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Comparação do exercício agachamento nas superfícies estável e instável sobre a eletromiografia e percepção subjetiva de esforço

Comparison of squatting exercises on stable and unstable surfaces on electromyography and subjective perception of exertion

Marcelly Mancini
Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil
Amanda Fernandes Brown
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Jefferson da Silva Novaes
Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil
Michelle de Souza Ribeiro
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Patrícia Silva Panza
Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil
Leandro Raider dos Santos
Centro de Ensino Superior de Valença, Brasil
Humberto Lameira Miranda
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Jeferson Macedo Vianna
Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil

Comparação do exercício agachamento nas superfícies estável e instável sobre a eletromiografia e percepção subjetiva de esforço

ConScientiae Saúde, vol. 18, núm. 2, pp. 165-173, 2019

Universidade Nove de Julho

Recepção: 17 Setembro 2018

Aprovação: 06 Março 2019

Resumo: Introdução: Superfícies instáveis podem ser utilizadas no treinamento resistido a fim de promover maiores estímulos no sistema neuromuscular. Objetivo: Verificar o efeito de diferentes intensidades de força no agacha- mento nas superfícies estável (SE) e instável (SI) sobre a atividade eletro- miográfica (EMG) e a percepção subjetiva de esforço (PSE). Métodos:Foi verificado a EMG e a PSE de 15 homens treinados no agachamento na SE e na SI com cargas randomizadas. Resultados: Em relação à EMG não foram encontradas diferenças significativas entre as cargas na SE e SI. A PSE foi maior na condição de 60% de 1RM na SI, quando comparada a 40% na SI, e 50% na SE. Também se observaram diferenças na condição de 70% de 1RM na SE, quando comparada a 40% na SI, e 50% na SE. Conclusão: O agachamento, mesmo com uma carga inferior, realizado na SI, produz atividade EMG similar ao executado na SE. Por outro lado, a PSE, em moderada intensidade, foi maior na SI.

Palavras-chave: Eletromiografia, Propriocepção, Treinamento de resistência, Força muscular.

Abstract: Introduction: Unstable surfaces (US) can be used in resistance training in order to promote greater stimuli of the neuromuscular system. Objective:To verify the effect of different strength intensities of squatting on stable surfaces (SS) and unstable surfaces (US) on electromyography activity (EMG) and perception of effort (PE). Methods: EMG and PE of 15 men trained to squat on SS and on US with randomized loads were verified. Results:Regarding the EMG, there were no significant differences between loads on SS and US. The PE was higher in the 60% 1RM condition on the US when compared to 40% on the US and 50% on the SS. Differences were also found in the condition of 70% of 1RM on SS when compared to 40% on US and 50% on SS. Conclusion:The squat, even with a lower load, performed on the US produces similar EMG activity to what it does on SS. On the other hand, the PE at moderate intensity was higher on the US.

Keywords: Electromyography, Proprioception, Resistance training, Muscle strength.

Introdução

Os exercícios com pesos livres são tradicionalmente realizados em superfície estável (SE). Contudo, nos últimos anos, em diversos ambientes para atividade física para a realização dos exercícios resistidos vem sendo utilizada a superfície instável (SI) que, segundo Kohler et al.1, aumenta a ativação dos músculos estabilizadores do tronco. De acordo com Behm et al.2, o treinamento na SI diminui os pontos de contatos do corpo com uma superfície sólida e, desta forma, aumenta a instabilidade corporal, provocando a busca do equilíbrio por meio da região central do corpo.

Um dos principais exercícios utilizados no treinamento resistido para membros inferiores é o agachamento livre3-5. Existem diversos aparelhos e várias maneiras com os quais se pode criar um ambiente de treinamento instável para este exercício. A execução de exercício em SI parece promover maior ativação do sistema neuromuscular do que a em SE, uma vez que aumenta a ativação dos músculos estabilizadores do tronco6.

O recrutamento muscular em exercícios resistidos para membros inferiores realizados em superfícies instáveis vem sendo investigado na literature4,5. Entretanto, em poucos estudos avaliou-se a atividade eletromiográfica (EMG) dos músculos do core durante o exercício aga- chamento em SI6,7. Ao investigar esse exercício, Kenneth et al.6 encontraram maior atividade EMG nas musculaturas do tronco e do sóleo, quando o agachamento foi realizado no disk balance (SI), comparado ao mesmo exercício na máquina Smith (SE).

Ainda sobre essa variável, Willardson et al.7 compararam a atividade EMG dos músculos transverso abdominal (TA), reto abdominal (RA), oblíquo externo (OE) e eretor espinhal (EE) durante o exercício agachamento com três condições: (a) 50% de 1RM em SE; (b) 50% de 1RM em SI (bosu), e (c) 75% de 1RM em SE. Os resultados encontrados demonstram que o músculo TA foi mais ativo durante a condição de 75% de 1RM na SE quando comparado à condição de 50% de 1RM na SI. O músculo RA apresentou atividade EMG significativamente maior para a condição de 75% de 1RM na SE em comparação com as outras duas condições. O músculo OE foi mais ativo na SI do que no mesmo percentual de carga na SE. Já o músculo EE não apresentou diferenças significativas entre as diferentes condições.

Em relação à percepção subjetiva de esforço (PSE), em poucas investigações se8-11 observaram as respostas nas SI. A hipótese inicial no atual estudo é que o esforço percebido será maior na SI para cargas mais baixas ou iguais, quando comparado ao percebido na SE. No estudo de Marshall e Murphy8, indivíduos treinados foram submetidos ao exercício supino reto (SR) a 60% de 1RM, na SI (bola suíça) e na SE (banco reto). Os autores concluíram que PSE, verificada pela escala de BORG, foi significativamente maior na condição de instabilidade. Resultados semelhantes foram encontrados por Brown et al.10 no mesmo exercício para as intensidades de 60% e 80% de 1RM na SI, quando comparado a SE.

Entretanto, Panza et al.9, ao verificar o comportamento da PSE no SR a 60% de 1RM na SI e na SE, não encontraram diferenças significativas entre as condições. O mesmo foi evidenciado por Aranda et al.11, em relação a uma ses- são de treinamento resistido com composta por agachamento, remada curvada pronada e rosca bíceps na SI e SE. Contudo, é possível perceber que, na literatura, as evidências sobre a resposta eletromiográfica e a percepção do esforço com a utilização de SI e SE, em diferentes percentuais de carga, ainda são pouco exploradas. Portanto, devido à ampla utilização da força de resistência na dinâmica do treinamento resistido, a análise das variáveis relacionadas no estudo aqui apresentado pode contribuir para melhor elucidar a relação entre o aumento da instabilidade corporal e a maior ativação dos músculos da região central do corpo.

Sendo assim, neste estudo, objetivou-se comparar o exercício agachamento nas superfícies instáveis e nas estáveis sobre a atividade eletromiográfica e a percepção subjetiva de esforço em homens recreacionalmente treinados. Nesse contexto, sugere-se que os músculos avaliados apresentam maior atividade eletromiográfica e maior percepção subjetiva de esforço nas superfícies instáveis para cargas mais baixas ou iguais, em comparação com as superfícies estáveis.

Matérias e métodos

Amostra

Quinze homens recreacionalmente treinados (25,0 ± 2,7 anos; 77,7 ± 6,8 kg, 174,6 ±7,3 cm; 25,5 ±1,5 kg/m² e 14,4 ± 2,6 % de gordura) foram voluntários do estudo. A dimensão amostral foi realizada utilizando o software G*Power 3.1.0, e os procedimentos seguiram as recomendações de Beck12. Com base em uma análise a priori, adotou-se uma potência de 0,85, α = 0,05, coeficiente de correlação de 0,5, a correção Nonsphericity de 1 e um tamanho de efeito de 0,25. Para tanto, foi calculado um n de 15 indivíduos. Esta análise a priori do poder estatístico foi realizada a fim de reduzir a probabilidade do erro tipo II e determinar o número mínimo de participantes necessários para esta investigação. Verificou-se que o tamanho da amostra era suficiente para fornecer 85,1% do poder estatístico.

Foram incluídos no estudo: (a) homens com idade entre 18 e 30 anos, (b) indivíduos familiarizados há pelo menos 12 meses com o treinamento resistido, (c) sujeitos praticantes de exercício agachamento livre há pelo menos 6 meses e com frequência de três sessões semanais, e (d) os que responderem negativamente a todos os itens do Physical Activity Readiness Questionnaire (PAR-Q)13. Além disso, foram ex- cluídos os voluntários que: (a) apresentassem doenças musculoesqueléticas, cardiovasculares e/ou neuromusculares; (b) possuíssem lesões e/ ou traumatismos; (c) fizessem uso de qualquer medicamento. Após serem explicados os riscos e benefícios da pesquisa os sujeitos assinaram o termo de consentimento livre esclarecido (TCLE) elaborado de acordo com a declaração de Helsinque. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora (CEP/UFJF), com protocol 1.147.808/2015.

Procedimentos experimentais

O estudo foi realizado ao longo de cinco visitas em dias não consecutivos. Na primeira visita, os participantes leram e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e foram submetidos a anamnese, avaliação antropométrica e análise da composição corporal. Na mesma sessão, foi realizada uma familiarização com o exercício em SI. Na segunda visita, os sujeitos foram avaliados por meio de um teste de 1RM no exercício agachamento livre na SE, seguindo as recomendações do American College of Sports Medicine (ACSM)14, e fizeram a segunda sessão de familiarização. Na terceira visita, os voluntários foram submetidos ao reteste de 1RM e à última familiarização com o exercício na SI. Na quarta e quinta visita, foi realizada a avaliação da atividade EMG, nos músculos vasto lateral (VL), RA, OE e EE (longuíssimo), de forma randomizada e alternada, com entrada contrabalanceada nas seguintes situações experimentais: (a) 15 repetições a 40% de 1RM na SI; (b) 15 repetições a 50% de 1RM na SE; (c) 15 repetições 50% de 1RM na SI; (d) 15 repetições a 60% de 1RM na SE; (e) 15 repetições a 60% de 1RM na SI; (f) 15 repetições a 70% de 1RM na SE. A PSE foi mensurada por meio da escala de OMNI-RES15, logo após cada situação experimental.

Efetuou-se a mensuração da massa corpo- ral e da estatura. Além da composição corporal avaliada por meio da absortometria radiológica de dupla energia (DXA) com o equipamento da marca GE Lunar Prodigy Primo DXA System®.

Para aquisição dos sinais elétricos, foram utilizados quatro canais em um eletromiógrafo da marca EMG System conectado em um condicionador de sinais, com frequência de amostragem de 2000 Hz por canal e configurado com filtro anti-aliasingcom frequência de corte entre 20 e 500Hz. O condicionador de sinais foi conectado a uma bateria LI-ION 11,1V 2,2 mA/h e o microcomputador também foi usado em sua bateria a fim de evitar interferências da rede elétrica. Com o intuito de reduzir possíveis interferências na aquisição do sinal EMG, antes da avaliação os voluntários foram submetidos à tricotomização e limpeza da área com álcool 70% para reduzir a impedância dos eletrodos para um valor inferior a 5k ohm (Ω), que foi mensurado por meio de um multímetro digital Icel Manaus MD-5011®.

De acordo com o protocolo Surface EMG for the Non-Invasive Assessment of Muscles (SENIAM), os eletrodos foram posicionados em locais padronizados, seguindo as recomendações sugeridas no estudo de Hubner et al.16, do lado direito, nos músculos VL, RA, OE e EE. O eletrodo de referência monopolar foi posicionado no epicôndilo medial do cotovelo e a identificação dos pontos anatômicos assim como a colocação dos eletrodos foram realizadas pelo mesmo pesquisador. Se a impedância medida estivesse acima de 5 k Ω, o eletrodos eram reti- rados, e os procedimentos de preparação eram novamente realizados. O mapeamento muscular foi realizado apenas na primeira sessão de teste, sendo feita uma marca delimitando o contorno dos eletrodos na pele dos voluntários, com uma caneta de alta fixação, garantindo, desse modo, o mesmo posicionamento no teste subsequente.

A atividade mioelétrica foi captada no exercício agachamento, durante cinco segundos de contração isométrica (CI), e, após três minutos de intervalo, foi captada durante 15 repetições nas cargas 40%, 50%, 60% e 70% de 1-RM, de acordo com os valores determinados para cada superfície. Foram utilizados eletrodos Ag/AgCl bipolares ativos com um centímetro de distância entre os centros das superfícies de captação.

A primeira e a segunda bulha bem como as últimas três foram sempre excluídas. A variável RMS foi calculada a partir de todo o sinal eletromiográfico referente às dez repetições para assegurar que as análises fossem realizadas com repetições envolvendo cadência e técnicas corretas. A variável Root Mean Square (RMS) também foi calculada normalizada pelo pico obtido durante a contração isométrica para cada carga, nas SE e SI para o referido voluntário. Os recortes e os demais processamentos dos sinais foram feitos por rotinas específicas desenvolvidas no aplicativo computacional Matlab® (Mathworks – Natick, EUA).

Na realização do exercício, bem como na coleta de dados, foi utilizado um limitador de amplitude de movimento para determinar as posições iniciais e finais de cada fase do exercício. Os participantes foram orientados a segurar uma barra com as mãos a uma distância superior à largura dos ombros, apoiá-la nas costas e realizar o movimento até que o joelho completasse um ângulo de 90 graus entre o segmento coxa e perna, em relação ao solo (Figura 1 (A). Imediatamente após o término de cada situação experimental, o indivíduo permaneceu em repouso por dez minutos para recuperação parcial do esforço.

Na SI, o exercício foi realizado com o participante apoiando cada um dos pés em um disco de equilíbrio (PRETORIAN) sendo inflado até seis centímetros de altura para a execução de todos os testes, de acordo com orientações do seu fabricante (Figura 1 (B). Para auxiliar no controle da cadência do movimento, foi utilizado um metrônomo (ACER) com o ritmo de 40 batimentos por minuto (bpm). Os voluntários foram instruídos a sincronizar o sinal sonoro com o início e fim de cada fase concêntrica e excêntrica.

Análise estatística

Os pressupostos paramétricos de normalidade foram validados pelo teste Shapiro-Wilk. Os resultados foram apresentados como média ± desvio-padrão (M ± DP), exceto para a PSE que foi utilizada a mediana (1º – 3º quartis). A potência do sinal EMG dos músculos VL, RA, OE e EE foi analisada por meio da variável RMS, e o cálculo feito por meio de um algoritmo desenvolvido em linguagem Matlab®.

(A) Ilustração do agachamento livre com a barra na SE (solo); (B) Ilustração do agachamento livre com  a barra na SI (balance disks).
Figura 1
(A) Ilustração do agachamento livre com a barra na SE (solo); (B) Ilustração do agachamento livre com a barra na SI (balance disks).
Fonte: Os autores, 2016.

A RMS dos músculos VL, RA, OE e EE, bem como a PSE, foram comparadas entre cada situação experimental (50%, 60% e 70% de 1RM na SE, e 40%, 50% e 60% de 1RM na SI), utilizando-se uma análise de variância de medidas repetidas (ANOVA two-way) com correção de Bonferroni para detectar as diferenças específicas.

Para testar o efeito da intensidade e do tipo de superfície sobre a variável dependente (atividade EMG), utilizou-se uma análise de variância de medidas repetidas (ANOVA two-way), com correção de Bonferroni para detectar as diferenças específicas. Para analisar a variável PSE, usou-se a ANOVA de Friedman, seguida pelos testes de Wilcoxon para detectar as diferenças específicas.

Neste estudo, foram utilizadas as estruturas de simetria composta e não-estruturada, a partir da análise do critério bayesiano de Schwarz (BIC). Foram apresentados os intervalos de confiança de 95% (IC 95%) das estimativas e a magnitude das diferenças entre as condições experimentais foi avaliada pelo tamanho do efeito do . de Cohen17. Todas as análises foram feitas no software SPSS (v.22, SPSS Inc., Chicago, IL, USA), sendo adotado o nível de significância de 5% (p ≤ 0,05).

Resultados

Sobre a ativação muscular durante a realização do exercício agachamento em diferentes intensidades, os resultados demonstraram que houve maior atividade do VL na SE a 70% de 1RM quando comparado a 40% de 1RM na SI (p = 0,019; TE = 0,55). O músculo EE foi mais ativa- do na SI a 60% de 1RM quando comparado a 50% de 1RM na SE (p = 0,05; TE = 0,66). Em relação ao músculo VL e ao EE, o tamanho do efeito foi o de magnitude moderada, não havendo diferenças significativas na comparação com as demais condições. No RA e no OE, não foram encontradas diferenças significativas em relação às diferentes intensidades e superfícies (Tabela 1).

Tabela 1
Atividade muscular (RMS) de diferentes músculos após uma sessão do exercício agachamento em diferentes intensidades na SI e na SE (média ± desvio-padrão)
Atividade muscular (RMS) de  diferentes músculos após uma sessão do exercício agachamento em  diferentes intensidades na SI e na SE (média ± desvio-padrão)

VL = Vasto Lateral; RA = Reto Abdominal; OE = Oblíquo Externo; EE = Eretor Espinhal; SE = Superfície Estável; SI = Superfície Instável; *diferença significativa entre as intensidades 70% SE vs. 40% SI; **diferença significativa entre 60% SI vs. 50% SE; p<0,05.

Fonte: Os autores com base nos dados da pesquisa, 2016.

A PSE foi maior na intensidade de 60% de 1RM na SI quando comparada a 40% na SI (p=0,014) e 50% na SE (p=0,001), e foi significativamente maior na intensidade de 70% de 1RM na SE quando comparada a 40% na SI (p=0,019) e 50% na SE (p=0,001) (Tabela 2). Nas comparações múltiplas, observou-se maior percepção de es- forço na condição 50% de 1RM instável comparado a 50% de 1RM estável (5,2 ± 2,3 vs. 3,8 ± 1,6; p=0,04; TE = 0,72) e maior PSE na condição 60% 1RM instável comparado a 60% 1RM estável (6,1 ± 2,1 vs. 4,7 ± 1,8; p= 0,04; TE = 0,72). O tamanho do efeito observado foi de moderada magnitude, não havendo diferenças estatisticamente significativas na comparação das demais condições.

Tabela 2
Percepção subjetiva de esforço após uma sessão do exercício agachamento em diferentes intensidades na SI e na SE (mediana 1º – 3º quartis)
Percepção subjetiva de  esforço após uma sessão do exercício agachamento em diferentes intensidades na SI e na SE (mediana 1º – 3º quartis)

SE = Superfície Estável; SI = Superfície Instável; *diferença significativa entre as intensidades 60% SI vs. 40% SI;

**diferença significativa entre 70% SE vs. 40% SI; +diferença significativa entre 60% SI vs. 50% SE; #diferença significativa entre 70% SE vs. 50% SE; ×diferença significativa entre 50% SI vs. 50% SE; ≠diferença significativa entre 60% SI vs. 60% SE; p<0,05.

Fonte: Os autores com base nos dado da pesquisa, 2016.

Discussão

Neste estudo, objetivou-se verificar se os músculos VL, RA, OE e EE apresentariam maior resposta eletromiográfica durante o exercício agachamento livre na SI em comparação com a SE. E também comparar a resposta da percepção subjetiva do esforço durante o teste em SE e SI. Como resultado, foram encontradas apenas diferenças significativas na atividade eletromiográfica nos músculos VL na condição de 70% de 1RM na SE quando comparados a 40% de 1RM na SI, e no músculo EE na condição de 60% de 1RM na SI quando comparado a 50% de 1RM na SE. Todavia, não foram encontradas diferenças significativas nos músculos RA e OE nas diferentes situações experimentais. Esses achados confirmam a hipótese inicial de encontrar ativação eletromiográfica nos músculos avaliados na SI para cargas baixas ou iguais quando comparadas na SE.

O estudo de Willardson et al.7 não apresentou diferenças significativas na ativação dos músculos RA, OE, TA e EE, quando comparado o agachamento sob três condições: (a) no solo a 50% de 1RM; (b) no bosua 50% de 1RM; e (c) no solo a 75% de 1RM. Isso demonstra que, relativamente, é necessária maior ativação muscular para sustentar uma carga menor na SI. Esse fato pode ser justificado pelo grau de dificuldade e falta de familiaridade com exercícios em condições de instabilidade, como foi realizado nesta pesquisa e na de Willardson et al.7. Semelhante a essas conclusões, McBride et al.18 relataram que o exercício agachamento realizado na SE é mais efetivo na produção de força, potência e, sobretudo, na ativação muscular do que em condições instáveis.

Outros equipamentos de instabilidade foram objeto de estudo para Wahl e Behm19 que examinaram a atividade EMG do agachamento livre isométrico no solo, no dyna disks, na bola suíça, no bosu e no wobble board. Os autores encontraram uma ativação muscular similar entre as condições para os músculos RF, bíceps femoral (BF) e EE. Entretanto, houve uma diminuição da ativação no músculo RA quando o exercício foi executado no wobble board e na bola suíça em comparação com as demais condições. Todavia, as evidências encontradas por Wahl et al.19 não podem ser comparadas com as do atual estudo, uma vez que esses autores se limitaram a utilizar apenas o peso corporal, enquanto neste trabalho usou-se a prescrição baseada no percentual de carga máxima.

Investigações anteriores6,20,21 apresentaram maiores valores da atividade EMG em SI em comparação com SE, porém seus autores consideraram apenas o valor absoluto da carga em ambas as superfícies e não analisaram um maior número de repetições, o que as diferenciam do atual estudo. Kenneth et al.6 encontraram um aumento progressivo na atividade EMG do exercício agachamento quando observado da condição de estabilidade para a instabilidade.

Os estudos que envolvem SI têm como limitação o uso de cargas inferiores daquelas prescritas por meio de repetições ou percentual de carga máximos utilizados no treinamento resistido tradicional. No entanto, foram encontrados na literatura estudos com 50% de 1RM, no agachamento livre, utilizando o bosu7; resistência da própria massa corporal7 e cargas elevadas, como 70%, 80% e 90% de 1RM17. No atual trabalho, usou-se carga de 60% de 1RM como a mais alta na SI obtida no teste de 1RM na SE. Isso se justifica pelo fato de que a carga prescrita se aproxima da utilizada no treinamento resistido tradicional, o que permitiu equalizar e comparar a resposta eletromiográfica nas duas superfícies.

Outro objetivo do atual estudo foi verificar a PSE nas diferentes intensidades na SI e na SE. Os resultados demonstraram uma maior percepção de esforço em moderada intensidade na SE (70% de 1RM) e na SI (60% de 1RM). Em relação a SI, outros trabalhos na literature8,10 corroboram esta pesquisa. Marshall e Murphy8 analisaram o comportamento da PSE no exercício SR a 60% de 1RM na SI e na SE. Em relação ao mesmo exercício, Brown et al.10 investigaram a relação que diferentes intensidades (60% e 80% de 1RM) exerciam na PSE em superfícies distintas. Embora haja distinção nos exercícios, os resultados encontrados por esses autores revelam que a intensidade de 60% na SI no agachamento também apresenta maior percepção de esforço. Sobre esses achados, verificou-se que a percepção de esforço foi maior, quando os exercícios foram realizados em condições de instabilidade, uma vez que apresentaram maior solicitação dos músculos estabilizadores do corpo, bem como o aumento no grau de dificuldade da tarefa motora.

Além das evidências relacionadas a SI, observaram-se maiores valores de PSE no exercício agachamento em moderada intensidade (70% de 1RM) na SE. Na literatura, não foram identificados trabalhos com resultados semelhantes. No entanto, ao verificarem o exercício SR em condições de estabilidade e instabilidade, Panza et al.9 não encontraram diferenças em relação à PSE para o mesmo percentual de carga nas diferentes superfícies. Ainda sobre essa comparação entre SI e SE, Aranda et al.9 estudaram a relação da PSE em três exercícios distintos (agachamento, remada curvada pronada e rosca bíceps) e, assim como Panza et al.9, não encontraram diferenças na percepção do esforço. Essa possível diferença nos resultados, quando comparados com os obtidos neste estudo, podem se justificar pela diferença em relação aos exercícios e ao nível de treinabilidade da amostra.

O atual estudo pode ter sofrido a interferência de alguns fatores, tais como a falta de familiarização dos indivíduos com o treinamento em SI e a ausência do teste de força máxima realizado somente na SI. Além disso, os resultados não podem ser extrapolados para outras populações, como as constituídas de indivíduos destreinados ou as de mulheres.

Por fim, é possível dizer que, sendo a atividade muscular semelhante, sugere-se que no programa de treinamento resistido sejam prescritas, além dos exercícios tradicionais, algumas variações utilizando SI visando a um menor estresse mecânico ocasionado por menores intensidades. Desta forma, essa metodologia de treinamento com percentuais de carga menores torna-se uma alternativa segura para alunos iniciantes, idosos e indivíduos em reabilitação musculoesquelética. Recomenda-se ainda que novos estudos sejam realizados a fim de melhor elucidar a relação entre as variáveis sob outras condições.

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Autor notes

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Educação Física e Desportos, Avenida Carlos Chagas, 540, Cidade Universitária. 21941-599 – Rio de Janeiro, RJ [Brasil] abrown@ufrj.br

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