DESAFIOS NA/DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL EM TEMPOS DE CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PONTUAIS

CHALLENGES IN/OF CONSTITUTIONAL JURISDICTION IN TIMES OF CONTEMPORARY CONSTITUTIONALISM: SOME PUNCTUAL CONSIDERATIONS

Iuri Bolesina
Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, Brasil
Tássia A. Gervasoni
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) / Universidad de Sevilla, Brasil

DESAFIOS NA/DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL EM TEMPOS DE CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PONTUAIS

Prisma Jurídico, vol. 15, núm. 1, pp. 1-26, 2016

Universidade Nove de Julho

Recepção: 17 Março 2014

Aprovação: 28 Dezembro 2016

Resumo: Este artigo, a partir das premissas do Constitucionalismo Contemporâneo no Estado Democrático de Direito, tenciona o debate sobre temas atuais na/da jurisdição constitucional. Neste sentido, analisou-se o aspecto constante da jurisdição na sua função de jurisdição constitucional, desvelando-se a equivocada separação entre atos de jurisdição e atos de jurisdição constitucional. Trabalhou-se com as temáticas da judicialização e do ativismo judicial, onde se concluiu que a primeira é um fato decorrente da formação política e jurídica do Brasil, ao tempo que a segunda é uma postura criativa e negativa do julgador. Abordou-se a discricionariedade judicial, a fundamentação das decisões judiciais e os projetos que visam à limitação do espaço de fundamentação das peças processuais. E, por fim, tratou-se do controle jurisdicional de políticas públicas, onde se verificou que o ideal é um agir sinérgico e cooperativo entre os poderes, aliado a uma jurisdição aberta: com pluralidade de interpretes e democraticamente acessível.

Palavras-chave: Jurisdição constitucional, Judicialização e Ativismo, Discricionariedade judicial, Controle judicial de políticas públicas.

Abstract: This article, from the premises of the Contemporary Constitutionalism in Democratic rule of law, will the debate on current issues in/of constitutional jurisdiction. In this sense, we analyzed the steady aspect of jurisdiction in its task of constitutional adjudication, is unveiling the misguided separation between jurisdiction acts and constitutional jurisdiction acts. We worked with the themes of judicialization and judicial activism, which concluded that the first is a fact due to the political and legal training in Brazil at the time that the second is a creative and negative attitude of the judge. Addressed the judicial discretion, the reasoning of court decisions and projects aimed at limiting the space of reasons of pleadings. And finally , treated the jurisdictional control of public policy , where it was found that the ideal is a synergistic and cooperative action among the powers, coupled with an open jurisdiction: with plurality of interpreters and democratically accessible.

Keywords: Constitutional Jurisdiction, Judicialization and Judicial Activism, Discretion, Judicial Review of public policies.

INTRODUÇÃO

Com o advento da Constituição Federal de 1988, aliada a todo um entorno contextual que se pretende aclarar, a jurisdição constitucional obteve certa proeminência em relação aos demais poderes do Estado, justamente por guardar uma espécie de “última palavra” em termos de interpretação da Constituição. Esta situação fez com que, ao longo das duas últimas décadas – e ainda hoje –, novos (e velhos) temas passassem a orbitar o assunto jurisdição constitucional, alguns já bem resolvidos e outros nem perto de um consenso mínimo. Daí porque o presente estudo objetive a análise crítica de alguns destes temas, com ênfase naqueles que atualmente são objeto de celeuma destacada.

Para tanto, o texto irá se desenvolver em cinco partes. Na primeira delas, intenta-se desenvolver uma perspectiva sobre o papel da jurisdição enquanto sempre jurisdição constitucional, com fito a desmistificar a suposta separação entre jurisdição e jurisdição constitucional. Neste espaço se reconstruirá rapidamente a noção de jurisdição constitucional enlaçada com a supremacia constitucional.

Num segundo momento, o texto volta-se para alguns efeitos decorrentes do Constitucionalismo contemporâneo no Brasil: a judicialização e o ativismo judicial. Buscar-se-á, na verdade, uma explanação conceitual sobre o que hodiernamente tem se entendido sobre os temas, ao mesmo tempo em que se realiza uma crítica sobre as abordagens apresentadas.

No terceiro e no quarto subitens intenta-se trabalhar a problematização da discricionariedade judicial do positivismo jurídico (normativista) e a fundamentação das sentenças judiciais, com vistas, notadamente, à analise das propostas do anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Visa-se aclarar como as práticas jurisdicionais atuais ainda se calcam num paradigma defasado, mesmo em tempo de constitucionalização do direito.

Por fim, o quinto item deste estudo tratará do polêmico tema do controle jurisdicional e políticas públicas e da abordagem que a teoria da jurisdição constitucional aberta dedica ao assunto. Mira-se, neste espaço, destacar a perspectiva interpretacional plural e democraticamente acessível que a teoria prevê como forma de reforço da legitimidade na jurisdição constitucional.

Adverte-se, por último, que o texto proposto é um conjunto de críticas pontuais sobre os temas acima indicados, que pretende se somar ao conhecimento já produzido, de modo que o leitor dependerá de alguns pré-conhecimentos e algumas pré-compreensões sobre as temáticas abordadas para que as críticas sejam adequadamente refletidas.

1 JURISDIÇÃO ENQUANTO (SEMPRE) JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

Por jurisdição constitucional entende-se o âmbito de atuação que o Poder Judiciário possui para aplicar (e, portanto, interpretar) a Constituição, visando a salvaguardar a efetividade dos conteúdos constitucionais (ZAVASCKI, 2012, p. 14). Este espaço para atuação em prol da Constituição, no Brasil, atualmente, pode/deve ser exercido por todos os níveis judicantes do Judiciário. É preciso salientar, já no início, que jurisdição constitucional e controle de constitucionalidade, apesar de serem institutos jurídicos muito próximos, não são sinônimos (GERVASONI; LEAL, 2013, p. 58). Pode-se dizer que o controle de constitucionalidade é uma das funções possíveis de serem realizadas na jurisdição constitucional.

Em termos de controle de constitucionalidade o Brasil conta com um sistema “misto”, pois quando realizado pelos tribunais ordinários se dará na forma de controle difuso de constitucionalidade; e, quando realizado por meio do Supremo Tribunal Federal (cúpula do poder Judiciário), se dará na forma de controle concentrado de constitucionalidade.

O controle difuso de constitucionalidade é aquele em que, diante de uma ação judicial e de um caso concreto, qualquer juiz (em sentido amplo) pode/deve aplicar a Constituição. Para ilustrar é possível pensar que uma simples demanda em que uma pessoa comum executa um cheque em face de outra pessoa comum pode/deve ser objeto de análise sob luzes constitucionais. Destarte, o magistrado de primeiro grau irá analisar o caso concreto – se o cheque executado não padece de inconstitucionalidade, por exemplo – e, ao fim da demanda, em havendo recurso, os Desembargadores do Tribunal de Justiça igualmente analisarão e, se for o caso, também os Ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Constitucional farão sua análise de constitucionalidade. Esta forma de controle, vale destacar, surgiu no emblemático caso Marbury vs. Madison (EUA)1, no ano de 1803, e inaugurou a ideia de revisão judicial (judicial review) (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2012, p. 725-729).

Por seu turno, o controle concentrado de constitucionalidade é aquele que somente o órgão encarregado pela guarda judicial da Constituição pode realizar, visando decidir sobre a (in)constitucionalidade das leis e dos atos (até mesmo sentenças judiciais, se for o caso) praticados pelo Estado e pelos membros sociais. Em países como a Alemanha, por exemplo, há um tribunal externo e autônomo em relação aos três poderes do Estado, que é encarregado de decidir em última instância pelas questões constitucionais. No caso brasileiro, entretanto, tal tribunal não existe e as funções que a ele competem acabam residindo nas mãos do Supremo Tribunal Federal, que é a cúpula do Poder Judiciário (e, assim, não autônomo e não externo).

Diferentemente do controle difuso, no controle concentrado pode existir um caso concreto, mas não se trata de uma condição necessária, pois basta uma situação abstrata. Assim, nesta modalidade não se foca em avaliar se o cheque executado – para ficar no exemplo – é viciado com alguma inconstitucionalidade (caso concreto – aquele cheque especificamente), mas sim se, ilustrativamente, a lei que prevê o rito para execução de cheques está culminada de inconstitucionalidade ou não (caso abstrato – qualquer cheque que venha a ser executado). Esta modalidade de controle, aliás, teve seu primeiro passo no ano de 1920, com o debate entre Kelsen e Schmitt sobre quem deveria zelar pela Constituição. Enquanto Schmitt defendia que era o Führer (o Presidente) quem deveria ter tal incumbência, Kelsen sustentava que dito poder deveria residir nas mãos de um órgão específico. Ao fim deste debate, a posição de Kelsen sagra-se vencedora (LEAL, 2007, p. 43-47).

A noção atual de jurisdição constitucional é intimamente ligada ao Constitucionalismo contemporâneo. É mormente neste estágio que a Constituição ganha verdadeiramente o espaço superior na ordem jurídica, sendo o elemento jurídico privilegiado, pois passa a ser o critério básico de validade das leis e atos praticados sob sua égide. Por seu turno, é nesta quadra que a jurisdição constitucional se torna diferenciada, já que incumbida de um papel destacado, qual seja, a proteção e a promoção da Constituição (MENDES, 2004, p. 462).

Ao lado da supremacia constitucional tem-se os conteúdos e características especialíssimas dos direitos fundamentais2 que restam blindados na rigidez da carta constitucional. Essa união – supremacia constitucional e direitos fundamentais – acabou, no âmbito da jurisdição constitucional, por um lado, reforçando o poder (da revisão) judicial e, por outro lado, ampliando o espectro de intepretação do julgador3 (LEAL, 2007, p. 53-55), o que engendrou que toda decisão jurisdicional acabasse sendo uma verdadeira análise de constitucionalidade (de adequação à Constituição), já que direta ou indiretamente, expressa ou silenciosamente, algum princípio e/ou direito fundamental está envolvido no caso concreto.

Em máximo resumo: contemporaneamente jurisdição é sempre jurisdição constitucional, notadamente porque qualquer magistrado deve, em que qualquer situação jurídica, aplicar a Constituição, seja diretamente – por ordem da própria Constituição – ou indiretamente – quando ela servir como base de validade de atos e leis infraconstitucionais – (STRECK, 2002, p. 362;BONAVIDES, 2004, p. 134). Na atualidade, portanto, é possível considerar que todo ato judicial, ao fim e ao cabo, é um ato de jurisdição constitucional, já que, ainda que indiretamente e/ou silenciosamente, o julgador (deverá) estará aplicando a Constituição.

Para ilustrar (e voltando ao exemplo), mesmo quando se trata do despacho exordial para a execução de um cheque o magistrado está afirmando, ainda que tacitamente, que a legislação executiva e a cártula executada estão de acordo com a Constituição.

2 JUDICIALIZAÇÃO E ATIVISMO JUDICIAL

No Brasil, com a Constituição Federal de 1988, deu-se o enlace de supremacia constitucional, direitos fundamentais e jurisdição constitucional que criou um cenário que ampliou o acesso à justiça, tanto em virtude de novos direitos, quanto em vista de instrumentos para assegura-los, e dedicou real importância aos direitos fundamentais indicando-os como principais direitos carecedores de respeito, proteção e promoção (dever de proteção – Schutzpflicht) por parte do Estado e dos particulares.

Esta formatação conduziu ao aumento dos poderes e deveres do Judiciário que, em certa medida, abandonou sua postura “negativa” indo em direção a uma postura mais “criativa”, muito em razão do conteúdo “poroso”4 dos direitos fundamentais. Tal mudança comportamental conduziu ao desvelamento de duas questões diversas (porém próximas) contemporaneamente debatidas e lidas como judicialização (do direito e/ou da política) e ativismo judicial (LEAL, 2013, p. 221-226) onde, grosso modo, a primeira é fato que afeta o Judiciário e a segunda é comportamento do julgador (ITO, 2009).

A judicialização é um fenômeno oriundo eminentemente e em geral externo ao Poder Judiciário, decorrente de opções e situações advindas da própria Constituição, das culturas popular, jurídica e política e da organização do Estado. Tende a judicialização a aparecer em duas linhas amplas, nominadas como judicialização do direito e judicialização da política. Será do direito quando tratar de situações em que demandas judiciais são intentadas visando a concretização de direitos, sejam eles de liberdade, sociais, coletivos ou difusos; será da política quando se aciona o judiciário com demandas atinentes a conteúdos políticos-jurídicos que estão em grande número situados no âmago da Constituição e que a decisão caberia classicamente aos poderes políticos e representativos – Legislativo e Executivo –, mas que acaba nas mãos dos tribunais gerando (1) ou efeitos políticos indiretos ou (2) tendo efeitos políticos direitos (GERVASONI; LEAL, 2013, p. 178). A judicialização se dá, em grande medida, mas não exclusivamente, por ser a Constituição generosa e analítica em termos de direitos e garantias fundamentais.

Por seu turno, o ativismo judicial5 é um comportamento deliberadamente eleito pelo julgador ao decidir uma questão supostamente em prol da (interpretação da) Constituição, decisão na qual costuma agir de modo “criativo” (LEAL, 2013, p. 221-226). Na postura ativista, já na esteira das advertências de Tushnet (2009, p. 416-417), no sentido de que tal figura é vazia de conteúdo, é possível que aconteça, inclusive, inversamente ao que pretende a Constituição, que se acabe fomentando a discricionariedade judicial “em nome” da Constituição. Do mesmo modo que acontece com o ativismo judicial pode se dar, só que em sentido inverso, com a sua irmã gêmea bivitelina, a autocontenção, na qual o julgador, deliberadamente, atua supostamente em nome da Constituição e em homenagem às decisões pretéritas, mas não necessariamente de modo “não-criativo”, pois há a possibilidade de uma atuação criativa com fito de, exemplificativamente, “não decidir” ou “decidir contidamente”, gerando-se, criativamente, o elo de conexão entre passado e presente. Em qualquer dos casos – ativismo ou autocontenção – pode ocorrer uma decisão constitucional ou uma decisão inconstitucional.

Os debates sobre ativismo judicial estendem-se por entre os extremos que em um polo ele é uma figura negativa e em outro polo é uma figura positiva em relação à ordem jurídica. Na banda negativa, acusa-se o ativismo judicial de ser um comportamento ilegal (em que o Judiciário extrapola seus poderes/deveres). Vão de encontro à possibilidade de acatar expressões que tentam classificar o ativismo, tais como: ativismo producente, ativismo moderado, ativismo excessivo, ativismo contraproducente6. Essas divisões, por si, aliás, não são imunes à ácida crítica, no sentido de que elas criam e alimentam confusões jurídicas.

Note-se que tanto a “qualidade” (producente/contraproducente) quanto a “quantidade” (excessivo/moderado) baseiam-se na ideia de que: “o ativismo judiciário somente se justifica pelo compromisso de efetivação dos direitos humanos fundamentais” (BRANCO, 2010, p. 10). A falácia reside nas equivocadas ideias de que somente vale ser ativista se em favor dos direitos fundamentais. Tal ideia esbarra e desconsidera que não é necessário ser ativista para concretizar o dever constitucional de proteção (schutzpflicht); ainda que, em sendo o ativismo algo ilegal, não cabe corrigir uma ilegalidade/inconstitucionalidade com outra (LUIZ, 2013, p. 62); e, por fim, porque não há como saber se a decisão judicial é a melhor resposta adotada em um caso concreto: ora, em casos polêmicos, mesmo juristas mais iluminados irão divergir sobre a decisão e, assim, o ativismo se torna um paradoxo que, ao mesmo tempo é um ativismo positivo e um ativismo negativo, ironicamente.

3 LEGITIMIDADE JURISDICIONAL E DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL

Tanto a judicialização quanto o ativismo judicial são figuras que são vistas com certa desconfiança pelos juristas e políticos e, justamente em razão disto, sofrem constantes censuras (típicas do sistema Civil Law). Tais censuras tendem a desaguar nas críticas à legitimidade do Poder Judiciário ao decidir. Isto porque o Judiciário, na atual quadra, acaba sendo uma destacada peça no arranjo institucional (MENDES, 2011, p. 27), pois se apresenta como o importante e talvez principal mecanismo de efetivação de direitos – notadamente fundamentais – (no qual muitas vias chegam e) que conduz (ou não) à adequação constitucional.

Lido de outro modo, o Poder Judiciário, destacadamente a jurisdição constitucional, passou de coadjuvante a destaque, uma vez que, ao (salva)guardar a última palavra em termos de adequação constitucional, tornou-se o porta voz do entendimento da Constituição e, nesta função, acaba indo de um fiel mensageiro até um agente infiltrado que sujeita a palavra da Constituição à sua vontade pessoal. Essa situação, todavia, demanda aclaramentos e a colocação de filtros às críticas tecidas, pois há que se distinguir a legitimidade da jurisdição constitucional – a qual é pacífica e advinda da Constituição (da organização e atribuição de poderes e funções ao judiciário) – em relação à legitimidade na jurisdição constitucional – a qual é controversa e fruto da atuação judicial efetivamente – (BONAVIDES, 2004, p. 128).

As questões aqui são basicamente duas: por que cabe à jurisdição constitucional a última palavra em termos de Constituição (questão relativa à legitimidade da jurisdição constitucional) e como saber se a jurisdição constitucional efetivamente decidiu de acordo com a Constituição (questão relativa à legitimidade na jurisdição constitucional)? Quanto à primeira questão, a resposta é menos complexa, mais objetiva e procedimental que se resume no fato de que o Poder Judiciário foi indicado pela Constituição Federal vigente para, com motivos técnicos e jurídicos, decidir questões constitucionalmente relevantes como última palavra, sejam elas exclusivamente jurídicas, sejam elas jurídico-políticas (ou seja, tem a missão/poder de encerrar o círculo do arranjo institucional democrático brasileiro). De outro lado, a segunda questão carece de uma resposta bem mais complexa, teórica e substancial já que é árduo comprovar que direitos fundamentais foram efetivamente respeitados pela corte constitucional, já que assim como o juiz Hércules (DWORKIN, 2007, p. 377-492) não existe, o avaliador Hércules também não existe. Neste tipo de avaliação sobre a correição da interpretação constitucional dificilmente há finais felizes7 (MENDES, 2011, p. 27).

Especificamente quanto às críticas sobre a legitimidade na jurisdição constitucional – a qual é naturalmente controversa – há visivelmente uma destacada preocupação de boa parte da doutrina (atenta às transformações ditadas pelo constitucionalismo contemporâneo e ainda não introjetadas plenamente pela cultura jurídica) para com a discricionariedade judicial. Trata-se de uma figura antiga que – para ficar só no Estado moderno – já foi vista em vários momentos da história jurídica, como no “positivismo exegético” (ou legalista), onde os julgadores aplicavam a legislação de modo acrítico, sendo considerados meros repetidores das letras dos códigos; e, no seu sucessor, o “positivismo normativista”, no qual o magistrado poderia “escolher” aquela que julgasse a melhor resposta a um caso dentre um punhado de possibilidades que estariam dispostas dentro de uma “moldura de possibilidades”8(STRECK, 2012, p. 32); até se chegar no dito “pós-positivismo”9, onde, de um lado, erroneamente, parte da doutrina dá sobrevida ao “positivismo normativista”, só que agora com auxílio dos conteúdos “abertos” dos princípios e, de outro lado, de modo acertado, se fala em constitucionalismo contemporâneo, e se busca o controle racional e democrático da forma e do conteúdo das decisões judiciais. De modo bastante claro, a discricionariedade judicial é, em certa medida, íntima da judicialização e do ativismo judicial, ao propiciarem ao julgador novos temas a serem apreciados e a possibilidade de uma atuação mais criativa ao decidir, respectivamente.

Se debate entorno disto sobre a possibilidade da existência (e do controle) de uma “resposta correta” em termos de decisão da jurisdição constitucional. A ideia de “resposta correta”, efetivamente, é melhor entendida como sendo aquela mais/melhor adequada à Constituição, dentre várias outras que também podem ser corretas, mas certamente não serão a mais correta.

Apesar das possíveis objeções, é tranquilo perceber a existência de uma resposta (que dentre outras é a) mais correta perante a Constituição. Isso não significa dizer, porém, que haverá certeza (inconstestável) sobre a resposta dita correta a ser efetivamente. Em outros termos a decisão correta existe e o que não existe é a certeza incontestável de tê-la encontrado. Não fosse isso não haveria maiores motivos para tornar constitucionalmente obrigatório – e há quem defenda um direito fundamental à “resposta correta” (STRECK, 2012, p. 617-622) – que os julgadores fundamentem suas decisões10, pois, se dentre as respostas “corretas” qualquer uma delas pode ser eleita, basta que o julgador “escolha” a que preferir, ou então, para facilitar ainda mais, decida arbitrariamente no “cara ou coroa”, já que tanto faz qual será a decisão uma vez que não existe uma resposta mais adequada à Constituição. Logo, o que a perspectiva de “respota correta’ também defende é o compromisso constitucional incansável na busca pela resposta mais/melhor adequada à Constituição (ainda que não se tenha certeza de tê-la encontrado).

4 QUESTÕES PROCESSUAIS SEMPRE EM VOGA: FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES E EXTENSÃO DAS PEÇAS

Dworkin (2001, p. 171) já disse que “embora os tribunais possam ter a última palavra, em qualquer caso específico, sobre o que é o direito, a última palavra não é, por essa razão apenas, a palavra certa”, daí porque a necessidade de uma ampla e profunda fundamentação. Somente assim é possível interpretar e averiguar seu maior ou menor alinhamento constitucional. Destarte, a resposta judicial não pode falar somente o que acredita ser pertinente, deixando as legítimas expectativas das partes frustradas. Não é demais lembrar que “compreendemos para interpretar, sendo a interpretação a explicitação do compreendido” (STRECK, 2009, p. 94), portanto, “não havendo fundamentação, não há o que compreender, logo não há como interpretar e, assim, não existe como verificar a adequação constitucional da decisão, porque sequer ela existe” (BOLESINA, GERVASONI, 2013, p. 8).

Em face disso, a decisão judicial é sempre algo único, um momento (literalmente) decisivo no combate à discricionariedade judicial. Demanda-se, no constitucionalismo contemporâneo, que a decisão judicial não seja um elemento vazio de sentido, o qual impediria o seu controle democrático e tornaria a função recursal despicienda (BOLESINA, GERVASONI, 2013, p. 8).

A posição de destaque o assume o Poder Judiciário no Estado Democrático – seu protagonismo se assim preferir – de Direito deve aparecer como um reforço democrático e não como uma instituição de achatamento ou esterilização dos canais e elementos democráticos, dentre os quais a própria decisão judicial. A decisão, aqui, deve ser fundamentada por razões verificáveis/controláveis que, ao mesmo tempo, fomentem o espectro democrático e afastem a discricionariedade ou a mera retórica pro forma da elaboração da decisão11.

Uma decisão para que seja alinhada (formalmente e substancialmente) com o Estado Democrático de Direito depende, no mínimo, (a) da assunção da responsabilidade política que os juízes devem ter12, o que se consubstancia em uma fundamentação (b) comprometida com a Constituição, (c) exaustiva dos argumentos de ambas as partes, (d) que não seja meramente transcritiva de textos legais e/ou jurisprudenciais e que quando estes recursos forem utilizados o sejam com pertinência entre o caso original e o caso analisado e (e) não seja vazia de sentido, prestando-se para inúmeros e quaisquer casos. A ausência disso engendra uma infeliz razão para o número de embargos de declaração e de pré-questionamentos que abarrotam os movimentos processuais cotidianamente: é através destes mecanismos jurídicos que se (tenta) obriga(r) o juízo a fundamentar, como se a fundamentação necessária e adequada não fosse uma obrigação (STRECK, 2009, p. 89), mas, sim, algo subsidiário, caso a parte afetada reclame. Ademais, uma fundamentação adequada, por ser corolário lógico do devido processo legal (LEAL, 2012, p. 154), confere segurança jurídica à decisão judicial, não no sentido de saber previamente o que será decidido, mas, significando dizer que o julgador observou aos conteúdos e procedimentos legais (constitucionais, mormente) a que está atrelado (STEINMETZ, 2001, p. 198).

A situação atual e a preocupação com a discricionariedade judicial motivaram que o anteprojeto e o projeto do novo Código de Processo Civil trouxesse debates de “como-deve-ser-o-conteúdo-da-decisão-para-não-ser-discricionária”. Na sua versão final, no artigo 489, §1º, inseriram-se deveres do juiz no momento da elaboração da sentença13, como se o artigo 93, IX, da CF, não bastasse14 e dependesse da “vontade” de quem decide.

Ao lado disso, afloram as investidas como, por exemplo, o “Projeto petição/sentença 10” do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que pretende (“aconselha”) limitar (em dez laudas) o espaço de fundamentação das petições e sentenças/acórdãos sob a alegação de que as manifestações dos atores forenses devem ser concisas, tencionando a celeridade e a proteção do meio ambiente. Já se disse (LEAL, BOLESINA, 2013, p. 529) que parecem haver problemas bem mais críticos à celeridade processual e ao meio ambiente do que o número de laudas das petições/sentenças, como a estrutura do Poder Judiciário, o número parco de funcionários, a teimosia na separação (irreal) entre teoria e prática, o descompaso e as críticas não ouvidas da academia em relação aos juízes (POSNER, 2010, p. 205/216), e algumas grandes empresas que teimam em trilhar à margem da legalidade, empilhando processos nas estantes dos fóruns e tribunais (que, aliás, tristemente tendem a ser julgados em lote).

5 ABERTURA DEMOCRÁTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Um dos temas de maior objeto de pesquisa contemporaneamente é o controle jurisdicional de políticas públicas, notadamente daquelas que veiculam direitos fundamentais entendidos como sociais. O crescimento da pesquisa neste campo se deu, destacadamente, pela união simbiótica entre Constituição, democracia e jurisdição constitucional. No Brasil, este cenário se iniciou a partir da Constituição Federal de 1988, a qual conjugou Estado Democrático de Direito, com a ampliação do acesso à justiça tanto em virtude de novos direitos, quanto em vista de instrumentos para assegurá-los, com o Constitucionalismo contemporâneo. Esta formatação conduziu ao aumento dos poderes e deveres do Judiciário, em especial da jurisdição constitucional, que, em certa medida, abandonou sua postura “negativa” indo em direção a uma postura mais “criativa”. O Poder Judiciário passa a ser observado com maior atenção, de um lado pela sua atual importância e, de outro lado, com algum receio pelo aumento dos seus poderes.

Isso se dá em termo de políticas públicas que tratam de direitos fundamentais sociais quando se pondera que muitos desses direitos concretizados pelo Poder Judiciário afetam pessoas de modo coletivo ou difuso. Tais situações ganham especial relevância quando judicializada (em uma questão individual ou coletiva/difusa), já que daí se abre a possibilidade do controle/interferência realizado(a) pelo Judiciário em políticas públicas que foram pensadas e são executadas no Legislativo e/ou no Executivo (SARMENTO, 2008, p. 581-582).

Não raramente, nestes casos aparecem as flâmulas, de um lado, de violação à separação dos poderes, insegurança jurídica, paternalismo judicial (MAUS, 2000, p. 135-139), governos e direito dos juízes (CITTADINO, 2002, p. 18), ativismo judicial, judicialização da política e politização da justiça e, de outro, de um modo geral, de dever-poder do Judiciário de suprir as omissões dos demais poderes e de resguardar os direitos fundamentais. São emblemáticos, nesta seara, os argumentos atrelados à política, no sentido de que políticas públicas são decisões preponderantemente políticas, do Legislativo e do Executivo, apesar de veiculares de direitos. Todavia, note-se que existem situações em que temas políticos também são temas de direito e vice-versa, não sendo acertado dizer, simplesmente porque o tema é também de cunho político, que a atuação judicial – que é técnica e jurídica (e não política) – não pode acontecer. Havendo necessidade de conservar a Constituição e/ou os direitos que nela estão, o Judiciário deverá agir (dever de proteção – respeito, proteção e promoção) aos direitos fundamentais (MARMELSTEIN, 2013, p. 289-294); em não havendo tal necessidade, não deve agir, sob pena de envenenar-se com a “síndrome do messias”, afinal, o Poder Judiciário isoladamente não é o redentor das mazelas que afligem o Brasil.

O movimento engendrado pelo Constitucionalismo contemporâneo em relação à jurisdição constitucional, como dito outrora, não significou (e não deve significar) um encolhimento da democracia em benefício exclusivo do “entendimento dos magistrados”, pois o deslocamento de parte da tensão do polo da legislação para o polo da jurisdição, se por um lado favorece a Constituição e a própria democracia através dos tribunais, mesmo em decisões de faceta contramajoritária (que não necessariamente são antidemocráticas, podendo ser equilibradoras e garantidoras da pluralidade e da substancialidade democrática (DWORKIN, 2001, p. 32), por outro lado exige e carece igualmente de acessos e de substâncias democráticas para o controle do poder que, diante disso, passa a residir também (e mais incisivamente) no funcionamento jurisdicional e na decisão judicial. Não há poder estatal que seja em relação aos demais moralmente melhor, “substancialmente mais democrático” ou mais apto a defender a Constituição e concretizar direitos fundamentais: qualquer um dos três poderes pode ser um guardião da constituição ou se converter em um tirano que (a partir) dela abusa de modo altamente arbitrário e/ou não democrático.

Logo, não se pode imaginar que a jurisdição constitucional foi incumbida pela Constituição de zelar “que os atos praticados pelos órgãos representativos possam ser objeto de crítica e controle” (MENDES, 2008, p. 8), única e exclusivamente, pois o mesmo se pode dizer em relação ao Poder Judiciário, a fim de que os atos por ele praticados possam (e devam) ser objeto de crítica e controle. E diante de tal necessidade, que se afunila no controle democrático da jurisdição, da forma e do conteúdo da decisão judicial que controla/interfere a/na política pública é que nascem as ideias decorrente da perspectiva de jurisdição constitucional aberta.

A jurisdição constitucional aberta parte da ideia de Constituição aberta, da pluralidade de intérpretes (e interpretações) e da necessidade de que a jurisdição também se torne um local de efetiva participação democrática e cidadã15, igualmente se preocupa com o controle do conteúdo da decisão judicial e em como e com o porquê essa abertura jurisdicional deve ocorrer (LEAL, 2007, p. 213-214)16. Significa dizer que a jurisdição constitucional deve estar aberta à deliberação de todos, assumindo-a, e ela, assumindo-se como verdadeiro canal de representação popular num processo de incessante avaliação e debate acerca da Constituição e da sociedade, sem que, contudo, se possa extrapolar limites substanciais que são apresentados pela própria Constituição.

Por certo que, como adverte Dworkin (2010, p. 209), a participação popular na jurisdição constitucional aberta não será a mesma (ou do mesmo modo) que ocorre nos demais poderes (representativos – Legislativo e Executivo) do Estado, em especial porque já que enquanto Legislativo e Executivo trabalham com razões políticas, o Judiciário irá trabalhar com argumentos técnicos e jurídicos.

Deve-se salientar a importância de um espaço de jurisdição constitucional aberta diante do fato de que o Poder Judiciário não é o único que interpreta a Constituição. Häberle (2002, p. 13-14), a partir da sua perspectiva de hermenêutica constitucional pluralista, reconhece que todos aqueles que vivem a “norma” são seus (co)intérpretes e, de tal modo devem ser considerados para que haja uma democratização da interpretação. Em máximo resumo: todos interpretam a Constituição, mas é o Poder Judiciário quem tem o poder de verbalizar, em último caso, a Constituição.

Bons exemplos de abertura jurisdicional que já estão ocorrendo são a utilização do amicus curiae nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal e a realização de audiências públicas pelo mesmo tribunal. O primeiro servindo a auxiliar em debates relevantes, inéditos, inusitados, difíceis ou controversos, ampliando a discussão e a pluralidade de perspectivas acerca da matéria (LEAL, 2010, p. 3209). O segundo como fornecedor de conhecimentos técnicos de áreas nem sempre afins do direito. Ambos, como aberturas do Poder Judiciário para a participação popular e para o exercício da pluralidade, da democracia, da cidadania e da defesa dos direitos fundamentais (LEAL, 2010, p. 3218). Contudo, parece claro que tais mecanismos merecem ser ampliados em número e em alcance, como bem adverte Häberle (2002, p. 46-48).

A jurisdição constitucional aberta fornece aos seus participantes a oportunidade de trabalharem como intérpretes da norma constitucional, possibilitando que o público esteja lado a lado com os interpretes de praxe (HÄBERLE, 2002, p. 14-15). Além disso, tem o mérito de tornar a atuação jurisdicional que controla políticas públicas mais democrática e harmônica com a lógica plural da Constituição.

CONCLUSÃO

Uma das principais inovações trazidas pelo advento do constitucionalismo contemporâneo no Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, foi o decisivo papel que a jurisdição passa a exercer. A nova formação apresenta traços mais democráticos e plurais (em relação ao modelo predecessor), advindos diretamente da lógica constitucional que, aliás, transformou a ideia de jurisdição que, desde então, passa a ser sempre jurisdição constitucional, tendo em conta que qualquer ato jurisdicional, do mais simples ao mais complexo, realizado por qualquer julgador, deverá estar de acordo com a Constituição. Logo, não há mais espaço para discursos que insistam na ilusória divisão entre “atos de jurisdição simples” e “atos de jurisdição constitucional”: tudo é, direta ou indiretamente, expressa ou tacitamente, um ato de jurisdição constitucional.

Tal formação, todavia, se de um lado facilitou o acesso e a adequação constitucional, por outro lado engendrou novas preocupações, das quais, neste texto, foram apresentadas apenas cinco: judicialização, ativismo, discricionariedade judicial, fundamentação das decisões e controle judicial de políticas públicas. Todos estes temas, apesar de já haver linhas grossas sobre como se lidar com eles, ainda são objetos de amplo e constante debate.

Quanto à judicialização e ao ativismo, ficou esclarecido que o primeiro é uma decorrência direta dos modelos de Constituição e de controle de constitucionalidade adotados pelo Brasil, bem como pela cultura social, econômica jurídica e política do país, elementos que conjugados acabam por conduzir inúmeras temáticas, muitas das quais de conteúdo jurídico-político, para o julgamento do Poder Judiciário. Ademais, a existência de judicialização de temas jurídico-políticos não autoriza respostas judiciais políticas, pelo contrário, impõe julgamentos jurídicos e técnicos.

Por seu turno, o segundo – ativismo –, apesar de um acalorado debate sobre sua real “aparência”, percebe-se que se trata de uma postura deliberadamente criativa por parte do julgador e que tende a ir além “do que pode” e/ou “do que deve” fazer. Diante da visão atual que traz o “dever (constitucional) de proteção” não se imagina que exista uma carta branca para o julgador ser “ativista” em “prol” dos direitos fundamentais ou princípios constitucionais: ou ele age em nome do dever de proteção (e, assim, não é ativista) ou se excede e é ativista. Assim, note-se que o ativismo judicial assume uma nota negativa nesta conclusão.

Posturas ativistas, portanto, estão intimamente ligadas à discricionariedade judicial que, como visto, é, em grande medida, oriunda do positivismo jurídico e da “moldura de opções” legada por Kelsen. Em tempos de Constitucionalismo contemporâneo, em um Estado Democrático de Direito, delegar discricionariedade ao juiz, possibilitando posturas objetivistas (a partir da lei se pode tudo ou se pode nada) e posturas subjetivistas (a partir da consciência do julgador se pode tudo ou se pode nada), é flagrante retrocesso democrático. É isso que a hermenêutica filosófica e a nova crítica do direito vêm demonstrando há algum tempo. O julgador deve estar agrilhoado, de um lado, pela Constituição, e, de outro lado, pela integridade, pela coerência e pela autonomia do direito, evitando-se que ele saia e vá para onde quiser e como quiser.

Esse problema irá desaguar em algo sintomático, a fundamentação das decisões judiciais, que estão cada vez mais mecânicas, artificiais e genéricas, e os projetos que visam limitar o espaço de fundamentação das peças processuais, visando à celeridade e à economia processual. Mais uma vez se está diante de condutas que prezam miopemente pelo alvo errado. Se está a vangloriar os números (... os mapas do fim do mês) em detrimento da qualidade e da reflexão. Estes sintomas revelam o grande pedaço do direito que a discricionariedade judicial já abocanhou, quando se vê como “normal” que o juiz lance um “decisionismo” (ainda que com outros epítetos), sob o argumento de que é melhor uma decisão do que nenhuma ou sob o argumento de que muitas laudas não serão devidamente lidas ou, ainda, sob o argumento de que isso gerará celeridade.

Por fim, chega-se ao último tema, o controle jurisdicional de políticas públicas. As considerações finais neste tópico remontam a uma atuação sinérgica e cooperativa entre os poderes do Estado. Em outros temos, o Judiciário é apto a controlar a política pública se perceber uma ilegalidade ou uma inconstitucionalidade. Simples e óbvio. Mas nem tudo é tão fácil, pois políticas públicas sempre são complexas e os efeitos de uma decisão judicial insulada no gabinete não são totalmente enxergáveis. Reside neste aspecto uma das principais contribuições da teoria da jurisdição constitucional aberta, que objetiva, com fito nas contribuições de Häberle da sociedade aberta dos intérpretes, que o espaço judicial seja plural e democraticamente acessível, estendendo o campo de abordagem e racionalização do julgador antes de controlar (ou não) uma política pública.

Referências

ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

BOLESINA, Iuri; GERVASONI, Tamiris Alessandra. Um porquê “politicamente incorreto” no constitucionalismo contemporâneo para o acesso à justiça através da mediação. In: Anais do I seminário internacional de mediação de conflitos e justiça restaurativa, 2013.

BONAVIDES, Paulo. Jurisdição constitucional e legitimidade: algumas observações sobre o Brasil. In: Revista Estudos Avançados, v. 18, n. 51, p. 127-150, 2004.

BRANCO, Ana Paula Tauceda. O ativismo judiciário negativo investigado em súmulas editadas pelo Tribunal Superior do Trabalho. 2010. Disponível em: < http://www.amatra17.org.br/arquivos/4ac2c477939c9.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2013.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Projeto “petição/sentença 10”. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2012.

CITTADINO, Gisele. Judicialização da política, constitucionalismo democrático e separação dos poderes. In: VIANNA, Luiz Werneck (org.). A democracia e os três poderes no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2002. p. 17-42.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

______. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

______. O império do Direito. Tradução de Jeferson Luiz Camargo. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

GERVASONI, Tássia Aparecida; LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Judicialização da política e ativismo judicial na perspectiva do Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Multideia, 2013.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002.

ITO, Marina. Judicialização é fato, ativismo é atitude. Disponível em: . Acesso em: 11 de maio de 2011.

KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 4.ed. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

______. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

LEAL, Monia Clarissa Hennig. A jurisdição constitucional entre judicialização e ativismo judicial. In: COSTA, Marli Marlene Morais da; LEAL, Mônia Clarissa Hennig (Orgs.). Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2013. p. 207-246.

______. Jurisdição Constitucional Aberta: reflexões sobre a legitimidade e os limites da jurisdição na ordem democrática. Uma abordagem a partir das teorias constitucionais alemã e norte-americana. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007.

______. Amicus Curiae, jursidição constitucional e democracia: uma análise crítica acerca da atuação do Supremo Tribunal Federal e da efetividade da intervenção do amicus curiae no controle de constitucionalidade brasileiro. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Cood. Jorge Renato dos REIS e Rogério Gesta LEAL. Tomo 10: EDUNISC, 2010. p. 3209.

LEAL, Rogério Gesta. A decisão judicial: elementos teórico-constitutivos è efetivação pragmática dos direitos fundamentais. Joaçaba: Unoesc, 2012.

LUIZ, Fernando Vieira. Teoria da decisão judicial: dos paradigmas de Ricardo Lorenzetti à resposta adequada à Constituição de Lenio Streck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2013.

MAUS, Ingborg, O judiciário como superego da sociedade – sobre o papel da atividade jurisprudencial na “sociedade órfã”. Novos Estudos, São Paulo, n. 58, p. 183-202, nov. 2000.

MENDES, Conrado Hübner. Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011.

MENDES, Gilmar Ferreira. A Jurisdição constitucional no Brasil e seu significado para a liberdade e a igualdade. 2008. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2013.

______. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

MOTTA, Francisco José Borges. Levando o direito a sério: uma crítica hermenêutica ao protagonismo judicial. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010.

NELSON, William E. Marbury v. Madison: the origins and legacy of judicial review. Kansas: University Press of Kansas, 2000.

POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge: Harvard University Press, 2010.

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. Porto Alegre: Revista dos Tribunais, 2012.

SARMENTO, Daniel. A Proteção judicial dos direitos sociais: alguns parâmetros ético-jurídicos. In: SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de (Orgs.). Direitos Sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008. p. 533-586.

STEINMETZ, Wilson. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

______. O que é isto – decido conforme minha consciência. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

______. O positivismo discricionarista e a crise do direito no Brasil: a resposta correta (adequada a Constituição) como um direito fundamental do cidadão. In: KLEVENHUSEN, Renata (Coord.). Temas sobre direitos humanos: estudos em homenagem a Vicente de Paulo Barreto: Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 81-98.

______. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

TUSHNET, Mark. Judicial Activism in Common Law Supreme Courts. Oxford: Oxford University Press, 2009.

ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

Notas

1 Para um estudo detalhado sobre o caso, seus participantes e seu contexto, recomenda-se NELSON, William E. Marbury v. Madison: the origins and legacy of judicial review, 2000.
2 Aqui se fala não apenas do próprio conteúdo dos direitos fundamentais que veiculam a proteção às necessidades elementares à dignidade humana como vida, liberdade e igualdade, mas, também, das características especiais que lhes são inerentes, tais como a contramajoritariedade, a limitabilidade, a imprescritibilidade, a irrenunciabilidade, a concorrência entre si, além disso, o dever de proteção (respeito, proteção e promoção) e as dimensões subjetiva e objetiva, positiva e negativa. Em sentido mais específico sobre as características dos direitos fundamentais ver Alexy (2008, p. 49-51).
3 Considerando a repercussão da positivação e da consagração dos direitos fundamentais, bem como a especialidade da sua redação, ressalva-se que “a nova interpretação constitucional assenta-se na compreensão de que as cláusulas constitucionais, por seu conteúdo aberto, principiológico e extremamente dependente da realidade subjacente não se prestam ao sentido unívoco e objetivo pretendido pela tradição exegética. [...] De qualquer forma, cumpre deixar assentado que a opção pela matriz hermenêutica impede que se a considere necessária (apenas) em razão da positivação de princípios e valores na Constituição [...], já que o caráter hermenêutico do Direito não depende de uma (suposta) vagueza/ambiguidade/abertura intrínseca a determinado texto. Isso implicaria em compreender a hermenêutica (ainda) como uma mera técnica ou método de interpretação, ou seja, como ‘aquela terceira coisa’ interposta entre o sujeito e o objeto, visão que referida matriz vem justamente superar” (GERVASONI; LEAL, 2013, p. 49-50).
4 Entende-se que os princípios e os direitos fundamentais possuem conteúdo poroso, o qual, apesar de contar com algum espaço de matéria imprecisa (logo não rígida, inflexível ou pontualmente específica) que possibilitaria a solução às variações da realidade não previstas expressamente na legislação, possui limites máximos e mínimos que evitam que sejam utilizados de qualquer forma em qualquer situação. Este conteúdo poroso é um dos elementos centrais do estudo da problemática na interpretação e aplicação constitucional, pois é ele quem dá azo à ideia de que a interpretação “pode variar” e de que existam, perante a Constituição, inúmeras respostas possíveis e todas igualmente “mais” adequadas à Constituição para a solução dos litígios envolvendo princípios e/ou direitos fundamentais. Neste sentido, ao contrário do que se defende comumente, o conteúdo dos princípios e/ou dos direitos fundamentais não é “aberto”, ou seja, sem limites; tampouco é “resiliente”, de modo que não pode ser submetido às mais variadas manipulações (aos mais variados estresses) sem que sofra alguma deformação permanente. A operação de interpretação a partir dos princípios ou direitos fundamentais (sejam eles explícitos ou implícitos) deve se guiar a partir da integridade e da autonomia do direito, ambos formando, muito possivelmente, ao lado do próprio texto, os principais limites do conteúdo dos princípios e direitos fundamentais. Tanto reforça a ideia de que o intérprete não sai de qualquer lugar para chegar em qualquer lugar: há, como sustenta Streck (2013, p. 331) um sentido pretérito a ser considerado.
5 Ativismo judicial é elemento de celeuma no nos debates acadêmicos. Certas interpretações o veem como algo negativo, um agir do Poder Judiciário que extrapola seus poderes e deveres. De outro lado, é encarado com algo neutro, utilizado no momento de sanar lacunas da ordem jurídica. E, ainda, existem interpretações que o veem como algo positivo, uma conduta do Judiciário que interpreta a Constituição em temas fundamentais em que outros poderes são omissos. Os conceitos mais objetivos são escassos, todavia, é interessante a posição de Gervasoni e Leal, na qual: “o ‘ativismo judicial’ é uma forma consciente, porém oca, de exercício da jurisdição constitucional. Consciente porque, apesar das inclinações históricas constatadas no sentido de ampliar os espaços de alcance dessa jurisdição, o ‘ativismo judicial’ implica a opção de uma série de critérios de ação pela Corte Constitucional, tais como: (a) o alargamento da aplicabilidade do texto constitucional, a abarcar, inclusive, casos não expressos; (b) o abrandamento das exigências para a declaração de inconstitucionalidade; (c) a definição de políticas públicas quando não se verifica exigência e/ou previsão constitucional acerca da sua criação, mas apenas uma norma programática e de eficácia limitada, de modo a interferir no espaço de discricionariedade do poder púbico quanto à forma de efetivação de determinado direito social; e (d) a eventual prolação de decisões cujo fundamento não é deduzido (nem pode ser reconduzido) a um elemento normativo-constitucional. É, ainda, forma oca, por não se ajustar em um conceito fechado, podendo ter, por conteúdo, decisões liberais, conservadoras e progressistas, despindo-se, portanto, de valorações apriorísticas. Além disso, o ‘ativismo judicial’ tende a mudanças de orientação jurisprudencial (derrubada de precedente), estando o seu exame vinculado antes a questões de critérios de interpretação do que de critérios de competência” (2013, p. 114-115).
6 Dentre outras expressões que visam a indicar a qualidade ou a quantidade de ativismo.
7 Aqui se faz menção à célebre frase de Dworkin que entende que a missão da interpretação constitucional realizada pela jurisdição constitucional é chegar a finais felizes (happy endings),
8 Dita ideia da “moldura de possibilidades” vem retratada no capítulo 8 da obra Teoria Pura do Direito (KELSEN, 1998, p. 247-248), bem como na obra Teoria Geral do Direito e do Estado (KELSEN, 2005, 210-215).
9 Que, para nós, não se confunde e, em certa medida, se opõe ao(s) neoconstitucionalismo(s).
10 “Revertamos, pois, a(s) pergunta(s): se não há respostas (em Direito) melhores umas do que as outras, por que afinal nos esforçamos tanto em argumentar juridicamente, em nos debruçarmos sobre os casos ditos ‘controversos’? Se há apenas ‘respostas’, por que exigir do juiz o dever de fundamentar suas decisões? Mais, por que permitir a fala das partes? Por que submetê-las ao contraditório? Se tudo fica resolvido pela ‘discrição’ do juiz, por que a garantia do segundo grau de jurisdição? Para substituir uma discrição por outra?” (MOTTA, 2010, p. 89).
11 Neste sentido vale destacar que é, infelizmente, comum a utilização da “faculdade” do “copia e cola” jurisprudencial de modo isolado (aos outros fundamentos) pelos julgadores. O uso das ementas jurisprudenciais deve ser supletivo à fundamentação adequada, servindo como um reforço ao que se entende e se interpreta. Perceba-se que toda e qualquer técnica jurídica de decisão deve perpassar por compreensão, entendimento, interpretação e explicitação. Em se “pulando” estas fase, indo-se direto para a explicitação, o que se tem é um “achismo” que não compreende e não entende a natureza do que decide. E que para que não se perceba, bem como para que tal “achismo” não perceba que é órfão, a ele são encostados entendimentos (jurisprudenciais) de terceiros que, ao fim e ao cabo, são viciados e parciais (pois são revelam o julgador “entende” correto e não eventual tese contraria – antítese), servindo apenas como despiste da inconsistência da decisão.
12 Ideia melhor elaborada quando se trabalha a tese do “direito como integridade”. Para todos, ver Dworkin (2007).
13 Art. 489. São elementos essenciais da sentença: [...] §1 Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
14 Art. 93, IX, da Constituição Federal: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”;
15 “Quanto mais perto do povo estiver o juiz constitucional mais elevado há de ser o grau de sua legitimidade” até mesmo porque “a legitimidade dos tribunais constitucionais é, antes de tudo, pura e simplesmente, a legitimidade da própria Constituição” (BONAVIDES, 2004, p. 132).
16 Mesmo porque não se deve deixar seduzir-se e/ou perder-se na ideia de que a abertura jurisdicional através de seus mecanismos, como o amicus curiae, por exemplo, possa ser usado sempre e para tudo, como se fosse a panaceia para os problemas de jurisdição.

Ligação alternative

HMTL gerado a partir de XML JATS4R por