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Para uma educação CTS com pensamento crítico e creativo
Hacia una educación CTS con pensamiento crítico y creativo
For an STS Education with Critical and Creative Thinking
Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad - CTS, vol. 17, núm. 50, pp. 155-161, 2022
Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas

Dossier-La mirada iberoamericana



As mudanças que atualmente o planeta enfrenta e as suas implicações para todos os que nele existem, bem como o uso, essencialmente pelo ser humano, dos seus recursos naturais são hoje um desafio complexo. Tal tem sido vivenciado com uma ambiguidade e volatilidade difíceis de acompanhar e mesmo de compreender, e com incertezas que são também uma constante, por vezes, penosa de racionalizar e gerir emocionalmente.

São exemplos recentes desta realidade o modo como se vive(u) a pandemia COVID-19 e os avanços científicos e tecnológicos extraordinários com o desenvolvimento das vacinas, como as baseadas no ácido ribonucleico mensageiro (ARN-mensageiro), e sua (não) equitativa venda e distribuição, bem como as guerras e seus efeitos que se vivem em diferentes partes do globo. Outro exemplo relaciona-se também o modo como se tem gerido e gerado a má/deturpada ou falsa informação de natureza científica e tecnológica, que se dissemina nos meios de comunicação social e nas redes, predominantemente nas sociais digitais.

O mundo está, inequivocamente, em constante mudança e, provavelmente, de forma mais vertiginosa que anteriormente. As pessoas e as suas circunstâncias também mudaram e consequentemente as perspetivas e formas de se adaptar ao mesmo, também por força das implicações e produtos resultantes da própria evolução e investimentos na investigação científica e tecnológica.

Esta tardia, líquida ou pós-modernidade que procuramos enfrentar implica diferentes modos de estar, sentir e viver. E estas transformações, algumas profundas, nas políticas, particularmente educativas, nos currículos escolares e na formação de professores, incluindo do ensino superior têm vindo a ser apontadas como necessárias e mesmo indispensáveis, em fóruns diversos e suportadas por uma crescente investigação, como a que se realiza no campo da didática onde nos integramos.

A educação continua, pois, a ter um papel crucial (provavelmente a precisar de uma (r)evolução paradigmática, meta teórica e ética) para enfrentar estas mudanças e desafios com mais qualidade de vida e sustentabilidade para todos. E, ao longo das últimas décadas, as propostas, vias e concretizações têm sido variadas, com ênfases, designações e linguagens distintas, mas em alguns casos baseadas em princípios, vertentes e correntes ideológicas próximas ou similares.

O mesmo tem ocorrido com algumas áreas disciplinares como as da ciência. Nesta têm sido avançadas finalidades, metas e propostas didáticas para a educação em ciências desde os primeiros anos de escolaridade. E estas têm sido alargadas e recebido os contributos de outras áreas do saber, como a psicologia, a sociologia, a filosofia e as neurociências.

Das mais referidas está a chamada literacia(s) para todos e pese embora também seja considerada inalcançável ou mesmo um mito, tem sido, em alguns contextos e países, usada para a tomada de decisões políticas. Em particular, no campo da ciência e tecnologia (C&T), a literacia científica e a tecnológica e digital são exemplos específicos, como evidencia a prolixa investigação, formação e avaliação que tem sido divulgada.

As vias ou modos para atingir e concretizar as diferentes literacias ou multi(literacias) são também diversificadas. Uma das que, desde o final da 2ª guerra mundial, se foi afirmando e fortalecido é a perspetiva, orientação ou mesmo educação ciência-tecnologia-sociedade (CTS). Esta, e algumas das variantes, como a CTSA (ambiente) ou, mais recentemente a STEAM (ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática) têm assumido diversos enfoques, conforme a influência ideológica, de poder de influência de associações e sociedades científicas e, ainda, políticas em vários países.

No quadro da promoção da literacia científica e tecnológica a educação CTS tem procurado, com diferentes propostas concretas, melhorar o saber e o interesse pela C&T e desocultar de forma explícita as suas inter-relações com a sociedade, onde se insere tudo o que se prende com as variadas controvérsias, incluindo as relativas às questões sócio-ambientais. Sinteticamente preconiza-se uma abordagem externalista do saber científico e tecnológico (e não internalista, canónica e simplesmente memorística ou declarativa), como atividades humanas socialmente contextualizadas, por exemplo a partir de questões temas, problemas ou situações reais e relevantes, com diferentes estratégias e que implique o mais possível o envolvimento o mais ativo possível dos estudantes no seu aprofundamento, resolução ou propostas de ação. Estipula-se, em termos gerais, uma educação que contribua para uma melhor qualidade de vida com sustentabilidade de e para todos e que proporcione condições para a participação democrática, fundamentada, esclarecida(ora) e atuante dos cidadãos na resolução de problemas, particularmente dos que envolvem a C&T e para a qual são muito relevantes também mobilizar várias capacidades de pensamento e atitudes / valores.

Entre estas têm sido progressivamente destacadas nos últimos anos, por fóruns, centros de investigação e o mercado do trabalho, as de pensamento crítico e criativo (PCC). A sua afirmação resulta da constatação que são fundamentais para utilização eficaz e racional e afetivo do conhecimento de C&T e em diferentes situações e contextos que privilegiem a democracia com liberdade e respeito pelos direitos humanos.

A investigação e formação que tem ocorrido na educação em geral, e nas das em ciências em particular, tem tido o contributo de outros campos, como da filosofia e psicologia, e sido perspetivada em diferentes quadros de referência e com operacionalizações em diferentes realidades didático-pedagógicas. A que temos vido a produzir e divulgar sobre estes dois tipos de pensamento, especialmente nos últimos quase 30 anos, pese embora diferentes linguagens e hierarquias, permitiu estabelecer que o PCC envolve quatro componentes ou dimensões:

• capacidades

• disposições ou atitudes/valores

• critérios e normas

• conhecimentos de C&T e sobre o próprio PCC e componentes anteriores

Os quais de forma intrincada, sempre que possível, devem ser mobilizados no contexto da resolução de problemas decorrentes das inter-relações CTS. Cada um destes componentes tem vindo a ser alvo de atenção quanto ao que envolvem e listagens, com múltiplos e diferenciados aprofundamentos, e com destaque para as capacidades. Os nossos mais recentes artigos em revistas científicas que estão abertos a todos, bem como livros e capítulos que temos vindo a publicar, apresentam e listam estes elementos e uma definição operacional de PCC, a qual tem vindo a ser implementada em diferentes níveis de escolaridade e contextos culturais, incluindo de países e hemisférios diferenciados, como África e América latina. Este quadro concetual do PCC para uma educação CTS e os contributos da investigação que tem proporcionado permitiu salientar os atributos ou condições para que tal possa ser viável com resultados encorajadores de melhoria destes elementos, que procuramos resumir com base no acrónimo PIGES:

i. Principiar, o mais cedo possível (é possível começar a promover alguns elementos a partir dos três anos de idade);

ii. Intencionalmente, adotando o educador, professor ou formador, para tal, uma concetualização operacional e o mais completa possível, como a que propomos;

iii. Gradualmente e de acordo com o potencial e contextos dos diferentes prendentes, mas com exigência e respeitando os diferenciados ritmos e estilos de aprendizagem;

iv. Explicitamente identificando as dimensões a promover bem como os seus elementos concretos (como os quatro referidos anteriormente); e

v. Sistematicamente, desde os primeiros anos de escolaridade e ao longo da vida.

Assim, a partir da revisão de diversos estudos, nomeadamente os que se têm desenvolvido ou orientado, numa lógica de promoção da literacia científica direcionada para a formação de cidadãos capazes de adequada e eficazmente mobilizar diversificadas competências (que envolvam os quatro componentes referidos anteriormente para o PCC) para uma educação CTS, ressaltam vários pontos de convergência, especialmente de implicação para a profissionalidade docente, como:

• Estar informado sobre o que vai ocorrendo a nível global e local e valorizar, nas distintas práticas educativas, situações reais para um ensino da C&T contextualizado explicitando as suas interações mútuas e com a sociedade; mas, não de modo instrumental e rotineiro mas de ação, tendo em consideração preocupações atuais de sustentabilidade e de forma a proporcionar a mobilização explícita, sistemática e intencional de conhecimentos, disposições ou atitudes/valores e capacidades com critério e normas que contribuam para uma adequada tomada de decisão ou resolução de problemas relevantes;

• Encorajar o interesse e a compreensão holística, por um lado, sobre questões de C&T para, acima de tudo, uma participação cidadã ativa e esclarecida e, por outro, do real trabalho dos cientistas e tecnólogos (envolvendo-os direta, mas também orientadamente, na educação em ciência); tal tendo em vista o promover de competências, sempre que possível em contextos inter ou multidisciplinares, e consolidar da democracia plural e respeitadora das diferenças e que contribua para o desenvolvimento global e harmonioso de todos;

• Envolver ativamente (cognitiva e emocionalmente) os estudantes, com estratégias e atividades diversificadas de ensino e de aprendizagem, por exemplo na argumentação ou na procura de informação e avaliação da sua credibilidade, a qual pode ser usada na resolução, algumas vezes (só) de modo criativo, de problemas e na identificação e reconstrução de eventuais dissonâncias ou desarmonias potenciando uma melhor compreensão do mundo na sua globalidade e complexidade;

• Integrar redes e comunidades científicas e profissionais que proporcionem um trabalho colaborativo e suporte para uma tomada de consciência acerca do estatuto e dos propósitos da C&T, distinguindo, por exemplo, explicação científica de não científica, bem como o papel que podem desempenhar na sociedade em geral, ou instituições, em particular; neste âmbito constituem exemplos a Associação Ibero-americana CTS na Educação em Ciência (AIA-CTS)1 e a Rede de Pensamento Crítico e Criatividade,2 ambas sedeadas neste momento, na Universidade de Aveiro, em Portugal.

Estes exigentes reptos só serão possíveis de implementar se forem acompanhados e integrados coerentemente com as necessárias mudanças e transformações nos vértices do triângulo didático da geometria variável e complexa da educação e da investigação que a suporta, a qual coloca, portanto, o aprendente no seu centro e com papel ativo no seu desenvolvimento integral. Entre estes está a formação inicial e continuada dos professores e de todos os seus formadores, o desenvolvimento de recursos educativos, incluindo digitais, e a inovação para que a sua transposição e operacionalização possa proporcionar efetivamente o desenvolvimento de competências em contextos CTS e a articulada mudança de políticas e currículos escolares. A título ilustrativo, por exemplo, os programas curriculares, metas ou aprendizagens essenciais, como acontece em Portugal na disciplina de ciências naturais do 2º Ciclo do Ensino Básico (10-12 anos de idade), são dos inícios do anos 90 do século passado e, como se tem vindo a evidenciar em diversa investigação, são suportadas por perspetivas convencionais, marcadamente empiristas centradas nos professores e indutivistas, os quais reforçam uma visão do conhecimento científico como mecânico, acumulativo, essencialmente memorístico e encarado pseudamente como construído em espiral, mas que não está, de todo, articulado com o ciclo anterior (primeiros quatros anos de escolaridade) e com o seguinte (3º Ciclo do Ensino Básico que inclui jovens dos 13 aos 15 anos).

Pese embora estas e outras dificuldades e constrangimentos, o que se defende e tem vindo a propor e a desenvolver (a conceber, a produzir, a implementar e a avaliar), como por exemplo, recursos didáticos consentâneos e uma formação de professores para uma educação CTS/PCC que responda efetivamente e com padrões de qualidade que se têm vindo a avançar e é exigido pelas atuais dinâmicas sociais e do mundo do trabalho e do progresso integral de todos. Importa que, desde os primeiros anos de escolaridade, os estudantes se envolvam e mobilizem todo o seu potencial em situações diversificadas conforme os seus níveis e ritmos de aprendizagem, com atividades e estratégias mais reais ou que sejam, no mínimo, simulações da mesma.

A este nível, tendo em vista a literacia científica, as estratégias que se têm vindo a revelar mais promotoras desta educação, com uma orientação explícita para o desenvolvimento das várias competências de PCC, têm sido o trabalho experimental com apelo adequado (na linguagem, nas orientações concetuais...) a capacidades, como as de controlo de variáveis, o desempenho de papéis (role-play) ou o Caso Simulado, os estruturadores gráficos, como os mapas concetuais, o debate, o “Brasão de Armas Pessoal”, a “Folha de Valores” ou o “Jornal de Parede de Valores”, os Posts (em diferentes plataformas e redes digitais autorizadas) sobre questões-problemas atuais e a escrita de ensaios argumentativos ou de posição sobre questões sócio científicas e tecnológicas atuais e, sempre que possível controversas.

São, pois, vários os exemplos da sua operacionalização em diferentes áreas da C&T e, níveis de escolaridade, contextos socioecónomicos que têm sido partilhados em congressos, com diferentes formatos, e em múltiplas publicações. E pese embora as dificuldades sentidas pelos professores envolvidos e pelos estudantes nas primeiras atividades que lhes são proporcionadas e que sentem que saem das suas rotinas habituais de sala de aula, tem-se verificado a melhoria das aprendizagens dos alunos, quer seja ao nível dos seus conhecimentos sobre C&T, das suas capacidades de pensamento, como as de argumentação, clarificação, apresentar e defender uma posição e com elaboração, sendo que para tal também tem contribuído a promoção de algumas disposições/atitudes, como a de tentar estar bem informado e de normas e critérios como o rigor e humildade intelectual.

Como temos vindo a salientar, já repetidamente, o envolvimento mais ativo dos estudantes é exigente para toda a comunidade educativa e procura, entre outros contributos, proporcionar-lhes oportunidades para terem: i) tempo para, por exemplo, também pensarem uns segundos perante um questionamento oral, e poderem depois também explicitar o que e como pensam; ii) um ambiente de aprendizagem estimulante e no qual podem expressar e explorar as suas ideias, pesquisarem em diferentes fontes e formatos e a questionarem-se mutuamente; iii) uma compreensão conceptual mais profunda sobre problemas de C&T ou questões societais com que se confrontam; iv) diversificadas oportunidades de errar, mas também de obter êxito, sem coartar a sua autonomia e procurando evitar domínio e imposição de maneiras pessoais de autoritarismos, de pensar e/ou de agir; e v) a tomada de consciência do que vão aprendendo, da sua aplicação e transferência para novas situações e a participarem também na avaliação do seu desempenho.

Para uma educação CTS/PCC finaliza-se instigando-se a que se:

• Continue a ampliar e a alargar a investigação, inovação e formação neste campo e com o quadro concetual que tem vindo a edificar e resumido anteriormente; por exemplo, os recursos educativos e as estratégias desenvolvidos, essencialmente para a educação em ciências dos primeiros anos de escolaridade, precisam de ser incrementados, nomeadamente nos níveis seguintes, como o secundário e, depois, no ensino superior e na formação de professores;

• Procure operacionalizar uma formação isomórfica, ou seja o que se propõe teórica e epistemologicamente deve ser consistente e coerente com o que efetivamente se faz, particularmente na formação inicial e continuada de professores, com maior premência na área das didáticas específicas, como a das ciências;

• Ampliem as associações, redes e comunidades de prática e de aprendizagem, incluindo online, existentes e, se viável, com novas dinâmicas e lógicas, aproveitando também o a melhoria da literacia digital dos docentes sobre as ferramentas e plataformas digitais para, não só responder a necessidades de melhoria das práticas didático-pedagógicas, mas igualmente para se produzir orientações, princípios e uma articulação mais próxima entre os centros de investigação, sedeados nas universidades e a realidade que se vivencia nas escolas, particularmente onde os futuros professores realizam os seus estágios supervisionados em colaboração; e

• Mudem ou (r)evolucionem os currículos educativos e a avaliação por forma a que se possa ter melhor e mais profunda abordagem da C&T e não mais quantidade e com um nível superficial, com uso na memória a curto prazo e para efeitos de progressão de estudos.

Conclui-se e reconhece-se que existe um longo caminho para uma educação CTS/PCC. Sabemos, e os estudos são consistentes a evidenciar, que as escolas não mudam muito no curto prazo, assim como a formação de professores e dos seus formadores. Pelo que é absolutamente necessário que os decisores políticos e toda a comunidade educativa assuma o seu papel na mudança que a sociedade, incluindo a científica e tecnológica, atual exige, particularmente ao nível da necessidade de existir uma melhoria, em todos os contextos e envolvidos, nas competências como as do PCC.

Financiamiento

Este trabalho é financiado por Fundos Portugueses através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto UIDB/00194/2020.

Como citar este artigo

Vieira, R. M. (2022). Para uma educação CTS com pensamento crítico e criativo. Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad —CTS, 17(50), 155-161. Dísponivel em: [inserte URL]

Notas

1. Acessível via: https://aia-cts.web.ua.pt.
2. Acessível via: https://redepensamentocritico.web.ua.pt. Financiamiento Este trabalho é financiado por Fundos Portugueses através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto UIDB/00194/2020. Como citar este artigo Vieira, R. M. (2022). Para uma educação CTS com pensamento crítico e criativo. Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad —CTS, 17(50), 155-161. Dísponivel em: [inserte URL]


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