Resumo: A ciência cidadã, que permite o envolvimento dos alunos e dos seus professores em iniciativas científicas autênticas que decorrem em contextos do mundo real, pode constituir-se como uma via de promoção da educação em ciências de orientação CTS/CTSA, permitindo que o aluno compreenda a ciência e as práticas de investigação científica e as aplique na resolução de questões ambientais reais em colaboração com cientistas, com os seus professores e com a comunidade alargada. Neste artigo procura-se apresentar uma caracterização da ciência cidadã, enquanto forma de envolver os cidadãos, incluindo jovens alunos, nos processos de investigação científica autênticos, desenvolvidos para endereçar temas e questões sociocientíficos e problemas emergentes e que são realizados de forma participativa e com potencial alcance à escala global. Pretende-se igualmente refletir sobre o potencial contributo da ciência cidadã para a concretização do objetivo da educação CTS/CTSA que reside na utilização de experiências do mundo real dos alunos que lhes permitam explorar as interfaces entre a ciência e o mundo social capacitando-os para compreender e atuar no meio em que se inserem. Neste âmbito, procura-se ainda refletir sobre as potencialidades e os desafios da integração da ciência cidadã em contextos formais e não-formais de educação em ciências.
Palavras-chave: ciência cidadã, investigação científica, participação social, educação CTS/CTSA, questões sociocientíficas.
Resumen: La ciencia ciudadana, que permite involucrar a los estudiantes y sus docentes en iniciativas científicas auténticas que tienen lugar en contextos del mundo real, constituye una forma de promover la educación en ciencias con una orientación CTS/CTSA al estimular al estudiante a comprender la ciencia y las prácticas de investigación científica y aplicarlas para resolver problemas ambientales en colaboración con científicos, maestros y la comunidad en general. Este artículo presenta una caracterización de la ciencia ciudadana como una forma de involucrar a los ciudadanos, incluidos los jóvenes estudiantes, en auténticos procesos de investigación científica, desarrollados para abordar temas y problemas sociocientíficos y problemas emergentes, y que se llevan a cabo de forma participativa y con potencial alcance global. También se pretende reflexionar sobre la potencial contribución de la ciencia ciudadana al logro del objetivo de la educación CTS/CTSA, que radica en el uso de las experiencias del mundo real para que los estudiantes puedan explorar las interfaces entre la ciencia y el mundo social y se capaciten para comprender el entorno en el que operan. En este contexto, también buscamos reflexionar sobre las potencialidades y los desafíos de la integración de la ciencia ciudadana en los contextos formales y no formales de la educación científica
Palabras clave: ciencia ciudadana, investigación científica, participación social, educación CTS/CTSA, problemas sociocientíficos.
Abstract: Citizen science, which allows the involvement of students and their teachers in authentic scientific initiatives that take place in real-world contexts, constitute a way of promoting science education with a STS/STSE orientation, by helping the student to understand science and scientific research practices and to apply them to solve real environmental issues, in collaboration with scientists, teachers and the wider community. This article presents a characterization of citizen science as a way of involving citizens, including young students, in scientific research processes, developed to address socio-scientific issues and emerging problems and carried out in a participatory way and with potential reach on a global scale. It also reflects on the potential contribution of citizen science to the achievement of the main objective of STS/STSE education, which lies in the use of real-world experiences that allow students to explore the interfaces between science and the social world and to enable them to understand and act in the environment in which they operate. Finally, it seeks to reflect on the potential and challenges of the integration of citizen science in formal and non-formal contexts of science education.
Keywords: citizen science, scientific research, social participation, STS/STSE education, socio-scientific issues.
Dossier-Artículos
Ciencia ciudadana y educación CTS/CTSA: mirando aportes, desafíos y oportunidades
O documento “Futuro da Educação e Competências 2030 – Bússola de Aprendizagem 2030” (OCDE, 2018) sublinha a importância de uma educação adaptativa e holística, em contextos formais e não-formais, como forma de responder às rápidas mudanças que a sociedade enfrenta. Como grande objetivo de aprendizagem do século XXI, é sublinhada a necessidade de pensar e agir de forma responsável, para o bem-estar coletivo, com base no conhecimento, em atitudes, valores e competências. Assim, a “Bússola 2030” é composta por sete elementos indissociáveis e complementares, a saber: 1. fundamentos essenciais; 2. competências transformadoras; 3. sentido de agência dos alunos; 4. conhecimento; 5. aptidões; 6. atitudes e valores; 7. ciclo antecipação-ação-reflexão. Destacam-se, em particular, os elementos:
2 Competências transformadoras. São referidas três competências transformadoras: i) “criar novo valor” para uma vida melhor, questionando o status quo, cooperando e pensando de modo criativo; ii) “conciliar tensões e dilemas”, resolvendo problemas complexos, aprofundando e equilibrando as próprias posições com posições opostas e cultivando relações de respeito e empatia; iii) “assumir responsabilidades”, avaliando as próprias ações com base na sua experiência e nos objetivos éticos da educação (OCDE, 2018, p. 60).
3 Sentido de agência dos alunos. Sempre que os alunos são ativos no que aprendem e como aprendem, aumenta o seu gosto por aprender a aprender e produz benefícios na própria vida e na vida da comunidade, sendo reforçado o seu sentido de realização e pertença. Neste âmbito, o conceito de agência dos alunos é, assim, entendido como a capacidade de definir um objetivo, refletir e agir de forma responsável com o intuito de realizar uma determinada mudança. Para além de serem responsáveis pela própria aprendizagem, os alunos são considerados agentes de mudança do sistema educativo e da sociedade (OCDE, 2018, p. 32).
7 Ciclo antecipação-ação-reflexão. É importante que as ações praticadas sejam intencionais e responsáveis e, por isso, é necessário antecipar antes de agir, prevendo as consequências e compreendendo as próprias intenções, bem como as intenções dos outros e, depois, refletir sobre a ação praticada, tornando mais eficiente o pensamento e a ação (OCDE, 2018, p. 118).
Um outro documento da OCDE (2018), “O futuro da educação e competências: Educação 2030”, enfatiza que, para que os alunos desempenhem um papel ativo em todas as dimensões da vida, terão de navegar pela incerteza, através de uma grande variedade de contextos: no tempo (passado, presente, futuro), no espaço social (família, comunidade, região, país e mundo) e no espaço digital. Também terão de se envolver com o mundo natural, para perceber como se constrói o conhecimento sobre o mundo que nos rodeia e apreciar a sua fragilidade, complexidade e valor.
No caso particular da educação científica, destaca-se a importância de envolver os alunos numa ação responsável e fortemente contextualizada, estimulando a sua participação em situações reais, promotoras de aprendizagens relevantes e significativas para a vida, isto é, uma educação científica que permita aos alunos aprender de forma significativa e contextualizada, enquanto participam de forma responsável em atividades do quotidiano, em sociedade, com a mobilização dos conhecimentos científicos para a ação. A participação em práticas relevantes para a comunidade, através da realização de investigações científicas (tanto dentro como fora da escola) e do envolvimento em ação social e ambiental, reforça a perceção da relevância da escola para a vida (Aristeidou e Herodotou, 2020; Reis et al., 2020; Roche et al., 2020). As abordagens no ensino das ciências orientadas para a investigação parecem ser as mais adequadas à promoção desta perspetiva de educação para a literacia científica assente no recurso à interdisciplinaridade dos saberes e à abordagem de situações-problema em contextos reais.
A educação em ciências de orientação ciência-tecnologia-sociedade/ciência-tecnologia-sociedade-ambiente (CTS/CTSA) procura abordar temas e conceitos de ciência e tecnologia inseridos em contextos reais, sociais e ambientais, dando, assim, sentido funcional aos conceitos canónicos. A educação em ciências deve ajudar a distinguir ciência de tecnologia e a compreender as suas inter-relações. Uma forma de o conseguir será fazendo um ensino integrado de ciência e tecnologia, enfatizando as estreitas relações existentes entre ambiente físico e fatores sociais e culturais. Selecionar temas geradores de controvérsias para exploração nas aulas de ciências, analisando argumentos a favor e contra, promover a participação dos alunos e da comunidade nos processos de investigação científica autênticos, através do seu envolvimento em projetos de ciência cidadã, serão formas de desenvolver a capacidade de tomar decisões e, por conseguinte, influenciar medidas políticas a implementar.
Neste artigo começa por se apresentar algumas considerações sobre as orientações CTS/CTSA na educação em ciências, seguindo-se depois a referência às abordagens orientadas para a investigação, no âmbito das quais se destaca o caso da ciência cidadã. Na sequência – e tendo por base o trabalho de investigação e de prática que se tem vindo a desenvolver sobre a temática da ciência cidadã (Araújo et al., 2021; Araújo et al., 2022a; Araújo et al., 2022b; Costa et al., 2021; Costa et al., 2022; Morais, 2022) – apresenta-se uma reflexão sobre os contributos e desafios da integração da ciência cidadã na educação em ciências, bem como algumas recomendações para potenciar esta integração. O artigo termina com algumas considerações que procuram sistematizar o potencial contributo da ciência cidadã para a concretização do objetivo da educação CTS/CTSA.
Como refere Martins (2020), “os programas escolares tradicionais, focados na ciência canónica, tornaram-se, aos olhos dos alunos, cada vez mais desmotivantes, porque apresentavam uma ciência fechada e dogmática, distante dos seus interesses” (p. 19). Nas palavras de Latour (1987), a educação tende a enfatizar a “ciência pronta” (ready-made science – com todas as mensagens implícitas sobre a certeza) em vez da “ciência em construção” (science-in-the-making – com enfase na construção social do conhecimento científico).
A partir da década de 70 do século XX, começaram a surgir projetos com a intenção de organizar currículos, definir estratégias e conceber recursos didáticos capazes de apoiar uma nova orientação a dar ao ensino formal das ciências: a orientação ciência-tecnologia-sociedade (CTS), posteriormente expandida para ciência-tecnologia-sociedade-ambiente (CTSA), para reconhecer e dar mais enfase às preocupações ambientais, e depois ainda expandida para incluir as oportunidades para os alunos serem confrontados com questões sociocientíficas, muitas vezes de natureza controversa (Hodson, 2020).
Durante a década seguinte, a iniciativa CTS – particularmente por meio do trabalho influente de Glen Aikenhead e Joan Solomon (sendo que a compreensão das múltiplas inter-relações CTS tem vindo a mobilizar académicos e investigadores em vários pontos do mundo) – procurou promover uma mudança substancial no ensino de ciências. Com efeito, o objetivo da educação CTS/CTSA reside na utilização de experiências do mundo real dos alunos que lhes permitam explorar as interfaces entre a ciência e o mundo social com o objetivo de os capacitar para compreender temas e questões sociocientíficos, formular visões próprias e pontos de vista sobre essas questões, reconhecer as forças sociais, políticas e económicas que influenciam as atividades científicas e tecnológicas, tomar decisões informadas e responsáveis, bem como atuar no meio em que se inserem (Hodson, 2003, 2020; Pedretti e Nazir, 2011). Estamos perante um contexto para a aprendizagem aprimorada de ciências, de carácter mais humanista, capacitando os alunos para a intervenção cidadã consciente e informada, necessária nas sociedades democráticas (Hodson, 2020; Martins, 2020). Usar questões sociocientíficas controversas como base para a consideração individual e a interação de grupo fornece um ambiente onde os alunos poderão desenvolver o seu pensamento crítico e o seu sentido ético e moral. Será relevante que as controvérsias sociocientíficas reais, sejam selecionadas de acordo com as características-chave identificadas por Ratcliffe e Grace (2003): i) terem uma base científica, frequentemente nas fronteiras do conhecimento científico, onde os dados e as evidências podem ser incompletos, conflituantes ou confusos; ii) envolvam a formação de opiniões e a tomada de decisões a nível pessoal e social; além de tratarem de questões locais, nacionais e/ou globais, com implicações políticas e sociais concomitantes; iii) envolvam alguma análise de custo-benefício em que probabilidade e risco interagem com valores; e iv) possam ter destaque na comunicação social.
Importa ainda referir a crucialidade de no processo de formação inicial e continua de professores de ciências se discutirem temas e questões sociocientíficas, com a análise de exemplos concretos e a vivência de experiências, potenciadas pela necessária reflexão e debate sobre as orientações CTS/CTSA, uma vez que a integração desta abordagem nas práticas pedagógicas dos professores requer preparação em questões sociais, éticas, políticas e ambientais que, embora relacionados com o conhecimento disciplinar típico da ciência, transcende esse cenário e exige trabalho colaborativo com outros professores e profissionais (Marandino et al., 2019).
Tal como enfatizado no documento “PISA 2015 results (volume II): Policies and practices for successful schools” (OCDE, 2016), na educação em ciências, as atividades investigativas referem-se ao envolvimento dos alunos na experimentação e nas atividades hands-on e também no desafio e encorajamento dos alunos a desenvolver uma compreensão conceptual das ideias científicas. Com esta abordagem é esperado que os alunos compreendam, expliquem e debatam ideias científicas, planifiquem e conduzam experiências e comuniquem os seus resultados, relacionando as suas ideais científicas e a investigação com os problemas da vida real. Barron e Darling-Hammond (2010) fizeram uma revisão das evidências da investigação empírica da qual ressaltam três conclusões particularmente importantes: i) os alunos aprendem mais profundamente quando podem aplicar o conhecimento obtido em sala de aula a problemas do mundo real; as abordagens baseadas em investigação são formas importantes de estimular a comunicação, a colaboração, a criatividade e o pensamento crítico; ii) a aprendizagem baseada em investigação depende da aplicação de avaliações bem elaboradas, tanto para definir as tarefas de aprendizagem quanto para avaliar o que foi aprendido; iii) o sucesso das abordagens de investigação tende a ser altamente dependente do conhecimento e das competências dos professores que as implementam. Se essas abordagens são mal compreendidas e confundidas com abordagens não estruturadas, os seus potenciais benefícios são substancialmente reduzidos.
O envolvimento, a preparação e a realização de ações relacionadas com questões sociocientíficas, relaciona-se, como refere Hodson (2020), com “aprender sobre a ação” e “aprender por meio da ação”. “Aprender sobre a ação” tem o objetivo de aprender as competências e estratégias da ação sociopolítica por meio de filmes, biografias, estudos de caso e simulações, dramatizações e reconstruções dramáticas. “Aprender por meio da ação” compreende o envolvimento direto em projetos orientados para a ação fora da sala de aula, ações que podem ser tomadas a nível individual, de grupo e da comunidade, para influenciar políticas e práticas que provavelmente terão resultados e consequências tangíveis. Esta possibilidade de envolvimento dos alunos numa ação coletiva, baseada em conhecimento científico, tendo em vista a resolução de problemas sociocientíficos, está sobejamente alinhada com o quadro de “Investigação e Inovação Responsáveis” que emanou da Comissão Europeia (2014). A “Investigação e Inovação Responsáveis” procura que os atores sociais (investigadores, cidadãos, decisores políticos, empresas, organizações etc.) trabalhem em conjunto na co-construção de todo o processo de investigação e inovação, para alinhar melhor este processo e os seus resultados com os valores, necessidades e expetativas da sociedade civil.
A ciência cidadã – entendida como uma forma de envolvimento e colaboração que envolve o público na investigação científica para resolver problemas do mundo real (Comissão Europeia, 2021) – tem permitido vários níveis de acesso e envolvimento da sociedade civil com a ciência e com o processo de construção do conhecimento científico: “desde o aumento do conhecimento público sobre a ciência, incentivando os cidadãos a participar no processo científico, observando, recolhendo e analisando dados, até à definição da agenda científica, conceção e implementação de políticas relacionadas com a ciência” (Comissão Europeia, 2020, p. 40) , sendo uma abordagem “aplicável em todas as disciplinas científicas, a par com uma variedade de tradições disciplinares e métodos de investigação” (ECSA, 2020, p. 3).
A ciência cidadã é também um campo em rápida expansão da “Ciência Aberta”, que visa tornar a ciência mais acessível a todos, e que permitirá fortalecer a posição da ciência na sociedade, através da traslação do conhecimento científico para a sociedade, o que, por sua vez, reforçará o impacto social da investigação e concorrerá para a sua valorização e reconhecimento. A este propósito a UNESCO promoveu um grandioso processo de construção coletiva de uma “Recomendação para a Ciência Aberta” (International Science Council, 2021), enfatizando a relevância da ciência cidadã neste intento.
O termo “ciência cidadã” refere-se a um vasto conjunto de práticas de investigação desenvolvidas num número crescente de áreas de conhecimento (maioritariamente, nas áreas do ambiente, biodiversidade, saúde e astronomia) e caracterizadas pela participação ativa dos cidadãos em algumas ou várias fases do processo de investigação (Eitzel et al., 2017; Pelacho et al., 2021). A ciência cidadã tem antecedentes na necessidade de recolher informação de forma regular sobre o mundo natural. Miller-Rushing et al. (2012) apontam profundas tradições históricas relativas à recolha sistemática de observações e informações por parte dos cidadãos, incluindo registos milenares que documentam fenómenos naturais ao longo do tempo. Por exemplo, os viticultores, em França, têm vindo a registar dias de colheita de uvas há mais de 650 anos (Chuine et al., 2004), enquanto os diaristas da corte em Quioto, no Japão, têm vindo a registar datas do tradicional festival da flor de cerejeira há mais de 1200 anos (Primack et al., 2009). Na China, os cidadãos têm acompanhado surtos de gafanhotos há pelo menos 3500 anos (Tian et al., 2011). Nos Estados Unidos, entre os mais antigos conjuntos de dados, estão registos mantidos por agricultores e organizações agrícolas que documentam o calendário de importantes eventos agronómicos, como as sementeiras, as colheitas e os surtos de pragas (NASEM, 2018).
As definições, classificações e terminologia da ciência cidadã permanecem ainda com um certo grau de abertura, refletindo que a ciência cidadã é um fenómeno em evolução (Pelacho et al., 2021). O conceito de “ciência cidadã” é muitas vezes atribuído a duas fontes distintas (Hecker, Haklay et al., 2018). Em 1995, Alan Irwin usou o termo para se referir a uma abordagem onde os objetivos de investigação foram colaborativamente determinados por cientistas e pelo público, no Reino Unido (Irwin, 1995). Por volta da mesma altura, Rick Bonney (1996) começou a usar o mesmo termo para se referir a numerosos projetos no Laboratório de Ornitologia da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, que envolveu membros do público na investigação sobre as aves. Muitas definições têm surgido desde então, com vários graus de alinhamento a estas raízes iniciais (Eitzel et al., 2017; Haklay et al., 2020). Especialmente notáveis são as definições avançadas pelos documentos governamentais e por outros órgãos políticos, científicos ou sociais com relevância na área, das quais se destacam as apresentadas na Tabela 1.

No âmbito desta publicação, consideramos a definição de ciência cidadã com base em cinco características principais: “participação pública”, “contribuições voluntárias”, “produção científica de investigação e conhecimento”, “contextos autênticos” e “questões sociocientíficas” (Fraisl et al., 2022). A estes elementos, acresce também a noção de “escala” associada à ciência cidadã, quer por permitir uma abrangência geograficamente alargada de uma dada questão sociocientífica, quer por permitir trabalhar em escalas de análise e interpretação de dados que podem potenciar a tomada de decisões esclarecidas tanto a nível local, como nacional ou ainda global (Frigerio et al., 2021).
Compreender o envolvimento de diferentes públicos na ciência cidadã é fundamental para a conceção de projetos que gerem valor, tanto para os participantes como para os cientistas (ECSA, 2015). Os professores e os alunos são participantes importantes cujas necessidades são distintas das de outros cidadãos voluntários. As escolas e outras instituições, como os museus e os centros de ciência, têm o potencial específico de envolver uma demografia mais ampla de participantes na ciência, sendo que os educadores desempenham um papel fundamental na facilitação do envolvimento dos seus alunos na ciência (He e Wiggins, 2017; Shah e Martinez, 2016). Segundo Harlin et al. (2018), relacionar a ciência cidadã e as escolas parece ser um passo natural pois, por um lado, os professores e os alunos têm acesso autêntico à ciência em ação e, por outro, os cientistas têm acesso a muitos voluntários entusiasmados (os alunos juntamente com os seus professores), ao mesmo tempo que expandem a consciência pública sobre os seus tópicos de investigação.
Em geral, os cidadãos podem envolver-se em diferentes níveis do processo científico: no desenvolvimento de questões e hipóteses de investigação, na recolha de dados, na análise de dados, na elaboração de conclusões e na divulgação dos resultados. Bonney, Ballard et al. (2009) desenvolveram uma categorização frequentemente utilizada para classificar a tipologia de projetos de ciência cidadã:
i) Projetos contributivos, que são geralmente concebidos por cientistas e para os quais os participantes contribuem principalmente com a recolha de dados.
ii) Projetos colaborativos, que são geralmente concebidos por cientistas e para os quais os participantes contribuem com a recolha de dados, mas também podem ajudar a refinar o design do projeto, analisar dados ou divulgar resultados;
iii) Projetos co-criados, que são concebidos por cientistas e membros do público, que trabalham em conjunto e para os quais pelo menos alguns dos participantes estão ativamente envolvidos na maioria ou em todas as etapas do processo de investigação científica.A maioria dos projetos de ciência cidadã são de natureza contributiva, o que constitui um desafio para a ciência cidadã: procurar alcançar um maior equilíbrio entre as agendas orientadas pelos cientistas e as agendas orientadas pela comunidade.
Importa ainda referir que a ciência cidadã tem as mesmas questões de desigualdade que são endémicas em toda a sociedade, com barreiras inatas à participação de minorias e de comunidades desfavorecidas. O capital científico (Bourdieu, 2001) – um conceito que explora como o ambiente e a classe social de uma pessoa podem afetar o seu envolvimento na ciência – poderia permitir que as “desigualdades na participação científica” fossem descobertas mais facilmente, o que por sua vez poderia ser usado para promover a “justiça social dentro da educação científica” (Archer et al., 2015, p. 943). Se a ciência cidadã quiser cumprir o seu potencial na melhoria da equidade de acesso e participação na educação científica, então “até que ponto a ciência cidadã pode construir capital científico e permitir um maior envolvimento com questões relacionadas com a ciência [...] merece mais investigação” (Edwards et al., 2018, p. 390).
A ciência cidadã é um campo crescente de investigação e de prática, que tem gerado novos conhecimentos e potenciado a compreensão no mundo que nos rodeia através da colaboração de cidadãos na investigação científica. As iniciativas de ciência cidadã, em várias áreas de ponta da ciência, são frequentemente desenvolvidas para endereçar questões sociocientíficas, problemas emergentes ou questões de investigação prementes (Tsivitanidou e Ioannou, 2020). A ciência cidadã gera oportunidades para os cidadãos assumirem um papel ativo nas suas comunidades (Mueller e Tippins, 2012), operacionalizando a cidadania ativa, atendendo aos fundamentos da democracia participativa, da responsabilidade cívica na educação científica (Mueller e Bentley, 2007) e do ativismo partilhado. São vários os autores que argumentam que participar diretamente no processo de investigação científica, através da ciência cidadã, é uma excelente forma de aumentar o conhecimento e a literacia científica (Araújo et al., 2022a; Bonney et al., 2016; Jordan et al., 2011; Queiruga-Dios et al., 2020); compreender o processo de construção do conhecimento científico (Trautmann et al., 2012); desenvolver ações positivas em prol do ambiente (Bopardikar et al., 2021; Lewandowski e Oberhauser, 2017), melhorar as atitudes em relação à ciência, as capacidades para se envolver na ciência, e aumentar o interesse pela ciência como carreira profissional (Araújo et al., 2021; Araújo et al., 2022b; Costa et al., 2021; Queiruga-Dios et al., 2020). A ciência cidadã tem um amplo potencial para a transdisciplinaridade e para permitir integrar as ciências físicas e naturais com as ciências da saúde, as humanidades, as artes, a economia e as ciências sociais (Kloetzer et al., 2021; Tauginienė et al., 2020), bem como para contribuir para o desenvolvimento sustentável, tal como preconizado nos objetivos da ONU (Fraisl et al., 2022; Queiruga-Dios et al., 2020), uma vez que abrange um vasto leque de áreas relevantes (por exemplo, qualidade da água e do ar, detritos marinhos, biodiversidade e questões de saúde e de género), fornecendo dados e indicadores de concretização dos objetivos estabelecidos (Araújo et al., 2021; Fritz et al., 2019). Desta forma, a participação dos cidadãos é crucial para a obtenção de dados e para o acompanhamento das mudanças produzidas a nível global. Esses dados devem ser livremente acessíveis para que os cidadãos possam tomar decisões informadas.
Os participantes em projetos de ciência cidadã estão envolvidos num processo de aprendizagem (Kloetzer et al., 2021), não apenas relacionado com o desenvolvimento das competências necessárias à sua participação, mas também relacionadas com a compreensão mais profunda dos conceitos e processos científicos (Araújo et al., 2022a). Desta forma, a ciência cidadã tem sido progressivamente encarada como promissora quer para a investigação científica como também para as práticas educativas (Kloetzer et al., 2021). De facto, os projetos de ciência cidadã estão a tornar-se globalmente populares para melhorar a educação científica (Araújo et al., 2021, 2022a, 2022b; Bonney et al., 2016; Costa et al., 2021; Heiss et al., 2021; Kelemen-Finan et al., 2018; Koomen et al., 2018; Koomen et al., 2016; Mueller e Tippins, 2012; Roche et al., 2020). A integração da ciência cidadã em contextos de educação fornal e não-formal permite fortalecer a compreensão dos alunos sobre as competências científicas e de investigação científica através da participação ativa em investigação autêntica (Bopardikar et al., 2021; Shah e Martinez, 2016), relacionando a vida diária e a ciência e aproximando a ciência, a comunidade científica e a sociedade (Kelemen-Finan et al., 2018). As National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine, na sua publicação “Learning through citizen science: Enhancing opportunities by design” (2018), oferecem uma sistematização destas ideias, referindo que o contexto científico de um projeto de ciência cidadã pode apoiar a aprendizagem de, pelo menos, três formas:
i) Esforço científico autêntico: por definição, os projetos de ciência cidadã são autênticos empreendimentos científicos, o que significa que estão em curso investigações sobre um fenómeno científico conduzido com um determinado propósito. Esta autenticidade proporciona uma oportunidade adicional para o envolvimento em práticas científicas e para aprender sobre a natureza da ciência. A autenticidade pode ainda servir de fator motivador para a participação e para a aprendizagem e para melhor se abordar temas e conceitos de ciência e tecnologia inseridos em contextos reais, sociais, dando, assim, sentido funcional aos conceitos por via de uma abordagem CTS/CTSA.
ii) Ambiente natural e mundo real: a maioria dos projetos de ciência cidadã são investigações de fenómenos no ambiente natural, sendo menos frequentes os projetos em contextos de simulação do real (criados computacionalmente), que decorrem em escalas observáveis. Ter lugar num contexto real proporciona a oportunidade de motivar a aprendizagem com base na relevância.
iii) Centralidade dos dados: as oportunidades de ciência cidadã geralmente envolvem os participantes na recolha e análise de dados (embora possam incluir outras atividades científicas). A prioridade conferida aos dados, em projetos de ciência cidadã, cria a oportunidade de conhecer o papel dos mesmos na investigação científica (natureza da ciência) e a oportunidade para aprender a realizar análises de dados (uma prática científica).
Em colaboração com os cientistas, os alunos podem ter a oportunidade de aprender conceitos fundamentais e podem desenvolver uma compreensão mais profunda da natureza da investigação científica, envolvendo-se em práticas científicas, incluindo planeamento e realização de investigações, a formulação de questões de investigação, recolha, análise e interpretação de dados, construção de explicações e modelos, e comunicação das suas conclusões a várias partes interessadas, incluindo as comunidades científicas e locais (Bopardikar et al., 2021; Houseal et al., 2014; Trautmann et al., 2012). Os projetos de ciência cidadã constituem-se como contextos que promovem a construção social do conhecimento – professores e alunos participam como parte de uma comunidade de prática para investigar questões de importância social (Costa et al., 2022; Gilbert et al., 2011), o que contribui para a consubstanciação de uma educação em ciências de orientação CTS/CTSA.
A integração da ciência cidadã na educação formal constitui-se como uma oportunidade única para chegar a todos os setores da sociedade, concretizando-se, assim, o potencial democrático, inclusivo e transformador da ciência cidadã (Kloetzer et al., 2021), para que a ciência seja, de facto, para todos e com todos (Ruiz-Mallén et al., 2016). Tal como referem Harlin et al. (2018), a ciência cidadã traz vantagens para todos os intervenientes: professores e alunos têm acesso autêntico à ciência em ação, incluindo cientistas, questões de investigação científica, processos, dados e análise de dados, que promovem o envolvimento com a ciência e oportunidades de aprendizagem.
Os cientistas, por sua vez, podem colaborar com muitos voluntários (os alunos) juntamente com “líderes de equipa” (os professores), ao mesmo tempo que expandem a consciência pública dos seus tópicos e descobertas. Uma leitura cuidadosa da literatura científica emergente, que se centra na integração de projetos de ciência cidadã nas escolas, apoia esta hipótese, mas também destaca alguns desafios críticos, tal como se reportará adiante. As escolas são encarradas como tendo grande potencial multiplicador e de alcance, nas quais os professores desempenham um papel fundamental, podendo atuar como participantes, facilitadores e motivadores em projetos de ciência cidadã. Na sala de aula, os professores muitas vezes deparam-se com o desafio de encontrar um equilíbrio entre o desenvolvimento do currículo e o desejo de encontrar formas novas e interessantes de envolver e motivar os alunos (Harlin et al., 2018). A participação na recolha e análise de dados do mundo real é envolvente tanto para alunos como para professores (Trautmann et al., 2012). Ao ter valor real, a ciência cidadã poderá conferir um reforço de significado à aprendizagem.
Os contextos de educação não-formal, como centros de ciência e museus, são também cruciais para a educação científica (Burke e Navas Iannini, 2021). Os projetos de ciência cidadã encontram nestes contextos uma “casa natural” devido ao forte compromisso que existe com o envolvimento do público (Ballard, Robinson et al., 2017), bem como por serem entidades que trabalham em simultâneo com o público, os cientistas e os sistemas de educação formais (Kloetzer et al., 2021; Sforzi et al., 2018). Assim, estão idealmente situados na interseção entre a ciência, a educação e o envolvimento do público com temas sociocientíficos relevantes a nível local e global (Kloetzer et al., 2021). Uma das tensões habituais que se enfrentam nestes contextos relaciona-se com o tempo e os recursos necessários para tornar as atividades envolventes, e os esforços para servir os objetivos científicos e educativos dos projetos (National Research Council, 2009). A aprendizagem que ocorre em ambientes não-formais, através de projetos de ciência cidadã, pode ser difícil de captar. Contudo, foram realizados esforços para encontrar formas de avaliar os resultados de aprendizagem pretendidos para os participantes nestes projetos. Neste sentido, Phillips et al. (2018) apresentou um quadro de referência para a articulação e medição dos resultados individuais da aprendizagem resultantes da participação em projetos de ciência cidadã, que inclui: interesse pela ciência e pelo ambiente (Phillips et al., 2019), autoeficácia, motivação, conhecimento da natureza da ciência, competências de investigação científica, comportamento e gestão.
Vários autores (Aivelo e Huovelin, 2020; NASEM, 2018; Perelló et al., 2021; Roche et al., 2020) têm apresentado recomendações para maximizar as sinergias entre a ciência cidadã e a educação em ciências, procurando criar oportunidades significativas para a ciência cidadã no ensino e na aprendizagem.
Uma das recomendações relaciona-se com o desenvolvimento de iniciativas de formação e desenvolvimento profissional como, por exemplo, workshops, cursos e oficinas de formação, de modo a facilitar a integração da ciência cidadã nas salas de aula, e na superação de algumas barreiras com as quais as escolas, os professores e os alunos se deparam enquanto participam em projetos de ciência cidadã (Crall et al., 2013). O apoio aos professores é importante pois, caso contrário, pode ser difícil para eles, sobrecarregados e limitados por currículos extensos, envolverem-se a si e aos seus alunos em novas e complexas atividades. Segundo Aivelo e Huovelin (2020), os professores não podem ser participantes passivos nos projetos de ciência cidadã, mas antes agentes ativos na integração e significação das experiências e resultados da participação dos seus alunos. Os autores sugerem que os professores debatam na sala de aula com os seus alunos, sobre os objetivos, problemas relacionados e, eventualmente, experiências durante a participação em projetos de ciência cidadã. Embora alguns alunos possam vivenciar experiências de aprendizagem significativas apenas por participarem, uma oportunidade de refletir sobre o projeto numa sala de aula proporcionaria muitas mais oportunidades de aprendizagem. Adicionalmente, a análise dos dados proporcionaria mais oportunidades de aprendizagem; um projeto de ciência cidadã colaborativo ou co-criado pode ser ainda mais valioso do ponto de vista educativo.
Uma outra recomendação passa por garantir o alinhamento entre as posições onto-epistemológicas da ciência cidadã, da educação e da aprendizagem. A consecução dos objetivos educativos dos projetos de ciência cidadã está dependente dos objetivos equacionados na fase de planificação do projeto (Bonney, Shirk et al., 2014). Permitir que os alunos participem no processo, contribuindo com ideias e questões de investigação, ajuda a melhorar a aprendizagem, e fomenta uma sensação de apropriação e de investimento no projeto. Assim, será relevante que os investigadores procurem envolver os alunos, garantindo que os dados são devolvidos à sala de aula e proporcionando aos alunos a oportunidade de eles próprios analisarem e apresentarem os dados em si. Além disso, atendendo a que a maioria dos projetos ciência cidadã continuam a ser contributivos, a construção de uma componente de co-criação em projetos de ciência cidadã aumentaria significativamente a probabilidade de que os objetivos educativos e científicos do projeto fossem atingidos (Soanes et al., 2020). Essas abordagens de co-criação devem ser consideradas prioritárias (Kelemen-Finan et al., 2018).
É recomendado também que o envolvimento e os resultados educativos devem ser explicitamente medidos. Os resultados educativos constituem uma componente importante dos projetos de ciência cidadã escolar e, como tal, a capacidade do projeto para a concretização destes resultados deve ser avaliada e não assumida (Soanes et al., 2020). Considerar quadros teóricos de referência para medir os resultados individuais da aprendizagem resultantes da participação na ciência cidadã – como, por exemplo, a proposta de Phillips et al. (2018) – facilitaria o alinhamento dos resultados da aprendizagem e das posições epistemológicas subjacentes. Uma outra recomendação relaciona-se com os desafios em torno da comunicação, divulgação e diálogo estabelecidos no âmbito dos projetos de ciência cidadã. Por um lado, é enfatizada a necessidade de aumentar as oportunidades de formação em comunicação de ciência para os cientistas envolvidos na ciência cidadã, bem como para os cientistas em geral. A colaboração entre cientistas e cidadãos com profissionais de relações públicas e de comunicação poderia conduzir a estratégias mais abertas para comunicar com os diferentes públicos e poderia gerar um alinhamento claro entre a divulgação e os modos participativos de comunicação de ciência (Bucchi e Trench, 2021).
Estabelecer apoio curricular e parcerias formais constituiu-se como outra recomendação a considerar. As parcerias formais podem garantir que tanto as escolas como os cientistas tenham acesso às infraestruturas e apoio administrativo necessários para desenvolverem projetos significativos e sustentáveis. Isto pode ser conseguido trabalhando com organizações que têm programas de educação científica e divulgação científica já existentes (Ballard, Robinson et al., 2017; Zoellick et al., 2012) ou estabelecendo iniciativas dentro da universidade e dos centros de investigação para apoiar os cientistas nas escolas.
Outra recomendação passa por investigar de que forma a compreensão da natureza da ciência se relaciona com implementações de práticas científicas e com a participação em projetos de ciência cidadã. De facto, a ciência cidadã pode fornecer um novo contexto para os investigadores na área educativa explorarem como os cidadãos desenvolvem e refinam a sua compreensão da natureza da ciência (NASEM, 2018). Uma vez que algumas atividades científicas no âmbito dos projetos de ciência cidadã podem ser produtivamente sustentadas durante longos períodos de tempo (o que é importante quando os objetivos da aprendizagem científica envolvem, por exemplo, mudança conceptual), podem permitir o estudo de processos de aprendizagem que carecem de um espectro temporal mais alargado sendo recomendado que os educadores em ciências tenham esta oportunidade em consideração.
Na perspetiva dos alunos, muitos consideram a ciência como uma área pouco relevante porque as disciplinas científicas não se relacionam com sua vida diária, sendo que esta ausência de relevância percebida, quando se verifica, limita o desenvolvimento do interesse dos estudantes face à ciência. A literatura sugere que tornar o estudo da ciência relevante para os alunos deve ser um objectivo-chave da educação científica. Uma forma promissora de conseguir explicitar essa relevância é através da educação em ciências de orientação CTS/CTSA e na sua operacionalização por via da participação dos alunos em projetos de ciência cidadã. O envolvimento em iniciativas científicas autênticas que decorrem em contextos do mundo real, onde as inter-relações CTS/CTSA são bem patentes, constitui-se como uma potencialidade da ciência cidadã, pois permite que o aluno compreenda a ciência e as práticas de investigação científica - desde a definição do problema e formulação das questões de investigação; desenvolvimento de hipóteses; conceção do estudo ou dos protocolos; recolha de dados ou amostras; realização da análise de dados e interpretação de resultados; estruturação das conclusões e divulgação dos resultados; formulação de novas perguntas e implementação de medidas que melhorem a qualidade de vida em comunidade local e alargada - e as aplique, por exemplo, à deteção, monitorização e resolução de questões ambientais reais, na sua esfera local ou à escala global, em colaboração com cientistas, com os seus professores e com a comunidade alargada. Desta forma, a aprendizagem pode estender-se muito além do conhecimento do conteúdo, num determinado domínio, para incluir uma melhor compreensão da natureza, dos métodos e dos processos científicos e para fomentar atitudes positivas em relação à ciência. Além disso a ciência cidadã é também uma forma eficaz de abordar um vasto leque de desafios sociais.
O compromisso explícito dos atores sociais marca uma diferença significativa entre a ciência cidadã e a maioria das abordagens-padrão nas práticas de investigação científica. Além disso, o facto de a ciência cidadã ser muitas vezes orientada por questões sociocientíficas emergentes, ser uma atividade social ou comunitária, e oferecer oportunidades para uma participação a longo prazo, também proporciona oportunidades relevantes para a aprendizagem da ciência.
Em jeito de remate final, importa sublinhar que há desafios e questões que nos merecem outras reflexões complementares sobre o binómio “ciência cidadã e abordagem CTS/CTSA”. Considera-se que este conjunto é parte integrante dos princípios da educação em ciências, nomeadamente, pela sua contribuição para uma melhor compreensão da inter-relação da ciência com a tecnologia e a sociedade e para a potenciação de uma cidadania ativa baseada em valores democráticos. Para tal, será importante uma educação científica que permita aos alunos aprender ciência, de forma significativa e contextualizada, exercendo o seu direito à cidadania pela participação responsável em atividades do quotidiano em sociedade. Selecionar temas geradores de controvérsias para exploração nas aulas de ciências, analisando argumentos a favor e contra, promover a participação dos alunos e da comunidade em projetos de ciência cidadã, serão formas de desenvolver a capacidade de tomar decisões e, por conseguinte, influenciar medidas políticas a implementar. Embora se possa reconhecer que a ciência cidadã e a abordagem CTS/CTSA são domínios de investigação originados por grupos distintos, apresentam grande cumplicidade na medida em que se pode considerar que a abordagem CTS/CTSA contribui para conceptualizar o campo de investigação educativa da ciência cidadã e a ciência cidadã, por sua vez, é uma forma de operacionalização dos intentos da educação em ciências de orientação CTS/CTSA dado que a maioria dos projetos de ciência cidadã são investigações de fenómenos no ambiente natural e são autênticos empreendimentos científicos. Esta autenticidade pode motivar para a participação e para a aprendizagem e para melhor se abordar temas e conceitos de ciência e tecnologia inseridos em contextos reais e sociais. Desta forma, as orientações CTS/CTSA têm-se vindo a espelhar em currículos, recursos didáticos e estratégias de ensino, da mesma forma que assistimos a um progressivo reconhecimento do potencial de envolvimento direto dos alunos em projetos orientados para a ação fora da sala de aula, a nível individual, de grupo e da comunidade, que lhes permitam melhorar o pensamento crítico, a resolução criativa de problemas e a tomada de decisões que podem vir a influenciar políticas e práticas com resultados e consequências tangíveis.
Pelo exposto, considera-se fundamental contribuir para uma posição transformadora sobre a ciência cidadã na educação em ciências de orientação CTS/CTSA, o que se afigura como fundamental para gerar um papel mais vital para a ciência na esfera pública, ajudando a construir respostas para os problemas sociocientíficos atuais e futuros e para a concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
