Emenda ou Substituição do Título Executivo Fiscal e a Defesa do Executado

AMENDMENT OR REPLACEMENT OF TAX ENFORCEMENT AND PROTECTION IMPLEMENTED

Natércia Siqueira
Universidade de Fortaleza (UNIFOR) , Brasil
Antônio Mendes Carneiro Jr.
Universidade de Fortaleza (UNIFOR) , Brasil

Emenda ou Substituição do Título Executivo Fiscal e a Defesa do Executado

Prisma Jurídico, vol. 15, núm. 2, pp. 25-48, 2016

Universidade Nove de Julho

Recepção: 10 Julho 2016

Aprovação: 16 Novembro 2016

Resumo: A despeito das inúmeras prerrogativas da Fazenda Pública, no que se refere à execução fiscal, seja o título executivo proveniente de dívida tributária ou não, garantidas pela Lei n° 6.830, de 22 de setembro de 1980, e suas posteriores alterações, o executado, ou devedor, depara-se muitas vezes em situação de dificuldade quando de sua defesa. Seja no aspecto formal da citação, penhora eletrônica e propriamente dos recursos utilizados pela desfazer o procedimento executório. Neste âmbito, mais especificamente, destaca-se a dificuldade de se estabelecer quais os limites das alegações aduzidas pelo devedor nos novos embargos, após a correção ou substituição da Certidão de Dívida Ativa. A partir de entendimentos divergentes, percebe-se a importância do tema.

Palavras-chave: Direito Tributário, Execução Fiscal, Certidão de Dívida Ativa, Substituição ou Emenda de Certidão de Dívida Ativa, Embargos do Devedor.

Abstract: Despite the numerous prerogatives of the Exchequer, as regards fiscal execution, is the Executive title from tax debt or not, guaranteed by law n° 6.830, 22 September 1980, and its subsequent amendments, the runs, or debtor faced often in difficulty during his defense. Whether in the formal aspect of the summons, garnishment and exactly the resources used by the undo the procedure enforceable. In this context, more specifically, highlight the difficulty in establishing what the limits of the allegations made by the debtor in the new embargoes after the correction or replacement of the Active Debt Certificate. From divergent views, one realizes the importance of the topic.

Keywords: Tax Law, Tax Lien, Active Debt Certificate, Amendment or Replacement of Active Debt Certificate, Execution Debtor.

Introdução

O mecanismo de realização da dívida ativa, seja tributária ou não, segue dinâmica própria, uma vez que informada por diversos princípios, que em circunstâncias específicas seguem por diferentes direções. Se a praticidade tributária impõe a estruturação de procedimentos eficazes e tempestivos de realização do tributo, a indisponibilidade está a indicar a elaboração de procedimento que preze pela verdade material e melhor interpretação da lei.

Neste contexto, se irá tratar da problemática preclusiva dos segundos embargos do devedor, a serem interpostos da CDA alterada ou modificada. Para tanto, em um primeiro momento, o trabalho aborda a atividade da inscrição em dívida ativa: seu objeto, sua finalidade, a principiologia que a informa. O intuito, neste momento, é o de traçar os parâmetros ou hipóteses de emenda e substituição da CDA, mediante a análise de quais requisitos são necessários para a inscrição em dívida ativa, aptos a conferir a certeza, a liquidez e a exigibilidade do título executivo.

Posteriormente, é enfrentada a questão do limite material à interposição dos embargos do devedor, interpostos da CDA emendada e substituída. Por esta ocasião, são trazidos ao presente artigo o entendimento manifesto pelos Tribunais brasileiros, inclusive os Superiores, haja vista que, em tempos atuais, cada vez mais se enxerga uma vinculação destas decisões. Obviamente, a doutrina especializada é igualmente prestigiada, o que expõe a natureza bibliográfica da metodologia adotada.

Ao final, aborda-se, especificamente, a densidade que se deve emprestar à ampla defesa em se tratando da matéria tributária, o que se faz mediante análise sistêmica com os princípios que informam a tributação, que decorrem da natureza pública do tributo. A conclusão não é outra: os segundos embargos não devem limitar-se, necessária e obrigatoriamente, à matéria ou ao vício que foi objeto de emenda e alteração da CDA. Antes, devolve-se ao embargante a ampla possibilidade de manifestação, de direito e fática, sobre o crédito e a execução embargada.

1 O problema

A lei n° 6.830, de 22 de setembro de 1980, conhecida como Lei de Execução Fiscal (LEF), traz em seu bojo normas e procedimentos acerca da cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, seja ela de natureza tributária ou não. O regramento, por sua vez, como dispõe o art. 1° da LEF1, tem como fonte subsidiária a lei n° 13.105, de 16 de março de 2015, ou seja, o Novo Código de Processo Civil (NCPC).

O intuito do legislador, para fins de aplicação da LEF, foi o de abranger toda e qualquer cobrança judicial que tenha como responsável um ente público, daí ter estabelecido já no §1° de seu art. 2° que será considerada dívida ativa da Fazenda Pública qualquer valor cuja cobrança seja atribuída aos entes públicos referidos no art. 1° da LEF.

A partir deste ponto, registra-se que a jurisprudência e a própria doutrina pátrias têm se debatido de forma a melhor caracterizar e delimitar quais órgãos da Administração Pública, assim como quais dívidas devem ser cobradas pelo regramento da LEF.

No compasso da normatização da execução fiscal, determinada sobremaneira pela LEF, tendo raros momentos de harmonização com a execução geral promovida em face do NCPC, percebe-se a especial influência da praticidade tributária, a demandar a elaboração de procedimentos econômicos e eficazes de aplicação da lei. Tal se explica, por sua vez, na circunstância de o direito tributário ser cobrado e aplicado em massa; por conseguinte, deve-se estruturar procedimento adequado para que se resguarde a eficácia material da lei impositiva de tributo, assim como a isonomia na sua aplicação, que é fundamental à neutralidade tributária e justa concorrência.

Mas ainda que o direito tributário revele particularidades que justifiquem a elaboração de procedimento especial de realização das suas normas, não se pode olvidar as garantias fundamentais, dentre as quais a ampla defesa e o contraditório, seja aos litigantes judiciais ou administrativos. Neste confronto, em que pese a praticidade e os princípios que dela decorram, ao executado se deve propiciar meios eficazes de questionamento da cobrança da dívida pública, principalmente através de embargos do devedor.

Para que o processo executório siga a marcha imposta pela legislação correspondente, faz-se imprescindível que o título executivo seja dotado de liquidez, certeza e exigibilidade, que, no caso da Fazenda Pública, somente se dá quando esta apura administrativamente seu crédito e faz a devida inscrição na dívida ativa. Releva dizer, ainda, que, de acordo com o art. 3° e parágrafo único da LEF, a certeza e a liquidez da dívida ativa são presumidas, podendo ser ilidida por prova inequívoca pelo executado2.

É de se destacar, contudo, que, mesmo impostos aspectos formais para a elaboração da Certidão de Dívida Ativa (CDA), pela LEF, às vezes ocorre algum tipo de vício, o qual torna sua validade questionável juridicamente. A jurisprudência já se encarregou de flexibilizar tais vícios3, entre formais e materiais, como se verá adiante, mas também foi concedido à Fazenda Pública emendar ou mesmo substituir a CDA, em conformidade com o §8°, art. 2°, da LEF.

Respeitadas as restrições, ao executado restou assegurada a devolução do prazo para embargos, quando emendada ou substituída a CDA, mas, silenciosamente, a LEF não tratou de estabelecer o que pode ser alegado neste novo embargo, havendo divergência de entendimento da jurisprudência e da doutrina.

1.1 Dívida ativa: sua função na dinâmica tributária

A própria LEF auxilia-nos quanto ao propósito de identificar a abrangência da dívida tributária e da não tributária, ao dispor no caput do art. 2° que as mesmas estão definidas na lei n° 4.320, de 17 de março de 1964, com as respectivas alterações. A citada legislação, que estatui normas de direito financeiro, estabelece em seu art. 39, §2°, na primeira parte, que “Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa Não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública [...]”.

Ademais, o Código Tributário Nacional (CTN), também conceituou a dívida tributária no seu art. 201, como sendo a dívida proveniente de crédito de natureza tributária4. Por este artigo já se percebe que apenas é dívida ativa tributária se esta for devidamente inscrita em órgão administrativamente competente para tal.

Portanto, muitas dívidas podem ser encaixadas nos conceitos normativos acima referidos. Talvez o que se possa utilizar para restringir a dívida que se submete ao crivo da LEF seja o ente público, já que a própria legislação se encarrega de delimitar5. Por outro lado, quando julgados dão conta de que é necessária apenas a titularidade da cobrança, de toda sorte, abre-se espaço para flexibilização.

Preleciona Lopes (2012, p.11) que

tributária ou não tributária, dívida ativa será sempre aquela regularmente constituída e inscrita em registro administrativo próprio, após o encerramento do procedimento administrativo em que se tenha assegurado defesa ao interessado e a fluência, in albis [em branco], do prazo para o respectivo recolhimento.

Destarte, ensina-nos Theodoro Júnior (2009, p. 14) que “até mesmo as obrigações contratuais, desde que submetidas ao controle da inscrição, podem ser exigidas por via de execução fiscal”. A ação de execução fiscal é, por assim dizer, o instrumento que assiste à Fazenda Pública para cobrar seus créditos não pagos, que devem ser objeto do controle de legalidade formal por ocasião da inscrição em dívida ativa.

Dispõe a LEF, que a inscrição, já que tem natureza administrativa, rege-se pela legalidade e será exercida pelo órgão competente para apurar a liquidez e a certeza do crédito, conforme seu art. 2°, §3°, que se caracteriza quando o crédito reúne as informações constantes do art. 2°, §5°, e art. 202, CTN. O referido procedimento encontra a sua justificativa no dever de legalidade atribuído à Fazenda Pública: é o antídoto à executoriedade, que prescinde do conhecimento judicial, atribuída à dívida ativa.

Ou seja, a dívida ativa regularmente inscrita, com característica de título executivo extrajudicial, dispensa a propositura da demanda de conhecimento judicial ou do reconhecimento do devedor. A Fazenda Pública pode “constituir unilateralmente o título executivo que irá lastrear a execução fiscal” (LOPES, 2012, p. 03), sob determinadas condições principiológicas, sejam materiais ou formais. Contudo – frise-se –, esta presunção é relativa, pois poderá ser ilidida por prova inequívoca pelo executado.

Preleciona Machado (2009, p. 470) que

a certidão da inscrição do crédito da Fazenda Pública como Dívida Ativa é o título executivo extrajudicial de que necessita a exequente para a propositura da execução. Nesta, portanto, a exequente não pede ao Juiz que decida sobre o seu direito de crédito. Pede simplesmente sejam adotadas as providências para tornar efetivo o seu crédito, isto é, providências para compelir o devedor ao pagamento.

Nestes termos, percebe-se que a Fazenda Pública, diferentemente das obrigações cíveis, processadas suas cobranças forçadas pela execução geral, pode constituir seu título unilateralmente, bastando que para isto proceda com a inscrição. Mais, ainda, o crédito inscrito em dívida ativa goza de presunção de liquidez e certeza, por força de lei, uma vez que a inscrição em Dívida ativa é “ato administrativo de controle de legalidade do procedimento administrativo fiscal, que cria o título hábil a lastrear a execução fiscal” (LOPES, 2012, p. 11).

Ademais, a dívida ativa, ao implicar controle de legalidade formal e certificação, razão pela qual o ordenamento jurídico atribuiu-lhe por efeito jurídico a aferição de certeza e liquidez presumida do crédito, marca momento relevante na dinâmica da relação jurídica tributária. De acordo com o art. 185 do CTN, a partir da inscrição do crédito, presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens do sujeito passivo6. Por oportuno, também se destaca que, consoante o §3°, art. 3°, LEF, já citado, com a inscrição, fica suspensa a prescrição do crédito por 180 (cento e oitenta) dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer primeiro, como forma de resguardar os interesses do ente público.

Mas as prerrogativas atribuídas à fazenda Pública, ainda que decorrentes da praticidade e de seus corolários, demanda o respeito aos requisitos legais para a inscrição em dívida ativa, em perfeita união com os princípios expressos da Administração Pública, além dos dispostos na Constituição Federal de 1988 (CF∕88).

1.3 Requisitos para a inscrição em dívida ativa

A inscrição em dívida ativa trata-se de um ato administrativo, e como tal deve observância ao princípio da legalidade. Diz-nos Mello (2009, p. 105) em poucas palavras, que “a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina”.

Preceitua Pacheco (2000, p. 43) que

A inscrição em dívida ativa trata-se de um ato administrativo, e como tal deve observância ao princípio da legalidade. Diz-nos Mello (2009, p. 105) em poucas palavras, que “a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina”.

Preceitua Pacheco (2000, p. 43) que

o procedimento de apuração e inscrição constitui ato de controle administrativo de legalidade. Dentro de prazo razoável a partir da data em que se tornarem findos os processos ou expedientes administrativos, pelo transcurso do prazo fixado em lei, regulamento, portaria, intimação ou notificação, para o recolhimento do débito para com a União, de natureza tributária ou não-tributária, as repartições públicas competentes devem encaminhá-los à Procuradoria da Fazenda Nacional da respectiva unidade federativa para a apuração de sua liquidez e certeza e consequente inscrição.

Dentro deste espírito de estrita legalidade, impõe a LEF os requisitos essenciais para o Termo de Inscrição da Dívida Ativa (TIDA), que serão, conforme seu art. 2°, §6°, os mesmos da CDA, quais sejam, a indicação do nome do devedor, bem como dos corresponsáveis e, sempre que possível, o domicílio ou residência de ambos; o valor originário da dívida, assim como seu termo inicial, a forma de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou em contrato; a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual para a dívida; a indicação de sujeição à atualização monetária, se for o caso; a data e o número da inscrição no Registro de Dívida Ativa (RDA); e, por fim, o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida (LEF, art. 2°, §5°, I a VI). Tais requisitos também encontram guarida no art. 202 do CTN, acrescentando, no parágrafo único, que “a certidão conterá, além dos requisitos deste artigo, a indicação do livro e da folha da inscrição”.

Pacheco (2000, p. 47), em lição precisa, assevera que o termo de inscrição “deve ter os requisitos essenciais previstos no art. 2°, §5°, da Lei n. 6.830∕80, qualquer que seja o órgão, a natureza da dívida, ou a esfera fazendária ou autárquica a que se refira”.

Entende-se que o procedimento da LEF só poderá ser utilizado quando e tão somente houver a apuração administrativa regular do crédito e, por conseguinte, a inscrição do crédito em dívida ativa. De outra forma, seria admitir que o princípio da legalidade, juntamente com outros tantos e tão caros, fossem desrespeitados.

É de se destacar, contudo, que, mesmo impostos aspectos formais para a elaboração da CDA, pela LEF, pode existir algum vício, o qual torna sua validade questionável juridicamente. Havendo defeito na CDA, a mesma poderá ser substituída ou emendada, conforme o §8°, art. 2°, da LEF, antes da decisão de primeira instância, assegurada ao executado a devolução do prazo para embargos7. Imprescindível estar atento para o fato de que, em caso de substituição ou emenda, não há sucumbência da Fazenda Pública. Outrossim, não haverá extinção da execução, que prosseguirá com a substituição ou emenda da CDA.

1.4 Erro ou omissão no termo de inscrição em dívida ativa

Ocorre que nem sempre o TIDA, como se supõe, peca pelo formalismo e pela certeza dos fatos e valores, o que muitas vezes indica erro material ou mesmo formal nas informações, levando à nulidade do ato administrativo de inscrição. O CTN, em face das exigências legais, quando omisso quaisquer dos requisitos previstos no seu art. 202 ou quando houver erro, prevê a nulidade da inscrição e da respectiva CDA, conforme preceitua o art. 2038.

Esclarece Pacheco (2000, p.48) que “a omissão ou erro no concernente aos elementos essenciais constitui causa de nulidade da inscrição, da certidão e do processo executivo consequente”.

A jurisprudência é vasta sobre o assunto. Como exemplo:

Cumpre, de ofício, ao juiz verificar os pressupostos específicos do processo de execução, determinando a sua falta a inadmissão liminar da execução. A falta de certidão de inscrição da dívida ativa da Fazenda Pública é bastante para determinar essa consequência se não suprida em tempo hábil, dado o poder-dever do juiz. A confissão do débito não serve para suprir a falta da certidão (TRF, Ac. un. da 4ª T., publ. em 23-3-1985, AC 58.579-SP, ADV, n. 22.681).

Neste sentido, tem-se entendido que, se em virtude de eventual erro ou omissão não houver prejuízo ao executado, deve-se preservar o processo, como já afirmado anteriormente, significando uma flexibilização. Assim se posiciona o Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo:

Sendo a omissão de dado que não prejudicou a defesa do executado, regularmente exercida, com ampla segurança, valida-se a certidão para que se exercite o exame de mérito (STF, 1ª T., RE 99.993, Rel. Min. Oscar Corrêa, ac. de 16-9-1983, RTJ, 107:1288).

A jurisprudência do STJ encarregou-se da também flexibilização9,10 dos erros que poderão dar azo à correção, chegando, inclusive, a sumular o assunto, como veremos abaixo. Vejamos o seguinte acórdão do STJ:

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. REQUISITOS PARA CONSTITUIÇÃO VÁLIDA. NULIDADE NÃO CONFIGURADA.

[...] 3. A pena de nulidade da inscrição e da respectiva CDA, prevista no art. 203 do CTN, deve ser interpretada cum granu salis [com ponderação]. Isto porque o insignificante defeito formal que não compromete a essência do título executivo não deve reclamar por parte do exequente um novo processo com base em um novo lançamento tributário para apuração do tributo devido, posto conspirar contra o princípio da efetividade aplicável ao processo executivo extrajudicial. [...] (Acórdão unânime da 1ª Turma do STJ, AgRg no Ag 485.548∕RJ, rel. Min. Luiz Fux, j. 6∕5∕2003, DJ de 19∕5∕2003, p. 145).

Importa extrair deste último julgado o significado do princípio da efetividade, justificar, em parte, do entendimento unânime da Corte Superior. Trata-se, portanto, de um princípio geral de natureza administrativa, que, no dizer de Mello (2012, p. 54), “tem por finalidade principal a obrigatoriedade de que a Administração Pública obtenha resultados de forma satisfatória e eficiente”.

1.5 Emenda ou substituição do Título executivo extrajudicial

Prescreve o art. 2°, §8°, LEF, que “até a decisão de primeira instância, a CDA poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução do prazo para embargos”. De igual modo, na parte final, o art. 203 do CTN dispõe que a correção “poderá ser sanada até a decisão de primeira instância, mediante substituição da certidão nula, devolvido ao sujeito passivo, acusado ou interessado, o prazo para defesa, que somente poderá versar sobre a parte modificada”.

A primeira questão que merece abordagem é a de se definir qual seria a citada decisão de primeira instância. Sem maiores dificuldades, equivale dizer que a emenda ou substituição poderá ser feita “até o advento da sentença proferida nos embargos do devedor ou, caso estes não tenham sido oferecidos, até que se declare extinta a execução”. (LOPES, 2012, p. 12).

Outro interessante ponto diz respeito à delimitação deste inquestionável privilégio para Fazenda Pública. O enunciado da Súmula n. 392 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ensina: “A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução”. Assim posto, é de se destacar que alcança apenas os erros formais e os materiais, não se abrindo espaço para hipótese de modificação do sujeito passivo da execução.

Preleciona Lopes (2012, p. 13) que “quando for a hipótese de defeito substancial no procedimento administrativo de constituição do crédito – v.g., inobservância da garantia da ampla defesa –, exige-se a renovação do lançamento, o que afasta a possibilidade aventada”. Ou seja, referido doutrinador nos dá uma dica do que não seria possível se submeter à emenda da CDA, por exemplo.

Na mesma linha, Theodoro Júnior (2009, p. 26):

Essa substituição visa a corrigir erros materiais do título executivo ou mesmo da inscrição que lhe serviu de origem. Não tem, contudo, a força de permitir a convalidação de nulidade plena do próprio procedimento administrativo, como a que decorre do cerceamento de defesa ou da inobservância do procedimento legal no lançamento e apuração do crédito fazendário [...]. Não se pode permitir a substituição da certidão por outra substancialmente diversa porquanto tal providência equivaleria a alterar o pedido ou a causa petendi [causa de pedir], o que repugna aos princípios do direito processual.

Entendendo-se, não sem antes ratificar se tratar de uma especial regra em favor da Fazenda Pública, corroborada pelo entendimento jurisprudencial quanto à nulidade da CDA apenas nos casos em que o defeito torne prejudicada a defesa do executado, que o erro formal e material podem ser corrigidos, Cunha (2012, p. 386) segue: “Com efeito, a certidão de dívida ativa pode ser, até a prolação da sentença de embargos, substituída, em caso de erro material ou formal”.

Assim se posiciona o STJ:

EXECUÇÃO FISCAL – SUBSTITUIÇÃO DA CDA – ALTERAÇÃO DO LANÇAMENTO – ILEGITIMIDADE PASSIVA – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTES. 1. O acórdão a quo [de onde veio] manteve a extinção da execução fiscal, feita com base no art. 267, VI, do CPC, ao entendimento de que a emenda ou substituição de CDA facultada ao credor, nos termos dos arts. 203 do CTN e 2º, § 8º, da LEF, só é possível na hipótese de erro material ou formal. 2. No presente caso, não se trata de mero erro material ou formal, mas de pedido de alteração do sujeito passivo da obrigação tributária após o Município reconhecer a ilegitimidade passiva [...] (AgRg no REsp 1102285/BA, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/04/2009, DJe 08/05/2009).

Registra-se que, substituída ou emendada a CDA, será “assegurada ao executado a devolução do prazo para embargos” (LEF, art. 2°, §8°), assunto que será tratado a seguir. Mas, adverte Machado (2009, p. 472), “não efetuada a emenda, ou a substituição, é inadmissível o prosseguimento da execução [...]”.

Admite-se que os erros materiais e formais, que não tragam prejuízos à defesa do executado, possam ser corrigidos. Isto significa que a matéria que seja objeto de emenda, alteração e substituição, quando prejudicial aos interesses da parte executada, não deve implicar nova atividade do lançamento; ou seja, a correção do erro deve resultar dos critérios normativos estabelecidos pelo procedimento do lançamento. Caso contrário, isto é, se a alteração e emenda decorram da aplicação de critério diverso do estabelecido pelo lançamento, elas demandam uma sua atividade de revisão por ofício, a cujo término segue-se a oportunidade de defesa administrativa ao particular.

Esta é um condicionamento procedimental intransponível à possibilidade de alteração da CDA: caso ela implique a aplicação de novos critérios e a consequente atividade de revisão do lançamento, é-se fundamental à validade do título executado a oportunidade da defesa administrativa. Mas obedecidos, que tenham sido, os requisitos formais e materiais para a substituição, não se encontra superado o dever de oficialidade ao qual está sujeito o julgador tributário, a integrar o esforço conjunto da correta aplicação da lei e da estrita observância da legalidade. A atividade de revisão e substituição da CDA não está sujeita à disponibilidade preclusiva por parte da administração fazendária: o tributo, como interesse público e indisponível, conta com a tutela oficial de diversos órgão, que atuam em conjunto no esforço de se assegurar a legalidade tributária.

2 Os “novos” Embargos do devedor

Conforme Lopes (2012, p. 13), “discute-se se os novos embargos – oferecidos pela Fazenda exequente por ocasião da substituição ou emenda do título executivo – poderiam versar sobre toda a matéria útil à defesa ou apenas acerca da parte da CDA modificada”.

Com esta dúvida levantada pelo eminente juiz carioca, acrescenta-se que a LEF, legislação especial e posterior, silencia a respeito daquilo que poderá ser efetivamente alegado pelo executado nos embargos, após a CDA ter sido emendada ou substituída. Por outro lado, o CTN, em seu art. 203, diz que a defesa, através dos embargos, “somente poderá versar sobre a parte modificada”.

Entretanto, adverte Theodoro Júnior (2009, p. 28): “O executado não precisa propor novos embargos à execução; simplesmente aditará seus embargos ainda pendentes de julgamento”. E nos valemos de outro eminente doutrinador para fazer uma segunda advertência, no caso Cunha (2012, p. 386), quando preleciona: “Cumpre observar que não há, em tal situação, extinção da execução; ela prossegue, com a substituição ou emenda da certidão de dívida ativa”.

Importa relevar, desde já, que ao devedor é garantida a defesa contra a execução promovida pela Fazenda Pública através, entre outras ações, dos embargos do devedor. Trata-se de uma ação autônoma de natureza jurídica constitutiva negativa, objetivando, nas palavras de Lopes (2012, p. 116), “a desconstituição total ou parcial do título executivo (termo de inscrição em dívida ativa), materializado na CDA”. Por se tratar de uma ação, não se confundindo com contestação, faz-se necessária a exigência das condições da ação: legitimidade ad causam, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido. O prazo do devedor, contados do depósito, da fiança bancária e da intimação da penhora, é de 30 (trinta) dias, conforme art. 16, caput, LEF.

Ademais – e aqui interessa diretamente à discussão deste trabalho –, a LEF, resguardadas as peculiaridades de situações outras, no art. 16, §2°, traz aquilo que poderá ser alegado pelo executado nos embargos, sendo abrangente sobremaneira, dizendo que o sujeito passivo “deverá alegar toda matéria útil à defesa”. Difícil precisar o significado desta expressão, ou mesmo determinar a baliza de seu conteúdo. Para o limite temporal, não resta dúvida, como também não resta quando se afirma que os embargos somente são admitidos se garantida a execução, de acordo com o §1° do mesmo artigo.

Outra dúvida que se sustenta, diante das características atribuídas aos dois tipos de crédito, tributário e não tributário, diz respeito ainda à limitação do que poderá ser defendido pelo devedor nos embargos, ou seja, se se admite restrição a ambos ou apenas aos créditos tributários. Já estampado neste trabalho, em item supra, o que a lei nº 4.320∕64 tem por conceito de dívida tributária e não tributária.

Neste ponto, de acordo com o citado art. 16, §2°, LEF, quando dispõe que deverá alegar toda matéria que traga benefício à defesa, requerendo provas, juntando documentos, enfim, entendemos, por se tratar a LEF de norma especial, que, para os casos de crédito não tributário, não haveria restrição, podendo os novos embargos versar sobre todo e qualquer assunto que diga respeito à sua defesa. Não é outro o entendimento de Lopes (2012, p. 13), quando diz

com relação à Dívida Ativa de natureza não tributária, a regra do §8° do art. 2° da LEF pode ser invocada, sem que permita interpretação que restrinja o exercício da defesa, pelo executado, em casos de emenda ou substituição do título executivo. Assim, em tal hipótese, faculta-se ao devedor, sempre que emendada ou substituída a CDA, nova oportunidade para o oferecimento de embargos, que poderão versar sobre toda a matéria útil à defesa (LEF, art. 16, §2°) [destacou-se].

Para este entendimento, acatamos as considerações do autor, que alerta haver divergência doutrinária, quando diz respeito à dívida ativa tributária, pois sujeita ao CTN, recaindo sobre esta a disposição do art. 203, que delimita os embargos apenas à parte modificada (LOPES, 2012, p. 13).

A partir da divergência indicada, o autor referido, colaciona em sua obra especializada três teses diferentes, as quais tentam fundamentar a maior ou menor abrangência da defesa do executado. Lopes (2012, p. 14) adere à tese de que a matéria constante no art. 203, CTN, “alusiva a providências processuais”, é de cunho formal, “não se encaixando entre normas gerais de legislação tributária”, portanto, não se inserindo na reserva de lei complementar. Isto porque o CTN foi recepcionado pela CF∕88 com status de lei complementar e, neste caso, não poderia ser modificado, mesmo que posteriormente, por lei ordinária, como é o caso da LEF. A outra tese sustenta esta argumentação para defender que, tratando-se de dívida tributária, o executado só poderá discutir o conteúdo alterado da certidão, ou seja, prevalece o disposto no CTN.

Já uma terceira tese defende que, “se o executado não embargou a execução ou se o fez apenas alegando nulidade do título, a substituição ou emenda deste lhe garantirá a oportunidade de alegar toda a matéria útil à defesa” (LOPES, 2012, p. 14). Para quem sustenta este argumento, a regra do CTN somente se aplicaria se o executado alegasse mais do que apenas a nulidade do crédito.

Lopes (2012, p. 14) é taxativo quando afirma:

[...] parece-nos razoável o entendimento de que, em sede de execução de dívida tributária em que o título seja substituído ou emendado, a LEF tornou sem efeito a restrição que impedia o embargante de desenvolver, nos novos embargos oferecidos, argumentação não relacionada à parte modificada da CDA [destacou-se].

Com o respeito e acatamento à divergência, associa-se ao juízo daqueles que perfilam a ideia de que não há hierarquia entre leis ordinária e complementar, mas, sim, o respeito à exigência feita pela CF∕88 de lei complementar para tratar de determinadas matérias. No caso em apreço, temos uma matéria processual que não requer lei complementar. A nosso ver, pensar que, apenas por ter status de lei complementar, a regra processual não poderia ser modificada por lei ordinária, como é o caso da LEF, não seria correto.

De fato, o CTN é uma lei ordinária, mas recepcionada pela CF∕88 com status de lei complementar, como já afirmado, e, por esta razão, há quem entenda não ser possível tal modificação. Neste sentido, Machado (2009, p. 81):

Na verdade o Código Tributário Nacional continua sendo uma lei ordinária. Ocorre que ele trata de matéria que, hoje, está reservada a lei complementar. Matéria que hoje somente por lei complementar pode ser tratada. Assim, é evidente que os seus dispositivos, que tratam de matéria hoje privativa de lei complementar, só por essa espécie normativa podem ser alterados.

Buscando embasar nosso entendimento, vejamos trecho de julgado do STJ:

INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL. PRESCRIÇÃO TRIBUTÁRIA. RESERVA. LC. Trata-se de incidente de inconstitucionalidade dos arts. 2º, § 3º, e 8º, § 2º, da Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais – LEF) suscitado em decorrência de decisão do STF. [...] Observou, também, ser jurisprudência pacífica deste Superior Tribunal que o art. 8º, § 2º, da LEF, por ser lei ordinária, não revogou o inciso I do parágrafo único do art. 174 do CTN, por ostentar esse dispositivo, já à época, natureza de LC. Assim, o citado art. 8º, § 2º, da LEF tem aplicação restrita às execuções de dívidas não tributárias. [...] Explicou que a mesma orientação é adotada em relação ao art. 2º, § 3º, da LEF, o qual, pela mesma linha de argumentação, ou seja, de que lei ordinária não era apta a dispor sobre matéria de prescrição tributária, é aplicável apenas a inscrições de dívida ativa não tributária. [...] Ante o exposto, a Corte Especial, ao prosseguir o julgamento, acolheu, por maioria, o incidente para reconhecer a inconstitucionalidade parcial dos arts. 2º, § 3º, e 8º, § 2º, da Lei n. 6.830/1980, sem redução de texto. [...] (AI no Ag 1.037.765-SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgada em 2/3/2011, Inf. 0465) [destacou-se].

Em segundo plano, mesmo que assim não se seguisse, parece razoável acatar a tese outra que estabelece poder o executado alegar em embargos mais do que o conteúdo da correção, quando o mesmo fundamentou os primeiros embargos apenas e tão somente na nulidade da CDA. Do contrário, a nosso ver, seria restringir aleatoriamente sua defesa. Ou seja, entendemos que isto significaria uma restrição ao seu direito de defesa.

Portanto, o melhor seria confrontar todas as teses com a finalidade de garantir o máximo de efetiva defesa ao acusado, máxima garantia do acesso do executado ao Poder Judiciário e, consoante, a prevalência dos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, tão caros a qualquer sujeito processual. Ademais, a ampla defesa e o contraditório interagem na promoção recíproca de eficácia com os mais relevantes princípios que regulamentam o direito tributário.

Não se pode olvidar a relação entre indisponibilidade, legalidade, oficialidade, maleabilidade preclusiva e de forma. A natureza de um interesse ou instituto como público demanda a constituição de específico regime jurídico que preze e assegure a sua indisponibilidade. Referido procedimento, por sua vez, é o informado pela legalidade, oficialidade e maior tolerância quanto à preclusão e às formalidades procedimentais.

A análise comparativa dos diversos procedimentos, aplicados às diferentes matérias, confirma o proposto. É exemplo a diferente normatização processual ao qual sujeita a matéria penal, de um lado, e assuntos privados disponíveis, de outro. A relevância pública, da qual decorre a indisponibilidade, demanda a concentração de esforço para a correta aplicação da lei, para além da resolução dos conflitos e da pacificação social. Veja-se que a estabilidade social, que resulte da prisão de um homicida, pouco significa em caso de errônea atribuição da autoria.

Não por menos, repita-se, o procedimento, que tenha por objeto interesses públicos, chama pela tutela oficial, pelo ativismo judicial, por larga oportunidade temporal para manifestação de direito e realização de provas, assim como pela simplicidade de formas. Tal procedimento, que implica o exercício substancial da ampla defesa e do contraditório, mostra-se, por conseguinte, o adequado à tributação, uma vez que o tributo apresenta natureza de interesse público.

E várias são as razões pelas quais o tributo apresenta a natureza de interesse público: a) de primeiro, pode-se falar que o tributo, em razão de o Brasil ser estado fiscal (art. 170, caput, cumulado com art. 173, caput, CF/88), é a principal fonte de custeio do Estado; b) consequentemente, a atividade tributária é fundamental ao funcionamento do Estado (art. 37, XXII, CF/88); c) não obstante, a atividade tributária deve ser realizada de forma a não prejudicar a justa concorrência (art. 170, IV, CF/88) e a não intervir, arbitrariamente, nas escolhas de produção e consumo (neutralidade tributária); d) decorrência da neutralidade tributária é o necessário tratamento isonômico pela lei tributária a ser dispensado aos contribuintes, que em se tratando de tributo de fato gerador não vinculado realiza-se pela utilização da capacidade contributiva e da essencialidade como critérios da igualdade material; e) também se apresenta como corolário da neutralidade tributária a isonomia na aplicação da lei.

Ou, por outras palavras, o tributo, tanto na sua criação e regulação, sofre influxo dos mais relevantes princípios da ordem constitucional tributária e econômica: República, livre iniciativa, justa concorrência. O resultado não é outro: o seu procedimento de instituição, regulação, aplicação e cobrança deve ser cercado de todas as cautelas para que a atividade tributária seja realizada no ponto – senão ótimo, ao menos adequado – de harmonia entre os interesses que informam o Estado Democrático de Direito. Este equilíbrio é vital à iniciativa privada, à concorrência, ao sentimento de igualdade, à República e às liberdades individuais. A ilação que se segue não pode ser mais óbvia: o tributo apresenta natureza pública, tanto na sua criação como realização, de maneira que uma como a outra encontram-se marcadas pela indisponibilidade.

Neste panorama, o fortalecimento da ampla defesa e do contraditório, a se dar sob o maior cuidado e a maior participação do julgador, integra o esforço de aplicação indisponível da lei. Por óbvio que a necessidade de uma superior participação dos integrantes da lide e do julgador, de maneira a se obter mais e melhores dados à correta aplicação da lei, convive com as exigências de praticidade. Mas a praticidade tributária encontra por momento preferencial de sua aplicação o procedimento de fiscalização e aplicação primária da lei, denominado de lançamento, que constituiu o título executivo extrajudicial, ocasião na qual se possibilita à Fazenda o uso de indícios, presunções, ficções e tipificações do normal. Mas ao tratar-se de procedimento judicial de conhecimento, ele deve colher as influências do processo penal, informado pela indisponibilidade. Eis a razão pela qual se compreende, junto às razões acima, por cabível que novos embargos devolvam ampla capacidade de manifestação sobre o crédito: a maleabilidade preclusiva, que resulta da indisponibilidade, assim recomenda.

CONCLUSÃO

A jurisprudência acerca do assunto proposto neste trabalho, ou seja, dos limites materiais da defesa do devedor em embargos à execução, quando emendada ou substituída a CDA, não são claros. Muitas decisões se conformam apenas em citar as disposições legislativas quanto à devolução do prazo ao executado para oferecer defesa daquilo que foi corrigido.

A doutrina, por sua vez, como visto, diverge, aceitando ora que as dívidas tributárias sejam submetidas ao art. 203, CTN, enquanto que as não tributárias submetam-se ao art. 2°, §8°, da LEF, ora ensinando não haver qualquer restrição em virtude da especialidade da norma contida na LEF e, por fim, ora entendendo que, quando alegada nulidade do título executivo, o executado não teria limitação da matéria a ser alegada. Vê-se, portanto, uma questão que incorpora dúvidas pertinentes e posicionamentos diversos.

É fato inconteste, entretanto, que, dentro dos mandamentos do devido processo legal e da ampla defesa, que devem ser contextualizados no ambiente processual da indisponibilidade, além dos princípios da eficiência da execução, – e para isto entendemos deva haver um grau elevado de atendimento e respeito à defesa –, deve ser garantido ao executado todos os meios necessários e suficientes para a desconstituição do crédito ou mesmo para exigir sua correção. A economia processual e a perspectiva ligeira e tendenciosa da prevalência do bem público não podem ser justificativas aceitáveis para inibir a defesa.

Indispensável, neste aspecto, que a flexibilização quanto àquilo que seja considerado erro prejudicial na CDA, proposta pelos Tribunais Superiores, não chancele uma situação de desigualdade entre as partes. Dentro dos aspectos formais e materiais impostos pela legislação especial, é cristalino deduzir que ao executado restou uma defesa de certo modo difícil de ser engendrada. É imperativo, portanto, acatar possibilidades de corrigir estas diferenças processuais. Até porque, conforme o anteriormente exposto, a maior densidade atribuída à ampla defesa e ao contraditório integra o modelo processual informado pela indisponibilidade, no qual se acentual as possibilidades de melhor aplicação da lei e da correta interpretação dos fatos. Com isto, realiza-se a legalidade, assim como o interesse primário que deve ser o elemento a nortear a atividade fazendária.

Referências

CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 10 ed. São Paulo: Dialética, 2012.

LOPES, Mauro Luís Rocha. Processo judicial tributário: execução fiscal e ações tributárias. 8 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

MELO, Fábio Soares de. Processo administrativo tributário: princípios, vícios e efeitos jurídicos. 1 ed. São Paulo: Dialética, 2012.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

PACHECO, José da Silva. Comentários à lei de execução fiscal. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de execução fiscal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

Notas

1 LEF, Art. 1° – A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
2 LEF, Art. 3º – A dívida ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez. Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite.
3 “[...] Não se exige cumprimento de formalidade, sem demonstrar o prejuízo que ocorreu pela preterição da forma. Princípio da instrumentalidade dos atos”. (STJ, 2ª T., REsp 518.590∕RS, Rel. Min. Eliana Calmon, ac. de 11-11-2003, DJU, 1° dez. 2003, p.322).
4 CTN, Art. 201 – Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular.
5 “Onde a lei não restringe não cumpre ao intérprete restringi-la, e esta fala em qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei, o que me leva a defender que é a titularidade do crédito que autoriza a cobrança via execução fiscal”. (STJ, 2ª T., REsp 1.126.491, Rel. Min. Eliana Calmon, 2009).
6 CTN, Art. 185 – Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.
7 LEF, Art. 2º, §8º - “Até a decisão de primeira instância, a Certidão de Dívida Ativa poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução do prazo para embargos”.
8 CTN, Art. 203 – A omissão de quaisquer dos requisitos previstos no artigo anterior ou o erro a eles relativo são causas de nulidade da inscrição e do processo de cobrança dela decorrente, mas a nulidade poderá ser sanada até a decisão de primeira instância, mediante substituição da certidão da certidão nula, devolvido ao sujeito passivo, acusado ou interessado, o prazo para defesa, que somente poderá versar sobre a parte modificada.
9 “Não é requisito essencial do termo da inscrição da dívida ativa a indicação do período de apuração das infrações, por inexistência de previsão legal”. (STJ, REsp n° 361.977∕SC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 30∕09∕2002, p. 236).
10 “[...] Não se exige cumprimento de formalidade, sem demonstrar o prejuízo que ocorreu pela preterição da forma. Princípio da instrumentalidade dos atos”. (STJ, 2ª T., REsp 518.590∕RS, Rel. Min. Eliana Calmon, ac. de 11-11-2003, DJU, 1° dez. 2003, p.322).

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