Demanda contínua

Indicações circunstanciais como signos potencializadores da construção de conceitos relacionados à experimentação animal na educação científica*

Circumstantial indications as potential signs of the construction of concepts related to animal experimentation in scientific education

Indicaciones circunstanciales como signos potencializadores de la construcción de conceptos relacionados a la experimentación animal en la educación científica

Marcela Teixeira Godoy
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brazil
Carlos Eduardo Laburú
Universidade Estadual de Londrina, Brazil

Indicações circunstanciais como signos potencializadores da construção de conceitos relacionados à experimentação animal na educação científica*

Práxis Educativa, vol. 13, núm. 2, pp. 555-577, 2018

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 31 Julho 2017

Aprovação: 27 Novembro 2017

Resumo: O artigo problematiza a temática da experimentação animal com licenciandos (S = 14) em Ciências Biológicas de uma Universidade Pública do Estado do Paraná. Fundamentado na semiologia das mensagens e sinais (PRIETO, 1973, 1977), o trabalho traz a análise das informações coletadas de uma unidade didática a respeito do tema. O objetivo da pesquisa foi avaliar o papel das indicações circunstanciais na construção dos conceitos relacionados à experimentação animal. Demonstra-se que as indicações circunstanciais podem ser signos utilizados pelo professor com a finalidade não só de aclarar o discurso e reduzir ambiguidades, mas promover o pensamento reflexivo dos estudantes.

Palavras-chave: Indicações Circunstanciais, Semiologia de Prieto, Experimentação Animal.

Abstract: The work problematizes the theme animal expeimentation with students (S=14) of Biological Sciences in a public university of the State of Paraná, Brasil. The work is based based on the Semiology of Messages and Signs by Prieto (1973), and brings the analysis of information collected in a didactitc unity on the theme. The objective of the research was to evaluate the role of circumstantial indications in the construction of concepts related to animal experimentation. It demonstrates the circumstantial indications can be signs used by the teacher with the purpose not only to clarify the discourse and reduce ambiguities, but also to provoke the students' reflective thinking.

Keywords: Circumstantial Indications, Prieto’s Semiology, Animal Experimentation.

Resumen: El trabajo problematiza latemática de la experimentación animal con estudiantes (S=14) en Ciencias Biologicas en una Universidad pública del Estado de Paraná, Brasil. Basado en la Semiología de los Mensajes y Señales de Prieto (1973), el trabajo trae el análisis de las informaciones coleccionadas de una unidad didáctica a respeto del tema. El objetivo de la investigación fue evaluarel rolede las indicaciones circunstanciales en la construcción de los conceptos relacionados a la experimentación animal. Se demotraque las indicaciones circunstanciales pueden ser signos utilizados por el profesor con objetivos además de aclarar el discurso y reducir ambigüedades, sino que de promover el pensamiento reflexivo de los estudiantes.

Palabras clave: Indicaciones Circunstanciales, Semiología de Prieto, Experimentación Animal.

Introdução

O trabalho traz uma discussão que se apoia em dois eixos principais. Na experimentação animal, enquanto conteúdo norteador da proposta; e nas indicações circunstanciais, elementos da semiologia das mensagens e sinais de Luis Jorge Prieto (1973) como instrumento analítico da pesquisa. A problematização, baseada nos dois eixos mencionados, que se entrecruzam, foi constituída no sentido de identificar quais signos do tipo indicação circunstancial estiveram presentes no processo discursivo em sala de aula, e qual seu papel para que os estudantes construíssem os significados dos conceitos envolvidos na temática de experimentação animal. Indicação circunstancial é um tipo de signo colateral que nem sempre está explícito no discurso do professor, mas que pode subsidiar as mensagens que são transmitidas por meio de sinais. Comparados às indicações circunstanciais, os sinais são signos transmitidos de forma explícita, declarada e que compõe o eixo principal do discurso. Eco (2003, p. 32) afirma que

[...] se eu pedisse a dez pessoas diferentes que movessem a perna, obteria com toda a probabilidade dez interpretações diferentes da minha ordem. E o que é ainda mais relevante, poderia igualmente obter muitas interpretações diferentes dessas dez interpretações bastando um simples calculo fatorial para informar quantas interpretações podem ser produzidas pela minha expressão inicial.

Então temos que, na sala de aula, o professor deve estar atento ao fato de que a diversidade de interpretações a cada sentença do seu discurso é geralmente proporcional à quantidade de alunos. Entre essa diversidade de interpretações pode haver aquelas que não correspondam ao objetivo intencionado pelo professor, que é a compreensão das mensagens emitidas. A questão de pesquisa que buscamos responder diz respeito ao papel que as indicações circunstanciais utilizadas intencionalmente ou identificadas no discurso em sala de aula desempenharam para a compreensão, não compreensão ou má compreensão dos conceitos científicos trabalhados com os estudantes.

Sendo assim, o objetivo principal do trabalho foi de, por meio de uma releitura da semiologia de Prieto (1973), identificar o papel das indicações circunstanciais na construção dos conceitos de especismo, especismoeletivo e especismo elitista, relacionados à experimentação animal pelos alunos. Devido ao seu viés semiológico, este trabalho pretende se distinguir de estudos na área ao transpor a teoria das mensagens e sinais do semiólogo Luis Jorge Prieto para a Educação Científica.

A terminologia de Prieto (1977) foi transposta para este trabalho por apresentar características em potencial, que permitiram construir um suporte lógico para a proposta realizada. Sobretudo por oferecer, por meio de um referencial semiótico, o aprimoramento cognitivo dos aprendizes, resulta em um aprendizado com maior significação. Na terminologia de Prieto, os termos emissor e receptor dizem respeito ao sentido da mensagem. Portanto, em uma abordagem discursiva que privilegie a dialogicidade, professor e alunos alternam-se nos papéis de emissores e receptores, conforme o sentido da mensagem.

Prieto concebe os sinais como instrumentos para a transmissão de mensagens. A palavra instrumentos é utilizada por Prieto como uma metáfora de "meio” (SANTAELLA; NÖTH, 2004, p. 101). Para Prieto (1977), os sinais são meios de comunicação na vida social. São, ainda, meios de obter a colaboração de outras pessoas e de exercer influência sobre aquilo que nos cerca, de onde surge a sua característica de se constituírem como instrumentos semiológicos intencionais.

Emissores e receptores das mensagens, no contexto da sala de aula, devem ser capazes de distinguir classes de mensagens e sinais, além de estabelecer uma convenção entre ambas, sob pena de não atingirem o fim a que se propõem: a compreensão das mensagens. Para cumprir tal propósito, emissor e receptor devem estar de acordo quanto às classes de sinais e suas correspondências com a construção dos significados pretendidos.

Outro elemento semiológico a ser levando em consideração para a comunicação em sala de aula é o Ato Sêmico, definido por Prieto (1977) como um índice intencional para a transmissão de mensagens, que necessita de um emissor e um receptor. O ato sêmico é, portanto, um ato de comunicação intencional, e constitui uma relação social (PRIETO, 1973). Às vezes, o ato sêmico pode não ser bem sucedido. Qualquer desacordo entre os usuários de um código e os semas que o compõe deve manifestar-se, mais cedo ou mais tarde, pelo fracasso na tentativa de transmissão da mensagem (PRIETO, 1973).

Há duas situações de fracasso do ato sêmico. Uma denominada má compreensão, que acontece quando a mensagem que o emissor tenta emitir e a mensagem que o receptor atribui ao sinal não são uma única e mesma mensagem. Ou seja, o receptor compreende algo, mas não aquilo que o emissor queria que ele compreendesse. Neste caso, o receptor atribui uma mensagem ao sinal. Há outro tipo de fracasso do ato sêmico, que é a não compreensão; em outras palavras, o receptor é incapaz de atribuir, ao sinal, uma mensagem determinada, pelo fato de haver duas ou mais possibilidades de interpretação. Ele não atribui nenhuma mensagem ao sinal e, por isto, afirmamos que ele não compreende. O fracasso do ato sêmico ocorre por não compreensão ou má compreensão do sinal emitido.

Para a incerteza desaparecer, é necessário que a classe de sinais no plano do emissor seja composta por um membro único; explicando melhor, a única e mesma mensagem emitida deve ser compartilhada por receptor e emissor. Quando esta condição acontece, afirmamos que houve compreensão, ou seja, aquilo que o receptor entendeu é exatamente o que o emissor quis dizer. Passamos, agora, a descrever as duas categorias de indicação que permearam o presente trabalho: as indicações por sinal (direto) e as indicações circunstanciais (indireto).

O processo de comunicação envolve saber selecionar os significados das mensagens emitidas para poder concretizar a compreensão; contudo, para o receptor da mensagem, tal processo nunca é pleno, quando realizado apenas pelos sinais (BUYSSENS, 1967). Para realizar uma significação e atribuir uma mensagem aos sinais emitidos durante o ato sêmico, é necessário algo mais que apenas receber esses sinais de forma passiva.

O processo comunicativo requer reflexão, refinamento através de constatações por descoberta ao nível do receptor da mensagem. Assim, a convenção sobre os estados de consciência entre emissor e receptor, durante o ato sêmico, será favorecida. A transmissão da mensagem, quando feita somente por meio dos sinais, pode abrir um precedente para que o emissor selecione um significado dentre tantos possíveis. Isto é, na transmissão direta de um sinal, há várias mensagens que o receptor pode admitir. O receptor atribui a mensagem ao sinal, de acordo com o contexto situacional de emissão e de acordo com os seus conhecimentos prévios, entre outros fatores. Mas não necessariamente a mensagem se efetiva no sentido do que o emissor gostaria que o receptor compreendesse, gerando, com isso, má compreensão ou não compreensão. Neste caso, declaramos que a transmissão de mensagens com o uso exclusivo de sinais, apesar de direta, pode ser incompleta.

Vale frisar que a transmissão direta de informação, através do uso exclusivo de sinais, não implica necessariamente em não compreensão por parte do receptor. Em geral, do ponto de vista do comportamento, os sinais são verdadeiros, na medida em que determinam corretamente as expectativas dos seus utilizadores e, deste modo, libertam mais completamente o comportamento, que é implicitamente suscitado na expectativa ou na interpretação (MORRIS, 1994).

Apesar de o caráter culturalmente convencional de todo sinal transmitido em uma composição discursiva de forma direta ser incompleto, o emissor da mensagem pode recorrer a outros elementos a fim de completar a significação da mensagem na direção da convenção intencionada: as indicações circunstanciais, cujas bases teóricas serão explanadas a seguir.

A seleção de mensagens, dentre várias que um sinal pode admitir, é um elemento essencial da semiologia de Prieto (1973, 1977). Essa seleção torna-se possível devido ao uso de indicações circunstanciais pelo emissor. Se o receptor consegue selecionar uma mensagem determinada que ele atribui ao sinal, é porque ele é sempre produzido em relação à circunstâncias determinadas, e estas, por sua vez, fornecem uma indicação suplementar ao receptor (PRIETO, 1977).

Segundo Edwards e Mercer (1993), para se comunicar é preciso saber abstrair e concretizar. Contudo, a concretização de significação, para o indivíduo que recebe a comunicação, nunca é perfeita.

Selecionar a mensagem entre duas ou mais possibilidades requer identificar que a mensagem do emissor admite algumas interpretações e exclui outras. A comunicação requer seleção adequada da mensagem por parte do receptor para que o ato sêmico tenha sucesso. Mesmo o receptor selecionando uma possível mensagem que o emissor tenta transmitir, somente a indicação do sinal não é suficiente para que ele atribua a mensagem que o receptor intencionalmente planejou, pois o número de mensagens admitido por um sinal é infinito.

Prieto define circunstância como todo o fato que deve ser (re)conhecido pelo receptor no momento da ocorrência de algum ato sêmico. É todo contexto previamente sabido por ele, anterior à emissão do sinal, e que especifica a mensagem do sinal entre várias possíveis. Deste modo, a indicação fornecida pela circunstância tem o objetivo de favorecer diferentemente as mensagens admitidas pelo sinal, fazendo com que o receptor conclua que a mensagem que o emissor lhe transmite é, entre todas as mensagens admitidas pelo sinal, aquela que as circunstâncias favorecem mais (PRIETO, 1973).

Para Prieto (1973, p. 19), o receptor seleciona a mensagem entre tantas admitidas pelo sinal devido às circunstâncias em que o sinal é emitido, e ilustra com o seguinte exemplo: quando se faz a pergunta "que horas são?”. Uma resposta do tipo nove e meia está condicionada que receptor e emissor têm em comum certas circunstâncias que determinam se é de manhã ou noite (PRIETO, 1973).

Apesar de serem capazes de compartilhar significados e estabelecer convenções entre mensagens, os indivíduos possuem experiências diferentes acerca de cada objeto, consequentemente, de cada mensagem. O receptor é quem concretiza a mensagem recebida, e necessita de um instrumento semiológico que a complemente além do sinal.

As indicações circunstanciais são os elementos cuja função é refinar a mensagem, sob a perspectiva do receptor, para que a mensagem emitida e a recebida sejam a mesma e única, pressuposto fundamental para que se realize a boa compreensão (PRIETO, 1973). Para Peirce (apudECO, 2003), toda vez que o sujeito pensa, há, em sua consciência, um sentimento, imagem, concepção ou outra representação, ou seja, um signo ou mais, e o ser humano só consegue pensar por meio de palavras ou outros signos externos.

Por intermediação das indicações circunstanciais, os sujeitos podem conseguir identificar o que seu interlocutor quer dizer. Os receptores das mensagens, através da emissão dessas indicações, poderão ser capazes de avaliar o grau em que dois significados são idênticos ou diferentes, e desempenhar a contento o esperado no processo de interlocução. Isto se deve ao fato de que, a despeito de não existirem dois comportamentos ou dois estados de consciência idênticos, ainda assim, entre as infinitas mensagens que podem ser admitidas por um sinal, os atores do ato sêmico são capazes de reconhecer estados de consciência um do outro, por meio das mensagens dos sinais transmitidos. Para Edwards e Mercer (1993), os mal entendidos não se resumem a questões de conteúdos que são ensinados e aprendidos (fatos, teorias, terminologias, procedimentos específicos e etc.): essas são as questões mais triviais. Os mais profundos mal entendidos podem ser aqueles subjacentes implícitos de interpretação. Portanto, todo ato sêmico deve trazer consigo assunções sobre o que o destinatário deverá saber, tomando-as como base para ulterior interpretação. Grize (apudDUVAL, 2004, p. 91) complementa, informando que não pode haver discurso cuja elaboração não leve em conta as representações reais ou supostas do seu destinatário presente ou virtual. Simples proposições admitem mais de um sentido, pois o status que determina o lugar que ocupam na organização discursiva de um conjunto de proposições, ou o papel que desempenham na expansão discursiva, depende da conjuntura da enunciação (DUVAL, 2004). Portanto, caminhos diferentes para o significado podem ser atingidos, uma vez que os indivíduos partem de diferentes condições iniciais de conhecimentos, experiências e perspectivas. Por isto, o efeito que um signo exerce depende da história do sujeito responsável por gerar uma interpretação. Ogdan e Richards (1989, p. 55) afirmam que uma interpretação peculiar tem a ver com o contexto que afetou a pessoa no passado e se torna, a partir de então, uma experiência recorrente para ela. Em síntese, ao receptor de um ato sêmico é imposto saber o propósito do emissor, quando este lhe transmite uma mensagem. Este propósito encontra-se identificado, tanto em razão da produção do sinal primário, quanto das circunstâncias que acompanham colateralmente essa produção.

Sob a perspectiva da Educação Científica, a discussão a respeito das relações entre seres humanos e animais foi objeto de estudo de Rodrigues (2015), que em sua tese construída a partir dos interpretantes da semiótica Peirceana, aborda, sob a perspectiva da Educação Científica, a gama de entendimentos que alunos possuem acerca dessas relações. Como não poderia deixar de ser, a discussão que a autora propõe toca em questões relacionadas à experimentação animal de forma crítica. A abordagem especificamente do tema experimentação animal, sob o viés crítico e científico, vem sendo discutido por Greif e Tréz (2000), Lima (2008), Tréz (2008, 2011, 2015), Tréz e Rosa (2013), Godoy e Laburú (2014), Godoy (2014), entre outros.

A escolha desta temática para servir de substrato para a transposição da teoria semiológica de Prieto ocorreu progressivamente. Com o tempo foi fortalecida, refinada e ampliada, ao constatarmos empiricamente que o professor da formação inicial, além de dominar os conceitos científicos básicos que permeiam a temática, precisa construir subsídios para poder analisar criticamente questões sociais, políticas e econômicas que interferem em sua prática. Para dar conta de uma formação inicial de qualidade, principalmente em Ensino de Ciências, os formadores de professores devem trabalhar, com os futuros professores, subsídios mínimos que lhes deem condições para que possam acompanhar a demanda por novas discussões e aprendizado de novos conceitos. Para isso, os formadores devem fomentar instrumentos intelectuais que possibilitem desenvolver com seus alunos - futuros professores - a ampliação e reflexão sobre o senso comum que predomina na construção de conceitos, valores entre outros. Enfatiza-se, mais uma vez, a importância da compreensão dos conceitos científicos para ampliar o debate sobre o uso de animais no ensino e na pesquisa, para o desenvolvimento de uma visão mais ampla na formação inicial de professores.

Metodologia

Os sujeitos da pesquisa foram 14 alunos e alunas do quarto e último ano do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas de uma universidade pública do Estado do Paraná. O trabalho foi desenvolvido durante o ano letivo regular na disciplina de Estágio Curricular Docente Supervisionado Obrigatório, ministrada pela pesquisadora em 2015.

Os conceitos trabalhados por meio das indicações circunstanciais foram especismo, especismo eletivo e especismo elitista. Tais conceitos foram selecionados por aparecem de maneira recorrente nas principais publicações relacionadas à experimentação animal no Ensino de Ciências. Foi utilizada uma sequência didática na forma de uma Unidade de Ensino Potencialmente Significativa (UEPS). Trata-se de um conjunto de passos sistematizados para a execução de uma proposta de aprendizagem (MOREIRA, 2011).

Toda a intervenção foi gravada e transcrita literalmente. Porém, para fins de análise, selecionamos somente os trechos do texto em que as indicações circunstanciais ocorreram. A análise do discurso empreendido foi subsidiada por um instrumento elaborado pela autora, adaptado de Coll e Onrubia (1998), e descrito a seguir. Os fragmentos nos quais aparecem as indicações circunstanciais são relatados de maneira descritiva. As falas correspondentes à professora e aos alunos são identificadas entre parênteses, no início de cada frase correspondente, e foram escritas em itálico e entre aspas para se destacarem do restante do texto. Os alunos foram identificados com a letra S (sujeito), seguida do número atribuído pela pesquisadora a cada um (de 01 a 14). As falas da professora são identificadas pela letra P. Os componentes não verbais relevantes para a compreensão da narrativa e nossas observações são descritos entre parênteses. O objetivo desta etapa foi verificar, sob a perspectiva da semiologia de Prieto (1977), a compreensão, não compreensão ou má compreensão das mensagens por parte dos alunos, quando os conceitos eram trabalhados por meio de sinais e de indicações circunstanciais.

Apresentação dos dados e análise

Conceito1: Especismo. Indicação circunstancial por meio de analogia e imagem

Para trabalhar o conceito de especismo, iniciamos questionando:

(P) - "alguém já ouviu falar no termo especismo? Se sim, em que contexto? Poderiam dizer”?

(S14) - "eu fiz um curso de extensão sobre Direito Animal e ouvi falar, mas não lembro do conceito exatamente, não sei assim, definir o que é”.

(S02) - "já ouvi falar, mas não sei definir bem, dizer exatamente o que é, acho que é algo ligado à filosofia e se é espécie acho também que é ligado aos animais”.

(P) - "sim, é um termo da filosofia utilizado para designar o preconceito do ser humano para com outras espécies. Agora vamos trazê-lo para o contexto da Educação Científica em especial para uma discussão sobre o uso que os seres humanos fazem dos animais”.

(S02) - "preconceito como? Nosso para com os animais? Não entendi”.

Os sinais fornecem, à inteligência humana, conceitos constituídos pelos seus respectivos significados. Ao emitirmos acima um sinal direto representado pela mensagem "é um termo da filosofia utilizado para designar o preconceito do ser humano para com outras espécies”, o significado foi dado para os alunos por meio de um sinal, mas a fala de S02 acima levou a concluir que ele não havia compreendido a mensagem emitida. Um sinal quase sempre traz a mensagem incompleta, insuficiente para que o receptor dela extraia o significado que o emissor gostaria que compreendesse. Então, começamos a trabalhar uma indicação circunstancial na forma de analogia subsidiada por questionamento com o auxílio de um slide (figura I), no intuito de complementar a mensagem emitida pelo sinal, para conduzir o raciocínio dos alunos ao conceito esperado.

Relação racismo/especismo/sexismo
Figura 1
Relação racismo/especismo/sexismo
Fonte: <veddas.org.br>.

(P) - "há termos utilizados para designar as diferentes maneiras de um ser humano sentir-se superior aos demais que envolvem diferentes formas de preconceito. Alguém pode dar alguns exemplos desses termos”?

(S02) - "Machismo, Racismo”.

(S07) - "Homofobia, Xenofobia”

(P) - "Isso. Relembrando então, realmente o conceito de Especismo veio da filosofia mas está sendo utilizado com frequência em artigos das principais revistas de Educação Científica que discutem experimentação animal. Vocês citaram várias formas de discriminação em nossa sociedade. O que significam para vocês os termos racismo e sexismo”?

(S02) - "racismo seria a discriminação por causa da raça e da cor”

(S13) - "sexismo é a discriminação de gênero e de sexo”.

(P) - "muito bem. Agora observem o seguinte slide”...

(Mostramos, então, na forma de slide projetado, a seguinte figura):

E continuamos:

(P) - "Considerando as definições de sexismo e racismo que os colegas fizeram há pouco, agora vocês poderiam definir melhor o conceito de Especismo”?

Com o auxílio do slide, lançamos mão da primeira indicação circunstancial, solicitando aos alunos que fizessem uma analogia entre os conceitos mencionados e questionando se seriam capazes definir, com suas palavras, o conceito de especismo.

(S05, S07 e S13): - "discriminação de espécies”. (Os três sujeitos responderam quase que ao mesmo tempo).

(P): - "mas o que seria essa discriminação de espécies, expliquem melhor”.

(S06): - "eu entendi que se trata de ´um tipo de´ desprezo ou preconceito com quem é diferente”.

(P): - "todos concordam”? (a maioria respondeu afirmativamente com a cabeça). Isso acontece quando pensamos na relação dos seres humanos com outros animais? Podem dar um exemplo?

(S05): - "acho que discriminamos os animais em todo momento que nos achamos no direito de explorá-los. Assim, quando não temos capacidade de nos colocar no lugar do animal estamos sendo especistas. A vida dele é importante para ele. Mas não pensamos assim. Para o ser humano em geral pouco importa o que o animal sente ou sofre. Se faz bem para o ser humano o animal vai ser usado. Quando tem aquela pergunta, se não testar em animais vai testar em quem? É típico porque ninguém admite que os seres humanos sejam cobaias ou sejam comidos por exemplo. Mas animal pode, mesmo que sofra como o ser humano. Acho que isso é ser especista”.

(S02): - "então lá no começo quando eu disse que tinha discriminação de raça no racismo, especismo é discriminação de espécies”.

(P): - "como assim? Explique melhor”

(S02): - "foi o que eu entendi. O ser humano é especista quando despreza as outras espécies, quando não dá importância para a vida de outras espécies”.

Aos poucos fomos percebendo, pela externalização dos pensamentos de alguns alunos (S05, S06, S07 e S13), que eles haviam compreendido o conceito. Pelas falas dos sujeitos, pudemos perceber que elas coincidem com as mensagens esperadas. Nosso questionamento aliado ao slide funcionou como indicação circunstancial do tipo analogia, convergindo para a resposta esperada, que corresponde ao conceito de especismo. Mesmo após termos dado a resposta direta mediante sinal, percebemos que, no entanto, a manifestação de S02 deixou claro que houve não compreensão da mensagem, ao dizer a frase"preconceito como? Nosso para com os animais? Não entendi”, dita no início da provocação.

Ao estimularmos a participação dos alunos por meio da indicação circunstancial do tipo analogia, fizemos com que houvesse complementação da mensagem por eles,por meio do pensamento autônomo. Valemo-nos do questionamento para subsidiar a provocação da indicação circunstancial utilizada.

Demos continuidade ao discurso em busca de evidências de que mais alunos haviam compreendido o conceito trabalhado.

(P) - "pensem agora de maneira geral no contexto da experimentação animal e respondam: vocês acham que há especismo envolvendo tais práticas”?

(S01) - "olhando sob essa perspectiva, sim. Claro que há”.

(S14) - "se a gente pegar aqui na universidade, eles usam os animais como ratos, aves e outros aí e justificam dizendo que são fáceis de manipular, tem código de ética e tal”.

(S01) - "já foi naturalizado o habito de que os animais são tratados como coisas, como um material que fica difícil ver aí alguma forma de desprezo, de especismo, mas tem”.

(P) - "mas há algum indício de especismo nesses casos? Por quê”? (a maioria dos alunos faz um gesto afirmativo com a cabeça).

(S02) - "para mim tem porque a partir do momento que você usa um animal como coisa, você já se acha superior, no direito de explorar como quiser. Então está sendo especista, está usando outra espécie”.

Quando emitimos uma indicação circunstancial, esperamos que a maioria dos alunos compreenda o conceito que está sendo trabalhado, mesmo que não participe ativamente da discussão. No diálogo acima, fica claro que a indicação circunstancial teve efeito, não somente nos alunos que participaram do discurso interativo durante sua emissão, mas nos demais, que estavam prestando atenção à discussão. S01 e S14, que não haviam participado do diálogo no momento da emissão da indicação circunstancial, demonstraram, por sua vez, ter também compreendido o conceito de especismo, pois suas falas deixaram isso evidente. Continuamos:

(P) - "então, qual seria a definição do conceito de Especismo? O que vocês compreenderam?

(S06) - "seria o termo utilizado para designar o preconceito que o ser humano tem com outras espécies. Por exemplo isso fica claro quando não considera que a vida de um rato de laboratório é importante para o próprio rato. O que importa é que para os professores ou pesquisadores, exemplos que vemos aqui mesmo na universidade, o rato é um material de laboratório como qualquer outro”.

Neste caso, está clara a compreensão do aluno S06, porque ele conseguiu relacionar o conceito ao significado que construiu, e percebemos que a indicação circunstancial utilizada para trabalhar o conceito pontual de especismo acabou desencadeando discussões que foram além da definição. Mesmo que a intenção, ao utilizarmos a indicação circunstancial, fosse fazer com que os alunos compreendessem o significado de um conceito, eles conseguiram fazer as relações deste com um contexto real, transpondo o conceito para uma situação vivenciada em laboratório. Passamos, então, a trabalhar um segundo conceito, o de Especismo Elitista, que transcrevemos em seguida.

Conceito2: Especismo Elitista. Indicação circunstancial por meio de pantomima e analogia

(P) - "Então, como mencionado pelo colega, há duas categorias de especismo, o eletivo e o elitista. O especismo elitista designa o fato de o ser humano se sentir superior às demais espécies. Compreendem isso? E o especismo eletivo significa eleger determinadas espécies como dignas de consideração moral e outras não”.

Procedemos acima à transmissão do sinal, ou seja, à transmissão de uma informação direta e pontual para explicar os conceitos aos alunos. Apresentamos o conceito de maneira expositiva, passando uma informação, e demos continuidade, conforme abaixo.

(P) - "Alguém poderia explicar com suas próprias palavras esses conceitos no contexto da experimentação animal? Pensem no conceito de especismo que já foi trabalhado. O que seriam então especismo eletivo e elitista”? (escrevemos no quadro ambos os conceitos).

Não houve resposta (os alunos estavam olhando para as palavras escritas no quadro, demonstrando estar pensativos). Isto demonstra que ainda estavam pensando a respeito da interrogação que lançamos. Como não houve resposta, continuamos.

(P) - "S06, poderia nos ajudar”?

(S06) - "Difícil professora. Não entendi a definição”.

Percebemos que S06 demonstrou não compreensão do conceito;em outras palavras, a mensagem emitida não teve efeito algum. Prosseguimos.

(P) - "quer ler de novo”? (todos leem, mas permanecem em silêncio)

(P) - "alguém pode ajudar”?

(S09) - "Elitista tem a ver com por exemplo a indústria farmacêutica que utiliza animais e que só uma pequena parte da população tem acesso”?

(P) - "o que você acabou de falar faz parte de um contexto maior que é bem válido. Mas o conceito não é esse”

Quando emitimos um sinal de forma direta, podem-se abrir duas possibilidades para o fracasso do ato sêmico, a não compreensão e a má compreensão. Estas duas possibilidades ficaram evidentes no exemplo acima, no qual dialogamos com S06 e S09. No caso de S06, podemos afirmar que houve não compreensão, pois o sujeito foi incapaz de selecionar uma possibilidade de interpretação da mensagem emitida. Declaramos, então, que ele não compreendeu o conceito que a mensagem carrega. No caso de S09, podemos enunciar que houve má compreensão, pois a mensagem que o emissor (professora) tentou transmitir, e aquela que o receptor (S09) atribuiu ao sinal, não foram uma única e mesma mensagem. A má compreensão acontece quando o receptor da mensagem tenta selecionar, entre tantas possibilidades que o sinal admite, aquela que mais se aproxima da intencionada pelo emissor, mas o faz de maneira equivocada, compreendendo outra mensagem que não a que o emissor gostaria que compreendesse. No caso acima, quando emitimos a mensagem por meio somente do sinal, acabamos gerando não compreensão e má compreensão. Para complementar a mensagem emitida pelo sinal, valemo-nos de uma indicação circunstancial, na forma de analogia por meio de questionamento.

(P) - "vamos raciocinar juntos: qual o significado da palavra ‘elitista’ para vocês”? (escrevemos a palavra no quadro).

(S02) - "elite”.

(P) - "Ok. Mas quando falamos a palavra ‘elite’ quais os termos que nos vem à cabeça? Quais os significados que essa palavra invoca”?

(S01) - "rico”

(S04) - "burguês”

(S11) - "quem se acha mais que os outros”

(Fomos escrevendo as palavras e expressões no quadro conforme os alunos iam falando).

(P) - "A partir dessas colocações vocês podem chegar a alguma conclusão sobre o conceito de especismo elitista no contexto da experimentação animal”? (após os alunos olharem as palavras e permanecerem em silêncio por alguns segundos, a professora utiliza, então, uma indicação circunstancial na forma de pantomima. (Ao mesmo tempo que mencionamos a palavra elitista, fazemos um gesto complementar com a palma da mão para cima, como na figura 2e erguendo o braço com a mão virada para cima utilizamos uma expressão facial indicando superioridade, com o nariz levemente empinado e olhar esnobe).

Representação de gesto com a mão
Figura 2
Representação de gesto com a mão
Fonte: <pt.depositphotos.com>.

Então os alunos começaram a externalizar suas significações.

(S02) - "é alguém que se acha superior. No caso, o ser humano discrimina outras espécies porque se acha superior. Diz respeito a discriminar uma espécie que não é importante. Na experimentação animal só o fato de utilizar uma espécie, desde mantê-la em cativeiro releva nas entrelinhas uma certa superioridade”.

(P) - "mas existe uma espécie mais importante que outra”?

(S02) - "eu acho que... assim. Tipo é relativo. Entre meu cachorro e meu pai, para mim meu pai é mais importante do ponto de vista assim da vida”

(S09) - "sim depende. porque se fosse para vigiar a casa seu cachorro seria mais importante”.

(S02) - "então por isso que eu falei que é relativo”.

(P) - "gente, focando na experimentação animal”.

(S02) - "aí meu pai é mais importante se tivesse que escolher entre ele e meu cachorro para participar do experimento”.

(P) - "isso é especismo elitista”?

(S09) - "é. Já esta subentendido quem é o mais importante nesse caso”

Os alunos compreenderam, por meio da complementação do gesto, que o termo elitista tem a ver com elite, e conseguiram fazer a relação do termo com a superioridade que aparece em algumas relações do ser humano com outros animais.

(P) - "algum outro exemplo”?

(S07) - "geralmente a gente vê principalmente em livros de Biologia e Ciências que o ser humano se coloca no topo da escala zoológica, então de certa forma isso denota uma suposta superioridade. É especismo elitista isso”?

(P) - "o que você acha? (Apontando para S05).

(S05) - "Acho que sim. Não só no livro didático mas em muitas situações”.

A essa altura, percebemos que, por meio da indicação circunstancial emitida, os alunos começaram a fazer as relações entre o conceito e seu significado. Solicitamos mais alguns exemplos.

(S14) - "quem come outro animal já se acha superior a essa espécie”.

(P) - "por que”?

(S06) - "porque é uma forma de exploração”

(S14) - "mas não fui eu que matei e ganhei dinheiro, eu só comi”

(S11) - "mas se você não comesse não haveria essa exploração. Na verdade todos nós que comemos outro animal então somos especistas elitistas por que nos colocamos em um nível de superioridade relacionado a esse contexto”.

(P) - "trazendo essa discussão para o cenário da experimentação animal, há especismo elitista? (os alunos permanecem em silêncio). Por quê”?

(S10) - "na experimentação é pior ainda porque acho que o especismo elitista fica bem evidente. O fato de fazer experimentos com os animais traz nas entrelinhas que o pesquisador se acha nesse direito”.

(S06) - "Ele vai dizer que não se acha superior mas e se perguntar para ele se abriria a barriga da mãe dele ou se aceitaria injetar drogas na filha dele ele vai dizer que não porque são seres humanos. Isso para mim é colocar a espécie humana como superior”.

(P) - "lembrando que não estamos julgando certo e errado. Não há juízo de valor aqui no sentido de afirmar que especismo é certo ou errado. Especista e elitista não são xingamentos. Essa é uma questão muito particular. Estou aqui tentando fazer com que vocês compreendam os conceitos para poder identificá-los quando aparecerem nos mais variados contextos e aí sim formar uma opinião ok? Poderiam formular o significado, nas palavras de vocês, a respeito do conceito especismo elitista”?

(S02) - "é aquele tipo de especismo em que uma espécie se acha superior à outra, que no especismo elitista o ser humano se acha superior às outras espécies animais”.

(S01) - "não é que o pesquisador se sinta superior enquanto indivíduo, mas enquanto espécie da escala zoológica”.

(S07) - "se for assim, dá para dizer que a experimentação animal toda ela se apoia no especismo elitista”.

Pelas indicações circunstanciais encaminhadas na forma de pantomima e analogia, por meio de questionamento como categoria social do ato sêmico, inferimos que os alunos aparentemente compreenderam o conceito de especismo elitista por meio da complementação do sinal inicial emitido. As falas acima, de S02, S01 e S07, embora emitidas de maneiras diferentes, cada um a seu modo, demonstraram a compreensão do conceito. Ficou claro que as indicações circunstanciais aprimoraram o universo do discurso dos alunos com relação ao conceito. A emissão da palavra aliada à pantomima reforçou a mensagem emitida anteriormente, por meio do sinal verbal oral (direto), ou seja, no momento em que fornecemos a informação a respeito da definição do termo, no início da provocação.

Novamente percebemos que, uma vez compreendido o conceito trabalhado por meio da emissão da indicação circunstancial, as discussões externalizadas pelos alunos e que seguem após essa emissão (pantomima) serviram de indicativo para percebermos se estão acompanhando seu raciocínio em direção à compreensão dos conceitos. Os sujeitos 06 e 09, que demonstraram não compreensão da mensagem por meio do sinal no início, demonstraram sua compreensão após a emissão da indicação circunstancial.

Conceito 3 - Especismo Eletivo. Indicação circunstancial por meio de analogia, situação problema e imagem

Para trabalhar o conceito de Especismo Eletivo, começamos retomando oralmente os conceitos de Especismo e Especismo Elitista. Começamos informando que, além do Especismo Elitista, há uma outra forma de especismo, que é o Eletivo. Então, fizemos a leitura com os alunos da definição do conceito em um slide projetado em uma tela. Solicitamos que S14 fizesse a leitura:

A isso denomina-seespecismo eletivo: à predileção por determinadas espécies animais, abraçadas como dignas de consideração e respeito, enquanto se cultiva a mais fria indiferença em relação ao sofrimento de todos os animais que são fabricados e mortos em meio aos maiores tormentos em escala industrial, para prover os comedores e consumidores de produtos feitos com base na matéria de suas carcaças. Se cometemos tal discriminação, não podemos ser éticos. Portanto, não basta, para ser ético, abolir o especismo elitista. É preciso abolir também o especismo eletivo, isto é, a forma de discriminação que julga bastar abraçar um tipo de bicho para resolver o conflito moral que resulta de julgar que os interesses vitais de determinados animais contam mais, ou contam menos, do que os interesses de outros (FELIPE, 2007, p. 136).

Neste caso, o fragmento acima serviu como um sinal que transmitiu a informação de maneira direta para os alunos. Uma vez que o número de mensagens diferentes admitidas por um sinal é infinito, para eliminar essa possibilidade de diferentes interpretações, iniciamos o processo de emissão da indicação circunstancial com o objetivo de direcionar o pensamento dos alunos para a interpretação que mais se aproxima do conceito que esperamos.

(P) - "Podem dizer com suas palavras o que entenderam a respeito do que acabou de ser

lido?

(S09): - "peraí que agora deu um nó professora”.

(P) - "S14, você que leu poderia dizer o que entendeu?

(S14) - "é uma definição de especismo eletivo”.

(P) - "sim. Mas o que você entendeu”?

Os alunos continuam em silêncio; percebemos que estão lendo novamente o conceito projetado na tela.

(P) - "isso, leiam de novo e me digam o que vocês entenderam por especismo eletivo” (professora).

(S11) - "não sei, parece que é mais punk”.

(P) - "Punk como? O que você quer dizer com punk? Em que sentido”?

(S11) - "sei lá. Mais complexo que o outro (o sujeito refere-se ao conceito de especismo elitista trabalhado anteriormente).

(S12) - "Parece que envolve preferir uns animais ao invés de outros”.

Percebemos que S12 começa a se aproximar do conceito.

(P): - "Isso. Está no caminho. Especismo eletivo envolve escolher as espécies de nossa predileção para determinadas demandas como alimentação, diversão, experimentos e etc. e outras para companhia e estima”.

(S01): - "ah mas diversão não dá. Diversão é o que? Circo? Rodeio”?

(P): - "Sim. Não estamos questionando agora a ética que envolve essas práticas. Isso também é importante. Mas tentando fazer com que vocês compreendam o conceito de especismo eletivo”

(S10): - "então farra do boi também é diversão”?

(S08): - "Sim. Para quem pratica, é. Se elege o boi para o rodeio, o tigre para o circo, o macaco e outros para o zoológico, é”.

Observamos, aqui, que S08 compreendeu o conceito de especismo eletivo visto anteriormente, pois fez a relação correta do uso dos animais em contextos diferentes, mencionando o conceito eletivo corretamente. O mesmo sujeito não havia se manifestado durante as interações discursivas no momento em que ocorreu a indicação circunstancial, por meio da qual o conceito mencionado foi trabalhado. Isto mostra que as indicações circunstanciais podem levar à compreensão da mensagem àqueles alunos que, mesmo não tendo participado oralmente, estavam atentos aos diálogos que ocorreram.

Para continuar trabalhando o conceito de especismo eletivo, após a fala de S08, acima, percebemos que os alunos continuaram em silêncio e não emitiram mais nenhuma consideração. Então, lançamos mão da indicação circunstancial na forma de uma situação-problema, na intenção de desencadear outros processos de complementação das mensagens até então emitidas. Com base em Melgaço, Meireles e Castro (2011), entregamos aos alunos, por escrito, a situação problema abaixo, e ordenamos que procedessem a sualeitura e resolução em grupos. Após procederem à escolha em grupos, os alunos deveriam apresentar para o grande grupo suas escolhas e justificativas.

"Considere a seguinte situação problema:O teste DL50 é um teste comum na indústria e na pesquisa. É realizado com animais e consiste em forçar os grupos de espécies a ingerirem determinada quantidade de substância através de uma sonda gástrica até que 50% desse grupo experimental morra” (GREIF; TRÉZ, 2000, p. 32). Na situação hipotética, um grupo de animais será utilizado para esse experimento. Numere em ordem crescente os grupos de animais abaixo que você escolheria para compô-lo”.

a) Macacos

b) Coelhos

c) Ratos

d) Seres humanos

e) Cães

O procedimento solicitado na atividade leva os alunos a categorizar os grupos em uma ordem de preferência. Esta é a principal característica do especismo eletivo:eleger as espécies segundo critérios próprios de estima (FELIPE, 2007). Não colocamos, em nenhum momento, que tal escolha deveria ser compulsória e nenhum dos alunos questionou esse fato. O objetivo foi fazer com que essa atividade complementasse a mensagem emitida por meio do sinal (definição do conceito projetada e lida pelos alunos), funcionando como uma indicação circunstancial. A intenção era que os alunos chegassem finalmente à compreensão do conceito de especismo eletivo. Para tanto, procuramos gerar um conflito emocional entre os estudantes, que os colocasse em confronto com uma escolha, a das espécies eleitas para participar de um experimento letal. A relação social do ato sêmico que ilustra a indicação circunstancial em questão é do tipo ordem positiva, visando à colaboração do receptor da mensagem representada pela sentença "Numere em ordem crescente os grupos de animais abaixo que você escolheria para compô-lo”. Os alunos organizaram-se e formaram quatro grupos de trabalho. Entre as opções (seres humanos, gatos e cães), os alunos elegeram o grupo de ratos como o primeiro para participar desse experimento letal. Segundo Felipe (2007), a tendência é tratarmos como coisas os animais que não sejam do nosso tipo preferido para companhia, guarda ou estima, reforçando o especismo eletivo. Esperávamos, portanto, que o rato fosse escolhido pelos alunos, o que de fato ocorreu. As justificativas que eles deram confirmam a predominância do especismo eletivo. Somente para deixar clara a distribuição dos sujeitos nos grupos de discussão para essa atividade, S02, S04, S05 e S11 formaram o primeiro grupo; S01, S06, S07, S12 e S14 formaram o segundo grupo; e S03, S08, S09, S10 e S13 formaram o terceiro. Finalizada a análise e a discussão da situação problema, o diálogo que representa essa passagem segue abaixo:

(P): - "Muito bem, quem gostaria de começar? Vocês devem dizer a ordem e justificar porque escolheram as espécies para participar desse experimento letal”.

(S02): - "letal e triste”

Apresentados os resultados, percebemos que o rato foi a espécie escolhida em todos os grupos.

(P): - "por que o rato aparece como a primeira espécie escolhida em todos os grupos”?

(S04) - "foi um consenso”

(P) - "baseados em quais critérios, vocês podem explicar para o grupo? Por que não escolheram outra espécie”?

(S07): - "Então, o rato já é o mais utilizado nesse tipo de experimento e porque é o mais ´distante´ da nossa espécie”.

(P): - "Distante como? Na escala zoológica?... que temos menos contato? Explique melhor”.

(S11): - "na verdade foi porque os outros são mais próximos no sentido da convivência mesmo. Todo o mundo concordou que seria menos difícil para nós fazer (o experimento) com o rato”.

(S09): - "assim, no nosso grupo nos ate pensamos que se fosse na escala zoológica o grau de importância seria praticamente o mesmo, mas acabamos escolhendo o rato também porque só de imaginar os cachorros e os gatos nos laboratórios, tadinhos. Já imagino o meu cachorro. Deus me livre”.

Nas interações dialógicas acima, fica clara a correspondência entre as escolhas e a preferência emocional dos alunos. Nenhum grupo mencionou a facilidade de manipulação, menor custo, etc. Continuamos:

(P): - "e vocês”? (referindo-me ao segundo grupo que ainda não havia se manifestado.

(S14): - "igual professora. Já estamos de certa forma mais acostumados com o rato em laboratório é mais comum, choca, mas não tanto como se fosse com gato e cachorro. Ser humano então, fora de cogitação”.

(P): - "ok. Voltando então. Quando nos referimos ao conceito de especismo eletivo, isso tem alguma relação com o que acabamos de presenciar? O que essa situação problema demonstrou a respeito do conceito que estamos trabalhando”?

(S02) "na verdade nós estamos escolhendo uma espécie que julgamos mais importante em detrimento de outras. No caso elegemos a menos importante para nós”.

Neste ponto, começamos a perceber que o pensamento dos alunos estava sendo direcionado para a mensagem correta e esperada do conceito.

(P): - "O que isso tem a ver com o conceito de especismo eletivo”? o que quer dizer eletivo”? (escreve a palavra no quadro). Compreenderam isso que o colega acabou de colocar?

Como os alunos permaneceram em silêncio, lançamos propositalmente uma segunda indicação circunstancial por analogia, fazendo menção ao significado do termo eletivo e questionando seu significado. Logo, a relação social do ato sêmico foi o questionamento. Muitos alunos respondem, ao mesmo tempo, que o termo se refere a eleger, escolher (S04, S01 e S05).

(P): - "Então agora vocês são capazes de formular o conceito de especismo eletivo com base na situação problema que foram solicitados a resolver?

(S10): - "O especismo eletivo se concretizou aqui na sala nos nossos exemplos. Para definir é quando a gente escolhe uma espécie, elege como mais importante. Isso é especismo eletivo. Porque nós escolhemos o rato para participar do experimento. Logo estamos dizendo que escolhemos como mais importantes as outras e menos importante o rato”.

Percebemos que S10 compreendeu o conceito ao externalizar a fala transcrita acima, por meio das duas indicações circunstanciais lançadas, de maneira complementar: a primeira, em forma de situação-problema e questionamento;e a segunda mediante analogia e questionamento relacionado à palavra, ambas com a intenção de que os alunos chegassem à compreensão do conceito.

(P) - "você pode dizer o que entendeu agora? E você também. (Apontamos para S09 e, em seguida, para S11).

S09 e S11 foram os alunos que demonstraram a não compreensão do conceito no início, por meio do sinal. Esperávamos que, após a emissão da indicação circunstancial, houvessem compreendido. Contudo, ambos permaneceram em silêncio, fazendo-nos deduzir que não. Mas S09 se manifestou:

(S09) - "então, acho que é quando usamos os animais como bem queremos”.

Observamos que, a julgar pelo silêncio de ambos, e depois por esta resposta acima, de S09, que o ato sêmico ainda não havia obtido sucesso com os dois referidos alunos. Um deles demonstrara não compreensão (S11); e o outro, má compreensão (S09). Na não compreensão, S11, o receptor não conseguiu atribuir nenhuma mensagem ao sinal que tentamos lhe transmitir. E S09 demonstrou má compreensão, quando atribuiu uma mensagem diferente da esperada por nós, enquanto emissora da mensagem. Para esses alunos, a mensagem, mesmo emitida por meio da primeira indicação circunstancial (situação problema), ainda se encontrava incompleta com relação ao conceito que gostaríamos que compreendessem. No caso, a resposta de S09 não foi satisfatória, pois não coincidiu com a esperada por nós, enquanto professora. Ainda na busca de favorecer a compreensão do conceito de especismo eletivo, utilizamos uma imagem do tipo ilustração, que reproduzimos abaixo, na figura 3. Tal imagem não havia entrado no planejamento inicial, mas recorremos a ela, pois lembramos que, talvez, pudesse funcionar como uma terceira indicação circunstancial, que ajudasse a elucidar o conceito que estava sendo trabalhado. A figura a seguir encontrava-se em nossos arquivos, no computador que estava sendo utilizado no momento da aula.

Ilustração Pawel Kuczynski
Figura 3
Ilustração Pawel Kuczynski
Fonte:Kuczynski (2012).

A ilustração mostra a preferência do ser humano pelo gato, enquanto as outras espécies aguardam o momento do abate:um exemplo claro de especismo eletivo. Foi na intenção de que os alunos fizessem essa relação da ilustração com o conceito que a utilizamos.

Os alunos foram convidados a analisar a imagem acima, sob o ponto de vista do especismo eletivo e a relatar oralmente suas percepções.

(P): "Observem essa ilustração. E pensem se ela ajuda a compreender melhor o conceito de especismo eletivo. Não respondam agora. Escrevam uma sentença que represente o conceito. Em uma frase escrevam o que entenderam. Individualmente”.

Aguardamos uns cinco minutos para que os alunos elaborassem o conceito e solicitamos a leitura voluntária.

(S05) - "especismo elitista acontece quando o ser humano acha que alguns animais existem para serem comidos e outros não”.

(P) - "exatamente. Quem mais poderia relatar como compreendeu o conceito”?

(S14): - "especismo eletivo vem de ´eleger´ ou seja, escolhermos determinadas espécies animais de acordo com nossas preferências, necessidades ou nossa cultura”.

(S12): - " ’esse exemplo da ilustração deixa bem claro’. Aqui fica bem evidente o especismo eletivo. Nesse caso o gato sendo bem tratado e as outras espécies prestes a servir de alimento. O gato foi a espécie eleita de estima e atenção do ser humano enquanto as demais espécies seriam destinadas à morte para virar alimento inclusive do gato”.

(S02): - "essa ilustração serve como exemplo de especismo eletivo na indústria alimentícia onde os animais da direita foram escolhidos segundo nossa cultura e que assim acontece em vários setores onde há o uso de animais. Citou a indústria farmacêutica onde os animais utilizados são ratos e camundongos já legitimados como animais de laboratório”.

(S01): - "tem a ver também com a cultura essa forma de tratar os animais. Se fosse na Índia, a ilustração seria diferente, no lugar do gato a vaca e quem sabe o rato que nós gostamos de colocar no laboratório e do outro, outros animais”.

(S09): - "especismo eletivo né, é quando há uma escolha de determinadas espécies que merecem nossa estima e consideração moral. Escolhendo algumas para fazer parte dessa consideração, indiretamente escolhemos também as que não irão fazer parte dessa consideração. O gato de um lado e os animais para serem comidos e usados do outro mostra isso”.

Aqui percebemos que S09 que não havia compreendido o conceito anteriormente, agora dava indícios de que a indicação circunstancial, na forma de ilustração, havia feito com que o ato sêmico fosse realizado com sucesso.

(P): - "bem lembrado. Escolhemos algumas em detrimento de outras”.

(S05): - "aí você pode escolher não fazer o experimento como nós não escolhemos o gato, o cão e o ser humano por exemplo”.

(P): - "isso mesmo. Pode ler o que você escreveu por favor”? (apontando para S03).

(S03): - "eu coloquei que o ser humano conforme suas necessidades escolhe, elege as espécies ou as espécies para seu prato, para os experimentos e as que irão lhes fazer companhia e estimadas. Isso é especismo eletivo”.

Percebemos a compreensão na fala de S11 que, anteriormente, havia dado sinais de não compreensão da mensagem. Os alunos continuaram demonstrando estar mais à vontade para se manifestarem oralmente, à medida que a intervenção avançava.

(S07): - "eu entendi mais simples... que é escolher animais para participar de um experimento de acordo com o que estamos mais acostumados”.

(S05): - "mas não é só em experimentos. A figura deixa claro. Ali (aponta a figura no quadro) não é experimento, mas alimentação”.

(S03): - "mas não estamos discutindo experimentação”?

(S05): - "sim, mas o conceito ele pode ser aplicado em todos os usos que fazemos dos animais. Não é isso professora?

(P): - "Sim, o especismo eletivo acontece em vários contextos. Fora o da alimentação e da experimentação animal, você pode citar outro exemplo”? (apontamos para S08 que deu sinais de não ter compreendido o conceito).

(S08): - "então tipo, casaco de pele. Escolhem determinados animais, filhote de foca... raposa... ninguém faz com cachorro ou gato. Embora filhote de foca e raposa sejam fofinhos também. Dá dó. Eu pelo menos tenho. Elegemos, escolhemos também”.

(S05): - "isso. Mas couro de boi também é usado para fazer casaco... você come carne? Ninguém tem dó do boi porque são acostumados a carne - isso é especismo eletivo puro”!

Pelo fato de termos solicitado que os alunos escrevessem o que haviam compreendido, pudemos perceber o feito da indicação circunstancial na representação escrita de cada um deles, e acompanhar o raciocínio do que externalizaram por meio de suas leituras. Percebemos que houve compreensão dos conceitos por parte dos alunos, em especial S05, 07 e 08, nas falas representadas acima. Os alunos externalizaram a mensagem esperada por nós durante essas interações. Embora S08 tivesse compreendido o conceito apenas no contexto da experimentação animal, após ser solicitado pela professora que desse outro exemplo, além dos já mencionados, ele foi capaz de fazê-lo demonstrando ter compreendido o significado do conceito.

A mensagem transmitida pelos alunos que leram suas representações coincidiu com a mensagem esperada pela professora, o que revela compreensão por parte do receptor. Percebemos, à medida que cada aluno externalizava os significados construídos, que a definição correta do conceito era reforçada. Continuamos a discussão na intenção de que os alunos percebessem o conceito trabalhado no contexto da experimentação animal.

(P) - "e na experimentação animal, algum exemplo”?

(S04) "gatos e cães também são utilizados nos laboratórios e esse uso não é tão legitimado pela população como o de ratos e camundongos".

(S02) "eu concordo pois veja o caso dos Beagles lá de São Roque” (se referindo ao caso que ganhou repercussão na mídia segundo OLIVEIRA, 2003) "por que a população não tirou de lá também os ratos, os coelhos e os porquinhos-da-índia?

(S06): - "Isso que é especismo eletivo então? Eles escolheram os cães para salvar porque tinham maior afinidade”.

(P): - "isso mesmo. Também é um exemplo de especismo eletivo”.

Neste caso, por meio do questionamento acima, S02 acabou fazendo com que ele cumprisse o papel de uma indicação circunstancial não intencional. O questionamento de S02, motivado pelas discussões que desencadeamos, direcionou o pensamento de S06, acabando por complementar a mensagem, fazendo as vezes de indicação circunstancial para os demais alunos. Isto demonstra que as indicações circunstanciais não têm, no professor, seu exclusivo emissor, e a qualquer momento podem surgir indicações circunstanciais não intencionais no processo de aprendizagem. Outra observação a ser feita é que o ato sêmico, que inicia na transmissão da mensagem por um interlocutor e acaba na recepção de outro, pode direcionar a mensagem, para o sucesso (compreensão) ou para o fracasso do ato sêmico (não compreensão ou má compreensão).

(P): - "Continuando no contexto da experimentação animal, o colega (S02) relacionou o conceito de especismo eletivo para os experimentos realizados com animais na indústria farmacêutica ao mencionar que ratos e camundongos predominam como animais mais utilizados nesse meio. Mas por que eles predominam? Será que é por causa da proximidade afetiva como vocês colocaram na discussão ou tem algum outro fator que pode influenciar nessa escolha”?

(S06) "eu estava pensando nisso... (S06 dirige-se agora para os colegas) vocês acham que os ratos e camundongos eram escolhidos porque eram menos "próximos” que outros animais como cães e gatos ou porque eles favoreciam determinados experimentos devido às suas condições fisiológicas e anatômicas.

(S14): - "até onde eu sei eles usam mais ratos devido à facilidade de manipulação e de aquisição. Na nossa universidade há um biotério que cria e fornece esses animais para esse tipo de experimento, logo, não seria a proximidade afetiva que determinaria o especismo eletivo” (S14 trabalha com experimentação em ratos e camundongos na iniciação científica).

S14 compreendeu o conceito, pois percebemos que foi capaz de contextualizá-lo em sua fala acima.

Vimos que as indicações circunstanciais na forma de questionamento conduziram a discussão para a definição de especismo eletivo a que gostaríamos que os alunos chegassem. S04 relacionou a definição do conceito com o caso do resgate dos Beagles de um laboratório em São Roque - SP. Percebemos que, embora não tivesse sido a nossa intenção inicial, as indicações circunstanciais podem fazer com que a discussão seja ampliada pelos alunos que mostraram compreensão, aplicando-o em um contexto mais amplo, conforme está explícito na fala de S06, abaixo.

(S06): - "nossa como a gente é especista eletivo e elitista em tudo então. Na comida, nos experimentos, e nessa tal diversão que são animais de circo, por exemplo. Que horror”.

(P): - "lembrem que aqui estamos classificando os conceitos, não dizendo se é certo ou errado. Essa discussão de moralmente certo e errado vai entrar no terreno do direito animal, da ética, da filosofia. É preciso argumentos sólidos para contestar determinada posição e defender outra”.

(S13): - "mas então não tem certo nem errado? Explorar animais é certo”?

(S02): - "depende. Para um fazendeiro que ganha rios de dinheiro sim. Ou para um laboratório”.

Observamos que a discussão foi um terreno fértil para o surgimento das indicações circunstanciais. Nesse terceiro conceito trabalhado, também surgiram as indicações não intencionais, que acabaram cumprindo um papel relevante para a compreensão das mensagens emitidas. Isto mostra que não só o professor pode atuar como emissor das indicações circunstanciais, mas, por vezes, os alunos também têm participação nesse processo de direcionar o pensamento dos colegas para a compreensão das mensagens, fazendo o uso desses elementos semióticos. O discurso interativo, nesse caso, além de favorecer o uso das indicações circunstanciais, retirou o foco da aprendizagem centrada no professor, ao fazer com que os alunos se auxiliassem mutuamente na busca pelo conceito que mais se aproximasse do intencionado.

Tabela 1
Evolução dos conceitos trabalhados na intervenção com base em sinais e indicações circunstanciais
Evolução dos conceitos trabalhados na intervenção com base em sinais e
						indicações circunstanciais
Legenda: 0: não manifestou; ¼: não compreensão; ½ má compreensão; 1: compreensão.

Considerações Finais

Foi possível perceber o quanto o discurso hegemônico a respeito da experimentação animal, presente em um processo instrucional de aprendizado, pode representar um potencial fator de alienação de uma cultura historicamente construída sobre conceitos de exploração animal na Ciência. A abertura para essas discussões no Ensino Superior pode propiciar a problematização a respeito da questão da exploração, sofrimento animal e trazer um olhar mais crítico a respeito da experimentação animal no ensino e na pesquisa.

Demonstramos que o planejamento consciente das indicações circunstanciais emitidas pelo professor, mediadas por um discurso interativo, sob a perspectiva da aprendizagem significativa subversiva, serviram como provocação didática para potencializar as notificações significativas no processo de ensino-aprendizagem na Educação Científica. Sob uma perspectiva construtivista de aprendizagem, procuramos mostrar que as indicações circunstanciais podem ser um elemento semiológico utilizado pelo professor, com a finalidade de não só de aclarar o discurso e reduzir ambiguidades, mas provocar, fundamentalmente, uma forma de pensamento reflexivo do estudante, com objetivo de levá-lo à compreensão dos conceitos tratados.

O trabalho propôs um olhar analítico firmado em elementos semiológicos, em especial as indicações circunstanciais, com a intenção de organizar e entender diligências discursivas decorrentes das interações do professor com seus estudantes em sala de aula, no contexto da Educação Científica.

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Notas

* Este artigo deriva da tese de doutorado intitulada Indicações circunstanciais como signos potencializadores da aprendizagem significativa de conceitos na experimentação animal (GODOY,2016). A discussão aqui apresentada deriva dos dados parciais coletados para a referida pesquisa.
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