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Representações sociais parentais de instituições voltadas a crianças e adolescentes atendidos em contraturno

Parents’ Social Representations of institutions of child and adolescent after school care

Representaciones sociales de los padres de las instituciones dirigidas a niños y adolescentes en contraturno

Vânia de Oliveira
Faculdade SECAL, Brasil
Bernadete Machado Serpe
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense, Brasil
Ademir José Rosso
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil

Representações sociais parentais de instituições voltadas a crianças e adolescentes atendidos em contraturno

Práxis Educativa, vol. 12, núm. 3, pp. 1013-1027, 2017

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 10 Junho 2017

Aprovação: 21 Agosto 2017

Resumo: O artigo descreve as representações sociais (RS) dos pais de crianças e adolescentes sobre os papéis da família, escola e contraturno social e sobre o desenvolvimento moral. O estudo foi desenvolvido em instituição de contraturno social de uma cidade paranaense que atende 250 crianças e adolescentes em situação de risco. Os dados foram coletados em entrevistas realizadas com os pais ou com outros responsáveis por essas crianças e adolescentes (N=60). A descrição das RS circulantes fundamenta-se na análise das informações, imagens e atitudes fornecidas pelos entrevistados. A pesquisa revela que a escola é vista como utilidade futura para o trabalho; o contraturno é tido como extensão de casa e coadjuvante na educação moral doméstica; e o processo educacional doméstico é compreendido como correção dos erros e desvios morais.

Palavras-chave: Contraturno social, Família, Educação moral.

Abstract: This article describes the Social Representations (SR) that parents of children and adolescents have of the role of family, school and social after school care and of moral development. The study was developed in social after school care institutions in a city in the State of Paraná which attend 250 at-risk children and adolescents. Data was collected in interviews carried out with the parents or other adults in charge of these children and adolescents (N=60). The description of most common SR was based on the analysis of information, images and attitudes supplied by the interviewees. The research revealed that the school is seen as something useful in the future for work purposes; the after school care is seen as an extension of the home care and ancillary of the domestic moral education; and the domestic educational process is seen as correction of errors and moral deviations.

Keywords: Social after school care, Family, Moral education.

Resumen: El artículo describe las representaciones sociales (RS) de los padres de niños y adolescentes sobre el papel de la familia, la escuela y contraturno sociales y sobre el desarrollo moral. El estudio se desarrolló en institución de contraturno social de una ciudad de Paraná que atiende 250 niños y adolescentes en situación de riesgo. Los datos fueron recogidos en las entrevistas con los padres o con otros responsables por estos niños y adolescentes (N=60). La descripción de las RS corrientes se basa en el análisis de las informaciones, imágenes y actitudes fornecidas por los encuestados. La investigación muestra que la escuela es mirada como un futuro beneficio para el trabajo; el contraturno es considerado como extensión del hogar y coadyuvante en la educación moral doméstica; y el proceso educativo doméstico es comprehendido como corrección de los errores y desviaciones morales.

Palabras clave: Contraturno social, Familia, Educación moral.

Introdução

Ao campo educacional estão associadas propostas de prevenção e proteção a crianças e adolescentes expostos aos riscos sociais. Essas iniciativas têm o objetivo de auxiliar as famílias com espaço de permanência e atividades de complemento pedagógico, alimentação, socialização, esporte, artes e cultura (MATIAS, 2009; CARVALHO; NOMA, 2011; MATOS; MENEZES, 2012; CARVALHO, 2013). São iniciativas de educação informal realizadas no contraturno escolar por meio de atividades que articulam família e escola, procurando afastar e proteger crianças e adolescentes de situações de risco (HIRAMA; MONTAGNER, 2012; CARVALHO, 2013). A orientação das iniciativas que complementam a educação escolar está definida no Plano Nacional de Educação - PNE (BRASIL, 2014).

A educação como uma condição necessária à mudança social necessita ser incluída em uma agenda mais ampla (BRUNO, 2011; CONNEL, 2013). O contraturno como herança de programas compensatórios que objetivam romper com o ciclo de pobreza é criticado por desconsiderar o conjunto dos fatores envolvidos, o contexto socioeconômico que produz as desigualdades, e por desviar o foco das causas dos problemas sociais, transferindo à escola e à educação as soluções dos mesmos. Ainda mais, tais programas caracterizam-se por políticas conservadoras e assistencialistas que afastam as famílias das decisões que promoveriam o desenvolvimento e a inserção social das crianças e adolescentes (GADOTTI, 2000; CARVALHO; NOMA, 2011; CONNEL, 2013; RIZZINI; BARKER; CASSANIGA, 1999).

O contraturno apresenta-se como uma alternativa à educação de tempo integral para o atendimento mais amplo das necessidades da escola regular e, também, para a formação integral para a vida, pois a permanência diária de quatro horas das crianças brasileiras na escola é considerada curta para a escola pública, cujos alunos, em sua maioria, são de famílias de trabalhadores que acompanham com dificuldades a vida escolar de seus filhos, os quais, no período em que se encontram fora da escola, estariam à mercê de riscos sociais (MATIAS, 2010; CARVALHO, 2013). Nesse cenário, escola e instituições de contraturno promovem ações voltadas para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, e o contraturno é visto como uma forma de proteção social e auxílio educacional, sendo procurado pelas famílias ou indicado pelo Conselho Tutelar (SERPE, 2015).

O presente artigo insere-se na teia de relações que envolvem família e escola, pertencimento social e estratégias de escolarização, processos educativos escolares e processos educativos domésticos, políticas de inclusão escolar e contextos familiares. Seu objetivo é identificar as representações sociais das famílias das crianças e adolescentes atendidos em contraturno sobre o papel da educação em âmbito escolar, doméstico e do contraturno, e sobre o papel dos pais no desenvolvimento moral de seus filhos.

Representação social e desenvolvimento moral

A teoria das RS destaca o papel da experiência e do senso comum como esferas que integram a organização dos significados, valores e crenças específicas de cada grupo social na compreensão do seu cotidiano (JODELET, 2005). Na compreensão de uma RS sobre um objeto social estão integradas as dimensões conhecimentos, imagens e atitudes circulantes na sociedade e de diferentes grupos (MOSCOVICI, 2012). Assim, as RS são formas de pensamento que abrangem tanto os atores como os fenômenos sociais, sendo difundidas na comunicação social, no convívio cotidiano e na experiência. A difusão por meio da experiência se dá através de situações concretas em que os sujeitos se relacionam entre si e com o mundo, mediadas pelas informações circulantes e saberes populares. As RS possibilitam a integração do plano individual ao social e retornam aos sujeitos (JODELET, 2005).

As RS dos sujeitos traduzem os planos subjetivo, social e ideológico, material e cognitivo, levando-os ao questionamento e ao posicionamento expressos no mundo através de atos, palavras, formas de viver e, até mesmo, de enfrentar problemas e conflitos cotidianos (JODELET, 2015). Dessa forma, as RS dos sujeitos que interagem no dia a dia podem convergir posicionamentos relacionados à cultura, valores, comunicação e, ainda, às múltiplas interações que ocorrem nos contextos ideológicos e sociais. As interações das esferas familiar, escolar e contraturno social geram informações e questionamentos que envolvem seus atores.

Após descrever o sentido geral das RS explicita-se o sentido e o conteúdo dessas representações, assim como se proporciona uma reflexão sobre os processos fundamentais de sua elaboração. Os conteúdos e os sentidos das RS se expressam na integração das dimensões informação, campo de representação ou imagem, e atitude. A elaboração de uma representação de um objeto social é uma assimilação que contempla dois processos fundamentais e imbricados: a objetivação e a ancoragem (MOSCOVICI, 2012).

Do conteúdo e sentido das RS, a atitude expressa a orientação global dos sujeitos em relação ao objeto social e orienta a sua formação. As atitudes frente a um objeto social podem ser favoráveis, desfavoráveis ou neutras (MOSCOVICI, 2012). Nesse sentido, “os julgamentos que as pessoas emitem sobre condutas, enunciações ou crenças sociais são sempre atos sociais que se inscrevem na dinâmica total de um campo social” (DOISE, 2001, p. 200). A imagem se aproxima do conceito de atitude e é identificada nas comparações que o sujeito traz para explicar e enfatizar o sentido dado. Está ligada a juízos de avaliações com um conteúdo concreto, limitando-se às proposições que expressam uma faceta do objeto representado. Como tal, promove a hierarquização e a organização dos elementos que compõem as avaliações do grupo social. A informação está relacionada “com a organização dos conhecimentos que o grupo possui com respeito ao objeto social” (MOSCOVICI, 2012, p. 33). No caso da presente pesquisa, abrange a teia de relações entre família, escola e contraturno social frente à educação e ao desenvolvimento moral de crianças e adolescentes em situação de risco, segundo a visão de seus pais ou responsáveis.

As dimensões que integram as RS são constituídas pela ancoragem e objetivação. A ancoragem dispõe ao indivíduo, numa situação problemática, os valores e conhecimentos sociais em categorias de pensamento. Ancorar as relações que envolvem família, escola e contraturno é assimilar a situação aos conhecimentos circulantes, às experiências e problemas vividos, ou seja, às cognições anteriores. A objetivação aproxima uma situação nova da realidade conhecida, tornando-a acessível. É a transformação do abstrato em material como um reflexo do real. Com a objetivação ideias e conceitos são encaixados em imagens reais e analogias existentes na natureza ou no cotidiano do grupo (MOSCOVICI, 2012). A objetivação “transfere a ciência para o domínio do ser e a ancoragem a delimita no do fazer para contornar o impedimento de comunicação” (MOSCOVICI, 2012, p. 156, grifo original).

Da abordagem dimensional e processos formativos das RS explicitam-se os princípios psicogenéticos do desenvolvimento moral. A construção da moralidade se fundamenta no respeito que os indivíduos adquirem pelas pessoas e pelas regras sob os princípios da cooperação em espaços dialógicos e de respeito mútuo (PIAGET, 1994). O desenvolvimento moral é solidário aos processos de desenvolvimento afetivo e cognitivo, na direção do “ideal de justiça pela equidade, à perspectiva da reciprocidade universal, ao imperativo [...] de tratar a humanidade, na nossa própria pessoa e na pessoa de outrem, como um fim em si e não apenas como meio” (LA TAYLLE, 2010, p. 107). Ele tem início com uma fase de anomia, ou da ausência de regras; passa pela heteronomia, fase em que as regras são externas, determinadas pelos adultos; e segue em direção da autonomia, fase em que o indivíduo já internalizou as regras e age de acordo com suas ideias. A heteronomia resulta da primeira forma de regulação da ação, oriunda das relações coativas estabelecidas entre a criança e as gerações anteriores, adultos e crianças mais velhas. A heteronomia justifica-se na medida em que a norma que dita à consciência do sujeito se ele deve ou não fazer uma determinada ação provém de outro (PIAGET, 1994).

As relações coativas de imposição do adulto conduzem a criança a uma moral heterônoma em que prevalece o sentimento do dever. Porém, a moral autônoma prioriza o diálogo e o respeito mútuo em que se destacam as relações de cooperação que levam ao entendimento subjetivo da regra. A criança e/ou o adolescente entendem o sentido e as consequências de seus atos (PIAGET, 1996). Com a autonomia moral chega-se a uma moral de igualdade, reciprocidade e respeito mútuo (LA TAYLLE, 2010).

Agir conforme as regras externas e ser governado por alguém não é um mal em si, mas o negativo é ser apenas heterônomo, ficar inseguro e descontrolado sem alguém governando. Em contrapartida, a autonomia leva a seguir regras, normas, por vontade própria; através de uma escolha racional e emocional, se expressa na obediência às regras pela compreensão e concordância como expressão do bem comum. (MENIN, 1996). Qualquer meta educativa de autonomia moral prima pela construção do sujeito em interação com outros que se movem com princípios de respeito recíproco, consideram a perspectiva do outro e agem de forma descentrada, não egocêntrica, nem impositiva. Para se chegar à moral autônoma é necessário que as ações educativas favoreçam o convívio em espaços cooperativos, dialógicos e de alteridade, mais do que de vigilância e punição pelos desvios morais.

Metodologia e resultados

A pesquisa desenvolveu-se em uma instituição de contraturno e reforço escolar de crianças e adolescentes vindos de famílias em situação de risco social. Nela trabalham educadoras sociais com atividades voltadas à saúde, higiene pessoal, artes e música, orientadas pelos princípios de cidadania e moralidade. Desenvolvem-se, também, atividades pré-militares com objetivos disciplinares, respeito à hierarquia e civismo que tornam a instituição bastante procurada pelas famílias, apresentando uma lista de espera.

As características dos sujeitos participantes desse estudo - mães, pais ou responsáveis - estão apresentadas na tabela 1, elaborada a partir dos dados censitários das famílias obtidos no banco de dados socioeconômicos da instituição e na entrevista com os pais. A seleção prévia dos informantes levou em conta os fatores de risco elaborados a partir dessas informações, as quais possibilitaram listar riscos associados à situação familiar, número de filhos, situação profissional, inclusão em programa social, renda familiar, escolarização e local da moradia.

Tabela 1
Variáveis censitárias e médias de fatores de risco por família
VariáveisSujeitosMédia de fatores%
SexoMulheres563,0093,3
Homens42,256,7
Situação FamiliarMonoparental273,3345,0
Biparental332,6455,0
Número de Filhos1 e 2 filhos251,8841,67
3 e 4 filhos223,5536,67
Mais de 5 filhos134,0021,66
Situação ProfissionalFormal ou pensionista352,2058,33
Informal254,0041,67
Bolsa FamíliaRecebe173,5328,33
Não recebe432,7272,67
Renda Familiar/ Salário MínimoMenos de um55,408,33
Um salário mínimo362,8660,00
Dois ou mais192,4731,67
EscolarizaçãoMenos de nove anos353,5758,33
Mais de doze anos211,9035,00
Ensino Superior43,006,67
MoradiaRegião central11,001,67
Região próxima à Instituição102,1016,66
Região periférica493,1681,67
Fonte: Os autores.

Segundo os indicados critérios, uma família não possui risco presumido; sete famílias possuem um fator; 19 famílias, dois fatores; oito famílias, três fatores; 20 famílias, quatro fatores; duas famílias, cinco fatores; e três famílias apresentam seis fatores dos sete listados. A média geral dos riscos presumidos por família é de 2,95. Pelos dados da tabela 1, que faz o cruzamento entre situação censitária e os riscos presumidos, constata-se que os riscos são maiores em famílias monoparentais que possuem mais de três filhos, têm menos de nove anos de escolarização, apresentam uma situação informal de trabalho que lhes propicia uma renda menor do que um salário mínimo, e vivem nas regiões mais periféricas da cidade.

As entrevistas ocorreram no ano de 2014, com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa. As informações iniciais constavam dos dados censitários; e o conteúdo da entrevista versa sobre a família e seus hábitos: sobre o filho, expectativas, rotinas, hábitos; processos educativos domésticos; participação, interação e importância da escola; a instituição de contraturno e sua contribuição na educação do filho. Ao final, os pais se manifestaram sobre a contribuição familiar, escolar e do contraturno para o desenvolvimento escolar e de valores.

Após a transcrição das entrevistas organizou-se o corpus Valores com as respostas dadas pelos sujeitos às questões relacionadas ao tema, seguindo as orientações de análise textual propostas pelo Alceste. O software Alceste emprega a análise de classificação hierárquica descendente, que permite a “análise lexicográfica do material textual, oferece contextos que são caracterizados pelo seu vocabulário e pelos segmentos de textos que compartilham este vocabulário” (CAMARGO, 2005, p. 512).

Da análise do corpus Valores resultaram dois subgrupos e, em seguida, de um lado, deu-se origem às classes 1 e 2; e, de outro, às classes 3 e 4, como se apresentou na figura 1. As classes 1 e 2 totalizam 54,25% do corpus, estão articuladas e são complementares; as classes 3 e 4 totalizam 45,75% do corpus do texto analisado. A mais significativa dessas classes é a classe 1, que apresenta 35,37% do corpus. A partir dessa classificação visualizam-se dois campos distintos de RS sobre a construção dos valores.

Dendrograma do Corpus Valores
Figura 1
Dendrograma do Corpus Valores
Fonte: Os autores.

Por um lado, as classes 1 e 2 versam sobre o contraturno, seu papel na construção de valores, em contraposição a aquilo que os pais pensam dos professores. Por outro lado, as classes 3 e 4 versam sobre os filhos/as e seus comportamentos nos ambientes em que circulam, bem como sobre as sanções aplicadas a eles(as) e, ainda, sobre a forma como o contraturno contribui para a prevenção e/ou mudanças comportamentais.

A classe 1, contraturno e valores, apresentou 35,37% das informações processadas. As características dos informantes que mais contribuíram com essa classe são as das famílias biparentais e com mais de cinco filhos. Com idade entre 40 e 50 anos e apresentando menos de nove anos de escolarização, os pais informantes ressaltaram a importância do contraturno como complemento, reforço, lugar importante de ajuda e de educação que auxilia na disciplina e na formação dos valores. Isso remete a controle, quartel, o que condiz com a organização e funcionamento do contraturno. As falas expressam confiança e gratidão pela instituição, demonstradas pelos verbos acreditar e agradecer. E mesmo que os pais defendam a ideia de que os valores devem vir de berço, reconhecem a contribuição do contraturno como reforço e auxílio nesse papel. Como se trata de famílias numerosas, com mais de cinco filhos e pais com baixa escolarização, a instituição faz diferença, principalmente porque contribui para a formação moral dos alunos que atende.

O posicionamento dos pais sobre a reponsabilidade na formação dos valores converge com o dos professores (SANTOS; ROSSO, 2012), de que a família é a primeira responsável por essa formação. Os segmentos de texto apresentados a seguir contextualizam essas informações:

Antes de tudo vem [...] a família, (mas) se a família [...] não dá conta de educar, deve acionar alguma instituição como o contraturno. (Suj. 21)

Hoje em dia é difícil [encontrar] lugar que ensine alguma coisa de bom, o contraturno auxilia muito nesta parte, eu agradeço bastante [sua] ajuda, [...] mas [...] a família deve educar. (Suj. 17)

O contraturno sempre passou ótimos valores para o meu filho, eu acho que é papel dele, e ela está fazendo muito bem o papel dela. Eu acho que cada um deveria fazer seu papel, a família o dela, a escola ensinando e o contraturno complementando [...] como está fazendo hoje. (Suj.18)

Na visão dos pais a responsabilidade da educação em valores morais é primeiramente da família; o contraturno e a escola atuam de forma complementar. Portanto, a atitude da família quanto à formação do desenvolvimento moral de seus filhos é a de aceitar e assumir essa responsabilidade como sua. Retomando a informação partilhada de pais e professores quanto à formação moral dos alunos, os pais, ao reconhecerem suas limitações, estão abertos à contribuição de outras instituições. Essa corresponsabilidade nem sempre é aceita pelos professores, mesmo diante da percepção de uma crise de valores associada a problemas sociais que se refletem nas escolas e em outros ambientes por onde os alunos transitam (SANTOS; ROSSO, 2012).

Por sua vez, a classe 2, a escola e o professor, representa 18,88% das informações do corpus. Essa classe recebeu contribuição dos pais com idade entre 30 e 40 anos, com um a dois filhos, famílias monoparentais e que recebem até um salário mínimo. Os comentários estão relacionados àquilo que os pais pensam sobre a escola, bem como ao trabalho do professor. Sobressaem, neles, os sujeitos professor, aluno e governo, e encontram-se associados às ações da sala de aula como reunião, chamada, reclamação, castigo, tarefas, comportamento, lei e problema. As ações expressas são as de perguntar, conversar, dar, roubar, mudar, adiantar, copiar, orientar, brigar, entrar, ir, assustar, voltar, chegar e dizer. Os pais referem-se à relação professor-alunos e à dinâmica interna da escola, como as tarefas, chamadas, reuniões que requerem suas presenças e estão relacionadas aos problemas de aprendizagem ou disciplinares.

Os pais defendem que, além dos conhecimentos específicos, os professores poderiam se preocupar com outras dimensões educativas. Eles esperam “que a escola se torne o meio formador que a família aspira a realizar, sem que nem sempre o consiga satisfatoriamente, e que constitui a condição sine qua non para um desenvolvimento intelectual e afetivo completo” (PIAGET, 1984). Mesmo que alguns pais defendam que os valores morais são aprendidos na escola da vida, eles lamentam o fato de não haverem recebido o devido apoio nas escolas em que estudaram, para nelas permanecer e aprender mais. Os segmentos de texto a seguir exemplificam essas ideias.

A escola vai passar conhecimento, [...] (mas) não faria mal se a escola complementasse a educação, reforçando valores. (Suj.16)

Os valores primeiro tem que vir de casa, [...] mas [...] o respeito tem que ser em casa, mas na escola tem que colocar limites, [...] dizer, assim pode ou não pode, assim faz ou não faz. (Suj.11)

O professor está em primeiro lugar para ensinar, mas pode conversar também, principalmente com os adolescentes, que são tão difíceis de lidar, mas eu acho que o papel maior de transmitir os valores é dos pais, e a escola vem para reforçar. (Suj.15)

Associadas à escola - o que a torna um local inseguro e ameaçador − as drogas e a violência também são mencionadas pelos pais. Esse discurso está ligado aos desvios que não derivam propriamente do contexto escolar, mas dos problemas econômicos e sociais que demandam “um maior preparo dos profissionais para lidar com conflitos gerados no cotidiano escolar, assim como a necessidade de mudanças nos currículos e práticas escolares” (ZECHI, 2007, p. 7). Também se questiona se é coerente a escola e os professores reproduzirem o discurso de que a responsabilidade da formação de valores é apenas da família (SANTOS; ROSSO, 2012). O depoimento a seguir é uma expressão disso:

Se as famílias fossem mais estruturadas, eles sairiam de casa com esses valores, [...] a violência está na rua, ninguém consegue controlar, a violência e as drogas, estão em todos os lugares, a gente tem que tentar tirar (os filhos) disso. (Suj.9)

A partir da mídia os pais reclamam do governo os precários investimentos destinados às escolas; o fato de os professores terem uma remuneração insatisfatória, que não condiz com a formação que eles devem ter e com a função que exercem no cotidiano escolar; a falta de recursos básicos nas escolas públicas, como cadernos e livros, entre outros. Os segmentos de texto a seguir contextualizam essas informações:

Se investissem no futuro da criança e do profissional seria melhor. (Suj.12)

Os professores são muito desvalorizados, a gente vê (que) desde o próprio lanche, o professor não pode comer na escola, é um desaforo. (Suj.5)

Por sua vez, a classe 3 - meninas(os) e os problemas sociais - teve 20,48% das informações analisadas, e os sujeitos que mais contribuem com as informações são os pais de 20 a 30 anos de idade, família monoparental e com trabalho informal. Os substantivos presentes na classe são amiga, mãe e estão relacionados a cabelo, carteira, cigarro, cinta, fase, final, gravidez, guarda, hora, idade, palmada, rebelde, rua, semana, situação, medo, vara, varada e sofrimento. Os adjetivos empregados pelos informantes são os seguintes: complicado, diferente, errado, necessário, firme, interessante, nova, violenta. E as ações referentes a essa classe são as de avisar, chorar, espancar, esquecer, falhar, gritar, mentir, obedecer, olhar, parar, perguntar, querer, querer, rezar, saber, sair e xingar.

O conteúdo dessa classe remete aos conflitos enfrentados pelos pais na educação doméstica e às comparações entre os seus filhos com os que não frequentam o contraturno e estão na rua, maltratam os pais, cometem infrações e incivilidades. Assim, o contraturno, na visão dos pais, é um lugar que contribui para evitar os problemas sociais, como gravidez na adolescência, cigarro, droga, violência, falta de limites, mentira etc., como demonstrado nos relatos a seguir.

Se ela não estivesse no contraturno, seria uma menina violenta [...] vejo meninas perto de casa que batem até em mãe, e que a mãe não mandava nela, e que ela se mandava, com doze anos, imagina? (Suj.21)

Ela ficou solta e segue o que ela acha, porque a mãe não pode mais, se a mãe fala as meninas batem, gritam. A mãe xingou ela, a menina falou que ela é puta mesmo. (Suj.10)

As meninas que brincavam com ela, agora não são nem amigas, se ela não estivesse no contraturno ia anoitecer na rua. Tem uma [menina] que com doze anos está grávida. [...] Se ela não estivesse no contraturno seria uma menina violenta comigo. (Suj.23)

Quando alguns pais relatam que os filhos, mesmo participando do contraturno, ainda demonstram sinais de rebeldia em casa, é importante esclarecer a eles que esses sinais são reduzidos com a frequência da criança e/ou adolescente na instituição contraturno; não são modificados totalmente porque muitos alunos ainda não compreenderam a importância das regras. Para que essa compreensão ocorra de fato, família, escola e contraturno necessitam promover mais as interações sociais baseadas no respeito mútuo e na cooperação, que são as que tornam os alunos capazes de entender as regras (PIAGET, 1994). Quando há cooperação e prioriza-se o respeito mútuo através do diálogo, se estabelece a moral autônoma, a qual leva ao entendimento da regra no nível subjetivo: a criança e/ou o adolescente entendem não só a imagem, mas as consequências e seus atos. Ao contrário, quando se prioriza o respeito unilateral, através da coação, o que se tem é uma moral heterônoma (PIAGET, 1996).

Por fim, a classe 4, mecanismos corretivos, corresponde a 25,27% das informações do dendrograma. Contribuem com informações os pais que têm idade acima de 50 anos, entre três a quatro filhos, menos de nove anos de escolarização, com trabalho formal, ganhando até dois salários mínimos. O conteúdo da classe resulta do questionamento sobre como os pais educam seus filhos. Os substantivos que nominam as informações referem-se ao universo familiar: filho, mãe, marido, mulher, velha e velho. Algumas palavras utilizadas pelos informantes − difícil, fácil, demais, gosta e pequena − representam o grau de dificuldade que os pais encontram para educar seus filhos, descrito nos relatos a seguir:

Eu falo, explico que ele não pode ser assim, que na escola ele tem que estudar porque se não como vai ser no futuro, ao invés de ele me responder alguma coisa, ele só fala: azar. (Suj.11)

Geralmente não dá tempo de ensinar muita coisa, falo, converso, não dou castigo, mas não estou conseguindo educar mais eles, eu estou quase desistindo, eles não me escutam muito. (Suj.16)

Eu tiro as coisas e surro também. Meu filho esses dias apanhou, estava demais, bato na mão, sim eu bato, não espanco, mas umas cintadas, sei que não é certo, a gente estuda, mas tem momentos, que se não der, [...] tem que dar uma cintada em cada um, e já param. (Suj.11)

Os substantivos castigo, celular, coisas, diálogo, surra, tapa, tempo, medo, paciência e raiva fazem parte das sanções utilizadas pelos pais diante de comportamentos que desaprovam. Nota-se que eles utilizam tentativas por escala para a correção de seus filhos. Por exemplo, iniciam com uma conversa, mas quando os filhos insistem em manter o comportamento, tomam iniciativas de maior impacto, como: castigar, tirar algo que a criança e/ou o adolescente gostam, dar um tapa, bater, usar o cinto ou uma vara, etc. Articula-se a esse dado a constatação de que as atitudes de coação e autoritárias promovem o respeito unilateral, e que apenas os discursos dos pais, por si só, não provocarão mudança efetiva no comportamento da criança e do adolescente. Com isso não haverá o alcance da autonomia (PIAGET, 1994). Assim, seguem alguns relatos de estratégias dos pais:

Esses dias o meu filho mais novo quis me enfrentar, e eu disse que quem mandava na casa era eu, enquanto eu estivesse viva, às vezes [...] pego a cinta ou uma vara, ameaço mesmo, eles param. (Suj. 26)

Castigo acaba dando mais resultado, ele melhora, tiro [...] o videogame; converso primeiro, depois dou castigo, tiro as coisas que ele gosta, mas se eu estiver com muita raiva dele, eu surro, mas é difícil. (Suj. 32)

Não adianta castigo, [...] procuro chamar a atenção [...], mas se não me escutarem, eu dou uns tapas para ver se eles param com a briga e a desobediência. (Suj.22)

Os discursos dos pais sobre as sanções utilizadas podem gerar problemas legais, mas eles declaram que preferem bater nos filhos enquanto adolescentes a vê-los apanhar da polícia ou de bandido quando adultos, pois os filhos são seus e são eles que os educam.

Em síntese, a análise lexicográfica feita a partir dos relatórios do Alceste sugere três focos de RS sobre a construção dos valores morais na relação família, escola e contraturno. Mesmo acreditando na primazia da família na formação dos valores, os pais consideram que o contraturno contribui para a formação moral dos alunos. A escola e os professores são compreendidos em suas precariedades, porém alguns pais ressaltaram que os professores não deveriam se restringir a “transmitir os conteúdos específicos”, uma vez que cabe a eles, também, complementar seu trabalho com “a formação de valores morais”, situação referendada pelos próprios docentes, que também vêem a família como a primeira responsável por essa formação (SANTOS; ROSSO, 2012). A RS de que no ambiente doméstico “educar é corrigir”, com tentativas e escala para a correção do comportamento, constitui o terceiro foco. A referida escala inicia com uma conversa, mas depois se adotam iniciativas de maior impacto, como castigo, tirar algo que a criança e/ou o adolescente gosta, dar um tapa, uma cintada, varada etc., se houver a persistência do mau comportamento.

A análise conduzida até esse ponto considera as informações manifestadas pelos entrevistados. Na sequência serão apresentadas as dimensões que dizem respeito à atitude e imagem sobre a escola e os professores, e sobre o contraturno.

Com as expressões “é tudo”, “muito importante para o futuro” e “ajuda a criança a ser alguém na vida”, os pais demonstram a confiança que depositam na escola como lugar de capacitação e garantia de ascensão a um futuro com mais oportunidades do que eles tiveram em suas vidas. O respeito e a valorização dada aos saberes escolares frente à privação cultural enfrentada se associam à possibilidade de reabilitação social e cultural de seus filhos e trazem a esperança de inserção profissional melhor do que a deles (GILLY, 2002). Já as expressões de que a escola é boa “porque tem câmeras” e “bom controle” denotam o desejo de controle, entendendo que essa é uma estratégia positiva da escola. É necessário considerar que a coação pode até ajudar inicialmente, mas terá alcance limitado; assim, deve-se olhar com ressalvas a aprovação de ações pedagógicas que priorizam posturas autoritárias e o respeito unilateral, visto que pouco ou quase nada contribuem para a autonomia moral e a responsabilidade dos alunos (PIAGET, 1994).

Em contradição, as ressalvas dos pais à escola pública e aos professores são de que a escola “é muito fraca”, “deixa muito a desejar”, “tenho muita reclamação”, “é complicada”, “desvaloriza o professor”, “empurra as crianças”, “antigamente era melhor” e “hoje tem muita violência”. Essas expressões manifestam a insatisfação dos pais com a insegurança nas escolas, que põe em risco a integridade física de seus filhos. O perigo está associado às drogas, às brigas e armas que rondam as escolas. Associada a isso, em segundo plano, está a qualidade do ensino: há pais que expressam desconfiança quanto à ação da escola no que diz respeito ao necessário preparo de seus filhos para ingressar na universidade e no mercado de trabalho. Destaca-se, ainda, a insatisfação de muitos pais pelo prejuízo causado pelas greves dos professores das escolas públicas.

As imagens dos pais sobre a escola e os professores foram obtidas pela pergunta “A que você compara a escola?” Do conjunto de informações emergiram dois campos de imagens: de prolongamento da família e de lugar de formação/futuro. As expressões segunda família, um dos alicerces e direito indicam a compreensão de continuidade na formação integral do aluno/filho. Assim, “as inter-relações entre escola e família se realimentam constantemente, algumas vezes num círculo vicioso” (ROMANELLI, 2013, p. 36). As imagens de local são trazidas pelas expressões formação, chance na vida, aprendizado, futuro, complemento, conteúdos, base para a vida e orientação, e denotam a esperança dos pais em relação ao futuro de seus filhos. Trata-se de uma representação que ultrapassa as interações família-escola e se inscreve nas relações sociais vigentes (SERPE, 2015). Ao depositarem expectativas de esperança em um futuro melhor para seus filhos, os pais veem a escola como um caminho para essa realização, o reconhecimento e a importância dada ao estudo para a vida de seus filhos.

Em relação ao contraturno, as atitudes dos pais estão evidenciadas nas expressões: muito bom/ótimo, muito importante, uma bênção, a melhor coisa que me aconteceu e é um lugar pelo qual eu tenho respeito e gratidão. São expressões que confirmam a necessidade do reforço escolar ante os riscos enfrentados. Tal aprovação advém da ampliação do tempo de estudo e aprendizagem para o incremento do capital humano ou escolar (CARVALHO, 2013). Os pais procuram o contraturno para remediar a falta de condições pessoais, prevenir o atraso e estimular o avanço de seus filhos tanto nos estudos como no plano pessoal.

As imagens trazidas pelas falas dos pais sobre o contraturno são as de uma mãe que me abraçou, uma segunda casa, uma família, ajuda/apoio, um pai e uma mãe, amparo e um pilar para a vida. Tais imagens reforçam a importância fundamental do contraturno na formação da criança e/ou do adolescente; e as expressões maravilha, socorro, bênção, um sonho, luz, caminho, futuro melhor, valores e confiança indicam que, mesmo os pais tendo consciência da importância da formação na vida de uma pessoa, não conseguem promover o desenvolvimento de seus filhos pelas limitações pessoais que eles, pais, têm, ou pelo contexto social em que vivem (CARVALHO, 2013).

Outro conjunto de imagens associadas à natureza pré-militar do contraturno diz respeito à rigidez, lugar de disciplina, segurança, quartel militar, cobrança e valores, e traz à tona os aspectos normativos que o grupo considera importantes na construção de valores. Portanto, o contraturno é visto pelos pais como lugar que auxilia na construção dos valores, contribui com a disciplina, com a ordem, respeito, cidadania, solidariedade etc., mesmo que de uma forma heterônoma. O contraturno é considerado, também, um lugar de transformação que proporciona aos alunos que o frequentam a oportunidade de um emprego, propiciando assim um futuro melhor para os filhos de famílias em contexto de risco social. Dessa maneira, o contraturno social concretiza o sonho de levar o aluno/filho a estudar, trabalhar e progredir.

Isso demonstra que o preconceito de não poucos professores e agentes escolares, de que os pais não se interessam pelos estudos dos filhos, principalmente quando se trata das camadas populares, cujas famílias são vistas como desestruturadas, fundamenta-se numa avaliação equivocada da vida familiar, sem considerar que, ao invés de desestruturadas, “são famílias que lutam contra a desigualdade econômica, social e organizam-se de modo a enfrentar a precariedade de suas condições de existência” (ROMANELLI, 2013, p. 36).

Uma vez explicitados os conhecimentos, as imagens e atitudes dos pais sobre a educação de valores na relação família, escola e contraturno, agora será procedida uma aproximação deles pelos focos identificados, inferindo-se assim as RS que podem ser compreendidas com a aproximação das suas dimensões (MOSCOVICI, 2012).

A primeira RS, a da escola como utilidade, é condensada na expressão “educação vem de casa”. As atitudes em relação à escola são ambivalentes: de um local social e institucionalmente desvalorizado, subordinado à RS educação em seu processo doméstico, passam a enfatizar a utilidade da escola por criar condições e favorecer o acesso dos alunos a melhores oportunidades e cidadania. Essas atitudes estão associadas às imagens que indicam segurança, de que a escola é alicerce, lugar de formação/futuro, chance na vida. Tais atitudes e imagens demonstram que para os pais a escola pode contribuir na formação de valores, favorecer e garantir a inserção e ascensão social, o que é confirmado nas respostas que eles deram à questão O que espera para seu filho no futuro? As suas respostas foram: que ele seja estudioso, pessoa de bem, vire gente e tenha um bom emprego.

As RS são fenômenos complexos ativados e em ação na via social, sendo compostas por elementos ideológicos, normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões e imagens (JODELET, 2001). Nesse sentido, a segunda RS − que é coesa com a primeira - é a do contraturno; desse modo, para os pais, o contraturno é uma extensão de casa. As atitudes que se aproximam dos conhecimentos explicitados pelos pais nessa RS estão nas seguintes expressões: muito importante, uma bênção, a melhor coisa que aconteceu. Embora assumam que é sua a responsabilidade de educar seus filhos, esses pais destacam que, muitas vezes, são impedidos de concretizar essa educação pelos fatores externos e internos já apresentados. Entretanto, ressaltam que, ao colocar os seus filhos no contraturno, podem dividir essa responsabilidade e, principalmente por isso, são gratos. Aproximam-se dessa ideia as imagens permeadas pelas expressões socorro, caminho, bênção, apoio, amparo, um pai e uma mãe. A segunda e a terceira RS apoiam-se em elementos normativos (JODELET, 2001).

A RS sobre o processo educacional doméstico, que se constitui na objetivação das RS da escola e do contraturno, é a de que educar é corrigir. A correção está nas sanções priorizadas pelos pais, as quais demonstram uma postura progressiva: conversa, grito, castigo, palmada e cintada. Nesse sentido, a RS do contraturno está mais próxima e mais associada ao processo doméstico, sendo que os pais referem-se a essa instituição usando as seguintes palavras: rigidez, disciplina, quartel, cobrança e valores. Com essas informações é possível afirmar que, para os pais, os valores se relacionam à heteronomia com o reconhecimento do contraturno como local ideal para complementar essa necessidade.

Considerações finais

Ao se manifestaram sobre a interação de diferentes instituições e as rotinas domésticas do processo educativo em vista do desenvolvimento moral das crianças e adolescentes, os pais expressam suas RS e as da sociedade contemporânea, apropriando-se destas com adaptações. Essas RS que circulam no grupo orientam as avaliações e ações educativas e morais de seus filhos.

As RS dos pais permitem identificar três campos representacionais: da escola como utilidade, como trabalho/futuro; do contraturno como uma extensão de casa e um coadjuvante da educação moral; e do processo educacional doméstico como correção. A escola como utilidade é tida pelos pais como a única saída (ALMEIDA; FERRAROTTO; MALAVASI, 2017) e é perpassada por uma visão utilitarista para atuar no mercado de trabalho e contribuir com uma sociedade produtiva. A escola é tida como local ambíguo, social e institucionalmente desvalorizado, mas subordinado à RS da educação doméstica. Para os pais, a escola pode contribuir na formação de valores, favorecer e garantir a inserção e ascensão social dos alunos que a frequentam (CARVALHO, 2004). A RS do contraturno está em complementar e suprir a responsabilidade educativa da família, uma vez que, devido a fatores externos e internos, a maioria dos pais tem suas limitações. Ter uma instituição que divide com eles essa responsabilidade é motivo de segurança e gratidão. A RS do processo educacional doméstico é a de corrigir. Para os pais, os valores estão relacionados à moral heterônoma, e o contraturno supre essa necessidade.

Assim, os achados de pesquisa permitem levantar implicações pedagógicas advindas das interações família-escola-contraturno:

  1. 1. Tanto as instituições contraturno, escola e família quanto a sociedade são marcadas pela organização e funcionamento heterônomo, mas isso não significa a inexistência de fissuras e espaços que possam promover o desenvolvimento da autonomia moral. Esse entendimento destaca a importância e a necessidade de formação dos educadores sobre as abordagens teóricas e metodológicas para o desenvolvimento moral de crianças e adolescentes.
  2. 2. Ao atender as principais demandas educativas das famílias em vulnerabilidade social, o contraturno reforça a necessidade de escolas em período integral para atender e preencher lacunas formativas de alunos advindos dessas famílias, lacunas essas que são assinaladas pela instrução regular.
  3. 3. As demarcações existentes entre a família e a escola não contribuem para o desenvolvimento moral e ético dos alunos em condições de vulnerabilidade e exigem da escola uma maior responsabilidade e cooperação. Os graus de compreensão dos agentes escolares e da função social da escola os põem na condição de liderança, e não de questionamento e refutação desse compromisso.

A visão tradicional da educação − que objetiva a adaptação do indivíduo ao meio social, ao invés do seu protagonismo, − reproduz o modelo de sociedade segmentada, individualista e alheia ao social.

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