Servicios
Servicios
Buscar
Idiomas
P. Completa
Formação docente: relação entre alienação e práxis reflexiva*
Aparecida Favoreto; Ireni Marilene Zago Figueiredo; Isaura Monica Souza Zanardini
Aparecida Favoreto; Ireni Marilene Zago Figueiredo; Isaura Monica Souza Zanardini
Formação docente: relação entre alienação e práxis reflexiva*
Teacher training: relation between alienation and reflective praxis
Formación docente: relación entre alienación y praxis reflexiva
Práxis Educativa, vol. 12, núm. 3, pp. 980-994, 2017
Universidade Estadual de Ponta Grossa
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: O artigo tem como propósito refletir sobre o Trabalho Docente e seu processo formativo por intermédio de pesquisa bibliográfica. Inicialmente, define o que é trabalho social humano, tanto em seu aspecto produtivo quanto em sua forma alienante; posteriormente, busca compreender o Trabalho Docente na sua especificidade e nos aspectos determinantes da sociedade capitalista. Destes estudos, problematiza sobre a relação teoria e prática na formação docente, verificando as condições objetivas e subjetivas inerentes ao processo de ensino e de aprendizagem, em que conteúdo e método unificam-se e complementam-se, constituindo a práxis reflexiva. Neste caso, concluiu que a lógica dialética é uma das possibilidades de refletir sobre a relação teoria e prática.

Palavras-chave: Formação DocenteFormação Docente,Trabalho DocenteTrabalho Docente,Práxis ReflexivaPráxis Reflexiva.

Abstract: The purpose of this article is to reflect on Teaching Work and its formative process through a bibliographical research. Initially, what is human social work is defined, both in its productive aspect and in its alienating form, and later, it is sought to understand the Teaching Work in its specificity and determinant aspects of capitalist society. From these studies, the relationship between theory and practice in teacher education is verified, considering the objective and subjective conditions inherent to the teaching and learning process, in which content and method are unified and complement each other, constituting reflexive praxis. In this case, it was concluded that dialectical logic is one of the possibilities of overcoming the division between theory and practice.

Keywords: Teacher Training, Teaching, Reflective Praxis.

Resumen: El artículo tiene como propósito reflexionar sobre el Trabajo Docente y su proceso formativo, a través de investigación bibliográfica. Inicialmente, se define lo que es trabajo social humano, tanto en su aspecto productivo y en su forma alienante; posteriormente, se busca comprender el Trabajo Docente en su especificidad y en los aspectos determinantes de la sociedad capitalista. De estos estudios, se problematiza sobre la relación teoría y práctica en la formación docente, verificando las condiciones objetivas y subjetivas inherentes al proceso de enseñanza y de aprendizaje, en qué contenido y método se unifican y se complementan, constituyendo la praxis reflexiva. En este caso, se concluyó que la lógica dialéctica es una de las posibilidades de superar la división entre teoría y práctica.

Palabras-clave: Formación Docente, Trabajo Docente, Praxis Reflexiva.

Carátula del artículo

Artigos

Formação docente: relação entre alienação e práxis reflexiva*

Teacher training: relation between alienation and reflective praxis

Formación docente: relación entre alienación y praxis reflexiva

Aparecida Favoreto
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brazil
Ireni Marilene Zago Figueiredo
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brazil
Isaura Monica Souza Zanardini
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brazil
Práxis Educativa, vol. 12, núm. 3, pp. 980-994, 2017
Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 15 Julho 2017

Revised document received: 13 Setembro 2017

Aprovação: 15 Setembro 2017

Introdução

Na atualidade, diante das mudanças da sociedade, muito se tem discutido sobre a formação docente, surgindo propostas de alterações na política e nos programas de formação. Entre as propostas, ressalta-se a preocupação em quantificar, qualificar e distribuir as disciplinas no currículo, de modo que a reorganização curricular possa superar a suposta divisão entre teoria e prática.

No intuito de participar deste debate, neste ensaio intencionamos refletir sobre o Trabalho Docente e seu processo formativo. Para isto, apoiamo-nos em uma pesquisa bibliográfica para definir o que é o trabalho social humano, tanto em seu aspecto produtivo quanto em sua forma alienante.

Neste duplo sentido do trabalho, objetiva-se compreender o Trabalho Docente em sua especificidade e na determinação social da sociedade capitalista. Busca-se refletir sobre a formação docente, de modo a pensar sobre os determinantes históricos e as possibilidades de romper com a divisão entre os aspectos técnicos, teóricos e analíticos.

Duplo sentido do trabalho social humano

Para iniciar o debate sobre o trabalho social humano, partimos do conceito de Trabalho Docente em relação à concepção de homem. Porém, longe de compreender o ser humano como natural, busca-se entendê-lo como um ser prático e social, ou seja, como sujeito histórico . Neste aspecto, trata-se do homem que age sobre a natureza para satisfazer as suas necessidades e, ao passo que age, transforma a natureza; ao transformá-la, transforma a si mesmo, criando novas necessidades e novas formas de pensar, agir e relacionar-se.

Noutras palavras, na medida em que o homem constrói algo novo e este passa a ser incorporado nas relações sociais, algumas mudanças são provocadas, imprimindo um novo caráter nas relações humanas e na relação dos homens com a natureza. Todo esse processo ocorre pelo trabalho social e de acordo com as circunstâncias históricas. O homem, ao atuar sobre a realidade, tornar-se o que é. Sustenta-se, nesta perspectiva, a concepção de homem

[...] como ser prático e social, produzindo-se a si mesmo através das suas objetivações (a práxis, de que o trabalho é exemplar) e organizando as suas relações com os outros homens e com a natureza conforme o nível de desenvolvimento dos meios pelos quais se mantém e se reproduz enquanto homem (NETTO, 1998, p. 29, grifos do autor).

O entendimento de homem, neste sentido, está diretamente relacionado ao trabalho criativo, o qual está vinculado a uma ação objetiva do homem para suprir suas necessidades. Nesta ação, sendo o homem um ser que possui a capacidade de reflexão, antes de agir, planeja o processo e as possibilidades de superar as dificuldades, cujo processo de avaliação, elemento intrínseco ao processo de trabalho, está relacionado com o conhecimento objetivo da realidade e com a escolha entre as alternativas envolvidas, auxiliando a projetar e monitorar resultados previamente ideados. O estabelecimento pelo trabalho da atitude de pôr um fim traz, como marca, o fato de que o fim surja na consciência antes de sua efetivação, e durante o processo, os passos são determinados pela posição do fim (ZANARDINI, 2008).

Neste caso, o trabalho é uma ação determinada pelas condições materiais, culturais e sociais. Tanto o ser humano como seu trabalho assumem formas históricas e constituem-se em uma relação mútua de construção e reconstrução constantes. O trabalho humano, mais que esforço físico e mental, também é fator de humanização. Os sentidos humanos, os quais lhe permitem perceber a realidade, são estimulados, refinados e desenvolvidos conforme o processo histórico. Compreende-se, desse modo, que a relação entre o homem e a natureza é automediadora em um duplo sentido:

Primeiro, porque é a natureza que se media consigo mesma no homem. E em segundo lugar, porque a própria atividade mediadora é apenas um atributo do homem, localizado numa parte específica da natureza. Assim, na atividade produtiva, sob o primeiro de seus aspectos ontológicos duais, a natureza medeia a si mesma com a natureza; e, sob o segundo aspecto ontológico - em virtude de que a atividade produtiva é inerentemente atividade social -, o homem medeia a si mesmo com o homem (MÉSZÁROS, 2006, p. 81, grifos do autor).

Neste ponto, é importante considerar que o homem, em sua atividade produtiva, estabelece relações por mediações, as quais Mészáros (1981) classifica como de primeira e de segunda ordem. Na mediação de primeira ordem está a atividade humana diretamente relacionada à natureza, ou seja, a realidade material, a qual existe antes e independente do indivíduo. Esta forma de mediação é predominante sobre o homem, o qual não pode fazer muita coisa para superá-la. O autor compreende esta forma de mediação como fator ontológico absoluto.

No que se refere às mediações de segunda ordem, Mészáros (1981), p. 74, grifos do autor situa aquelas filtradas pelas relações sociais, entre as quais cita a “propriedade privada, troca e divisão do trabalho”. É nesta forma que o trabalho torna-se “base de toda a alienação”. Com isso, adverte que as mediações secundárias “se interpõem entre o homem e sua atividade”, impedindo-o de realizar “seu trabalho, no exercício de suas capacidades produtivas (criativas), e na apropriação humana dos produtos de sua atividade”. Em consequência disto, ocorre uma inversão de valores, de modo que a “propriedade privada, troca e divisão do trabalho”, equivocadamente, têm sido incluídas como atividades inerentes à natureza humana.

Marx, nos Manuscritos econômicos filosóficos (2003), afirma que a alienação capitalista não é apenas um estado de espírito, mas trata-se de uma situação objetiva. Neste aspecto, adverte que na sociedade capitalista, organizada pela divisão do trabalho, propriedade privada e troca de mercadorias, verifica-se que, ao passo que os homens são dependentes da estrutura social, contraditoriamente, perdem a sua identidade de espécie e, como indivíduos, passam a se identificar mais com as coisas. Nesta complexa forma de divisão social, o homem não se reconhece no que produz, não conhece o sistema produtivo e não se interessa pela causa pública. Nesse sistema, o trabalho que lhe faz ser humano, passa a ser visto como algo cansativo e estranho, enquanto desenvolve o desejo em acumular para o seu conforto, a sua segurança e seu prazer individual.

Mészáros (1981) também afirma que as mediações de segunda ordem, por serem construídas nas e pelas relações humanas, são possíveis de serem superadas. Para isto, adverte que se faz necessário distinguir os aspectos do trabalho ontológico aos do trabalho em sua forma historicamente específica. Estas considerações, aqui recuperadas, ocorrem no sentido de buscar elementos para refletir sobre o Trabalho Docente.

Neste caso, sendo o Trabalho Docente uma forma de trabalho humano, possui uma carga de atividade ontológica, inerente a sua forma de ação, a qual é impossível romper. Porém, possui uma carga de atividades específicas do contexto histórico que são possíveis de serem superadas. Desta forma, são atividades estruturadas nos moldes capitalistas e mediadas pelos valores secundários do capital e da divisão do trabalho.

Com base neste entendimento, é possível afirmar que a alienação capitalista, que separa o homem de seu trabalho e de sua identidade humana, é uma característica da atividade produtiva construída em determinadas condições históricas. Neste aspecto, não é uma questão individual, mas é uma relação social que, impõe ao homem, determinadas formas de pensar e agir. Todavia, mesmo que determinante, a alienação capitalista é uma forma construída historicamente e, desta forma, tal como foi construída, pode ser superada.

Diante de tal complexidade, o Trabalho Docente exige ser compreendido em suas múltiplas determinações, isto é, tanto no limite da sociedade capitalista que o divide e o aliena ao valor do capital, quanto em sua especificidade que, por intermédio do conhecimento historicamente produzido pela humanidade, realiza um trabalho reflexivo.

Especificidades do Trabalho Docente: condições subjetivas e objetivas

O Trabalho Docente, ao ter como principal instrumento o conhecimento científico acumulado pela humanidade, exige uma reflexão sobre os elementos fundantes do conhecimento escolar, bem como exige uma reflexão sobre as suas condições subjetivas e objetivas. O conjunto dessas reflexões pode suscitar alguns indicadores para pensar uma formação que supere a divisão entre teoria e prática.

No que se refere ao Trabalho Docente, é importante considerar que a ciência é o nível mais elevado no processo de conhecimento; entretanto, não há como separá-la do contexto produtivo e alienante da sociedade capitalista. A ciência moderna, mesmo que fundamentada na experiência organizada e controlada, ao buscar resolver os problemas sociais e desenvolver a produção, tende a permanecer nas entranhas do sistema produtivo. Desta forma, seja por princípio teórico ou por alienação, contém, em si, os elementos do conhecimento imediato, seja ele na forma de negação e/ou de incorporação.

Diante de tal complexidade, considera-se o conhecimento científico como parte da cultura geral acumulada, a qual foi traduzida em representações do que é vivido. Trata-se do conhecimento sistematizado que se constitui na e para a prática. Neste caso, o conhecimento pode ser fator de consenso social, bem como pode se traduzir em força motriz para o desenvolvimento material e alargamento das compreensões humanas sobre o mundo. Ainda, como produção humana, o conhecimento científico, ao passo que é resultante de um complexo processo de ações interligadas que busca o desenvolvimento humano, também está carregado de intencionalidades conservadoras que objetivam acomodar forças contraditórias.

Entende-se que toda forma de conhecimento é produto das relações sociais e surge da necessidade humana de conhecer e teorizar sobre a sua realidade. Entretanto, ao explicar e/ou definir os elementos que compõem a sua realidade, o ser humano o faz mediado por sua prática. Isto implica que, na maioria das vezes, conforme destacado anteriormente, o conhecimento está imerso nas mediações de segunda ordem. Em consequência, tende a produzir e valorizar o conhecimento alienado à produção capitalista. Conforme Mészáros (1981), p. 76, grifos do autor,

Tudo é ‘reificado’ e as relações ontológicas fundamentais são postas de cabeça para baixo. O indivíduo é confrontado com meros objetos (coisas, mercadorias) quando se ‘corpo inorgânico’ - ‘natureza trabalhada’ e capacidade produtiva externalizada - foi dele alienado. Não tem consciência de ser um ‘ser pertencente a uma espécie’.

Nesta inversão, o conhecimento voltado à ontologia é secundarizado, pois tende a valorizar o conhecimento centrado na produção de mercadorias, principalmente as que possam resultar em economia de tempo, de força e de dinheiro. Assim, não valoriza a ciência que busca compreender o mundo desvinculado da mercadoria, mas se priorizam os resultados imediatos para os problemas do mercado e da produção privada2.

Ainda, no que se refere ao conhecimento científico, é preciso considerar que, na sociedade capitalista, diante da divisão do trabalho e do desenvolvimento técnico, a ciência visa a se especializar e a se estilhaçar em disciplinas limitadas aos problemas de seu campo profissional. Desse modo,

Considera-se que a divisão do conhecimento em disciplinas corresponde, de certo modo, ao momento analítico, é preciso considerar a questão da síntese, isto é, a articulação das disciplinas numa visão de totalidade, o que envolve o problema de se determinar mais precisamente em que grau as disciplinas são necessárias em que grau são resultantes da estrutura social centrada na divisão do trabalho (SAVIANI, 2003, p. 145).

Com base nesta reflexão, verifica-se que o conhecimento científico é um dos pontos nevrálgicos do Trabalho Docente. Nesse horizonte, é importante considerar que o currículo escolar predominante na atualidade é constituído por disciplinas, as quais correspondem às diferentes áreas e temáticas do conhecimento. Além de uma intencional seleção das temáticas a serem estudadas, as quais buscam formar e/ou conformar os alunos, o conhecimento, geralmente, é apresentado na forma de verbetes, distanciando-se da prática social que o produziu. Sobre este distanciamento, Saviani (2003), p. 146 anuncia:

Penso, em suma, que as disciplinas correspondem ao momento analítico em que necessito identificar os diferentes elementos. É o momento em que diferencio a matemática da biologia, da sociologia, da história, da geografia. No entanto, elas nunca se dissociam. Numa visão sincrética tudo parece caótico, parece que tudo está em tudo. Mas na visão sintética percebe-se com clareza como a matemática se relaciona com a sociologia, com a história, com a geografia e vice-versa.

Neste aspecto, é bom lembrar que, na produção do conhecimento, ocorre um distanciamento em relação à pratica social, o qual se constitui em duplo movimento. No primeiro movimento, o distanciamento ocorre quando a representação abstrata do imediatamente perceptível é apresentada na forma de conceito, ou seja, na categoria mais simples de sua definição. Assim formalizado, passa a predominar sobre o empírico.

No segundo movimento, o distanciamento ocorre na medida em que se intensifica a divisão do trabalho, e o conhecimento formalizado é apresentado de forma dividida em áreas, períodos e especialidades. Neste duplo movimento, o conhecimento formalizado é apresentado de forma parcial e fragmentado. Esta configuração na apresentação dos conhecimentos dificilmente poderá desenvolver a capacidade reflexiva do aluno para superar a alienação capitalista.

Entretanto, em que pesem os elementos divisores e alienantes da sociedade, os quais tendem a influenciar os aspectos produtivos e sociais do trabalho, a atividade docente, ao trabalhar com o conhecimento no processo de ensino, não se curva inteiramente à prática alienante, uma vez que tal atividade está permeada pelas condições objetivas e subjetivas próprias do trabalho humano, como esclarece Basso (1998), p. 2:

As condições subjetivas são próprias do trabalho humano, pois este constitui-se numa atividade consciente. O homem, ao planificar sua ação, age conscientemente, mantendo uma autonomia maior ou menor, dependendo do grau de objetivação do processo de trabalho em que está envolvido. Por exemplo, enquanto o processo de trabalho fabril é altamente objetivado, limitando a autonomia possível do operário na execução de suas tarefas, ao contrário, no caso do docente, seu processo de trabalho não se objetiva na mesma proporção, deixando uma margem de autonomia maior, pois a presença de professor e alunos permite uma avaliação e um planejamento contínuos do trabalho, orientando modificações, aprofundamentos e adequações do conteúdo e metodologias a partir da situação pedagógica concreta e imediata.

Desta forma, o Trabalho Docente não se restringe a uma atitude automatizada, mas lhe permite margem de autonomia, envolvendo um conjunto de ações inter-relacionadas, com finalidades imediatas e, também, com intencionalidades sociais, ao passo que se orienta teleologicamente para atingir determinados fins. O Trabalho Docente é uma atividade que exige conhecimentos amplos sobre sua ação, envolvendo conteúdos de várias áreas do conhecimento, tais como: o conteúdo da disciplina, o desenvolvimento humano, a didática, a sociedade, etc. Esse trabalho exige planejamento e um constante refletir sobre os conteúdos e processos de ensino e de aprendizagem. Isto pressupõe uma prévia ideia da ação antes de sua efetivação, de modo a verificar os elementos teóricos e estruturantes do conhecimento, verificando as condições subjetivas e objetivas do processo de ensino e de aprendizagem.

Nessas circunstâncias, o Trabalho Docente não se caracteriza pela execução de tarefas mecânicas e repetitivas, mas se trata de um trabalho permeado pela análise teórica e possui autonomia relativa, principalmente no que se refere à capacidade de estabelecer as relações entre os conteúdos programáticos, as condições materiais para o ensino, a capacidade reflexiva dos alunos, os interesses sociais e as finalidades educacionais.

Neste conjunto de suas atividades, o Docente necessita estar atento ao processo de desenvolvimento do pensamento dos alunos, visto que o ensino se concretiza na apropriação dos conceitos trabalhados em sala de aula. Sobre esse processo de ensino e de aprendizagem, Sforni (2015), p. 391 destaca que,

Identificada sua essência, é preciso prever o movimento necessário ao pensamento do estudante para a apreensão do objeto. Nesse momento, precisamos pensar em tarefas de aprendizagem que induzam o aluno a ir se aproximando do conceito. Para que seja apropriado como instrumento do pensamento, o conceito precisa estar contido nas tarefas de aprendizagem que exijam dos estudantes operações mentais de transição do universal para o particular e vice-versa. Esse não é um percurso natural, espontâneo. Por isso, nas primeiras situações de ensino de um novo conteúdo [...] as ações precisam ser acompanhadas e orientadas constantemente pelo professor, de modo que, com sua ajuda, o aluno possa fazer o que não poderia fazer sozinho: no caso da aprendizagem conceitual, a transição do universal para o particular e vice-versa. Aos poucos, é preciso incluir outras atividades e novos problemas, de forma a levar o aluno a usar o conceito de forma mais autônoma. Nesse momento, pode-se evidenciar, de forma mais clara, se houve apropriação do conceito.

Noutros termos, destaca-se que o Trabalho Docente exige compreender cada uma de suas ações em relação ao todo, isto tanto na ação relativa ao processo de ensino e de aprendizagem, como em relação aos valores determinantes e possibilidades críticas contidas no conhecimento. O Trabalho Docente é permeado por momentos de projeções e de avaliações das condições objetivas e subjetivas entre os ideais e os limites e, sempre que necessário, tomar novas decisões.

Pode-se destacar que várias atividades interligadas são realizadas pelo Docente no processo de ensino e de aprendizagem. Desta forma, as atividades teórico-práticas são conduzidas para envolver e desenvolver o processo reflexivo e a apreensão dos alunos. Neste aspecto, Sforni (2015) apresenta cinco Princípios Didáticos , dentre os quais, chamamos a atenção para o que se refere ao princípio da ação mediada pelo conceito, visto que consideramos as categorias conceituais essenciais para ler a realidade. Sobre isto, Sforni (2015), p. 392 afirma:

a) análise da gênese do conceito no seu aspecto lógico-histórico para buscar o que é nuclear no conceito; b) elaboração de problemas desencadeadores com a finalidade de levar os alunos a resolvê-los por meio da mediação do conceito; c) inclusão de novos problemas de aprendizagem ao final do processo de estudo para analisar se os alunos operam mentalmente com o conceito.

A ação docente inserida em um sistema exige decisões constantes, as quais implicam, além do domínio dos conhecimentos específicos, os relativos aos meios e aos fins educacionais. Nesta complexidade, necessita dos fundamentos dos conhecimentos, os quais estão ocultos e influenciam cada uma das decisões. Considera-se, deste modo, que o valor das posições é decidido por sua verdadeira intencionalidade

[...] tornada objetiva na práxis, intenção que pode orientar-se para o essencial ou para o contingente, para aquilo que leva para diante ou que freia etc. Do mesmo modo que no ser social, todas estas tendências estão presentes e realmente ativas, e dado que, por isso elas produzem, no homem que age, alternativas em diversas direções, em diversos níveis etc., [...]. Com efeito, a alternativa de uma determinada práxis, não está somente em dizer ‘sim’ ou ‘não’ a um determinado valor, mas também na escolha do valor que forma a base da alternativa concreta e nos motivos pelos quais se assume esta posição (LUKÁCS, 1981, p. 98 apud ZANARDINI, 2008, p. 54).

Neste aspecto, é importante grifar que o Trabalho Docente carrega intencionalidades político-sociais, mesmo que não sejam aventadas. Então se amplia a necessidade de compreender o princípio da totalidade no processo de transmissão de conhecimentos sistematizados, que pode ser fator de adequação ou crítica à ideologia capitalista. Contudo, deve-se considerar o princípio da totalidade como categoria metodológica que, obviamente,

[...] não significa um estudo da totalidade da realidade, o que seria impossível, uma vez que a realidade é sempre infinita, inesgotável. A categoria metodológica da totalidade significa a percepção da realidade social como um todo orgânico, estruturado, no qual não se pode entender um elemento, um aspecto, uma dimensão, sem perder a sua relação com o conjunto (LÖWY, 2000, p. 16).

No Trabalho Docente é necessário realizar uma série de ponderações, inclusive sobre a consciência das mediações que se interpõem entre o homem e sua atividade com a natureza e com os homens, podendo reverter-se em outras finalidades sociais e perspectivas transformadoras. Desta forma, o Trabalho Docente pode ser, também, atividade criadora e, como tal, é práxis . Então, não se fecha em uma dimensão epistemológica, mas carrega em si múltiplas intencionalidades, as quais contemplam a relação entre a teoria e a prática, bem como as condições determinantes e as possibilidades reais de atuação profissional e social.

Tudo isso, conforme afirmamos, exige autonomia relativa, teórico-prática, ou seja, o conhecimento deve ser consciência prática permeada pela consciência da práxis.

Em suma, falando agora em termos gerais, vemos que é justamente o grau de consciência da práxis que permite mostrar dois níveis do processo prático: o da práxis reflexiva (com uma elevada consciência da práxis) e o da práxis espontânea (com uma baixa ou ínfima consciência dela). No entanto, as relações entre o espontâneo e o reflexivo não podem se estabelecer de um modo absoluto, já que nem sempre se apresentam no mesmo plano. Seria simplista, por exemplo, ver na espontaneidade a presença de uma negação radical da consciência (SANCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 306).

Pode-se afirmar que “[...] toda práxis pressupõe uma relação entre o espontâneo e o reflexivo, e dois níveis dela, de acordo com o predomínio de um ou do outro elemento” (SANCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 307). O reconhecimento da relação entre o espontâneo e o reflexivo possibilita que o Trabalho Docente avance constantemente na reflexão teórica sobre a sua ação, ideais e limites, o que pressupõe que ele possui autonomia relativa perante os demais trabalhos da sociedade capitalista.

Formação Docente: possibilidade de uma práxis reflexiva

Pelas afirmações elencadas acima, pode-se afirmar que o Trabalho Docente não se dobra inteiramente à prática alienante, mesmo que seja, na maioria das vezes, movida e avaliada pela mediação da ordem capitalista. Esta forma de trabalho exige amplo domínio dos conteúdos específicos das áreas do conhecimento, da sociedade, bem como compreender os embates entre os determinantes históricos, as intencionalidades políticas, as necessidades individuais e as perspectivas de transformação.

Neste dilema, os debates em torno das propostas de alterações na política e nos programas de formação docente suscitam debates sobre as condições determinantes, bem como sobre as possibilidades de a formação docente contribuir para superar a suposta divisão entre os aspectos técnicos, teóricos e analíticos.

O processo de formação docente que tende a priorizar a prática em detrimento da teoria pode inibir uma compreensão mais elaborada da realidade, a qual se constitui de forma sempre mais complexa e contraditória que a visão imediata pode sugerir. Destaca-se que uma análise limitada ao imediato pode produzir conclusões circunscritas aos comportamentos individuais e problemas pontuais do capital, que ora responsabilizam os professores, ora os alunos e/ou as famílias.

A experiência docente não é atividade que se basta por si só, mas se constitui em um conjunto de relações teórico-práticas e sociais. Destaca-se, então, que a forma de ser, pensar e agir no cotidiano escolar não se limita ao simples comportamento prático do docente, mas carrega, em si, determinações sociais e capacidades reflexivas. A prática cotidiana escolar é educativa, mas necessita ser explicitada em suas condições objetivas e subjetivas.

Por outro lado, a perspectiva que valoriza demasiadamente a teoria pode implicar no esvaziamento do significado do conhecimento e de suas finalidades. Conforme Sanchez Vázquez (2007, p. 261), “[...] uma teoria que não aspira a realizar-se, ou que não pode plasmar-se, vive uma existência meramente teórica e, portanto, desligada ou divorciada da prática”.

A teoria é imprescindível ao Trabalho Docente, a qual fornece elementos para se debruçar sobre a realidade e buscar os conceitos para defini-la e compreendê-la. O Trabalho Docente, em seu processo formativo, não pode negar a teoria, visto que, na sua atuação escolar, seja na socialização do conhecimento mais elaborado ou na organização do trabalho pedagógico, ele necessita apreender a linguagem conceitual que permite explicar a realidade.

Em termos gerais, a linguagem conceitual, seja ela social-econômica e/ou escolar, possibilita que o Docente apreenda a racionalidade da realidade, a qual não transparece diretamente, mas necessita de categorias conceituais, como se pode constatar a partir do exemplo exposto por Sanchez Vázquez (2007, p. 258):

[...] a prática experimental científica só é reveladora para o homem de ciência que pode ler conhecendo a linguagem conceitual correspondente. [...] A prática econômica - a produção - é um fato de todos os dias; mas sua verdade, sua racionalidade, apenas só se manifesta a quem a pode ler com a ajuda das categorias econômicas correspondentes.

Reitera-se que o Trabalho Docente não pode se furtar do domínio das categorias conceituais, até porque é esta propriedade que pode lhe oferecer os instrumentos necessários para compreender e posicionar-se perante a realidade, e a função de socializar o conhecimento e organizar o trabalho pedagógico.

Por outro lado, é preciso considerar que o Docente necessita estar atento ao exercício linguístico que envolve a sua atuação, uma vez que

Termos e conceitos têm sido absorvidos pala pragmática retórica corrente. Uns foram naturalizados - o capitalismo, por exemplo -, alguns foram construídos, ressignificados, modificados ou substituídos por outros mais convenientes. O termo ‘igualdade’, entre outros tantos exemplos, cedeu lugar a ‘equidade’, o conceito de ‘classe social’ foi substituído pelo de ‘status socioeconômico’, os de ‘pobreza’ e ‘riqueza’ pela peculiar denominação de ‘baixo’ e ‘alto’ ingressos sociais. Destinado assegurar a obediência e a resignação públicas, o pragmático vocabulário se faz necessário para erradicar o que é considerado obsoleto e criar novas formas de controle e regulação sociais. Alcançar o consenso torna-se fundamental (MORAES, 2003, p. 158, grifos da autora).

Por isto que, no conjunto de exigências formativas do Trabalho Docente, é preciso fazer um constante movimento dialético entre teoria e prática, na medida em que é necessário considerar e superar a consciência comum . Neste aspecto, na formação docente, o conhecimento sobre o conteúdo é imprescindível, devendo ser amplo e profundo, ao ponto de o Docente adquirir segurança para enfrentar as questões inesperadas e tecer argumentos que lhe permitem explicitar as especificidades de um objeto e suas consequências prático-sociais.

É imprescindível o conhecimento sobre o desenvolvimento cognitivo de seus alunos, de modo que analise suas reações e movimentos mentais para captar suas possibilidades de avanço cognitivo. Ainda no rol das necessidades formativas, está o conhecimento técnico, concebido como os conhecimentos das tecnologias, da organização e distribuição dos conteúdos, também, da legislação que apoia, delimita e abre as possibilidades de novas atuações.

Entretanto, sendo o docente sujeito da e na história, sua formação não pode delimitar-se ao estudo de conhecimentos formalizados e estanques. Ao contrário, pela íntima relação que a atividade docente possui com a sociedade, sua atividade exige constante reflexão sobre os fundamentos analíticos, políticos, sociológicos e históricos. Isto no sentido de inquirir, investigar, sondar sobre a educação em relação à sociedade, seu significado histórico, quais mudanças ocorreram e suas implicações no desenvolvimento social e do aluno.

Na formação docente é preciso fazer um constante exercício reflexivo sobre as categorias conceituais em relação às concepções teóricas e à prática social-econômica e educacional. Contudo, não no sentido estritamente utilitário da prática, mas na relação entre os conhecimentos técnicos e os fundamentos da educação, pensar sobre os meios e finalidades educacionais em relação às contradições e às demandas sociais. Também exercícios reflexivos que exigem, ainda, considerar os métodos de análise e as metodologias de ensino.

Em termos gerais, em todo o processo de formação do docente, a relação entre o conteúdo e o método deve ser explicitada. Conforme Saviani (2003, p. 142), a “[...] prática, precisa desenvolver-se e produzir suas consequências, necessita da teoria e precisa ser por ela iluminada. Isto nos remete à questão do método”. Ademais, em se tratando de um método, a teoria é produto e uma forma de leitura da realidade. Com base em Saviani (2003, p. 145), é preciso considerar a relação entre o conteúdo e o método:

Do ponto de vista teórico, forma e conteúdo relacionam-se. Uma concepção dialética está empenhada justamente em fazer esta articulação, estabelecer esta relação entre conteúdo e método. A separação destes aspectos é própria de uma lógica não-dialética, da lógica formal, pela qual se pode separar, pela abstração, um elemento do outro.

Entre as perspectivas teórico-metodológicas, confiamos que a concepção dialética é fundamental para compreender a relação entre o conteúdo e o método, sendo ela uma lógica do raciocínio que fundamenta o método como forma de análise dos conceitos nas suas relações contraditórias e no movimento social, o que implica uma forma de leitura do conteúdo e do desenvolvimento da sociedade.

Neste aspecto, entende-se a teoria como expressão da prática e a prática como ato de teorização. Teoria e prática tomam significado teórico-prático, na medida em que estabelecem relações entre as diversas categorias conceituais, e delas com a estrutura sócio-histórica em seu movimento, contradições e múltiplas determinações. Movimento e contradição, portanto, são incorporados como elementos integrantes da teoria e da prática, fazendo parte de todo o processo reflexivo na atividade formativa.

Teoria e prática unificam-se no método de análise. O método de análise é uma das possibilidades de leitura da realidade, que contribui para discernir a natureza do problema. O método abriga as leis estruturais que regem os princípios do conhecimento, seja da lógica formal e/ou da lógica dialética. Desta forma, fundamenta e dá coerência às teses explicativas dos problemas gerais, entre os quais podem ser os da organização social, do Trabalho Docente e/ou dos processos de ensino e de aprendizagem. Na verdade, o método é teórico e contribui para a capacidade reflexiva de exposição e análise do problema/conhecimento escolar. O método é instrumento que sustenta a práxis reflexiva do Docente, permitindo-lhe ampliar sua atuação consciente.

Grifa-se que a formação docente não pode ser desvinculada da discussão sobre o método que sustenta as teorias sociais, educacionais e pedagógicas. Na formação docente, cada teoria pedagógica e/ou social deve ser compreendida na estrutura lógica do seu pensamento, também em relação ao contexto histórico em que foi produzida, de modo a captar a que problemas econômico-sociais e teóricos seus autores buscavam responder.

Neste duplo movimento de pensamento, se, por um lado, busca-se compreender cada perspectiva teórica em sua coerência interna, a qual contém concepções de homem, de sociedade, de educação e de ciência interligadas; por outro, cada concepção deve ser pensada em seus significados e sentidos econômico-sociais, históricos e políticos, os quais podem variar conforme o tempo e o lugar. Para além deste duplo movimento do pensamento, cada concepção também é analisada em relação às outras concepções, bem como em suas consequências teóricas e práticas, sejam como fatores de adequação social ou de crítica/transformadora.

No que se refere ao ideal crítico transformador, é necessário destacar que ele pode motivar parte das intenções sociais. Desta forma, a teoria não é determinante no processo histórico-social, é apenas uma dimensão teleológica. A transformação social é resultante do conjunto de atividades teórico-práticas do homem; entretanto, sempre condicionada à realidade material, a qual existe antes e independente do homem. Contanto, em que pese a determinação histórica, o homem interfere por atividade e posiciona-se intelectualmente perante a produção e reprodução da existência social, o que exige conhecer a realidade objetiva.

A compreensão da relação entre teoria e prática, no processo de formação docente, não se limita à reprodução de categorias conceituais, mas implica refletir sobre as possibilidades de uma teoria ampliar as formas de consciência/intervenção do homem sobre a realidade objetiva, ou seja, uma práxis reflexiva, que Moraes (2009, p. 559-600) nos ensina:

A práxis humana é uma decisão entre alternativas, já que todo indivíduo singular, ao colocar uma finalidade em sua ação, deve decidir se a faz ou não, como a faz e em que circunstâncias. Todo ato social, por consequência, surge de uma decisão da consciência humana entre alternativas acerca de finalidades futuras. Ressalte-se, aqui, o caráter social da alternativa, ou seja, é o processo social que determina, delimitando concretamente o espaço das perguntas e respostas possíveis, as alternativas que podem ser realmente transformadas em prática [...].

Noutros termos, Sanchez Vázquez (2007, p. 261) afirma que “a teoria, por si mesma, como produção de fins ou de conhecimento, não transforma nada real; ou seja, não é práxis”. Porém,

Entre a teoria e a atividade prática transformadora se insere um trabalho de educação das consciências, de organização dos meios materiais e dos planos concretos de ação; tudo isso como passo indispensável para desenvolver ações reais efetivas. Nesse sentido, uma teoria é prática quando materializa, por meio de uma série de mediações, o que antes só existia idealmente, como conhecimento da realidade ou antecipação ideal de sua transformação. Mas se a teoria não muda o mundo, só pode contribuir para transformá-lo justamente como teoria. [...] Interpretar não é transformar (SANCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 236. Grifos do autor).

A formação docente, estando situada em meio à luta entre interesses sociais divergentes, pode ter significados e possibilidades diferentes. Na estrutura da sociedade capitalista, os setores produtivos buscam manter o sistema de ensino no limite dos seus interesses e necessidades produtivas. Todavia, a formação escolar sempre é um espaço de luta. Noutros termos, conforme Favoreto (2008, p. 12), “a educação que serve à sociedade capitalista serve também à sua destruição”. Sobre isto, retomando Moraes (2009, p. 595), é preciso considerar que

[...] o ser humano jamais tem condições de controlar todos os desdobramentos de suas ações; o resultado final pode ser até mesmo contrário às intenções originais, pois estas sempre dependem de fatores atuantes em determinadas circunstâncias (históricas, econômicas, naturais, culturais etc.) que prevalecem sobre as intenções individuais.

Neste jogo de forças entre as intenções e as possibilidades efetivas, a “práxis deve ser entendida como uma atividade humana prática fundamentada teoricamente, o que implica uma unidade dialética entre teoria e prática” (SAVIANI, 2009, p. 6-7). A forma de consciência/intervenção do homem sobre a realidade objetiva exige estabelecer os nexos entre teoria e prática, sendo primordial o agir sistematizado, pautado pelo conhecimento científico em seu processo de elaboração e reelaboração. Diante deste ponto, é justamente a consciência refletida que permite o agir sistematizado, e suas características básicas são anunciadas da seguinte forma:

a) Toma consciência da situação (estrutura) educacional; b) Capta os seus problemas; c) Reflete sobre eles; d) Formula-os em termos de objetivos realizáveis; e) Organiza meios para alcançar os objetivos; f) Instaura um processo concreto que os realiza; g) Mantém ininterrupto o movimento dialético ação-reflexão-ação (SAVIANI, 2009, p. 08).

Reafirma-se que a formação docente precisa ser compreendida além da experiência imediata ou circunscrita ao fazer cotidiano. Tais aspectos precisam ser entendidos na complexidade econômico-social e teórica que resultam das determinações históricas, e que precisam ser evidenciadas em suas múltiplas contradições. Pensando pelas múltiplas contradições, os limites da teoria devem ser verificados, ao passo em que também devem ser examinadas as potencialidades de avanço teórico-social. É na possibilidade de avanço teórico-social que a práxis reflexiva exige rigor no trato do conteúdo a partir do método dialético.

Diante de um quadro sócio educacional, o método fornece as bases analíticas, as quais podem trazer implicações práticas. Ele permite estabelecer relações entre as variáveis do fenômeno, perceber as contradições estruturais, ao mesmo tempo em que, diante de determinadas circunstâncias, pode sinalizar algumas direções práticas.

Em termos gerais, trata-se de uma questão teórico-metodológica, a qual está centrada no método de análise que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto, sendo esta uma “maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo como concreto pensado” (MARX, 1987, p. 17, grifos do autor).

Desta forma, conteúdo, método e prática complementam-se e se unificam no Trabalho Docente. Os debates sobre a reestruturação curricular dos cursos de formação docente que se limitam discorrer sobre as dimensões teóricas e/ou práticas das disciplinas precisam ser superados, na medida em que a unidade entre teoria e prática é inerente às disciplinas. A relação entre teoria e prática é essencial, sustenta-se pela mediação teórica e orienta a prática Docente.

Considerações finais

Diante das considerações sobre o Trabalho na sua forma mais geral de produção da existência humana e da especificidade do Trabalho Docente na escola, reafirma-se que a Formação Docente não se constitui na divisão entre os conhecimentos técnicos, analíticos e teóricos, mas na reflexão sobre a unidade contraditória da teoria na prática e vice-versa. Desta forma, o debate sobre a formação docente, que recai na ênfase de um polo em detrimento de outro, apenas contribui para dissimular a natureza alienante do trabalho na sociedade capitalista.

A questão central da formação docente não está na carga horária das disciplinas teóricas e/ou práticas, mas na forma como cada disciplina estabelece as relações entre teoria e prática, inclusive em seus aspectos contraditórios. No caso, mesmo compreendendo o Trabalho Docente como uma atividade desenvolvida no limite da sociedade capitalista, portanto, carregado de elementos alienantes e permeado por interesses contraditórios, ele engendra, em si, a possibilidade de um agir reflexivo.

Neste sentido, o Docente, com base em suas condições materiais, vislumbra objetivos, traça o plano de ação diante do qual os conhecimentos dos conteúdos não se encerram em si mesmos, mas têm que ser vivenciados e conhecidos nas suas múltiplas relações. De acordo com Harvey (2011, p. 116),

[...] torna-se imperativo vislumbrar alianças entre um conjunto forças sociais organizadas em torno das diferentes esferas . Aquelas com um conhecimento profundo de como a relação com a natureza funciona precisam se aliar àquelas profundamente familiarizadas com como os arranjos institucionais e administrativos funcionam, como a ciência e a tecnologia podem ser mobilizadas, como a vida diária e as relações sociais podem ser mais facilmente reorganizadas, como as concepções mentais podem ser mudadas e como a produção e o processo de trabalho podem ser reconfigurados.

Reafirma-se que o Trabalho Docente não se restringe a uma atitude automatizada, mas possui autonomia relativa, envolvendo um conjunto de ações inter-relacionadas, cujas experiências imediatas possuem intencionalidades sociais que precisam ser avaliadas e organizadas teoricamente para atingir determinados fins, ou seja, trata-se de uma práxis reflexiva.

Reiteramos, então, que a formação docente precisa ser compreendida para além da subjetividade do fazer cotidiano e da repetição de teorias alhures. A prática deve ser considerada, porém, não no limite do fazer, mas nas suas consequências teórico-social e no desenvolvimento da capacidade reflexiva do aluno. Neste sentido, a prática necessita ser iluminada pela teoria, ao mesmo tempo em que a teoria só se constitui a partir da prática. Entretanto, grifa-se que a prática e a teoria não são homogêneas e lineares, mas estão em constante movimento e permeadas por contradições quantitativas e qualitativas.

Neste aspecto, a formação docente necessita abordar os conteúdos formativos a partir da totalidade, conforme expressa Klein (2007, p. 16):

[...] no ensino, determinado objeto de conhecimento deverá ser abordado na sua totalidade, o que implica sua não fragmentação, bem como a não disposição etapista dos conteúdos que lhe dizem respeito. Abordar um conteúdo em uma perspectiva de totalidade significa devolvê-lo a partir de seus fundamentos, explicitando as relações e mecanismos que articulam seus elementos particulares. Não se trata, pois, de ‘ir da parte ao todo’, nem tão pouco de ‘ir do todo à parte’, mas de explicitar, no todo, como é que as partes se articulam de modo a constituir aquela totalidade e não outra.

O conhecimento científico, como um dos instrumentos do Trabalho Docente, é produto social e está em constante processo de construção e reconstrução. Isto implica pensar o conhecimento científico a partir do método que o produz, ao passo que o método também configura a possibilidade de análise sobre a realidade. A lógica dialética contempla, em si, uma das possibilidades de refletir sobre a relação teoria e prática.

A lógica dialética, ao promover uma constante relação entre teoria e prática, torna-se imprescindível para ampliar as formas de consciência/intervenção sobre a realidade, cuja apreensão dos limites pode servir de base para vislumbrar as possibilidades de novas atuações sociais. Na perspectiva dialética, o conhecimento contém, em si, múltiplas determinações, expressando, em cada síntese, a unidade dos contrários, tanto na luta ideológico-conceitual como nos aspectos determinados pelo econômico, político e social. Desta forma, teoria e prática complementam-se e se unificam no processo de produção da vida humana em todas as suas dimensões.

Material suplementar
Referências
BASSO, I. S. Significado e sentido do trabalho docente. Cadernos Cedes, v. 19, n. 44, p. 19-32, abr. 1998. DOI: 10.1590/s0101-32621998000100003
FAVORETO, A. Marxismo e Educação no Brasil (1922-1935): o discurso do PCB e de seus intelectuais. 2008. 247 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008. Disponível em: <http://www.ppge.ufpr.br/teses/D09-FAVORETO.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2017.
HARVEY. D. O Enigma do Capital: e as crises do capitalismo. Tradução de João Alexandre Peschanski. São Paulo: Boitempo, 2011.
KLEIN, L. R. Fundamentos para uma proposta pedagógica. Campo Largo: PM/SED, 2007. Disponível em: <http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/otp/docs_pdf/fundamentos_prop_ped.pdf>. Acesso em: 21 jun. 2016.
LÖWY, M. Ideologias e Ciência Social: Elementos para uma análise marxista. São Paulo: Cortez, 2000.
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos. Tradução de José Carlos Bruni (et al.) São Paulo: Nova Cultural, 1987 (Coleção Os Pensadores).
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de Alex Martins. São Paulo: Martin Claret, 2003.
MÉSZÁROS, I. A Teoria da Alienação em Marx. Tradução de Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2006.
MÉSZÁROS, I. Marx: a teoria da alienação. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
MORAES, M. C. M. A teoria tem consequências: indagações sobre o conhecimento no campo da educação. Educação e Sociedade, Campinas, v. 30, n. 107, p. 585-607, maio/ago. 2009. DOI: 10.1590/s0101-73302009000200014
MORAES, M. C. M. Recuo da Teoria. In: MORAES, M. C. M. (Org.). Iluminismo às avessas: produção de conhecimento e políticas de formação docente. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 151-167.
NETTO, J. P. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Cortez, 1998.
SAVIANI, D. Pedagogia Histórica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 2003.
SAVIANI, D. Sistema de Educação: subsídios para a conferência nacional de educação. Texto organizado a pedido da Assessoria do MEC para servir de subsídio às discussões preparatórias da Conferência Nacional de Educação, 2009. Disponível em: <http://www.ced.ufsc.br/pedagogia/Saviani.pdf>. Acesso em: 18 dez. 2016.
SFORNI, M. S. F. Interação entre Didática e Teoria Histórico-Cultural. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 40, n. 2, p. 375-397, abr./jun. 2015. DOI: 10.1590/2175-623645965
SANCHEZ VÁZQUEZ, A. Filosofia da Práxis. Buenos Aires: Consejo Latino americano de Ciências Sociales - CLACSO; São Paulo Brasil, , Expressão Popular, 2007.
ZANARDINI, J. B. Ontologia e avaliação da educação básica no Brasil (1990-2007). 2008. 208 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2008.
Notas
Notas
* Os estudos apresentados neste artigo decorreram de nossa atuação profissional, entre as quais se destacam a coordenação e oferta de cursos de formação para professores. Tais cursos integravam-se ao Projeto Universidade Sem Fronteiras, financiado pela Fundação Araucária/PR, e o Programa de Formação Continuada de Professores da Educação Básica da UNIOESTE, Campus Cascavel/PR. Outras reflexões surgiram de cursos ministrados e pesquisas orientadas no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/PR.
1 Esta perspectiva nega qualquer teoria abstrata e/ou teológica que afirma que o homem é um ser espiritual, o qual carrega em si uma série de ideais morais que são próprias de sua natureza.
2 Por exemplo, com base em David Harvey (2011), destaca-se que a medicina atual, apesar de todos os avanços, em algumas ocasiões, tem suas ações direcionadas pelos interesses econômicos da indústria farmacêutica e clínica. Neste caso, ocorre uma inversão de valores, de modo que as patologias são diagnosticadas em razão do medicamento, e não ao contrário.
3 1) Princípio do ensino que desenvolve; 2) Princípio do caráter ativo da aprendizagem; 3) Princípio do caráter consciente da atividade; 4) Princípio da unidade entre o plano material (ou materializado) e o verbal: 5) Princípio da ação mediada pelo conceito.
4 Para Saviani (2009, p. 3), sistema é “unidade de vários elementos intencionalmente reunidos de modo a formar um conjunto coerente e operante”.
5 “[...] a práxis é, na verdade, atividade teórico-prática; isto é, tem um lado ideal, teórico, e um lado material, propriamente prático, com a particularidade de que só artificialmente, por um processo de abstração, podemos separar, isolar um do outro (SANCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 262). É por isso que “Interpreta-se falsamente essa unidade da teoria e da prática quando se nega a autonomia relativa da primeira” (SANCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 257).
6 Pontua-se que “[...] a consciência comum da práxis não está esvaziada, completamente, de certa bagagem teórica, ainda que [...] as teorias se encontrem degradadas” (SANCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 32).
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por Redalyc