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O sistema Universidade Aberta do Brasil (UaB): democratizacao neoliberal no campo educacional
El sistema de la Universidad Abierta de Brasil (UaB): democratización neoliberal en el campo educativo
The Open University System of Brazil (UaB): Neoliberal Democratization in the Educational Field
Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad - CTS, vol. 17, Esp., pp. 212-243, 2022
Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET)

Artículos



Recepción: 27 Mayo 2021

Aprobación: 15 Octubre 2021

Resumo: O artigo apresenta resultados de pesquisa acerca do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) e a ‘democratização’ na Educação à Distância. Discorre sobre o Sistema UAB, entendido como uma política pública no campo educacional criada no governo Lula e, caracteriza-se como um programa que visa a expansão de vagas no ensino superior mediante uma parceria entre a União, Estados e os municípios. A avaliação do Sistema UAB, enquanto uma política pública no campo educacional, parte da tese de que esta política pública configura como sendo de viés neoliberal e uma continuidade das reformas implantadas no governo Cardoso (1995-2002), apesar do papel social atribuído às políticas públicas do governo Lula (2003-2010). Além disso, se questiona sua configuração como política pública, pois não se encontra inserida na matriz regular de financiamento do Ministério da Educação – MEC e, assim, vai sendo ajustada como programa de acordo com as demandas dos diferentes governos ao longo dos anos. Por meio de pesquisa descritiva e documental, utilizando o método dialético, o estudo destaca algumas ações relacionadas à Educação a Distância - EaD e, especialmente ao Sistema UAB que denotam sinais de interrupção do referido sistema, especialmente devido aos cortes de gastos públicos no campo educacional.

Palavras-chave: Sistema UAB, EaD, democratização, neoliberal, educação.

Resumen: Este artículo presenta resultados de una investigación sobre el Sistema Universitario Abierto de Brasil (UAB) y la “democratización” de la educación a distancia. Se discute el Sistema UAB, entendido como una política pública en el ámbito educativo creado por el gobierno de Lula Da Silva (2003-2010), y se lo caracteriza como un programa que tiene como objetivo ampliar las vacantes en la educación superior a través de una alianza entre la Unión, los Estados y los municipios. La evaluación del Sistema UAB, como política pública en el ámbito educativo, parte de la tesis de que parece ser de sesgo neoliberal y una continuidad de las reformas implementadas en el gobierno de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a pesar del papel social atribuido a las políticas públicas del gobierno de Lula. Además se cuestiona su configuración como política pública, ya que no se incluye en la matriz de financiamiento regular del Ministerio de Educación (MEC) y, por lo tanto, se ha ido ajustando como programa de acuerdo con las demandas de diferentes gobiernos a lo largo de los años. A través de una investigación descriptiva y documental, utilizando el método dialéctico, este artículo destaca algunas acciones relacionadas con la educación a distancia, y especialmente con el Sistema UAB, que muestran signos de interrupción del referido sistema, en la mayoría de los casos por recortes en el gasto público en la educación.

Palabras clave: sistema UAB, educación a distancia, democratización, neoliberal, educación.

Abstract: This article presents a research about the Open University System of Brazil (UAB, due to its initials in Portuguese) and the "democratization" in distance learning. It discusses the UAB System, understood as a public policy in the educational field created by the Lula Administration (2003-2010) and characterized as a program that aims to expand vacancies in higher education through a partnership between the Union, States and municipalities. The evaluation starts from the thesis that this public policy is configured as being of neoliberal bias and a continuity of the reforms implemented in the Cardoso Administration (1995-2002), despite the social role attributed to Lula’s public policies. In addition, its configuration as a public policy is questioned, as it is not included in the regular funding regulation of the Ministry of Education (MEC) and, thus, has been adjusted as a program according to the demands of different governments over the years. Through a descriptive and documentary research, and the use of the dialectical method, this article highlights some actions related to distance education and the UAB System that have shown signs of interruption of its progress due to cuts in the educational budget.

Keywords: UAB system, distance education, democratization, neoliberal, education.

Introdução

As políticas públicas voltadas para a educação a distância na década de 2000 tiveram expressiva importância. Nas décadas anteriores, especialmente na década de 1970 foram realizadas algumas tentativas de implantação de uma universidade aberta no Brasil e tais tentativas não se tornaram realidade. No momento em que os projetos de lei foram apresentados, o modelo inspirador foi a Open University - a universidade aberta criada na Inglaterra no final dos anos de 1960 e início dos anos de 1970, mas os referidos projetos foram arquivados conforme foi apresentado mais detalhadamente em Oliveira (2019).

Pode-se dizer que a implantação de uma universidade aberta no Brasil não ocorreu, nas décadas de 70 e 80, devido à impossibilidade de alinhar os interesses da política educacional da época que visava, além da preparação técnica, a transmissão dos valores e ideais típicos de um governo militar. Além disso, o desenvolvimento tecnológico existente no país não viabilizaria a implantação de uma universidade aberta naquele momento, segundo os responsáveis pela elaboração de políticas públicas educacionais do período em questão. Em outras palavras o ajuste educacional deveria estar alinhado ao projeto de desenvolvimento econômico da nação. Na década de 1980, especialmente, houve um processo de redemocratização do Brasil e, ao mesmo tempo ocorreram várias mudanças que sinalizavam para o início do processo de reestruturação produtiva do país, processo este ocorrido nos países centrais na década anterior. Essa reestruturação produtiva teve reflexos no campo educacional e, apesar de ainda conter elementos dos modelos fordistas, flertava com o modelo toyotista de produção, caracterizado pela formação flexível e multifuncional dos indivíduos.

Na década de 1990 no governo de Fernando Henrique Cardoso – FHC as bases que dariam sustentação para a criação do Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB foram especialmente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -LDB nº 9.394 e o Plano Nacional de Educação – PNE (2001-2010). O PNE pode ser entendido como uma diretriz para o campo educacional cujas metas vislumbravam a utilização da EaD nos diversos níveis de ensino com vistas a melhorar a escolarização dos brasileiros, com especial ênfase na formação de professores para a educação básica e expansão de vagas no ensino superior.

Importante retomar o fato de que, na referida década de 1990 foram intensificadas as políticas públicas de cunho neoliberal no governo de FHC, tendo destaque a Reforma do Aparelho do Estado destinada a transformar o Estado regulador em um Estado gerencial, o Estado mínimo compatível com o neoliberalismo. O Estado mínimo segundo Ianni (1998) é aquele cujo papel está restrito ao estabelecimento e fiscalização das regras do jogo econômico pois, a gestão pública é considerada ineficaz. A racionalidade foi aplicada em todas as searas das políticas públicas, e destacamos nesta pesquisa, as políticas públicas no campo educacional. O mandato de FHC terminou no ano de 2002 e, após um processo eleitoral, assume a presidência Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010).

Cabe ressaltar que as expectativas do povo brasileiro com relação ao governo de Lula eram grandes, por se tratar de um cidadão cuja história de vida, de trabalhador, se assemelhava com a história de milhões de brasileiros e cuja proposta de governo trazia em sua formulação, elementos que valorizavam as políticas sociais.

1. Levantamentos iniciais – materiais: o governo Lula (2003-2010) e a política pública educacional com foco na EaD

No ano de 2002 foi apresentado o programa do governo Lula para a área da educação, denominado “Uma escola do tamanho do Brasil”. O documento composto de 29 páginas apresentava as propostas da Coligação Lula Presidente (PT, PCdoB, PL, PMN, PCB)1 para expressar a prioridade que teria a política educacional no governo em questão.

Segundo a proposta do plano para a educação do governo Lula é possível aferir que a população mais pobre não teria acesso às universidades públicas de qualidade por não ter uma escola pública no nível básico que a preparasse para esta universidade. E, assim, o despreparo torna-se um aspecto que conduz os pobres a acessarem somente as universidades pagas e de baixa qualidade.

Cabe ressaltar, contudo, que de acordo com os documentos consultados para o estudo é possível inferir que no governo Lula foi instalada uma espécie de segunda fase de reformas educacionais iniciadas no governo de FHC, reformas estas que estão em conformidade com as diretrizes do Banco Mundial, dos organismos multilaterais. No governo FHC houve um aumento do número de IES privadas e uma privatização das universidades públicas e, ainda uma diversificação do acesso via universidades privadas. Em números: “[...] no Censo 2002, ao final do governo Cardoso, o ingresso em IES públicas somava 320.354, enquanto nas IES privadas somava 1.090.854” (Lima, 2011, p. 90).

A Reforma da Educação Superior foi uma das prioridades do governo Lula e teve o objetivo de estabelecer novas normas para este nível de ensino. Em documento elaborado no ano de 2004 – Reafirmando Princípios e consolidando diretrizes da Reforma da Educação Superior, o ministro Tarso Genro apresentou um conjunto de proposições para implementar a referida reforma. Um dos objetivos para esta reforma seria a recuperação do papel do Estado como normatizador e fiscalizador da educação. Neste documento no tocante ao financiamento, fica explícito que “o exercício da autonomia nas IFES demanda financiamento público estável e impõe sua garantia. As IFES enfrentaram anos de insuficiente orçamentação e, não obstante, foram capazes de superar imensos obstáculos e mantiveram sua qualidade” (Brasil, 2004, p. 8).

O propósito dessa reforma e de todas as ações realizadas para o alcance de suas metas estaria em consonância com as diretrizes definidas pelos organismos internacionais para a formulação de políticas públicas no campo educacional brasileiro. Isso porque as diretrizes indicam que não existem poucos recursos para a educação, mas, sim, que tais recursos são mal aproveitados. A ideia de que os recursos são suficientes faz parte de um ideário neoliberal onde a racionalidade administrativa seria o eixo condutor de todas as políticas públicas, sejam estas em todos os setores, incluindo o educacional.

A educação a distância aparece no contexto das reformas educacionais deste período via estímulo da utilização das tecnologias educacionais. Em outras palavras, a EaD serviria aos propósitos do Banco Mundial, que tem foco nas políticas sociais enquanto meio que garanta a satisfação dos menos favorecidos e viabilize a perenidade dos espaços de intensificação da dependência do Brasil com relação aos países centrais.

As políticas educacionais para a EaD adquirem maior consistência no governo Lula, devido especialmente à criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB), uma política de articulação entres os entes federados que tem como uma de suas principais metas a ampliação de acesso ao ensino superior público. A rede universitária nacional de ensino superior a distância foi vislumbrada como a possibilidade de democratizar o ensino superior público via educação a distância e difere das propostas apresentadas nas décadas anteriores, de se implantar uma universidade aberta no Brasil. Em síntese a EaD se consolidou no governo Lula via mecanismos legais.

A estrutura básica do Sistema UAB sinaliza a ideia da racionalidade técnica a ser introduzida no funcionamento do sistema. Essa racionalidade técnica, além de conduzir a utilização de técnicas de organização e gestão, elevam a aprendizagem baseada na tecnologia ao patamar de fio condutor da formação de indivíduos, com vistas a atender determinado perfil baseado nos interesses mercantis do mercado neoliberal.

A vinculação entre o crescimento econômico e o desenvolvimento do país aparece como de costume, na legislação. Em outras palavras se o crescimento econômico é elemento estratégico para o crescimento do país, a diretriz para a educação acompanha essa premissa. Disso pode-se dizer que, como diretriz para o ensino superior, tem-se a: “Reforma da educação superior, que amplie e fortaleça a universidade pública e gratuita e norteie, pelo interesse público, as instituições particulares, com padrões de qualidade” (Brasil, 2004). Tal reforma, prevista no Decreto de n° 5.622, 2 abriu precedentes para a maior inserção das instituições particulares no ensino superior e, ainda, propôs uma interação entre diversos ramos da sociedade brasileira, incluindo o empresariado, para ampliar as ‘discussões’ no campo educacional. Entende-se, pois, tal ação, como uma maneira de na Charão de Oliveira e Adriana Omena Santos 217 justificar perante a sociedade a forma como se elabora as políticas públicas no campo educacional: atendendo as diretrizes dos organismos internacionais.

Em linhas gerais o decreto visava estabelecer novas regras e detalhar os processos de oferta de cursos na modalidade em EaD. Caberia ao MEC a responsabilidade pela validação de todos os processos sejam relacionados ao credenciamento, autorização, colaboração, diretrizes curriculares dos cursos, sistema de avaliação, dentre outros. A este ministério caberia, também, a função de padronizar os cursos ofertados na modalidade EaD, estabelecer o diálogo entre os diferentes sistemas de ensino, visando atender os requisitos dos Referenciais de Qualidade para a Educação Superior a Distância, documento que se encontrava em discussão desde o ano de 2002.

Entre os tópicos relevantes do decreto, merece atenção a menção aos “mecanismos para coibir abusos, como a oferta desmesurada do número de vagas na educação superior, desvinculada da previsão de condições adequadas” [...] e a “permissão de estabelecimento de regime de colaboração e cooperação entre os Conselhos Estaduais e Conselho Nacional de Educação e diferentes esferas administrativas [...]” visando, entre outras coisas a supervisão compartilhada, a unificação de normas, a padronização de procedimentos e a articulação de agentes” (Brasil, 2007, pp. 5-6).3

O primeiro tópico destacado se refere ao controle da oferta de vagas no ensino superior e aparece como um anúncio do que viria a acontecer com a expansão do número de vagas do ensino superior na rede privada de ensino, uma vez que a busca por atender a uma demanda reprimida acabou por impulsionar algumas instituições privadas de ensino superior a se aventurarem na oferta de cursos na modalidade a distância com qualidade comprometida, haja vista a oferta de mensalidades baixas à custa de infraestrutura inadequada, sucateamento dos salários dos professores e pouca exigência com relação aos processos seletivos.

O segundo tópico representa a sinalização da relação existente entre as iniciativas voltadas para a regulamentação da EaD e a criação de uma universidade aberta no Brasil. Quando menciona o regime de colaboração e cooperação entre os Conselhos Estaduais e o Conselho Nacional de Educação, induz ao entendimento de que, caso as devidas ações não ocorram, ou a EaD não se concretize seja num estado ou em outro, a responsabilização disto caberá a ambas as partes envolvidas.

Sob outra ótica, se por um lado a oferta na iniciativa privada pode, a depender dos encaminhamentos, comprometer a qualidade dos cursos; por outro lado o Estado se desobriga de assumir a responsabilidade pela garantia da educação como direito social, prevista em Constituição e passa a ‘dividi-la’ com os estados. Entra nesse ínterim a questão dos interesses que são, muitas vezes divergentes e acabam por ‘estagnar’ processos de realizacao das políticas públicas e, até mesmo levar au descarte e/ou desmantelamento dos mesmos

A concretização da oferta de cursos na modalidade EaD fica fortemente atrelada ao ‘sucesso’ das parcerias, consórcios etc., enfim, relacionada com a dependência estabelecida entre as instituições e explicitados em leis, regulamentos, normas e regimentos. Esse decreto foi norteador para as ações realizadas na modalidade EaD até o ano de 2017, quando foi substituído pelo Decreto nº 9.054 de 2017. Este último decreto representou uma ampla abertura para a EaD brasileira.

Vale discorrer sobre a estrutura de uma universidade aberta. A universidade aberta à moda 4 brasileira difere sobremaneira do modelo original da Open University, como um modelo que foi apresentado na década de 1970, quando ocorreram as primeiras tentativas de se implantar uma universidade aberta no Brasil. Na Inglaterra o planejamento realizado para a estruturação da universidade aberta foi feito tendo como premissas uma universidade autônoma cujo conceito de ‘aberta’ estaria vinculado àquele cujo público tivesse interesse e pudesse cursá-la. O que temos no Brasil, não é, na verdade uma universidade propriamente dita, trata-se de um consórcio de instituições públicas de ensino superior (Alves, 2009).

Ao analisar o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) enquanto política pública, deve-se apresentar algumas especificações contidas no Decreto de nº 5.800 de 8 de junho de 2006. Nesse decreto, os artigos, do 2º ao 7º referem-se ao regime de colaboração, aos acordos de cooperação técnica, às dotações orçamentárias e à coordenação do Sistema UAB.

O modelo da universidade aberta brasileira contou para sua formulação com a análise de experiências exitosas, tais como o projeto Veredas (em Minas Gerais e o 1º curso de Pedagogia da Universidade Federal do Mato Grosso – UFMT), o Consórcio Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro – CEDERJ 5 e outros.

É compreensível que a proposta de viabilizar o acesso dos brasileiros ao ensino Superior via Sistema Universidade Aberta do Brasil traga consigo alguns elementos que indicam que o aproveitamento da infraestrutura das universidades acaba por intensificar o trabalho dos docentes. Além do mais a forma de pagamento destes profissionais ocorre por meio de bolsas, o que permite aferir a precariedade da situação em que ocorre essa oferta de cursos superiores a distância. Isso permite entender que essa proposta de universidade aberta reforça os mecanismos de precarização existentes nas instituições públicas de ensino superior - IPES, quais sejam, as condições de oferta dos cursos aos discentes e de trabalho dos docentes. Para discorrer sobre tais mecanismos, é necessário analisar a forma de funcionamento do Sistema UAB, apresentada no tópico a seguir.

1.1. O funcionamento do Sistema Universidade Aberta do Brasil

O Sistema Universidade Aberta do Brasil– UAB funciona mediante um regime de colaboração entre a União e os entes federativos. Favorece, pois, a articulação entre os níveis federal, estaduais e municipais. A cada um destes entes federativos caberá funções de forma a atender os objetivos do sistema num todo.

Desse modo vale questionar se a realização destas funções quando não cumpridas a contento, comprometem o funcionamento do sistema. Sob o aspecto que se pretende analisar, do sistema UAB enquanto uma política pública no campo educacional, a resposta é positiva, haja vista que, interesses divergentes surgem quando a ideia é colocada em prática, ou seja, quando a política pública sai do papel e alcança a sua materialização. Pode-se ainda ilustrar o regime de colaboração ou parceria, segundo Balmant (2006) ao afirmar que: “Os governos estaduais e municipais fornecem a infraestrutura física para a parte presencial dos cursos (laboratórios, bibliotecas, salas para aplicação das provas etc.) e as instituições federais entram com o corpo docente e o projeto didático” (Balmant, 2006, p. 123).

A estrutura de funcionamento do Sistema UAB e a descrição deste pode ser ilustrado conforme a Figura 1.

Figura 1. Modelo de Funcionamento do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB




O sistema ilustrado na Figura 1 funciona da seguinte forma: se a Instituição IES2 oferta um curso C e, se, nos polos 1 e 2 existe demanda para tal curso, ambos os polos podem recebê-lo. Então a articulação é pensada visando a expansão da oferta de cursos superiores, atendendo a uma demanda específica.

Algumas questões devem ser levantadas: se numa cidade onde existe um polo UAB e tal polo foi implantado em uma gestão cujos interesses políticos (por exemplo) coincidem com os interesses políticos do governo, as chances de um bom funcionamento deste polo são bem maiores do que, quando ocorre o contrário – quando os interesses do gestor municipal (o prefeito da cidade) divergem da instância maior de governo, seja estadual ou federal, as chances de funcionamento deste polo são prejudicadas. Em suma, a questão política é bem nítida e reflete na organização e condução da parceria. Pode-se afirmar, dessa forma, que a parceria que é estabelecida entre as três esferas caracteriza-se por uma fragilidade que denota o caráter temporário de políticas públicas no campo educacional, que na verdade caracterizam-se como programas de governo.

Ainda no tocante ao funcionamento do sistema, cabe mencionar outro aspecto que representa um agravante para o funcionamento do Sistema UAB – a institucionalização da EaD. Em outras palavras, o nível de institucionalização que se tem dentro da universidade ocasiona o seu sucesso ou não – se o nível de institucionalização da EaD encontra-se avançado na universidade que vai ofertar um curso, a tendência é de incorporação da EaD de forma integral e, não, como se o curso funcionasse à margem de seu projeto institucional.

Entende-se que a flexibilidade para o credenciamento das instituições que ofertarão cursos na modalidade a distância pode levar a uma outra prática: a existência de instituições credenciadas exclusivamente para ofertar cursos na referida modalidade. Até então, as instituições de ensino superior públicas que ofereciam cursos na modalidade EaD precisavam atender ao requisito de ter experiência no curso presencial, que também passaria a ser ofertado na modalidade a distância.

Percebe-se no entanto, que a articulação prevista pelo Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) apresente uma dinâmica que esbarra na heterogeneidade do país e, nas desigualdades existentes entre os municípios o que, consequentemente não permite que o sistema de parceria para a oferta de cursos a nível superior no país, funcione de forma equânime. Pode parecer uma constatação óbvia, porém, sob o discurso de se ampliar o acesso da população ao nível de ensino referido, a opção foi adaptar à organização de educação que temos, um modelo advindo do exterior e cujos países que o utilizam, possuem sistemas de ensino totalmente diferentes do que aqui está instalado.

O trajeto percorrido na pesquisa e os dados da pesquisa documental permitiram inferências que corroboram a tese inicialmente apresentada de que o Sistema UAB se configura, portanto, como uma política pública educacional do governo Lula que não rompe com a lógica das políticas neoliberais implementadas no governo FHC. Ao contrário, representa uma política pública que reforça a lógica neoliberal cujo projeto educacional focaliza o mercado em detrimento da formação integral do ser humano.

É possível ainda dizer que o Sistema UAB apresenta-se com características de um programa de governo que foi, ao longo dos anos sendo adequado mediantes mecanismos legais estratégicos, às mudanças de gestão. Isso se explica pela forma como ocorre sua execução de forma descentralizada e sendo realizada de diferentes maneiras pelas universidades do país.

2. Resultados: as despesas do Sistema UAB

De acordo com o artigo 6º do Decreto nº 5.622/2005,6 as despesas do Sistema UAB ocorrerão de acordo com as dotações orçamentárias do MEC e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE 7, o que permite inferir que, dentro do orçamento ‘restrito’ que compromete o sistema educacional num todo, mais uma área educacional estaria comprometida pois, havendo cortes, incidirão sobre o sistema de modo geral.

O FNDE juntamente com a CAPES são os órgãos responsáveis pelo pagamento daqueles que trabalharão nos cursos que funcionam sob a égide do Sistema UAB. A remuneração dos profissionais é realizada por bolsas de estudo e pesquisa e os tutores que atuam na educação a distância, acompanhando os alunos nos ambientes virtuais de aprendizagem e orientando-os no estudo, não precisam ter vínculo empregatício com as instituições. Geralmente o serviço realizado pelos tutores é complementar a outra fonte de renda haja vista que a bolsa paga a estes profissionais é inferior ao salário mínimo. Nesse sentido, cabe ressaltar que:

“A primeira grande tentativa de coordenar uma ação conjunta de oferta de cursos superiores à distância ocorreu com a Associação Universidade em Rede (UniRede)8 em 1999, entretanto, não logrou êxito. Barreto (2010) aponta como fragilidades dessa iniciativa a dependência de órgãos governamentais, bem como a dependência de órgãos de fomento para financiamento das bolsas pagas para os profissionais envolvidos. Ou seja, tratava-se de uma iniciativa de caráter “excepcional”, uma vez que reconfigurava a organização do trabalho e do financiamento da Educação Superior pública” (Arruda e Arruda, 2015, p. 326).

O excerto acima denota o viés provisório que permeia as políticas públicas para EaD, não somente no tocante à oferta de cursos como também, no que se refere ao pagamento dos profissionais envolvidos no trabalho com a EaD. Quando se remunera por bolsas, atribui-se um caráter de atendimento a necessidades mais emergenciais e, não permite que o trabalho realizado seja inserido no projeto institucional das instituições de ensino superior. A continuidade, pois, dos projetos voltados para a EaD fica comprometida e na dependência de planilhas de pagamento.

Sinteticamente, o modo como se organiza o Sistema UAB corresponde a um modelo dual, onde se aglutinam os elementos necessários para a concretização dos cursos superiores: financiamento, avaliação institucional, gestões operacional e acadêmica. Ao tomar especialmente a questão do financiamento é válido corroborar com a fala de Costa (2007) quando alerta que em tal modelo de organização as instituições públicas de ensino ficam sujeitas a um modelo dual, haja vista que a matriz utilizada pela UAB não se enquadra na matriz regular do MEC. Assim, “nestes termos o financiamento e avaliação ficam a cargo da UAB, enquanto que a gestão acadêmica e operacional ficam sob a responsabilidade das instituições públicas de ensino” (Costa, 2007, p.14- 15, grifo nosso).

É importante retomar a discussão da parceria entre as três esferas: federal, estadual e municipal para a oferta de cursos no Sistema UAB. Nesta esfera encontram-se algumas dificuldades quanto ao financiamento dos cursos, pois a União (via Capes/ UAB) enfrenta dificuldades orçamentárias para manter os cursos, pois não são criados e ofertados pelo Ministério da Educação e a contratação de professores/servidores não é submetida ao Ministério do Planejamento e Orçamento (Hernandes, 2017).

Novamente vem à tona a questão da democratização da educação, especialmente no ensino superior ser propagada por mecanismos que estão embasados do discurso neoliberal de que o Estado, leia-se, o setor público, não consegue sustentar financeiramente as ações em prol da ampliação de vagas neste nível de ensino. Ao ocorrer um incentivo maior às instituições privadas de ensino superior justificado pela falta de recursos a serem investidos em instituições públicas, ocorre uma conformação de estratégias no campo educacional de modo a atender os interesses do capital e manter a sua lógica.

Em tal contexto as políticas públicas educacionais tornam-se instrumentos que visam manter a conformação da sociedade, ou seja, a educação ofertada está em conformidade com a manutenção do status quo da sociedade do capital. A naturalidade das forças do capital e de suas estratégias que visam garantir a formação de uma força de trabalho dócil para o mercado, atuam no sentido de manter a divisão entre a educação que é ofertada para as classes mais favorecidas e a educação para as classes menos favorecidas, para os pobres. Romper com essa naturalidade seria, romper com a lógica do capital, pois:

“[...] a maneira como estão as coisas hoje, a principal função da educação formal é agir como um cão de guarda ex-officio e autoritário para induzir um conformismo generalizado em determinados modos de internalização, de forma a subordiná-los às exigências da ordem estabelecida. O fato de a educação ter êxito na criação de uma conformidade universal não altera o fato de, no seu todo, ela estar orientada para aquele fim. [...] Necessitamos então, urgentemente, de uma atividade de “contrainternalização”, coerente e sustentada, que não se esgote na negação – não importando quão necessário isso seja como uma fase nesse empreendimento – e que defina seus objetivos fundamentais, como a criação de uma alternativa abrangente concretamente sustentável ao que já existe” (Mészaros, 2008, pp. 55-56).

As considerações do autor apontam a necessidade de uma ação humana em prol da educação que rompa com os limites estabelecidos pela visão de conformidade ao capital. Essa educação caracteriza-se pela formação humana que não corresponde a um tempo de escolarização formal, mas que, seja uma formação integral, ao longo da vida. Os mecanismos de política educacional direcionados ao atendimento de demandas reprimidas, tal qual o acesso ao ensino superior, são tentativas de enfrentamento do problema de forma temporária e não se consolidam como uma mudança estrutural no modelo educacional que vise maior e melhor distribuição da educação de qualidade.

Nesse sentido a democratização de um nível de ensino via educação a distância atende a um propósito mercantilista que visa ampliar a ‘satisfação’ da população mais pobre quando aumenta o número de vagas e não aumenta o investimento direcionado para a concretização e realização das condições de oferta. São políticas que, como mencionado no início deste texto, foram desenhadas no governo de FHC, nos anos de 1990 e têm continuidade no governo de Lula, representando, pois, uma permanência, especialmente no seu primeiro mandato.

É difícil negar que houve de fato um aumento do número de vagas ofertada no ensino superior. Desse modo cabe mostrar através de dados estatísticos como ocorreu este aumento, atentando para o fato de que, o ensino superior privado foi privilegiado em decorrência dos mecanismos de isenção de impostos, subsídios e outros que visavam a materialização da parceria público-privada já ocorrida em anos anteriores.

O próximo tópico destinar-se-á à apresentação dos dados numéricos e estatísticos das matrículas ocorridas no nível superior a partir da implementação do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB).

2.1. Resultados sobre o Sistema UAB no âmbito do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE: ampliação de vagas no ensino superior

No período em que foi instituído o Sistema UAB, o Ministro da Educação do governo Lula, era Fernando Haddad que assumiu a gestão do ministério no ano de 2005. No mês de abril do ano de 2007, o MEC lançou o Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE). Nesse mesmo ano, no mês de maio, o Decreto de nº 6.094 implementou o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação.9 No PDE, considerado aqui como uma política de governo, várias metas e ações foram estabelecidas. No que se refere à educação superior, uma das metas do plano era duplicar em 10 anos, o número de vagas do ensino superior. O Sistema UAB encontra-se, pois, como uma estratégia adequada ao atendimento das metas do PDE, além de estar em conformidade com a lógica neoliberal que visa a atender a uma demanda temporariamente e de forma precária.

A formação de professores, demanda deficitária do país, faz parte de um dos eixos de atuação do Sistema UAB, além do foco de análise desta tese que é a ampliação de vagas no ensino superior. Assim, utilizando o Sistema UAB como uma estratégia para a formação docente, o PDE:

“[...] criou o programa “Formação” que, por meio da Universidade Aberta do Brasil (UAB), pretende oferecer cursos a distância para prover a formação inicial dos docentes em exercício não-graduados em nível superior, além de formar novos professores e possibilitar a qualificação contínua de quase dois milhões de professores da educação básica. O ensino a distância, nas condições atuais do avanço tecnológico, é um importante auxiliar do processo educativo. Pode, pois, ser utilizado com proveito no enriquecimento dos cursos de formação de professores” (Saviani, 2007, p. 1250).

Ainda segundo o PDE, o aumento de vagas no ensino superior não pode ficar restrito somente à quantidade. Tal aumento deve pautar pela qualidade, inclusão social, melhor distribuição regional no país (permitindo o acesso a locais mais afastados dos centros) e, ainda contribuir para o desenvolvimento econômico e social do país, ao melhorar a formação dos recursos humanos. O plano em questão considera a reestruturação e expansão das universidades federais, através de programas tais como: o Programa Universidade para Todos - PROUNI, o Fundo de Financiamento Estudantil - FIES e pelo sistema de avaliação, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES.

No que se refere ao PROUNI, entende-se a importância de considerar as palavras de Mancebo quando afirma que:

“[…] longe de resolver ou de corrigir a distribuição desigual dos bens educacionais, a privatização promovida pelo programa tende a aprofundar as condições históricas de discriminação e de negação do direito à educação superior a que são submetidos os setores populares. A alocação dos estudantes pobres nas instituições particulares cristalizará mais ainda a dinâmica de segmentação e diferenciação no sistema escolar, destinando escolas academicamente superiores para os que passarem nos vestibulares das instituições públicas” (2004, p. 13).

Ainda que o maior foco do PDE seja a melhoria da educação básica via formação dos professores, isso acaba por gerar o aumento de vagas no ensino superior, mas não necessariamente amplia ou melhora a inclusão de jovens entre 18 e 24 anos, tal como a meta objetivada pelo plano. Em outros termos trata-se de um aumento de pensado estrategicamente para propiciar a formação de docentes para a educação básica e que, viabiliza o aumento de vagas no ensino superior num todo. Ao discorrer acerca da temática é importante ter em mente que:

“O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) pode ser considerado a primeira grande iniciativa do ministro Fernando Haddad, buscando uma reorientação de rumo para a educação no governo Lula. Constituindo-se na reunião de dezenas de programas que abarcam da educação básica – compreendendo suas etapas e modalidades – à educação superior, tal iniciativa procurou dar direção à política educacional no país, tendo como grande timoneiro o governo federal. [...] é, ao mesmo tempo, uma busca de resgatar o protagonismo exercido pelo governo federal em épocas passadas, apesar das contradições que revelam possibilidades e limites entre o nacional e o federal” (Oliveira, 2011).

É preciso também mencionar o fato de que, o Sistema UAB que era de responsabilidade da Secretaria de Educação a Distância e do MEC, passou, a partir de 2009, mediante a Portaria nº 318, de abril deste ano, a ser operacionalizado pela CAPES. Este órgão já era responsável pela formação continuada de professores para a educação básica e, a partir desta portaria, as ações conjuntas entre a Diretoria de Educação a Distância – DED, e a CAPES, levaram à criação do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – PARFOR, que também passa a integrar as metas do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, de 2007.

A Secretaria de Educação a Distância – SEED, que foi a responsável pela criação dos Referenciais da Qualidade para a EaD, foi extinta no ano de 2011. Desse modo, todas as ações em prol da EaD, previstas nestes referenciais, no que se refere ao ensino superior, passaram a ser responsabilidade da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior – SERES (Silva, 2018).

Alguns dados estatísticos permitem que se constate que a ampliação de vagas no ensino superior, de fato ocorreu, após o Decreto de nº 5.800/2006 que instituiu o Sistema UAB e que tem como um de seus objetivos ampliar o acesso à educação superior pública10 como pode ser visto na Figura 2.




Os dados apresentados no gráfico compreendem o período de 1995 a 2010, período este que foi de suma importância para a implementação da EaD no país. Destacamse dois marcos legais: a LDB n° 9.394/1996 e, ainda a instituição do Sistema UAB, em 2006. Podemos aferir que, após a instituição do Sistema UAB, pelo Decreto nº 5.800, o aumento do número de matrículas nos cursos à distância no ensino superior brasileiro foi bastante significativo. Desse modo, um dos objetivos do sistema teve êxito, no período em questão. Mas é preciso refletir sobre a organização e estrutura do Sistema UAB, que apresenta fragilidades e é caracteristicamente marcada pela descontinuidade das ações que promovem o seu funcionamento, especialmente no tocante aos recursos orçamentários.

Os gráficos a seguir (Figuras 3 e 4) revelam a evolução das matrículas na modalidade educação a distância. O primeiro gráfico compreende o período de 2000 a 2011 e mostra a evolução das matrículas em números, enquanto que, o segundo gráfico denota o percentual de matrículas no período de 2003 a 2011 que corresponde aos dois mandatos do presidente Lula (2003 a 2010) e início do 1º ano do mandato de Dilma Rousseff (2011- 2016







No ano de 2003 as matrículas na EaD correspondiam a 1,3 % do total de matrículas no ensino superior. Observa-se um importante crescimento, no ano de 2007, após decorrido um ano da implementação do Sistema UAB, o que elevou o número percentual para 7%. O aumento foi observado até o final do mandato de Lula, no ano de 2010, quando atingiu o percentual de 14,6% representando mais que 100% do total observado em 2007. No ano de 2011 foi atingido um montante de 15% do total de matrículas no ensino a distância.

É necessário, porém, apontarmos que a expansão do ensino superior no período de 2003 a 2013, ocorre, prioritariamente na rede privada de ensino. Vejamos no gráfico a seguir, onde as barras verdes representam a rede privada de ensino e as barras vermelhas, a rede pública de ensino. A participação da rede privada corresponde a mais de 80% do total de ingressantes na educação superior. Isso reafirma o que foi dito anteriormente nesta tese que a expansão da educação superior na rede pública de ensino como meta do Estado é relegada ao segundo plano pois, os incentivos para que a rede privada de ensino promova o aumento do seu número de matrículas são muito maiores do que os recursos investidos na rede pública de ensino superior.







As matrículas estão concentradas na rede privada de ensino como mostra o gráfico da Figura 6. Mesmo se levarmos em conta que o número de instituições privadas de ensino é superior ao número de IES públicas, devemos considerar que os subsídios governamentais para as primeiras favorecem o maior número de matrículas. Isso ainda corresponde à manutenção da privatização do ensino superior brasileiro iniciada no governo de FHC e que tem continuidade no governo Lula.

Como o foco neste momento é apenas mostrar o incremento das matrículas no ensino superior para estabelecer um contraponto entre as políticas públicas que favorecem o ensino privado em detrimento do ensino público, são apresentados a seguir os números que comprovam o aumento das matrículas na modalidade a distância, tanto nas instituições públicas quanto nas instituições privadas. A princípio já é possível mencionar que a tendência observada de aumento deste número ocorre, também, na esfera privada em maior magnitude. Para tanto um caminho é tomar como referência o período de 2003 a 2013, período este que corresponde aos dois mandatos do presidente Lula da Silva e aos dois primeiros anos do mandato da presidenta Dilma Rousseff.




O gráfico da Figura 7 permite observar que, após a implementação do Sistema Universidade Aberta do Brasil, no ano de 2006, ocorreu um impulso nas matrículas realizadas nos cursos a distância. Assim no ano de 2013, após 7 anos de implantação do Sistema UAB tivemos uma participação de 15,8% de matrículas nos cursos a distância e, 84,2% de matrículas nos cursos presenciais.

Os dados apresentados permitem o entendimento da magnitude assumida pela EaD nas políticas públicas educacionais no governo Lula e que tiveram continuidade no primeiro mandato do governo de Dilma Rousseff (2011-2014), não tendo sofrido mudanças substantivas. Assim, cabe recuperar os dados do Resumo Técnico do ano de 2014, disponível no Portal do Inep/MEC.




Ao analisar o gráfico da Figura 8 relativo ao ano de 2014 (governo Dilma), nota-se que a quantidade de matrículas nos cursos presenciais não apresenta números muito diferentes quando comparadas as redes pública e privada de ensino. No entanto, ao comparar a quantidade de matrículas nos cursos a distância, a disparidade é muito grande. Isso denota que:

“No Brasil, a análise das políticas para a educação superior indica, de um lado, a naturalização de uma expansão, predominante privada, restando pouca dúvida de que a educação tenha se transformado em importante mercadoria e, de outro, a efetivação de novas arquiteturas e dinâmicas institucionais, que remetem a uma forte diversificação do sistema de educação superior como um todo, o que inclui as IES públicas, nas quais o cotidiano é marcado por redução de recursos, por uma autonomia ‘regulada’, por pressões as mais distintas para uma vinculação da pesquisa às necessidades do mercado, entre outras tendências” (Mancebo, 2015, p. 141).

No gráfico da Figura 9, a seguir, pode-se observar mais uma vez o crescimento das matrículas nos cursos a distância. Tal dado foi constatado ao longo do governo Lula, especialmente após a implementação do Sistema UAB e no 1º mandato do governo Dilma (2011-2014), conforme já relatado.




Ao analisar o Figura 8, pode-se aferir que, houve um crescimento de ingressantes no ensino superior no período de 2003 a 2014, com uma oscilação indicando redução no ano de 2009. O total de ingressantes nas duas modalidades de ensino no referido período, totalizou 3.110.848 alunos, sendo o percentual de 23,4% na modalidade a distância e 76,6% na modalidade presencial. O percentual de alunos ingressantes nos cursos da modalidade a distância é bem inferior ao percentual daqueles que ingressaram na modalidade presencial. No entanto, o aumento do número de alunos que ingressou na modalidade a distância foi percebido ainda que não tenha ocorrido de forma regular, como indicam os números. De 2006, quando foi implantado o Sistema UAB, até o ano de 2008, foi observado um crescimento contínuo, com uma queda no ano de 2009 e, volta do crescimento em 2010. Porém, o crescimento da modalidade de ensino presencial acompanhou o mesmo movimento, apontando para uma diversificação do sistema de educação superior num todo.

As estatísticas permitem demonstrar que os argumentos apresentados ao longo desta tese, ou seja, de que no governo Lula houve uma espécie de segunda fase das reformas neoliberais do governo FHC, são verdadeiras. As políticas públicas no campo educacional não apresentaram mudanças substanciais na sua estruturação, o que denota a continuidade com relação à formulação das mesmas: não rompem com a lógica neoliberal intensificada no governo FHC, mas sim, estão em conformidade com as diretrizes dos organismos internacionais que visam formar indivíduos sob a égide do mercantilismo e da racionalidade técnica.

Ainda que tenha sido observado esse contínuo aumento das matrículas nos cursos ofertados na modalidade a distância, é preciso fazer algumas considerações, especialmente no tocante aos caminhos trilhados pela EaD no período em questão. A revisão bibliográfica e a pesquisa documental permitiram verificar um período de grande ênfase após a implementação do Sistema UAB, o que permite afirmar que um dos eixos de atuação do sistema teve sucesso, que foi a expansão de vagas no ensino superior. No primeiro mandato do governo Dilma (2011-2014) e início do segundo mandato (2015-2016), encontra-se a seguinte situação:

“Desde o começo de 2013, a situação da UAB passa a dar sinais de esgotamento com indicativos de que os modelos de formação e, principalmente, de gestão, instituídos até então precisariam ser revistos. Em 2015, esse esgotamento dos modelos é levado a cabo, quando as IES são duramente penalizadas pelo governo federal, com corte quase integral das verbas destinadas aos cursos (em andamento ou com matrículas previstas) oferecidos pela EAD. Pelas normas acadêmicas e constitucionais brasileiras, esse rompimento de um compromisso plural e coletivo implicou na responsabilização unilateral das instituições de ensino frente ao andamento das atividades de conclusão nos cursos. Esse rompimento unilateral indica a fragilidade de um sistema robusto e de multiparcerias como é a UAB” (Mill, 2016, p. 441, grifo nosso).

Ao realizar o potencial quantitativo de sua proposta, o Sistema UAB contribuiu para expandir as vagas no ensino superior público, atendendo relativamente as metas do PNE mas, ao mesmo tempo, o faz sem aumentar o volume de recursos direcionados para as IPES, com vistas a dar sustentação a este sistema. Tal como afirmado anteriormente, ao utilizar a infraestrutura das IPES, no tocante tanto aos aspectos físicos quanto humanos, o Sistema UAB contribuiu para uma intensificação do trabalho daqueles que atuam sob suas diretrizes. Tudo isso contribuiu para que o Sistema UAB não configure como uma universidade aberta, mas sim, como uma adaptação necessária às estratégias determinadas por uma política pública no campo educacional. Poderíamos dizer que: “Como política pública, o sistema UAB constituise como programa de governo, ainda que ele tenha sobrevivido a várias gestões.” (Arruda, 2018, p. 826).

2.2. Discussão: algumas ações recentes relacionadas ao Sistema UAB

Nos tópicos anteriores foi demonstrado através de uma análise qualitativa, e da utilização de alguns dados estatísticos, que o Sistema UAB, ainda que de forma precarizada, atingiu números consideráveis no tocante à expansão de vagas no ensino superior.

Neste tópico são apresentados especialmente três ações em prol do Sistema UAB, mas cujos efeitos ainda não podem ser dimensionados nesta pesquisa.

A primeira ação ou mudança em termos da legislação que devemos apontar é o Decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017, que revoga o Decreto nº 5.622 de 2005. Esse decreto já foi mencionado e, em parte analisado em tópicos anteriores deste capítulo. É necessário, contudo, retomar com relação ao mesmo o fato de que este possibilita uma maior ampliação no credenciamento das instituições para ofertar cursos na modalidade EaD.

Cabe destacar especialmente o Artigo 11 do Capítulo III e o parágrafo 2º do mesmo artigo: “Art. 11. As instituições de ensino superior privadas deverão solicitar credenciamento para a oferta de cursos superiores na modalidade a distância ao Ministério da Educação. ” E, o parágrafo 2º em que se afirma ser “permitido o credenciamento de instituição de ensino superior exclusivamente para oferta de cursos de graduação e de pós-graduação lato sensu na modalidade a distância.”

A pesquisa documental viabiliza a inferência de que estes tópicos constantes no Decreto nº 9.057 favorecem as instituições privadas de ensino superior, ao ‘facilitarem’, por assim dizer, a oferta de EaD nestas instituições. Se antes havia um requisito de excelência na oferta de cursos de graduação, para posteriormente ofertálos na modalidade a distância, este requisito foi retirado da pauta. Desse modo, a continuidade do favorecimento das instituições privadas denotando o caráter mercantil das políticas públicas no campo educacional prevalece.

As instituições públicas de ensino superior foram também, favorecidas, segundo o Artigo 12, do capítulo III, que, em síntese, diz que as IPES das esferas federal, estadual ou distrital estão automaticamente credenciadas para ofertar cursos na modalidade a distância. Não existe, porém, referência aos recursos orçamentários destinados a esta oferta.

É importante apresentar um fato que corrobora com a redução dos gastos públicos no campo educacional. No ano de 2014, no final do primeiro mandato do governo Dilma, um novo Plano Nacional de Educação – PNE, foi aprovado pela Lei de nº 13.005, de 24 de junho deste ano. Com duração prevista para o decênio 2014-2024, o plano trouxe várias metas que exigirão para sua realização, um maior montante de recursos financeiros. Assim: “O financiamento das metas do PNE está previsto na meta 20, que determina, até 2024, a aplicação de recursos públicos equivalentes a 10% do PIB na educação brasileira, o que significa quase que dobrar o volume de recursos financeiros” (Amaral, 2017, p. 7).

No ano de 2016, porém, após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, e já no governo do presidente interino – Michel Temer, foi apresentada a Proposta de Emenda Constitucional, a PEC 241/55 ou PEC do Teto dos Gastos, com o objetivo de congelar os gastos públicos durante 20 anos. Essa PEC afeta as metas do PNE (2014-2024) e, representa um congelamento de gastos públicos em educação por um período de 20 anos. Nesse contexto compreende-se o Sistema UAB como alvo fácil desse congelamento, fato que contribui para o comprometimento do funcionamento do mesmo, que já se caracteriza pela descontinuidade dos recursos destinados ao seu funcionamento, tal como já apontado anteriormente mediante a pesquisa bibliográfica e documental.

No dia 1º de agosto do ano de 2018, o presidente da CAPES, Abílio Baeta Neves, enviou um Ofício ao Ministro da Educação do governo Temer – Rossieli Soares da Silva, ofício este de nº 245/2018, onde mencionava os efeitos dos cortes de gastos no orçamento da CAPES e a inviabilidade em dar continuidade a uma série de programas sob responsabilidade da agência. Segundo Abílio Neves, tornar-se-á impraticável, cumprir com os compromissos da agência se o orçamento estiver abaixo do teto da Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO, de 2019. No tocante ao Sistema UAB, Abílio Neves foi taxativo ao afirmar que ocorrerá:

“Interrupção do funcionamento do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) e dos mestrados profissionais do Programa de Mestrado Profissional para Qualificação de Professores da Rede Pública de Educação Básica (ProEB), com a suspensão dos pagamentos a partir de agosto de 2019, afetando os mais de 245.000 beneficiados (alunos e bolsistas - professores, tutores, assistentes e coordenadores) que encontram-se inseridos em aproximadamente 110 IES, que ofertam em torno de 750 cursos (mestrados profissionais, licenciaturas, bacharelados e especializações), em mais de 600 cidades que abrigam polos de apoio presencial” (Brasil, 2018).

Corroborando com os argumentos apresentados ao longo desta tese, ou seja, com a inviabilidade da estrutura de funcionamento do Sistema UAB reafirma-se sua fragilidade, por motivos que vão além da parceria entre União, estados e municípios. Como os recursos disponíveis para a execução de suas ações não estão contempladas na matriz regular do MEC, com os cortes de gastos, torna-se inviável sua sustentação e sua classificação como uma política pública educacional. Tal constatação permite dizer, portanto, que o Sistema UAB foi sendo conformado dentro de um programa de governo e de suas estratégias de atuação, tendo alcançado limites para seu funcionamento devido à ausência de uma estrutura sólida condizente com uma instituição de ensino superior pública que oferte ensino gratuito e de qualidade. Somado a isso é importante lembrar que o Sistema UAB não constitui uma universidade autônoma, pois, não possui uma infraestrutura que a caracterize como uma instituição cujo tripé – ensino, pesquisa e extensão sejam os pilares de sua existência.

A dimensão do Sistema UAB quando considerada como política pública apresenta muitas fragilidades e uma delas é a dependência de uma articulação entre as esferas federal, estadual e municipal para que seu funcionamento ocorra de modo satisfatório. Ao configurar dentro deste sistema de parceria, a universidade aberta instituída no Brasil, não tem sequer um corpo docente próprio, não prevê contratações de professores para atuarem na EaD e funciona de forma dependente de instituições públicas já constituídas, precarizando-as ainda mais. Enquanto permanecer no rol das políticas públicas como política de caráter emergencial, que é mudada conforme decretos e portarias designadas por diferentes gestões governamentais, não configurará dentro da perspectiva das soluções essenciais dentro do campo educacional. Constituirá apenas uma solução formal e temporária e isso consolida a visão da EaD como modalidade desacreditada dentro das instituições, principalmente as públicas, de ensino superior.

Conforme já visto nos parágrafos anteriores, a ausência de financiamento para a educação a distância e a disseminação desta pelo Sistema UAB possibilitou, sim, a expansão de vagas na rede pública de ensino superior e produziu um efeito contrário ao pretendido. Explicando melhor. Essa expansão de vagas configura como uma busca de universalização do acesso ao ensino superior e, para que ocorra, vale-se da situação de precariedade em que já se encontram as IPES no Brasil, funcionando com recursos orçamentários mínimos. Entende-se, pois, como sendo uma democratização precária da educação e que atende à lógica mercantil das políticas neoliberais de um Estado mínimo, intensificadas no governo de FHC e que tiveram continuidade no governo Lula.

Cabe ressaltar, contudo, que de maneira alguma se trata de desmerecer os avanços conseguidos com as políticas sociais no governo Lula. Os números não mentem quanto a isso, especialmente no tocante aos programas que reduziram a fome a miséria no país. O que deve ser motivo de preocupação entre pesquisadores da temática é a existência de políticas públicas que não promovem uma mudança na estrutura do sistema educacional brasileiro, mudança esta que possibilite um efetivo rompimento com a formação parcial e aligeirada do indivíduo e que direcione a uma formação integral do homem.

É nesse ínterim que se encontra o Sistema UAB: mais uma política pública no campo educacional, voltada para o ensino superior, mas que não permite uma mudança essencial. Ou seja, pode-se afirmar que se trata, apenas, de uma mudança formal e temporária que visa uma melhora apenas quantitativa com vistas a atender demandas reprimidas. Essa melhora quantitativa, contraditoriamente, não conta com um aumento necessário nos recursos dispendidos para sua materialização. Desse modo, sua estruturação não permite que configure como uma política pública consolidada no campo educacional. Sua configuração corresponde à de uma política pública que foi sendo moldada de acordo com diferentes gestões governamentais para atender aos interesses mercantis que vão se modificando e se intensificando ao longo da história. O objeto de pesquisa aqui trabalhado foi passando por modificações que lhe atribuíram movimento condizente com o processo histórico que se caracteriza por contradições, permanências e rupturas.

Considerações finais

A educação que se oferta a pessoas de baixa condição sócio econômica na forma de política social, que visa atender uma demanda reprimida, tal como é o caso do acesso ao ensino superior via Sistema Universidade Aberta do Brasil, cuja metodologia é sustentada pela EaD, é, via de regra, uma educação precária visando apenas uma formação restrita aos interesses do capital.

A pesquisa documental e a revisão bibliográfica permitiram inferir que, se a princípio o Sistema UAB foi idealizado como um projeto de caráter experimental, é necessário apontar que, no período de experimentação já apresentou alguns sinais de esgotamento. O fato é que, algo assim pensado, se não avaliado, monitorado e reavaliado, tende a cair na estagnação e, até mesmo no abandono. As IPES que ofertam cursos à distância trazem no seu histórico, a experiência no ensino presencial e, isto até funciona como um dos critérios que viabiliza o credenciamento destas instituições para a oferta de cursos EaD.

A dicotomia entre cursos presencias e cursos à distância faz, no entanto, com que exista dentro de uma mesma instituição a fragmentação de uma organização em seu projeto pedagógico institucional, e até mesmo o aumento da resistência da comunidade acadêmica (docentes em particular) com relação à EaD, por relacionarem diretamente o funcionamento precário do Sistema UAB com a modalidade em questão. Enquanto houver a divisão entre educação presencial e educação a distância ter-se-á mais obstáculos do que adesões com relação à EaD. Entende-se neste contexto a precariedade do Sistema UAB por reduzir a EaD a uma metodologia cuja implantação não requer uma mudança nos parâmetros institucionais e culturais das IPES.

A utilização das instalações das IPES, assim como de seu corpo docente, acaba por fazer com que a resistência cultural à modalidade EaD cresça pois, geralmente o trabalho na modalidade não é uniformemente reconhecido dentro da instituição e funciona à margem dos cursos presenciais, ou seja, não é reconhecido institucionalmente tal como um curso presencial e, ainda, representa uma sobrecarga de trabalho para os docentes. Para Arruda (2018):

“Sob a perspectiva da política educacional, observa-se que a dinâmica empreendida pelo governo brasileiro nos últimos anos fragiliza a EaD e o sistema UAB, ao estabelecer parâmetros bem distintos da educação presencial em uma ação temporal longeva, se comparada a outros programas de EaD do passado” (Arruda, 2018, p. 830).

Em outras palavras, quando os docentes participam dos cursos a distância ofertados nas IPES, eles geralmente veem seu trabalho aumentar sobremaneira e, a carga horária que utilizam para realizar as atividades necessárias para o funcionamento de um curso na modalidade a distância – preparação de materiais, avaliações e outros, na maioria das vezes, não é computada na carga horária deste docente. As bolsas utilizadas como pagamento são vistas como um complemento salarial esporádico.

Questiona-se, neste ponto, porque os cursos ofertados na modalidade a distância não são ofertados regularmente, ou seja, dependem de recursos que não são contemplados na matriz orçamentária regular do MEC. Nesse ínterim a EaD via Sistema UAB aparece como parte de um programa e, não, de uma política pública, uma vez que sua implantação e oferta dependem tão somente de questões orçamentárias.

Tal expansão foi promovida via Sistema UAB sob a forma de uma educação precária que se encontra sustentada numa estrutura que não tem as características de uma instituição de ensino superior, pois, vale-se de estruturas já existentes das universidades públicas. Ao realizar seus objetivos valendo-se de instituições já consolidadas no campo educacional e, o pior, cujos gastos vêm sofrendo reduções gradativas, o Sistema UAB precariza tanto a educação ofertada quanto as condições de trabalho daqueles que nela atuam.

A estratégia do governo foi a utilização da capacidade existente das instituições com gastos mínimos corroborando com o fato de que os investimentos e financiamentos educacionais não configuram como uma das prioridades dos gastos públicos. As mudanças promovidas pelas políticas públicas, no caso o Sistema UAB, ora denominado de política pública, ora de programa, não constituem um meio de democratizar a educação de forma sólida, aparece como uma estratégia, como meio necessário ao capital que vai se metamorfoseando perante decretos e portarias que visem uma adequação sem que haja o mínimo de investimentos no sistema em questão.

Assim, o Sistema UAB torna-se, então, um programa que promove uma maior precarização das condições de oferta educacional nas IPES, por uma série de motivos, e, pode-se mencionar a sobrecarga de trabalho dos docentes que atuam nos cursos presenciais e nos cursos à distância, uma vez que, a infraestrutura física e de pessoal das IPES é a mesma utilizada pela universidade aberta tal como foi configurada: num sistema de parceria entre a União, os estados e os municípios, sem aumento necessário e suficiente de recursos orçamentários para promover o funcionamento do sistema. Isso porque não se trata de uma universidade com grau de autonomia e cujo propósito seja o atendimento ao tripé: ensino, pesquisa e extensão.

Não existe uma oferta regular dos cursos disponibilizados na modalidade EaD no Sistema UAB, o que promove uma instabilidade de ações em prol da institucionalização da EaD dentro das IPES. Além do mais, o modo de funcionamento do Sistema UAB acaba por promover uma animosidade da comunidade acadêmica com relação à EaD e, consequentemente disseminar uma resistência maior à sua adoção dentro das IPES.

Desse modo o Sistema UAB configura no campo educacional como uma estratégia no campo das políticas públicas, para atender as estratégias e diretrizes dos organismos internacionais, pois, ao mesmo tempo em que corresponde a uma diversificação dos métodos de ensino e aprendizagem, reforça os mecanismos de redução de gastos na educação. O papel de Estado mínimo característico do governo neoliberal se faz presente e cabe a esse Estado tão somente as funções supervisão e regulação, uma vez que o aumento de recursos para o financiamento do ensino superior público não está de acordo com as diretrizes dos organismos internacionais, por representarem para estes, uma má alocação de recursos públicos.

Os resultados da pesquisa apontam que a universalização da educação via Sistema UAB ocorre sendo determinada por uma lógica formativa para tão somente atender ao mercado de trabalho. Constata-se, pois, que, houve no governo Lula uma continuidade das reformas que tiveram início na década de 1990, no governo FHC e, o Sistema UAB encontra-se como mais uma política pública que privilegia os interesses do mercado e utiliza a EaD como metodologia viável para atender aos seus propósitos. Não existe pois uma solução essencial, como diria Mészaros, mas sim, algumas soluções formais que não rompem com a lógica do capital que se reflete no campo educacional via elaboração e implementação de políticas públicas que se traduzem em programas de governo.

Este estudo utilizou fontes diversas que enriqueceram o escopo da análise realizada. A historicidade do objeto permitiu que fosse verificado como este foi construído ao longo do tempo e sempre permeado por contradições, que fazem parte de sua própria dinâmica e corrobora para o fato de que não possa ser analisado isoladamente. Desse modo justifica-se sua relevância e importância para o campo científico educacional, lembrando que, no campo das políticas públicas educacionais, o Sistema UAB aparece como uma possibilidade que ao longo do tempo foi sujeita a várias portarias e decretos que visavam a adequação desta política pública aos diversos momentos de sua implantação. Como parte do programa do governo Lula foi estratégica no sentido de atender a um projeto de governo cujas políticas sociais eram o mote de seu discurso.

Ao utilizar mecanismos típicos das políticas públicas neoliberais, que cria a cultura para o ajuste ao mercado, vai se tornando inviável com o tempo, uma vez que promove apenas temporariamente a solução para uma demanda ou problema. A situação daqueles que trabalham no Sistema UAB e daqueles que estudam nos cursos ofertados a distância no âmbito deste sistema, não permite que possam ser considerados como integrados a uma universidade aberta mas sim, estão à margem do funcionamento das universidades públicas. A título de exemplo, cabe destacar que não existe uma oferta regular de cursos que funcionam sob o sistema e o pagamento desses trabalhadores é realizado mediante bolsas.

O ofício destacado no artigo e fragmento da tese serve como um alerta para que a inviabilidade do Sistema UAB aqui sinalizado, ocasionará prejuízos imensos a milhares de estudantes e profissionais envolvidos nos cursos ofertados. A interrupção do funcionamento do sistema tal como indicado no referido ofício não deixa dúvidas que a educação a distância pública vem sendo utilizada para cobrir deficiências do sistema educacional num todo, pois, promove soluções que não são duradouras e não atingem de forma eficiente a democratização do ensino tal como deveria.

Em síntese, é possível afirmar que a ampliação das vagas do ensino superior sendo entendida como uma demanda social foi sendo moldada de acordo com interesses econômicos e do mercado de trabalho. Pouco importa se a educação é presencial ou à distância, a lógica é a mesma pois, a educação está a favor do capital e as mudanças e propostas não são realizadas com o intuito de modificar tal lógica.

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Notas

1. Partido dos Trabalhadores, Partido Comunista do Brasil, Partido Liberal, Partido da Mobilização nacional e Partido Comunista Brasileiro.
2. O Decreto 5.622, foi revogado .no ano de 2017. Em substituição a este decreto temos o Decreto de número 9.057, de 25 de manoio do referido a ano.
3. Este documento encontra-se disponível na íntegra no Portal do Mec cujo link está nas referências deste trabalho
4. Ao utilizar o termo à moda brasileira, quero dizer que, houve no Brasil a estruturação de um sistema e, não de uma universidade aberta como nos moldes das originais, tomando-se como exemplo, a Open University. As universidades abertas idealizadas em outros países, são universidades autônomas enquanto que, o Sistema Universidade Aberta do Brasil funciona na forma de rede, de consórcios. O Sistema UAB não constitui, pois, uma universidade autônoma e independente.
5. O Consórcio Cederj (Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro) é formado por oito instituições públicas de ensino superior: CEFET, IFF, UENF, UERJ, UFF, UFRJ, UFRRJ e UNIRIO. Essa informação encontra-se disponível na página do próprio consórcio.
6. Como informado anteriormente esse decreto foi revogado e substituído pelo Decreto nº 9.054 de 2017.
7. O FNDE foi criado no ano de 1968 e é o órgão responsável pela execução das políticas educacionais do MEC, transfere recursos aos estados e municípios e, ainda, oferece assistência técnica (informações disponíveis no site do próprio FNDE).
8. A UniRede foi criada no ano de 1999 como uma associação que abarca as instituições de educação superior pública. A finalidade desta associação seria o desenvolvimento da Educação a Distância tendo como finalidade o desenvolvimento da educação a distância no ensino superior, assentada em 3 eixos principais: democratização do acesso, elevação da qualidade e inovação.


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