos alunos e da escola lhe são atribuídas.
A perceptível transferência de responsabilidade que o Estado vem impondo cada vez mais às instituições sociais e educacionais nas últimas décadas apresenta um descompasso com as possibilidades de a escola empreender maiores esforços para ampliar a qualidade de suas ações na sociedade contemporânea. O professor e a própria escola tendem a assumir papéis que estão além de suas funções, e essa (co) responsabilização apresenta como resultado a perda da sua identidade profissional, gerando um processo de desqualificação e desvalorização dos professores. Goodson (2006) aponta que as reformas tiraram do professor a autonomia do seu fazer pedagógico e exigiram um profissional que executasse apenas as ordens superiores estabelecidas. Questiona o autor:
Será que as coisas são realmente assim tão simples? Mesmo no mundo dos negócios a reestruturação mostrou ser mais complexa e contraditória do que se esperava. Nas escolas o negócio é complicadamente humano e pessoal. Aqui, o desespero e o desencanto levam diretamente a um ensino desmotivado e à oportunidade de vida desperdiçada para os alunos. (GOODSON, 2006, p. 110).
As influências capitalistas de gestão aparecem nas formas administrativas e de avaliação das secretarias estaduais e municipais, como se constatou na prefeitura de Curitiba, que centraliza o controle e a verificação da produtividade do trabalho docente na avaliação de desempenho do professor. Diante dos imperativos e das imposições dessa forma de avaliação, que se aliam aos processos da racionalidade técnica no processo pedagógico, o EP tornou-se um instrumento de controle do processo de admissão e de avaliação dos professores e de outros profissionais da educação municipal, o qual se integra aos processos culturais das escolas municipais de Curitiba3.
Segundo Pacheco (1998), nessa perspectiva, a retórica da autonomia não tem correspondência na realidade, que continua limitada e controlada por meio de um processo de recentralização, pois os profissionais da educação tendem a efetivar ações voltadas a uma autonomia relativa, situando-a em uma suposta participação administrativo-pedagógica.
Ao levar-se em conta que aos diretores das escolas se atribuiu um papel de controle do processo de avaliação profissional, Santos (2004) considera a possibilidade de intercorrências nos processos de avaliação pela posição central que estes ocupam. Dessa forma, as relações sociais estabelecidas entre docentes e diretores podem levar a favoritismos e punições, processo que define como cultura do desempenho, o qual torna difícil uma avaliação objetiva e imparcial, quando as relações do cotidiano estabelecem redes de amizade e de resistências entre o corpo docente e a direção da escola. Por outro lado, os processos da cultura escolar precisam ser considerados na avaliação e no acompanhamento das aquisições profissionais dos professores que iniciam sua carreira, o que leva a desenvolver algumas compreensões necessárias.
Para Viñao Frago (2007, p. 87), uma cultura escolar é "[...] sedimentada ao longo do tempo em forma de tradições, regularidades e regras do jogo não interditadas e repartidas pelos seus atores, nos seios das instituições educativas”. Nesse sentido, o autor tende a não concordar com a apreensão pelo professor de suas atribuições docentes, com base na emergência da vida escolar, pois este não está sendo orientado para isso.
Segundo Bourdieu (2009), as instituições sociais, neste caso as escolas, desenvolvem o habitus, definido como:
Sistema de disposições duráveis e transponíveis, estruturas estruturadas, predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, ou seja, como princípios geradores e organizadores de práticas e de representações que podem ser objetivamente adaptadas ao seu objetivo sem supor a intenção consciente de fins e o domínio expresso das operações necessárias para alcançá-los, objetivamente "reguladas” e "regulares” sem em nada ser produto da obediência a algumas regras e, sendo tudo isso, coletivamente orquestradas sem ser produto da ação organizadora de um maestro. (BOURDIEU, 2009, p. 87).
Imersos na cultura escolar, os professores iniciantes passam a agir de acordo com um determinado habitus escolar e não vivenciam a aprendizagem da profissão docente na perspectiva de interlocução sobre as vivências e as atividades relacionadas à busca da autonomia profissional no âmbito da escola. Mapear os processos vividos a partir da integração dos professores em determinado habitus inclui articular os processos de aprendizagem da docência, reconhecendo os movimentos da construção do ser professor no processo cultural escolar.
Nesse sentido, o termo habitus professoral é definido por Silva (2005) com base na ideia da estruturação dos estudos sobre o ensino em sala de aula e vai ao encontro da análise dos problemas relativos à natureza da prática docente, para verificar como se constitui. A natureza do ensino na sala de aula é constituída por uma estrutura estável, não estática, porém estruturante, como já se afirmou. Desse modo, ao propor uma forma específica para aprender a teoria e a prática da formação do professor que atua na sala de aula, percebe-se uma vinculação com o modus operandi do habitus que este adquire e da categoria "experiência”. Esse vínculo favorece as investigações sobre o ensino na sala de aula e os estudos necessários sobre os professores iniciantes.
As atitudes, as informações, os processos formativos e as relações propiciadas nas escolas por pedagogos e diretores podem construir, no período de três anos da avaliação em EP, formas de apreensão dos professores sobre a docência, que se processam sobre a estrutura de habitus professoral. Essas formas de avaliar e formar tendem a não considerar as singularidades, os interesses e as crenças dos professores iniciantes. Para García Marcelo (2009a, p. 15), as atividades de desenvolvimento profissional afetam diretamente a interpretação e a valorização que os professores fazem das suas crenças e experiências, as quais penetram de forma inconsciente nas estruturas cognitivas e emocionais, chegando a criar expectativas e/ou crenças equivocadas, difíceis de eliminar.
A trama da investigação e as verbalizações de professoras, diretoras e pedagogas
Ao tomar a escola e seus profissionais como ponto de referência e campo de pesquisa, buscou-se a possibilidade de aproximação da realidade social e cultural que se expressa em suas propostas de ensino, filosofias, concepções, organização de atividades cotidianas. Trata-se também de um lugar singular, no qual se destacam as relações, as interações e os processos interpessoais constitutivos de um tipo de profissional: aquele que inicia sua carreira como professor, na educação escolar municipal4.
Para a pesquisa qualitativa realizada, considerando as proposições de Lüdke e André (1986), procedeu-se à aplicação de questionários semiestruturados com professores em EP. Os instrumentos da pesquisa qualitativa, ofereceram suporte à realização posterior de entrevistas com diretores e pedagogas, pelo envolvimento de suas funções na efetivação desse período avaliativo. Foram considerados os dados de depoimentos, de opiniões, de conhecimentos, de experiências e de expectativas sobre o processo inicial de apreensão profissional do grupo colaborador sobre a forma de avaliação pela qual se preparam para a inserção profissional na Rede Municipal de Ensino de Curitiba.
As análises das questões e das tendências reveladas pelos professores e pelos profissionais pesquisados, foram sistematizadas em categorizações relativas também aos diretores e às pedagogas que organizam o Estágio Probatório. Essa sistematização e análise teve o apoio das teorizações de Bardin (2011), considerando as aproximações de opiniões e também as singularidades das verbalizações dos colaboradores, que constituíram subtemas relativos a cada questionamento identificado, em relação à questão central formulada.
Com relação à recepção na escola, para além das impressões iniciais reveladas, a experiência da docência foi representada, mais pelo sentimento de estar sob a autoridade de profissionais do que pelo acolhimento dos diretores e dos pedagogos. Os professores investigados comentaram inicialmente suas dificuldades, referindo-se à falta de tempo para as atividades docentes do início da carreira. Falaram sobre as determinações de planejamentos e de atividades que realizaram sob "certa pressão” no ambiente escolar, assim como das atitudes de autoridade pedagógica, que, segundo uma das professoras entrevistadas, "[...] não acontecia com quem não estava em Estágio probatório” (P11).
Observou-se, dessa forma, que as primeiras experiências circunstanciais docentes como preparo à aprendizagem profissional docente nas escolas municipais não eram contempladas em apoio aos professores iniciantes na RMEC. Contrariamente a essa forma de recepção, Tardif e Lessard (2014, p. 17) alertam que "[...] longe de ser uma ocupação secundária ou periférica em relação à hegemonia do trabalho material, o trabalho docente constitui uma das chaves para a compreensão das transformações atuais das sociedades do trabalho”.
Para García Marcelo (2009b, p. 86), "[...] converter-se professor se constitui num processo complexo, que se caracteriza por sua natureza multidimensional, idiossincrática e contextual”. Embora um curso seja ofertado inicialmente pelo departamento de Recursos Humanos da Educação da RME aos docentes recém-concursados, sua abordagem refere-se à profissão do servidor público e a aspectos da vida funcional, ligados à esfera administrativa. As questões referentes ao impacto do trabalho do professor diante dos desafios da docência na escola não aparecem como busca, mesmo que inicial, de consolidação de sua profissão, em médio e longo prazo. É como se o professor em Estágio Probatório fosse integrado automaticamente nas práticas culturais da escola, em função de um habitus já instalado, mas esperando desses professores condutas predeterminadas, apreendidas nas circunstâncias do cotidiano pedagógico.
Para a proposição da análise dos dados coletados, procurou-se situar a problemática formulada vinculada ao problema proposto na pesquisa, o que possibilitou observar três categorizações representativas das questões levantadas.
a) O professor iniciante em EP: a imersão na cultura escolar e no habitus
Dos vinte e um professores colaboradores da investigação, pelo menos sete referiram-se às dificuldades didático-pedagógicas: ao planejamento, ao conteúdo e ao desenvolvimento de atividades e às dificuldades da relação entre a teoria e a prática pedagógica escolar, questões que, de certa forma, atribuem também à falta do apoio e do acompanhamento da Equipe Pedagógica.
Da seleção de vagas à escolha da função na escola, há uma determinação maior que não parece passar pela qualidade do trabalho docente, ou seja, em relação a assumir o trabalho pedagógico em sala de aula, os professores recebem informações incompletas ou não têm oportunidade de discutir ou refletir sobre a função social da escola pública atual, que contribuiria com as formas como exercerão as práticas da profissão na RMEC.
As equipes pedagógicas das instituições escolares encontram-se assoberbadas em suas atividades, o que constitui a intensificação das atribuições dos profissionais pedagogos nas escolas, de tal modo que os professores iniciantes na Rede Municipal de Ensino não contam com um atendimento mais específico da docência no EP. Segundo García Marcelo (2009a), os primeiros anos de docência são fundamentais para assegurar que o professor esteja motivado e comprometido com sua profissão. Trata-se da consciência do professor sobre o momento de conhecer a escola de ingresso profissional, sobre o "ser professor” e as implicações da aprendizagem da docência na carreira que inicia.
O habitus profissional é definido ainda por Bourdieu (2009, p. 87) como um conjunto de "[...] princípios geradores e organizadores de práticas e de representações que podem ser objetivamente adaptadas ao seu objetivo, sem supor a intenção consciente de fins e o domínio expresso das operações necessárias para alcançá-los”.
Constatar que os profissionais da escola estão inseridos nesse habitus profissional significa entender também que este instaura processos estabilizadores na instituição escolar, o que pressupõe um investimento no exercício profissional do professor que ingressa nas escolas da RME de Curitiba. Nesse sentido, a formação inicial em estágio probatório requer a abertura de espaços de autonomia e interlocução, para que os professores construam suas próprias visões sobre a carreira docente, levando-os a posturas mais autônomas, éticas e de autoavaliação nesse processo.
Na pesquisa realizada, percebeu-se que os professores chegam às escolas com alguma inserção anterior na profissão docente, mas as peculiaridades do trabalho pedagógico em face das atividades para as quais prestaram concurso público exigem interlocução e a oferta de momentos formativos individuais e coletivos. Quanto à existência de espaços de aprendizagem para sua profissão durante o Estágio Probatório, os entrevistados explicaram que, nos momentos que tinham dúvidas, sentiam que podiam contar principalmente com a colaboração de seus pares, na apropriação de condutas e de métodos, os quais lhes mostravam como agir no ambiente escolar, nas atividades e com os componentes curriculares nos diferentes níveis de ensino.
As referências de conduta profissional baseadas nas ações pedagógicas dos outros profissionais que já estavam desempenhando funções nas escolas, os seus exemplos e as suas orientações, paralelas às ofertadas pela equipe pedagógica e administrativa, podem ser comprovadas nos depoimentos dos professores entrevistados5: "As boas contribuições vieram das minhas colegas de profissão e de cursos que fiz.”; "A troca de experiências com os colegas no dia a dia facilita o trabalho que realizo” (P3).
Nessas percepções individuais iniciais, cada professor trouxe consigo modos muito próprios de agir e pensar, características de um habitus individual, que vai, por sua vez, integrar e constituir o habitus coletivo, a partir da crescente assimilação pelo professor, do cotidiano da escola pública e da docência no seu âmbito.
Os professores vincularam a apreensão de conceitos e de conhecimentos à sua inserção no cotidiano escolar. Essa atitude, no entanto, de verbalização ou não das dificuldades da prática pedagógica, quando não esclarecidas ou orientadas em serviço, ficaram sem respostas ou apoio para a aprendizagem da docência nessa fase inicial do serviço público.
Nas narrativas, os professores, ao se perceberem dependentes do apoio de colegas com maior tempo de docência, observaram e interiorizaram práticas, discursos e lógicas para as dificuldades cotidianas da escola, como forma de se autoafirmar como profissionais. Esse processo, como já referido, constitui o desenvolvimento de um habitus professoral.Silva (2005, p. 160, grifo do autor, grifos nossos) declara: "O habitus professoral será desenvolvido somente no e com o exercício da docência”. Esse conceito refere-se ao trabalho efetivamente prático da docência na sala de aula, e garante a vinculação da formação e do desenvolvimento profissional aos processos culturais desenvolvidos por profissionais da escola. O ensino na sala de aula é constituído por uma estrutura estável, não estática e que estrutura as formas e as estratégias para o seu desenvolvimento. Ao apreender a teoria e a prática da formação na profissão docente, para a atuação em sala de aula, percebe-se a vinculação entre o habitus adquirido e a noção de "experiência” (SILVA, 2005). Esse vínculo favorece as investigações sobre o ensino e requisita estudos sobre os professores iniciantes.
Os professores colaboradores, avaliados no período de EP, recorreram aos seus colegas para apoiar-se nas definições e nas ações que percebiam no ambiente educativo escolar. Mostraram-se imbuídos, a partir desses processos socializadores, de um acervo próprio que foram constituindo, ou que apreenderam à medida do passar do tempo efetivo na docência, assimilando modos de atuar profissional e pedagogicamente na escola. Com base nas práticas e nas atitudes de suas/seus colegas, evidenciaram certa passividade, formas da relação professor aluno não discutidas, ou atitudes de acomodação diante das mudanças científicas contextuais e tecnológicas do presente.
b) As diretoras e a tarefa de avaliadoras do Estágio Probatório
As fases propostas e os registros de resultados para a avaliação do EP têm sido delegadas aos diretores escolares, os quais se tornaram, por sua função e posição de gestores administrativos da escola, os personagens principais da avaliação desse processo. Por essa razão, tornou-se relevante considerar os depoimentos dos diretores escolares municipais na coleta de dados por entrevista e análise da pesquisa. Os depoimentos revelaram uma atitude de resgate sobre essa tarefa e a busca de maior reflexão sobre o que significa orientar os professores iniciantes em EP. Manifestaram preocupação com os processos de interação que envolvem as relações humanas na escola, aspecto que reconhecem como importante durante o EP, período sempre permeado por regras a cumprir.
Uma das diretoras apontou em suas declarações na entrevista que: "Orienta quais são as normas, as regras da escola, os direitos e deveres que o professor tem. [...] aqui, orientamos para que ele se sinta acolhido, para que ele possa realmente desenvolver a função para a qual ele foi destinado. Então esse ano, na escolha de turmas, nós recebemos três professores servidores novos. Perguntei qual era o interesse de turma ou área, pra ver se a gente organiza de acordo com aquilo que ele tinha perfil e que se sentisse bem, também” (D1). A diretora evidenciou a necessidade de acolher o professor iniciante, buscando orientá-lo a partir de seus interesses, formação e atuação, questão não considerada no modo como está posto o EP na RMEC.
Quanto às atribuições dos diretores, Giroux (1997) refere-se ao entendimento de que o conhecimento escolar está atrelado à sua função ideológica e de poder representativo na instituição escolar. Ou seja, não se pode desconsiderar que a atividade de gestor escolar comporta também uma preocupação com a estabilização dos processos de gestão, pois a gerência do tempo de ensino, aprendizagem, formação humana e a sua otimização requisitam profissionais que estejam conscientes de sua função social como agentes que contribuem como intelectuais da educação, para a execução do processo educacional escolar de forma qualitativa e democrática.
Nesse sentido, os diretores personificam a preocupação com o domínio de conteúdos e técnicas da transmissão do conhecimento de caráter instrumental, afastando-se da busca da participação dos professores iniciantes, na construção dos conhecimentos, projetos e metodologias da proposta pedagógica da escola. No processo avaliativo profissional do EP, demandam-se outras conotações e outros procedimentos a serem problematizados por todos os profissionais da escola, incluindo o professor que inicia sua trajetória.
Um dos diretores referiu-se à avaliação do EP como processo que não seria realizado exclusivamente pela escola e declarou: "Deveríamos ter uma equipe fora da escola”. Ele sugeriu a constituição de "[...] uma outra equipe diretiva onde todos deveriam se reunir para fazer essa avaliação” (D4). Essa sugestão diz respeito a avaliar um só professor, e, nesse momento, o sujeito não fez referência à valorização da iniciação profissional dos docentes, os quais precisam também se aperfeiçoar.
Outro ponto citado na entrevista com os diretores referiu-se ao documento utilizado e aos critérios de avaliação do EP, ao qual se referem como "muito técnico”, que foge "do nosso cotidiano” e que precisariam ser "[...] bem mais cautelosos e muito mais criteriosos” (D5). As preocupações aqui revelaram consciência sobre aspectos da docência a serem considerados na constituição dos novos professores em EP.
As posições voltaram-se ao aperfeiçoamento do processo de avaliação em si, o qual, dessa forma, requer maior interlocução da direção com os professores. Mesmo quando uma das diretoras se referiu ao âmbito da cultura da escola, ela visualizou somente a avaliação do professor iniciante em EP, como candidato a uma profissão para a qual estará ou não adequado/a e para a qual será ou não aprovado/a. Nesse processo, os diretores não se veem como gestores e participantes que contribuem com a formação didático-pedagógica dos novos professores.
A evidência desse aspecto pode ser observada em um outro depoimento: "O servidor é avaliado por nota e me preocupa porque eu não sei como isto é encaminhado em outras escolas. Aqui eu fico segura, porque realmente é no processo...no dia a dia, então o profissional só será prejudicado se realmente não está adequado para aquela função” (D6). Nesse processo, o conceito de habitus, definido por Bourdieu (1980), contribui para refletir sobre as influências recebidas pelos professores ao constituir sua profissão. O habitus é definido como consciência prática, na qual os significados que emergem expressam-se como saberes incorporados aos sujeitos, na forma de predisposições que funcionam de modo imediato e automático nas configurações de seus comportamentos. Por outro lado, as diretoras transferiram à responsabilidade das pedagogas da escola o preparo didático-pedagógico dos/as professores/as iniciantes no EP.
c) As pedagogas e o preparo para a construção inicial do ser profissional professor
Confirmando as características de sua profissão e a indicação dos diretores que apontaram a contribuição das pedagogas para a formação e o acompanhamento dos professores nas aquisições didático-pedagógicas na fase do EP, as pedagogas entrevistadas revelaram em seus depoimentos certa insegurança com as práticas avaliativas dessa fase inicial profissional. Como apontou uma das entrevistadas: "Desde que eu faço parte da comissão de EP, por ser a pedagoga da escola, [...] puxo da minha memória, já fazem 10 anos que eu sou pedagoga, nunca fui a uma capacitação do EP. Nunca me foi dito: você a partir de hoje é da comissão do EP. Não me sinto apta porque nunca fui capacitada para tal. Nunca tive essa formação da nossa mantenedora [...], ou para formar quem faz parte da comissão da avaliação do EP dentro das nossas unidades de ensino” (Ped2). Percebeu-se, nesse depoimento, uma ideia relacionada à formação para avaliar docentes em EP, e outra que trata de um cuidado com a ação avaliativa de outrem. Embora considerando que suas atribuições envolvem o domínio de processos pedagógicos cotidianos, as entrevistadas demonstraram que a avaliação do EP, da forma como tem sido encaminhada, não é uma atividade apoiada por documentos e por procedimentos que orientem os avaliadores para esse acompanhamento profissional docente.
Para Ball (2003), citado por Santos (2004), a avaliação de desempenho consiste em uma cultura, um modo de regulação que emprega julgamentos, comparações e termina se revelando como meio de controle e de desgaste, que não avalia ou contribui com os professores em suas carreiras profissionais. Nesse sentido, as pedagogas visualizaram suas práticas como invasivas ou de interferência "desconfortável” (Ped4). Como bem descrevem Ball (2003) e Santos (2004), a avaliação tomada como estanque aos trabalhos desenvolvidos na escola torna-se objeto que serve ao controle de um tipo de profissional que age em função de sua condição de indivíduo avaliado. Diante dessas percepções e interpretações, torna-se necessária a retomada da própria concepção que orienta a avaliação do EP, levando em conta os modos de aquisição da docência, também como fase de formação que possa constituir uma lógica de constituição do tornar-se profissional professor, com vistas ao trabalho educativo escolar.
Nas palavras de outras pedagogas entrevistadas, apareceu a percepção sobre sua condição de preceptoras do trabalho docente e de que teriam de fato condições de avaliar os servidores da educação em EP. Elas defenderam inclusive que o/a pedagogo/a é o/a profissional que melhor pode orientar e acompanhar o trabalho docente. Uma das pedagogas afirmou: "Eu participo de uma forma bem efetiva no que me pedem, então quando a direção se reúne com a gente para conversar sobre a pessoa que está em EP, a gente coloca aquilo que é necessário ser atingido, e se atingiu ou não. Tenho condições de avaliar e acredito que, não menosprezando as outras pessoas, o setor pedagógico é sim a melhor e mais sensata escolha para fazer isso” (Ped1).
Nas análises da pesquisa sobre os profissionais em EP e a partir do entendimento dos/as pedagogos/as sobre suas atribuições nessa avaliação, constatou-se que se concentram basicamente em pelo menos dois fatores: em suas atividades profissionais que revelam mais coerência para a formação do professor iniciante nas escolas; e em relação ao processo educacional escolar que os professores passaram a exercer, conhecer e desenvolver na escola. Nessas perspectivas, e compreendendo o sentido de suas atividades pedagógicas, elas passaram a considerar os propósitos da aprendizagem da docência como ensino e formação humana, o que implica em favorecer de várias formas os professores em EP.
Para essa maior aproximação dos professores dos objetivos do trabalho da Equipe Pedagógica da escola, a participação e o conhecimento da proposta pedagógica da instituição de ensino possibilita que venham a desenvolver suas atividades com uma maior condição de compreensão dos processos didático-pedagógicos escolares, que decorrem da função social da escola em atendimento às metas da mantenedora.
A contribuição para as aquisições da docência pressupõe, de acordo com Cunha e Zanchet (2010, p. 193), reconhecer que o professor "[...] vive em um tempo determinado e em uma sociedade concreta, atravessando e sendo atravessado pelas contradições e pelas incertezas desse mesmo tempo e sociedade”. Embora parte dos pedagogos tenha constatado a coerência dessa incumbência em sua atuação, na sua atarefada profissão eles não têm conseguido contemplar a necessária interlocução e intervenção positiva no trabalho do professor em início de carreira. O pedagogo pode, em conjunto ao diretor e aos professores, no entanto, partir de novas lógicas referentes ao período inicial de admissão dos professores, para estabelecer os entrelaçamentos entre a formação inicial na Graduação e a formação e atuação pedagógica docente no âmbito escolar, para a constituição do ser professor no significativo tempo de três anos após o ingresso nas escolas municipais, via concurso público.
Aspectos e dimensões conclusivas
No estudo e na investigação realizados, a releitura da prática avaliativa do período obrigatório de EP no cargo público dos professores torna docentes e agentes culturais em muito mais do que servidores públicos, o que redimensiona as aprendizagens iniciais da profissão docente. Dessa forma, a avaliação dos processos institucionais e da carreira docente são avaliados a partir da ideia de processo em desenvolvimento, cujas discussões avaliativas não têm um fim em si mesmas, mas podem contribuir para melhorar o ensino, a aprendizagem e a formação dos estudantes da escola brasileira. Para Hagemeyer (2006), os professores desenvolvem, portanto, em sua profissão, uma função social intelectual e mediadora entre a seleção de conhecimentos escolares e a aprendizagem dos estudantes da escola pública e democrática contemporânea, na qual essas aquisições constituem um direito de todos/as que a frequentam.
Buscou-se no estudo e na pesquisa empreendidos, compreender como os professores se percebem no processo de avaliação profissional do Estágio Probatório, sob a cultura do desempenho, levando em conta sua imersão inicial nos processos culturais das escolas nas quais ingressam, para situar as necessidades e as demandas da constituição inicial da profissão docente, o que pressupôs identificar lógicas e procedimentos que contemplem o desenvolvimento profissional dos professores que ingressam na RMEC.
Em suas verbalizações sobre suas vivências no EP, as professoras mostraram compreensões sobre esse processo de avaliação profissional, em sua concepção e ideologia, das quais decorrem ações em relação à avaliação do profissional docente nas escolas da RMEC. No tempo proposto para o EP, os/as professores/as são avaliados/as a cada seis meses aproximadamente, a partir de critérios descritos em uma ficha, a qual não possibilita a análise das condutas e das aquisições profissionais da docência. Na pesquisa realizada, as observações, as entrevistas e a análise do instrumento avaliativo tornaram possível captar o devir presente nas formas como participam e consideram sua passagem pelo processo de avaliação e admissão profissional na organização da mantenedora, trajetória que revelou certa resignação e passividade nesse período inicial.
A imersão dos professores na cultura escolar no período do EP significou, para boa parte dos colaboradores da pesquisa, partilhar da cultura de seus pares e do habitus instaurado no âmbito da escola. Como definiu Bourdieu (2001), isso os leva a interiorizar as estruturas sociais e pedagógicas da instituição em que ingressam. Também na acepção de Bourdieu (2001, p. 189), é possível constatar que os professores "[...] refletem o exercício da faculdade de ser condicionável, como capacidade natural de adquirir capacidades não-naturais, arbitrárias”.
Para boa parte dos professores, o trabalho de colegas mais experientes os levou a partilhar conhecimentos e compreensões sobre os modos de "ser e tornar-se professor” na escola, tomando inicialmente como base as aprendizagens de seus pares para desenvolver suas funções. Nesse sentido, os modelos culturais pedagógicos que passaram a implementar se mostraram como possibilidade de acertar na condução de melhores estratégias para o trato da aprendizagem dos alunos. Essa aproximação e dependência é identificada por Silva (2011) como habitus professoral, como processo já referido, que é desenvolvido somente no e com o exercício da docência.
Nas suas narrativas, os professores apoiaram-se nas experiências dos colegas de docência, assimilando lógicas, discursos e práticas diante das dificuldades cotidianas nas escolas e buscando se autoafirmar como profissionais. Esse caminhar definido como habitus professoral tende a ocasionar efeito estabilizador do pensamento e da ação docente, levando-os a abdicar de sua condição de professores como intelectuais, acepção que, para Giroux (1997), refere-se às possibilidades de reflexão intelectual e consciência sobre as possibilidades significativas próprias da profissão docente.
O EP, como concepção com base na avaliação de desempenho, como se pôde perceber, como processo de avaliação do trabalho docente, comporta critérios que, embora não mencionados pelos professores, acompanharam sua trajetória inicial docente a partir de uma métrica gerencial prescritiva do serviço público, implementada para tratar do todo e não da especificidade da profissão docente, de forma diferenciada dos outros serviços públicos disponibilizados no município.
No processo observado e relatado na introdução dessa abordagem e na análise dos dados coletados, referentes ao que tem sido vivido pelos professores, observou-se que os conhecimentos, os conceitos e as crenças expressos em suas práticas são elementos vitais da própria aquisição da profissão docente e das necessidades da escola pública atual, que diz respeito à reorientação dos processos da formação profissional, como constatou Hagemeyer (2006). Segundo García Marcelo (2009a), os professores, nessa fase inicial, apresentam em suas trajetórias expectativas e crenças a serem consideradas nas propostas de formação e de desenvolvimento profissional, como questões a serem problematizadas e aprofundadas a partir do diálogo e da pesquisa. Partindo desse alerta, esse momento inicial da profissão docente é de esclarecimento de dúvidas e crenças arraigadas, que podem ser procedentes ou se constituir em equívocos que permanecerão durante toda a carreira profissional.
Os momentos de interlocução sobre as atividades formativas e as práticas que os professores desenvolvem, constituem favorecimento de maior autonomia e revelam possibilidades de autoavaliação quando tecem análises sobre suas próprias impressões em relação às dificuldades e às positividades que detectam em sua profissão. A iniciação profissional da docência nas escolas nessa perspectiva, favoreceria as compreensões sobre as referências dos professores com relação à função social e pedagógica da escola pública municipal. Uma vez que a concepção da avaliação no EP apresenta lacunas nessas questões fundamentais, como se constatou na pesquisa, os professores buscam outros meios de apreensão da profissão docente, desenvolvendo estratégias de autoaprendizagem, sobre as quais não dialogam e não trazem para processos avaliativos individuais e/ou coletivos.
Ao analisar na pesquisa a atuação prioritária do/a diretor/a escolar, percebeu-se o cumprimento das exigências legais, descrita em etapas, o que garante que a avaliação do EP seja concluída e encaminhada ao setor responsável. Constatou-se que a tendência dessa forma de avaliação não é formativa e, nesse caso, alguns dos diretores tentam desempenhar atribuições de orientadores pedagógicos, e alguns se reconhecem como coautores desse processo avaliativo. Foi possível perceber em seus discursos que eles atribuem a função didático-pedagógica e de formação da profissão docente aos pedagogos da escola, a quem delegam a melhor orientação profissional aos professores.
Com relação às pedagogas entrevistadas, a pesquisa revelou que há clareza tanto no que se refere à compreensão de sua função de acompanhar e orientar o trabalho do professor em EP, como com relação à qualidade necessária ao trabalho docente nas escolas municipais. Elas reconhecem, no entanto, que necessitam de formação e preparo para as orientações desse período que é também de formação inicial para a docência. Nessa direção, a problematização de situações da avaliação do EP implicou na busca de procedimentos norteados por uma ética profissional e que proponham a superação de problemas ou lacunas percebidas no processo didático-pedagógico, durante a constituição inicial da profissão docente.
Retoma-se a visão de Flores (2011) referente à crescente burocracia e seus efeitos no modo de constituir a profissão docente, a qual descentra o professor do seu trabalho pedagógico, com implicações negativas para o seu profissionalismo e sua(s) identidade(s) profissional(ais). Para as pedagogas, o EP deve ser entendido como momento de qualificação para a docência, como espaço de aprendizagens para e na prática docente, possibilitando desenvolver um sentimento de pertencimento à profissão.
Esse período de ingresso na carreira docente, definido como Estágio Probatório, refere-se, portanto, a atividades e a tomadas de posições já distantes da cultura do desempenho, mas voltadas a lógicas de avaliação de cunho formativo, de análise dos processos culturais escolares e de acompanhamento inicial profissional, a serem aprofundadas e empreendidas pela Secretaria Municipal de Educação de Curitiba. Tal investimento refere-se também ao apoio das universidades e das faculdades responsáveis pelos cursos de Pedagogia, como formação de professores, de pedagogos e de profissionais da/para a função social da educação escolar pública municipal contemporânea.
Referências
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Notas