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FACTS: una herramienta CTS para la evaluación de procesos y productos en la educación científica
Denise de Freitas; Mariana dos Santos; Alice Helena Campos Pierson;
Denise de Freitas; Mariana dos Santos; Alice Helena Campos Pierson; Genina Calafell
FACTS: una herramienta CTS para la evaluación de procesos y productos en la educación científica
Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad - CTS, vol. 17, núm. 51, pp. 179-202, 2022
Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas
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Resumo: Esse artigo apresenta uma ferramenta avaliativa CTS (FACTS), que visa contribuir com a avaliação de práticas, materiais didáticos e processos educativos na educação básica e na formação de professores de ciências respaldada numa perspectiva de educação científica crítica e reflexiva. Essa ferramenta, construída no formato de rubricas, é resultado de uma investigação apoiada nos marcos dos estudos CTS e do Paradigma da Complexidade e desenhada a partir do Método Delphi. Esse estudo contou com a participação de 37 especialistas, pesquisadores da área de educação em ciências da América Latina (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia) e Europa (Portugal e Espanha), que refletiram e se posicionaram sobre aspectos de uma educação científica crítica e que aspectos agregam ao caracterizá-la nessa perspectiva, nomeadamente, em relação aos seus pressupostos, problemas, contribuições e desafios. A partir de seus posicionamentos foi possível construir um instrumento avaliativo que permite realizar diagnósticos e consequentes tomadas de decisões mais adequadas ao campo da educação em ciências. O formato de rubrica FACTS permite avaliar programas de educação em ciências usando descritores qualitativos ou quantitativos e destina-se a analisar e orientar a educação científica crítica no contexto do ensino, políticas e programas educacionais.

Palavras-chave: estudos CTS; avaliação formativa CTS; educação científica crítica.

Resumen: Este artículo presenta FACTS, una herramienta CTS que tiene como objetivo evaluar prácticas, materiales didácticos y procesos educativos desde la perspectiva de una educación científica crítica y reflexiva. Esta herramienta es el resultado de una investigación sustentada en los estudios CTS y el Paradigma de la Complejidad, y diseñada con base al Método Delphi. Este estudio contó con 37 expertos en el área de la enseñanza de las ciencias de América Latina (Argentina, Brasil, Chile, Colombia) y Europa (Portugal y España). El grupo aportó aspectos esenciales para favorecer una educación científica crítica y caracterizarla en relación con sus supuestos, problemas, aportes y desafíos. Se logró construir un instrumento de evaluación que permite realizar diagnósticos y tomar decisiones más adecuadas en la enseñanza y el aprendizaje de las ciencias. El formato de rúbrica permite evaluar los programas de educación científica utilizando descriptores cualitativos o cuantitativos y tiene como objetivo analizar y orientar la educación científica crítica en el contexto de la enseñanza, las políticas y los programas educativos.

Palabras clave: estudios CTS, evaluación formativa CTS, educación científica crítica.

Abstract: This article presents FACTS, an STS tool that aims to evaluate practices, teaching materials and educational processes in basic education and science teacher training, based on a critical and reflective scientific education perspective. This tool is the result of an investigation supported by the frameworks of STSE studies and the Complexity Paradigm, and its design is based on the Delphi Method. This study had the participation of 37 researchers in the area of science education from Latin America (Argentina, Brazil, Chile and Colombia) and Europe (Portugal and Spain). The group contributed essential aspects to favor a critical scientific education and characterize it in relation to its assumptions, problems, contributions and challenges. Based on their positions, it was possible to build an evaluation instrument that allows to make diagnoses and more appropriate decisions in the teaching and learning of science. The FACTS rubric format allows to evaluate science education programs using qualitative or quantitative descriptors. It is intended to analyze and guide critical science education in the context of policies and educational programs.

Keywords: STS studies, STS formative assessment, critical science education.

Carátula del artículo

Dossier-Artículos

FACTS: una herramienta CTS para la evaluación de procesos y productos en la educación científica

Denise de Freitas
Universidade Federal de São Carlos, Brasil
Mariana dos Santos
UFSCar, Brasil, Brasil
Alice Helena Campos Pierson
UFSCar, Brasil, Brasil
Genina Calafell
Universitat de Barcelona, Espanha, España
Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad - CTS, vol. 17, núm. 51, pp. 179-202, 2022
Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas
Introdução

É inegável que este século XXI está marcado pelas fake news, pela pós-verdade, pelo negacionismo científico e a pandemia nos trouxe mais recrudescimento às nossas crises civilizatórias contemporâneas e muitas incertezas. As (des)informações crescem a cada dia lançando desafios para compreender a realidade. Os conhecimentos que possuímos organizados de forma fragmentada, subespecializada, descontextualizada não nos ajudam a interpretar, confrontar, selecionar, organizar um conhecimento que dê conta de discernir a boa informação para que possamos elaborar diagnósticos que orientem nossas decisões com maior previsibilidade visando a qualidade da vida.

Edgar Morin nos mostra que a importante revelação dos impactos que sofremos na pandemia é que tudo aquilo que parecia separado está conectado, porque uma catástrofe sanitária envolve integralmente a totalidade de tudo o que é humano. “Esta é uma ocasião para compreender que a ciência, diferente da religião, não tem um repertório de verdades absolutas e que suas teorias são biodegradáveis sob efeito de novas descobertas” (Morin, 2020, p. 7). E que a crise em uma sociedade pode tanto estimular a imaginação e a criatividade em busca de soluções novas, como desejar o retorno a uma estabilidade passada, seja acreditando em uma salvação providencial, ou buscando um bode expiatório.

O negacionismo não é sinônimo de desinformação, mas sim resultado de disputas de grupos de interesse que procuram camuflar suas motivações e ganhos, inventando controvérsias científicas e falta de consensos na ciência. Os negacionistas são motivados por interesses diversos e representativos de grupos distintos, mas apresentam em comum o oportunismo político e a incoerência. No negacionismo, como o terraplanismo, por exemplo, há uma dissociação cognitiva: as evidências e fatos entram em choque com valores ou crenças subjetivas, então o negacionista seleciona uma narrativa alternativa para explicar a realidade (Rathsam, 2021).

Para Bruno Latour (2019) a negação do fato, como é o caso do problema de mudanças climáticas negligenciado pelo governo Trump, por exemplo, e das fake news e da pós-verdade, não significa que sejamos menos capazes de raciocinar. Para que os fatos científicos sejam aceitos, é preciso um mundo de instituições respeitadas.

Vilela e Selles debateram o negacionismo científico a partir da provocação de Bruno Latour sobre se “poderíamos ter ‘errado na dose’ em nossas críticas à ciência” (Vilela e Selles, 2020, p. 1740). A intenção das autoras ao aceitar a provocação de Latour também foi “reafirmar a necessidade de um engajamento político que empodere professores e aprendizes nas trajetórias educativas levadas a cabo nas escolas e nos espaços não formais de educação científica” (Vilela e Selles, 2020, p. 1741). Defendem a politização e a crítica à ciência, a prudência nas práticas pedagógicas, aceitando negociar o conhecimento com outras formas de atribuir sentido ao mundo. Acenam para a importância de refletirmos se a nossa educação científica, como ação que se apoia na produção acadêmica da área, não estaria sendo feita por nós para nós mesmos, e que talvez estejamos deixando de endereçá-la aos outros.

Gatti (2020) considera que a crise atual aponta a necessidade de pensarmos a questão planetária e civilizatória e desponta novos valores e a luta pela preservação das vidas. Nesse sentido, a educação tem tudo a ver com a preservação da vida em todos os seus aspectos sociais, ambientais, científicos, culturais, políticos e outros. É ela que pode propiciar a formação de valores de vida com base em conhecimentos, para as novas gerações. É nela que o sentido das aprendizagens é garantido e estamos diante da possibilidade de criação de nova consciência e posturas diante da vida, nas relações, na sociedade, na educação das futuras gerações. “Somos chamados a superarindividualismos excessivos e competitividade insana. O cuidado de si adquire sentido no cuidado de todos e no cuidado com o mundo onde vivemos” (Gatti, 2020, p. 39).

Certamente as discussões sobre as relações entre ciência, tecnologia e a sociedade se ampliaram no momento atual, porém reflexões sobre a necessidade de novos paradigmas para a educação têm sido apontados há muito tempo.

1. A educação científica a partir da perspectiva CTS

Edgar Morin, em sua obra encomendada pela UNESCO, apontava para os saberes necessários à educação do futuro, destacando que o desafio da educação é:

“Fornecer uma cultura que permita distinguir, contextualizar, globalizar os problemas multidimensionais, globais e fundamentais, e dedicar-se a eles; preparar as mentes para responder aos desafios que a crescente complexidade dos problemas impõe ao conhecimento humano; preparar mentes para enfrentar as incertezas que não param de aumentar, levando-as não somente a descobrirem a história incerta e aleatória do universo, da vida, da humanidade, mas também promovendo nelas a inteligência estratégica e a aposta em um mundo melhor” (Morin, 2003, p. 102).

Igualmente, Bernard Charlot também debruça-se sobre os desafios que são colocados à educação no contexto do século XXI e propõe princípios de base para uma educação democrática, salientando a necessidade de que ela se fundamente “na perspectiva do desenvolvimento sustentável e solidário, portanto também uma educação voltada ao meio ambiente, ao conhecimento e ao respeito do patrimônio (...) voltada ao pensamento crítico e racional (...) que leve em conta as evoluções científicas e tecnológicas” (Charlot, 2005, pp. 147-148).

No bojo dessas preocupações a perspectiva CTS (ciência-tecnologia-sociedade) na educação científica, presente na literatura acadêmica da área de educação, vem, ao longo de mais de cinco décadas, promovendo discussões e reflexões sobre as complexas interações entre ciência, tecnologia e sociedade, assumindo diferentes matizes, a depender do momento, contexto e concepções dos seus proponentes.

Aikenhead, em um artigo publicado em 2005, relaciona um conjunto de propostas de currículo CTS, identificadas por diferentes rótulos, como por exemplo: ciência- tecnologia-cidadania (Kolstø, 2000); ciência para a compreensão pública (Osborne et al., 2003); ciência cidadã (Cross et al., 2000); variações sobre ciência-tecnologia-sociedade-ambiente (Dori e Tal, 2000); ciências escolares ‘transculturais’ (Aikenhead, 2000). Embora essa relação possa ser bastante ampliada, o autor reconhece a convergência dessas várias propostas de currículos CTS em torno de objetivos semelhantes, voltados para uma perspectiva de ‘ciência para todos’ e ‘alfabetização científica’ e melhoria da participação de alunos marginalizados na ciência escolar.

Assim, no decorrer dessas décadas, o enfoque CTS foi se desenvolvendo em diferentes espaços, como campo interdisciplinar, sendo, de certa forma, incorporado na pesquisa acadêmica, nas políticas públicas e na educação (Lopez e Cerezo, 2004). Esse processo, “possibilitou uma tomada de consciência, por parcelas cada vez mais amplas da população, em relação aos problemas ambientais, éticos e de qualidade de vida” (Santos e Mortimer, 2001, p. 96). No entanto, são reconhecidas as desarticulações dessas interações em contextos de ensino e de pesquisa, resultando em assimetrias na configuração de uma perspectiva CTS no campo educacional. E, também, ainda estamos longe de participar de forma democrática das decisões que envolvem ciência e tecnologia, mesmo quando os impactos dessas decisões podem influenciar diretamente nossa vida, haja vista o período pandêmico, que colocou em evidência estas questões.

O próprio enfoque em CTS questiona que debates e decisões sobre ciência e tecnologia estejam restritos à atividade de cientistas e especialistas, e salientam o papel da educação científica e democrática para desenvolver um controle social exercido por parcelas cada vez mais amplas da população (Santos e Mortimer, 2001). Assim, torna-se fundamental que a sociedade como um todo tenha acesso a informações sobre o desenvolvimento científico-tecnológico, para avaliar as suas consequências e, por assim, para poder intervir na tomada de decisões de forma responsável (Santos, 2007; Cachapuz et al., 2005). Nesse sentido, a educação escolar pode vir a ter um papel fundamental.

No contexto brasileiro, a perspectiva CTS ganhou profundidade no diálogo comba concepção freiriana de educação, salientando a necessidade de compreender a situação do país no marco do processo de globalização, que reforça relações de opressão, aumenta a desigualdade social e fomenta diversas formas de exclusão, dentre as quais a exclusão tecnológica. Para Auler, a educação deve estar orientada para “propiciar uma leitura crítica do mundo contemporâneo, cuja dinâmica está crescentemente relacionada ao desenvolvimento científico-tecnológico, potencializando para uma ação no sentido de sua transformação” (Auler, 2003, p. 2).

Essa demanda de formação crítica e reflexiva, que surge com a perspectiva CTS, se intensifica no século XXI frente à crise ambiental em escala planetária, que traz em seu bojo problemáticas econômicas, políticas, ecológicas e culturais, e acentua a demanda por uma educação que garanta uma formação crítica e reflexiva.

Nesse contexto de crise é fundamental uma educação científica que estimule o questionamento, a criatividade e a responsabilidade, que incorpore aspectos éticos, sociais e econômicos, indo ao encontro das primeiras preocupações já identificadas no movimento CTS.

Nessa perspectiva o propósito central da educação CTS, com o significado de educação para cidadania, está no desenvolvimento da capacidade de tomada de decisão na sociedade científica e tecnológica e no desenvolvimento de valores. Por outro lado, é fundamental que a educação científica não seja reduzida aos propósitos da educação CTS, tendo em vista que “outros domínios precisam ser assegurados para que ela alcance seus objetivos que vão além da compreensão das complexas relações CTS” (Santos, 2012, p. 49).

As visões com diferentes graduações sobre a perspectiva CTS em propostas educacionais, currículos e materiais didáticos apresentam maior ou menor destaque a determinadas características ligadas à orientação CTS e que podem levar a diferentes enfoques caso se valorize um olhar mais transdisciplinar, ou uma dimensão mais sociológica da ciência e da tecnologia, ou ainda discussões de questões sociocientíficas.

Essa diversidade de olhares e enfoques deve ser analisada como diferentes maneiras de se inserir uma perspectiva mais crítica de educação científica. É nesse sentido que damos destaque à preocupação levantada por Cachapuz quando afirma que a educação CTS é a que melhor se adapta às novas configurações da sociedade moderna, ao mesmo tempo em que há uma falta de unidade e coerência na literatura sobre o entendimento “CTS”. Segundo o autor, “parte do problema, é a falta de uma estrutura teórica que clarifique orientações de trabalho e ajude a fundamentar de modo consistente os contributos fragmentados em curso, em particular, o trabalho dos professores” (Cachapuz, 2020, p. 175).

A partir do contexto delineado, salienta-se a importância da adoção da perspectiva CTS para conseguir desenvolver uma educação científica crítica e reflexiva, que leve em conta os impactos da ciência, que inclua a tecnologia como forma de solucionar problemas sociais, ambientais etc. impactando assim sobre a formação cidadã dentro e fora das escolas. Assim, torna-se necessário problematizar e aprofundar o entendimento sobre as dificuldades e possibilidades de adoção e ampliação dessa perspectiva, e, mais do que isso, desenvolver formas de avaliação de práticas, processos, materiais e programa que se orientem nessa perspectiva para ponderar em que medida conseguem atingi-la.

Para tanto, a pesquisa apresentada neste artigo objetivou construir, num processo colaborativo, uma ferramenta de avaliação de práticas e processos de formação de professores, materiais didáticos e programas educativos. Esta ferramenta pode se utilizada para orientar processos avaliativos e, ao mesmo tempo, fornecer parâmetros que subsidiem a realização de práticas e processos de formação de professores, produção de materiais didáticos e desenvolvimento de programas educativos, que visem desenvolver uma educação científica crítica e reflexiva na perspectiva CTS.

A construção da ferramenta avaliativa CTS – FACTS caminhou na direção do reconhecimento de uma pluralidade de perspectivas, compreensões, enfoques, mas igualmente da possibilidade de identificação de pontos de convergência das diferentes visões apresentadas na literatura acadêmica da área de educação em ciências.

2. Metodologia da pesquisa

Como apontado acima quando analisamos a literatura acadêmica da área de educação em ciências acerca da temática CTS e da educação científica numa perspectiva crítica e reflexiva encontramos uma amplitude de concepções e visões em uma diversidade de materiais (artigos científicos, livros, trabalhos acadêmicos, etc.) e o nosso desafio inicial na pesquisa, que vimos desenvolvendo desde 2016, foi construir uma síntese de modo a dialogar com o campo.

Assim, a primeira fase da pesquisa foi realizar um levantamento bibliográfico focalizando, nesse amplo leque de visões, os saberes, competências, conhecimentos, práticas etc. orientados ao desenvolvimento de uma educação científica numa perspectiva crítica e reflexiva em abordagens orientadas pelo CTS. A partir da síntese produzida no estudo da literatura foram elaboradas questões para a fase seguinte, em que desenvolvemos um estudo Delphi para conhecer as competências, saberes, conhecimentos, práticas etc. consideradas fundamentais por um grupo de especialistas na área.

O método Delphi é uma técnica de investigação amplamente usada em várias áreas de conhecimento, inclusive a educacional, que permite reunir um conjunto de opiniões de especialistas de diferentes instituições, formações acadêmicas e separados geograficamente, levando à obtenção de consensos, que ajudam a garantir a validade de conteúdo dos resultados sobre temáticas complexas e abrangentes (Linstone e Turoff, 2002; Blanco-Lópes et al., 2015). Tal potencialidade possibilita fazer leituras profundas da realidade e serve de base para uma melhor compreensão dos fenômenos e, principalmente, para orientar a tomada de decisões informadas e transformar a realidade com base nas opiniões dos intervenientes e dos especialistas envolvidos (Marques e Freitas, 2018).

O método é composto por um conjunto de questionários sucessivos, enviados a um painel de especialistas de uma área específica. Entre cada rodada de questionários as respostas são analisadas e resumidas, pelos pesquisadores e reapresentadas aos participantes do painel nos questionários seguintes, de modo que cada um deles possa conhecer e se posicionar em relação à opinião do grupo ao longo do processo (Osborne et al., 2003). Assim, é construído um espaço de reflexividade, no qual se podem criar ideias e reformular opiniões a partir dos feedbacks dos pesquisadores ou da apresentação das novas questões colocadas por outros membros do grupo. Esta técnica de pesquisa permite a interação entre um grupo que dificilmente poderia ser reunido no percurso da pesquisa em torno de um debate comum. Ao longo de sua aplicação, diversas “vozes” cunham um diálogo construtivo sendo possível identificar áreas de consenso e de desacordo entre os participantes sobre o tema ou problema em discussão (Cohen, Manion e Morrison, 2010).

Nessa pesquisa a escolha do painel de especialistas se deu a partir da consulta a associações e sociedade acadêmicas relacionadas às temáticas: educação científica, educação ambiental, CTS. Também foram consultados os Comitês científicos de órgãos de fomento à pesquisa (como CNPq e FAPESP), além de nomes que surgiramdo levantamento bibliográfico realizado na fase anterior. Como resultado o painel foi composto por 37 especialistas, pesquisadores da área de educação em ciências da América Latina (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia) e Europa (Portugal e Espanha, que refletiram e se posicionaram sobre aspectos de uma educação científica crítica.

Após a submissão da primeira rodada de questionários foram analisadas as respostas e encaminhada a segunda rodada com os respectivos feedbacks. De acordo com o nível de consenso atingido nas respostas, a equipe avaliou a necessidade de uma terceira rodada. Esse estudo permitiu validar as competências identificadas na fase anterior e pela própria característica da técnica, possibilitou a emergência de outras competências, saberes, práticas, conhecimentos, etc., considerados pelos especialistas na temática como fundamentais para desenvolver uma educação científica numa perspectiva crítica e reflexiva.

Após essa etapa se deu a elaboração de indicadores para compor uma ferramenta para avaliar e diagnosticar a situação atual do ensino de ciências na educação básica e na formação de professores de ciências, uma ferramenta avaliativa na perspectiva CTS – FACTS.

No momento atual da pesquisa estamos implementando a FACTS para avaliar materiais didáticos de ciências, práticas e processos no âmbito da formação inicial e continuada de professores da área de ciências da natureza. Os conhecimentos produzidos no processo de implementação serão sistematizados e validados com o grupo de professores da educação básica e serão analisados procurando evidenciar as aproximações e os distanciamentos destes com os conhecimentos sistematizados na literatura e a perspectiva dos especialistas da área de educação em ciências sobre os pressupostos e as práticas orientadas para o desenvolvimento de uma educação científica crítica. Espera-se que os resultados permitam diagnósticos junto à área de educação em ciências e elaboração de um quadro de referência para melhoria do ensino e da formação de professores.

3. Resultados.
3.1. As etapas de produção de conhecimentos até a FACTS

Como nossa proposta neste artigo é apresentar os caminhos percorridos até a construção da ferramenta avaliativa na perspectiva CTS, a seguir apresentaremos os resultados que foram sendo obtidos em cada etapa da pesquisa e que nos permitiu chegar a FACTS.

A realização do levantamento bibliográfico em periódicos relevantes na área de educação em ciências para compreender o termo “educação científica crítica” junto à comunidade acadêmica de modo a focalizar a caracterização e delimitação do conceito de educação científica na perspectiva das inter-relações ciência, tecnologia e sociedade (CTS), foi fundamental na localização de elementos que traziam criticidade para o tema, apoiando-se nos preceitos de uma educação científica crítica e que pudessem contribuir na construção das perguntas para o questionário 1 do método Delphi.

Desse processo levantamos 54 artigos considerados relevantes e que se encaixavam nos critérios de busca, que, foram organizados a partir das seguintes temáticas: i) CTS e formação de professores; ii) CTS e materiais didáticos; iii) CTS e currículo; iv) CTS e ensino de ciências; v) CTS e educação ambiental; vi) estudos sobre CTS.

Elaboramos um guia/matriz de leitura a partir dos seguintes tópicos específicos: 1) apontamentos teórico-metodológicos para os campos/objetos de estudo do projeto de pesquisa; 2) abordagem ou ênfase na análise do CTS ou complexidade; 3) contribuições do texto para pensar a educação científica; 4) aspectos destacadospara a construção do questionário Delphi e; 5) educação científica numa perspectivacrítica.

A identificação do sentido atribuída a uma educação científica crítica (ECC) pela área se fez, nesse estudo, a partir dos seguintes elementos presentes no Guia de Leitura: i) objetivos ou funções atribuídas a uma ECC; ii) competências, saberes, conhecimentos e outros elementos presentes no desenvolvimento de uma ECC; e iii) desafios e/ou dificuldades a serem superadas.

Nesse estudo foi possível realizar uma caracterização preliminar do que a área de educação em ciências entende como pressupostos de uma educação científica concebida a partir de uma perspectiva CTS. Verificou-se certa convergência, nos artigos analisados, em relação aos elementos identificados e na consideração dos desafios a serem vencidos. O estudo da literatura mostrou que a pluralidade do movimento CTS suporta várias abordagens. Assim, as concepções sobre educação em ciências são orientadas por diferentes pressupostos teóricos que lhes conferem perspectivas mais ou menos críticas, mas há consenso quanto ao seu propósito de promover uma educação mais participativa e cívica. Para isso, defende-se ser importante que nos processos de ensino e aprendizagem, os conhecimentos científicos e tecnológicos estejam interligados e não desvinculados dos contextos sociais e culturais. Os aspectos destacados como competências e práticas a serem desenvolvidas aparecem centrados prioritariamente em proposições que se confundem com as metas e objetivos de uma educação científica efetivamente crítica. Esse estudo da literatura foi sistematizado pelo grupo de pesquisa (EmTeia – Formação de Professores, Ambientalização Curricular e Educação em Ciências), divulgado em evento internacional e publicado em periódico (Pierson et al., 2019).

Como resultado deste estudo, foram construídas oito questões discursivas que compuseram o questionário 1 (Q1), enviado por e-mail a duzentos e vinte e nove (229) especialistas da área de educação científica e crítica, selecionados conforme explicitado na metodologia. Desses especialistas, 100 eram do Brasil, 46 de outros países da América Latina, 27 de Portugal e 56 da Espanha. Contudo, obtivemos respostas de apenas trinta e sete especialistas (Campos et al., 2019). De cada uma das 37 respostas, às oito questões, foram extraídas as unidades de análise que, segundo Moraes (2003), são os elementos constituintes do texto nos quais deve- se focar, de acordo com os objetivos do trabalho. Estas unidades foram agrupadas e categorizadas e, a partir deste agrupamento, iniciou-se a construção do segundo questionário (Q2).

Nesta segunda rodada, o questionário foi apresentado aos especialistas em forma de afirmativas separadas nas categorias oriundas da análise das respostas do primeiro questionário: i) princípios da educação científica crítica; ii) compreensão da natureza da ciência; iii) metodologias e abordagens; iv) políticas públicas; v) currículo; vi) formação de professores; vii) problemas; viii) avanços e ix) desafios. Nesta etapa, portanto, os especialistas tiveram contato não apenas com as suas próprias ideias, mas com as ideias de todos os que responderam ao primeiro questionário e foram orientados a apresentar o seu grau de concordância ou discordância com cada uma das afirmativas, com cinco possibilidades de respostas, de acordo com a escala Likert: Concordo, Discordo, Concordo parcialmente, Discordo parcialmente, Não concordo e nem discordo.




O questionário 2 foi encaminhado em formato .doc aos 37 especialistas que responderam ao questionário 1, com o retorno de 11 respostas. A análise das respostas do questionário 2 teve como meta identificar as afirmativas que obtiveram uma percentagem de respostas “Concordo” maior do que 50%. Nesse caso, considerou-se que havia consenso sobre a ideia ali representada, se a porcentagem fosse menor, considerou-se que a resposta não representava um consenso do painel de especialistas.

O questionário 2 foi encaminhado em formato .doc aos 37 especialistas que responderam ao questionário 1, com o retorno de 11 respostas. A análise das respostas do questionário 2 teve como meta identificar as afirmativas que obtiveram uma percentagem de respostas “Concordo” maior do que 50%. Nesse caso, considerou-se que havia consenso sobre a ideia ali representada, se a porcentagem fosse menor, considerou-se que a resposta não representava um consenso do painel de especialistas.

As respostas que apresentavam consenso foram agrupadas em um novo questionário (Q3) e reencaminhadas aos mesmos 37 especialistas que responderam ao primeiro questionário. Neste terceiro questionário, a escala de concordância diminuiu, a fim de que se filtrassem ainda mais os consensos do painel de especialistas acerca dos princípios de uma Educação Científica Crítica. Se no questionário 2 havia cinco níveis de respostas, nesse questionário havia apenas 3: “Concordo”, “Discordo”, “Não concordo e nem discordo”. Também foram reduzidas as categorias para 3: i) educação científica e sociedade; ii) compreensão da natureza da ciência e iii) metodologias e abordagens.




Nesta terceira e última rodada de questionários, obtivemos 18 respostas. A análise foi realizada da mesma forma que no questionário 2: respostas com mais de 50% de concordância foram consideradas consenso do painel de especialistas; respostas com porcentagens inferiores não foram consideradas consenso.

As análises empreendidas durante o estudo Delphi nos mostraram (Freitas et al., 2019, 2020a, 2020b, 2020c), em linhas gerais, que os pressupostos centrais de uma educação científica crítica apontada pelos especialistas são coerentes com os elementos presentes na educação CTS, que envolvem a compreensão da natureza da ciência, da função social da escola e da educação e desenvolvimento de um processo de pensamento crítico.

Especificamente, ao se expressarem sobre os pressupostos de uma formação científica crítica, os especialistas expressaram ideias que abrangem a concepção de formação científica, os elementos de uma prática docente e de como deve ser o resultado dessa formação no sujeito cidadão. Para esse painel a educação científica crítica é concebida como uma educação cidadã, participativa e emancipatória com o objetivo de transformar a sociedade. Nesse sentido, a apropriação do conhecimento e a construção de uma leitura crítica da realidade torna-se uma estratégia de luta, uma estratégia de transformação da sociedade.

Em relação aos problemas para o desenvolvimento de uma educação científica crítica, os especialistas destacam aspectos relacionados a: políticas públicas (falta de investimentos, criação de programas, dentre outros); constituição do campo (divergências teóricas, distância entre a universidade e a escola); questões estruturais (formação docente, currículo, desmotivação profissional, dentre outros); não investimento no sistema público de ensino; deficiente abordagem da gestão educacional, sem intervenção sistêmica, bem como ausências de políticas consistentes (as presentes são fragmentadas e precárias, com pouco investimento financeiro); decisões políticas pautadas por interesses econômicos que reforçam o status quo e muitas vezes deixam projetos mais inclusivos de lado.

Apontam ainda a falta de organização e infraestrutura de várias ordens: espaço físico (falta de espaço e materiais); condições de trabalho dos professores em vários níveis (sobrecarga física e psicológica, desmotivação profissional, perda salarial, excesso de alunos por professor); estrutura curricular das disciplinas tradicionais e estáticas que causa pouco comprometimento e desmotivação por parte dos alunos. Em relação aos problemas referentes à constituição do campo foi considerada que a área da educação científica é multirreferencial, possuindo muitos e diversos grupos de pesquisadores e, via de regra, o campo, por vezes, valoriza a criticidade por meio da apropriação de saberes “poderosos” e não propriamente, pelo empoderamento dos sujeitos para a tomada de decisões. Os problemas também se referem a: magnitude e complexidade das mudanças que devem ser adotadas; força e quantidade de interesses que se opõem às mudanças; inércia do modelo dominante de ensino de ciências, obsoleto diante da crise atual; quadros conceituais e práticas de ensino e as ideologias que os orientam. A área ainda é influenciada pelos paradigmas positivistas e economicistas da ciência e, ocasionalmente, se observa falta de comprometimento dos profissionais para a necessária implementação de práticas pedagógicas que considerem objetivos e orçamentos de educação CTS crítica, substituindo a inércia processual das práticas educacionais, que são acentuados pela seleção e pelo planejamento do ensino de forma acrítica e mecânica.

Em contrapartida a respeito das contribuições da educação científica crítica apontaram cinco aspectos principais relacionados aos ganhos que o movimento dialógico entre áreas pode favorecer: articulação entre saberes diversos; possibilidade de ampliar a compreensão social; alteração da visão equivocada da ciência; desenvolvimento de habilidades e competências; enriquecimento da formação de professores. E em relação aos desafios apontam para dois tipos de referências. Por um lado, há quem fale de desafios intrínsecos ao diálogo, em particular um diálogo complexo que ocorre entre espaços por vezes tão diferentes. Nesse sentido, os especialistas entendem que para dialogar entre as áreas é necessário: maturidade democrática; disposição para aprender com o outro e respeito pelas suas ideias; tratar os diferentes tipos de conhecimento com equidade; e não ter medo de ser superado por outras áreas. Por outro lado, há quem se refira a desafios relacionados às características da escola e da sociedade que acabam dificultando esse diálogo. Assim, na educação escolar, o diálogo é dificultado por vários fatores. Entre eles foram mencionados: organização curricular altamente disciplinar; rigidez na estrutura institucional; falta de apoio político para tornar a escola mais interdisciplinar e criar espaços de inovação curricular e; a necessidade de se criar uma cultura de trabalho em equipe interdisciplinar, para selecionar temas que possam ser tratados nas aulas com a contribuição de várias disciplinas.

Outro aspecto mencionado pelos especialistas refere-se a fatores operacionais ou metodológicos. Nesse sentido, os especialistas consideram um desafio para o espaço escolar: compreender as diferentes linguagens envolvidas; produzir uma verdadeira sinergia entre as diferentes visões e enfrentar a complexidade das situações; encontrar instrumentos que nos permitam perceber que os métodos de produção de conhecimento nas diferentes áreas são idênticos; e construir pontes teóricas entre as áreas. É importante destacar, em relação a este último aspecto, o entendimento de que não se pode realmente ter uma formação científica crítica em moldes interdisciplinares sem ter uma “teoria da educação científica crítica” que permita sua implementação. As atuais abordagens adotadas em sala de aula não favorecem o desenvolvimento da capacidade interpretativa e argumentativa da ciência, nem estimulam o engajamento dos alunos nas questões sociocientíficas com potencial para promover uma participação ativa, democrática e cidadã, um dos pressupostos centrais para uma educação científica crítica.

Em relação à formação dos professores os especialistas apontaram a necessidade de uma melhor articulação entre as disciplinas da área específica e a pedagógica no currículo das licenciaturas, uma maior aproximação e diálogo entre a escola e a universidade, assim como para a importância de uma reformulação - epistêmica emetodológica - dos cursos de formação inicial de modo que as experiências e saberes construídos pelo licenciando na graduação se relacionem mais diretamente com realidade da escola (Santos et al., 2019).

Assim, utilizando as afirmações com maior percentual de concordância, construímos um primeiro esboço da ferramenta, composta por três eixos: Eixo A – Processos de Ensino/Aprendizagem, Eixo B – Visão/Produção de C&T, e Eixo C – Cidadania e Ação e 14 critérios distribuídos entre esses eixos. Freitas, Calafell e Pierson (2022) apresentam o detalhamento de cada um destes eixos e dos critérios.

Nesta primeira versão trabalhamos com a ideia de “Quiz”, em que, para cada um dos critérios, foi atribuída uma pontuação correspondente. Ao final, deveria ser realizada a soma desta pontuação para, então, se obter um determinado nível que indicaria a qualidade do material que se estivesse avaliando.




Esta primeira versão da FACTS foi apresentada em oficinas e minicursos realizados no Brasil e no exterior, direcionados a professores da educação básica e licenciandos. O objetivo destes eventos foi divulgar o instrumento, bem como testar sua clareza e funcionalidade. Esta etapa mostrou-se de grande importância, pois ela evidenciou algumas fragilidades da primeira versão da FACTS.

A primeira delas foi a ausência de critérios que avaliassem currículo e abordagens metodológicas. Estes elementos permearam as respostas dos especialistas do painel, mas, por não haver consenso, acabaram ficando de fora desta primeira versão. Foram detectados problemas com relação à redação de alguns critérios, o que dificultava a compreensão por parte de alguns dos usuários da ferramenta. A ação resultante destas constatações foi a mobilização da equipe de pesquisa na busca de especialistas considerados referência no campo da educação científica crítica para a realização de entrevistas, a fim de aprofundar alguns critérios e propor outros que pudessem abordar elementos importantes e que não haviam aparecido nas etapas anteriores. Foram realizadas dezesseis entrevistas, que foram posteriormente analisadas e delas extraídos mais dois novos critérios e diversos aprofundamentos de critérios já existentes para completar a ferramenta. Outro aspecto identificado como problemático na primeira versão da ferramenta.

Outro aspecto identificado como problemático na primeira versão da ferramenta foi a utilização de uma pontuação numérica para ranquear os materiais. O principal questionamento foi com relação ao número de pontos que o material precisaria obter para ser classificado como “bom” ou “ruim” com relação à educação científica crítica. Ora, se a proposta era criar um instrumento de avaliação inovador, capaz de promover mudanças, era razoável que se pensasse em um sistema de avaliação também inovador e que considerasse o caráter qualitativo destes materiais. Foi então que a equipe de pesquisadores se debruçou nos estudos sobre as rubricas de avaliação. foi a utilização de uma pontuação numérica para ranquear os materiais.

Assim, os critérios foram reformulados em termos de evidências e indicadores para definir os níveis de desenvolvimento e facilitar a emissão de julgamentos de avaliação. A matriz foi complementada com uma escala de avaliação qualitativa: iniciante, aprendiz, especialista, avançado, além de um nível denominado “Não apresenta”, para ser utilizado quando o material não apresentar nada relacionado ao critério (Freitas, Calafell e Pierson, 2022).

3.2. As rubricas como modelo potente para a construção da FACTS

As rubricas são instrumentos de medição que permitem determinar a qualidade de um programa a partir da definição de critérios e níveis de realização. A sua utilização permite qualificar aspectos curriculares por vezes complexos e subjetivos (Zazueta e Herrera, 2008). Embora inicialmente tenham sido concebidos apenas na perspectiva da avaliação do professor, têm cada vez mais um caráter instrutivo, pois estão conectados com as expectativas dos alunos (Ayllón, Alsina e Colomer, 2019). Ao mesmo tempo, as rubricas fornecem e descrevem diferentes níveis qualitativos de execução que podem favorecer a autoavaliação e a reflexão metacognitiva (Panadero, Alonso e Huertas, 2014).

O uso de rubricas como ferramenta para analisar o design e o conteúdo dos programas ainda é pouco explorado, mas seu uso é referenciado pela eficácia de dar valor a um produto ou processo de avaliação por diferentes motivos. Segundo Alcón, Ménéndez e Arbesu (2017, p. 123):

• São sistemas de avaliação baseados em critérios ou padrões referenciados, que servem como diretrizes ou referências quando se pensa em conceitos complexos a estabelecer, como a qualidade educacional;

• permitem avaliação quantitativa e qualitativa, o que ajuda a emitir diagnósticos mais precisos;

• estabelecem diferentes níveis de cumprimento dos critérios ou padrões estabelecidos e, portanto, auxiliam na emissão de diagnósticos precisos;

• sua criação é, ou deveria ser, fruto do trabalho colaborativo e do consenso de um grupo profissional comprometido com a qualidade educacional;

• são recursos que podem, e devem, ser adaptados aos contextos educativos específicos em que serão aplicados.

A rubrica, embora tenha uma finalidade avaliativa de atribuir valor a um programa, um material ou uma atividade, incorpora igualmente, uma perspectiva formativa ou autorreguladora da avaliação. Nesse sentido, a rubrica é um instrumento que permite avaliar a partir de um processo reflexivo e aborda o conceito de pesquisa avaliativa definido por Rossi e Freeman (1993) como a aplicação sistemática de procedimentos de pesquisa social para avaliar a conceituação, o desenho, a implementação e utilidade dos programas de intervenção social. Ou o que Mateo e Vidal (1997) definem como um processo ou conjunto de processos de obtenção e análise de informações em que podem fundamentar juízos de valor sobre o objeto, fenômeno ou processo, como suporte para uma eventual decisão sobre o próprio processo.

A avaliação dos programas de formação é fundamental porque, como afirma Sanmartí (2010), se a avaliação não mudar, dificilmente algo mudará, pois para promover mudanças é preciso partir das mudanças de paradigma sobre o que entendemos por avaliar na educação. A principal finalidade de utilização de rubricas para a avaliação de programas é compartilhar critérios claros de avaliação, com diferenciados níveis de obtenção, especificados por meio de descritores qualitativos ou quantitativos. A construção dos desenhos das rubricas contribui, quando realizada por meio de uma construção coletiva, para a explicitação dos aspectos chaves a serem priorizados em função dos objetivos de cada programa, de maneira a reduzir ambiguidades e/ ou diferentes compreensões, ensejando a constituição de consensos que venham a favorecer a implementação de novos paradigmas educacionais. Por fim, a avaliação com base na rubrica como instrumento não deve se limitar ao preenchimento de uma matriz, devendo cada expressão de valor atribuído a cada item ser complementada a partir da elaboração de um relatório de avaliação com as informações consideradas mais significativas. Na rubrica como instrumento de reflexão avaliativa dos programas, converge a dupla dimensão formativa e somativa da pesquisa avaliativa. Do ponto de vista formativo, o objetivo é entender e melhorar o programa. Do ponto de vista somativo, o objetivo busca sintetizar, descobrir ou julgar os resultados de um determinado programa e tomar decisões sobre sua continuidade.

A aplicação de rubricas como processos investigativos e de reflexão avaliativa de um programa educacional pode ter diversos propósitos dependendo do contexto sociocultural em que é proposto, do público da pesquisa avaliativa e do grupo que toma a iniciativa avaliativa. Alguns dos propósitos da reflexão avaliativa do programa são especificados por Tiana (1997):

• Pela própria instituição, conhecendo a eficácia de um programa que implementa e introduzindo modificações substanciais, se necessário;

• identificar os problemas que o programa tem em ação para que as informações coletadas possam ser utilizadas para o desenho de outros programas;

• em contextos piloto, identificar os resultados inesperados de um programa para sua modificação e aumentar sua eficácia;

• identificar alterações nos resultados de programas associados a contextos de aplicação;

• rever a relevância e validade dos princípios em que se baseia o programa.

Para que a rubrica valorize programas, atividades ou projetos educacionais, o instrumento é configurado com uma escala de qualidade. Esta escala é composta por diferentes níveis e cada nível especifica diferentes características que permitem qualificar de acordo com os critérios definidos (Zarzueta e Herrera, 2008). O desenho operacional, claro e geralmente acordado dos critérios de avaliação favorece as rubricas como um

3.3. A matriz da ferramenta avaliativa na perspectiva CTS – FACTS

Considerando as referências estudadas pela equipe acerca das rubricas, foi realizada uma nova etapa, agora de adequação do primeiro esboço da ferramenta a este novo formato. Os critérios foram reformulados em termos de evidências e indicadores para definir os níveis de desenvolvimento e facilitar a emissão de julgamentos de avaliação. A matriz foi complementada com uma

escala de avaliação qualitativa: iniciante, aprendiz, especialista, avançado, além de um nível denominado “Não apresenta”, para ser utilizado quando o material não apresentar nada relacionado ao critério.

A ferramenta que apresentamos neste tópico está, atualmente, disponibilizada em um site1 de acesso livre e vem sendo utilizada em oficinas com licenciandos e professores de educação básica. Compreendendo a produção de conhecimento como algo dinâmico e contextualizado, entende-se que a FACTS ainda poderá passar por reformulações caso sejam detectadas novas fragilidades.










Algumas considerações

Percorrido um longo e intenso caminho de pesquisa até alcançarmos a construção da FACTS, consideramos que ela é um importante instrumento para avaliar e induzir propostas educacionais que se alinhem a uma perspectiva crítica e reflexiva. Por isso, tem-se aplicado o instrumento FACTS em diferentes contextos educativos para avaliar sua usabilidade. Temos observado em oficinas e workshops ministrados até aqui uma apropriação da FACTS por parte de professores e licenciandos que, ao utilizarem este instrumento, expressam suas percepções e interpretações críticas sobre os materiais didáticos analisados, bem como refletem de que forma a ferramenta avaliativa pode auxiliá-los na escolha de materiais a serem utilizados em sala de aula.

Um fato que nos deixou bastante encorajados com o potencial da ferramenta avaliativa para uso na formação de professores e futuramente na educação básica foi constatar certa aproximação entre as visões dos especialistas e a dos professores. Ou seja, consideramos que essas sinergias são importantes quando se ambiciona mudanças na educação rumo a uma transformação e superação de paradigmas mais tradicionais.

A FACTS ainda está sob testes, sendo aplicada em cursos de licenciatura, cursos de extensão para professores e professoras, oficinas e workshops. É possível que ella ainda passe por ajustes para melhor se adequar às necessidades dos usuários, bem como às do grupo de pesquisa. No entanto, não há dúvida de que sua utilização tem produzido reflexões importantes, que avançam e aprofundam discussões do campo da educação em ciências.

Financiamento

A pesquisa referente recebeu apoio das agências brasileiras de fomento à pesquisa – CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e FAPESP:Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

Material suplementario
Referências bibliográficas
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Notas
Notas
1 Mais informações em: facts.ufscar.br.


















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