A classificação do grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas como mecanismo de compatibilização
The classification of the caves relevance degree as a compatibility mechanism
A classificação do grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas como mecanismo de compatibilização
Prisma Jurídico, vol. 16, núm. 1, pp. 123-149, 2017
Universidade Nove de Julho
Recepção: 20 Abril 2017
Aprovação: 03 Julho 2017
Resumo: As cavernas se estabelecem como feições geológicas subterrâneas dotadas de complexa e variada rede de atributos ambientais. No entanto, ao lado da vertente ambiental, questões econômicas também se manifestam em relação ao meio subterrâneo. Diante deste aspecto, a disciplina jurídica ambiental aplicável às cavernas sofreu alteração nos últimos anos após o advento do Decreto Federal nº 6.640/2008. Por meio do mencionado diploma, estatuiu-se no Brasil uma nova forma de tratamento das cavernas com a definição de sua proteção efetivando-se por meio de sua “classificação do grau de relevância”. Neste contexto, o presente estudo tem como objetivo apresentar a nova sistemática aplicável às cavernas encarando a classificação do grau de relevância como mecanismo de compatibilização. Desta forma, são analisados os critérios de execução deste instrumento, bem como identificado o seu enquadramento frente a dupla dimensão do bem ambiental (macro e microbem) e em relação à garantia constitucional do equilíbrio ecológico.
Palavras-chave: Patrimônio Espeleológico, Cavernas, Licenciamento Ambiental, Direito Ambiental.
Abstract: The caves are established as subterranean geological features endowed with a complex and varied network of environmental attributes. However, alongside the environmental side, economic issues also manifest themselves in relation to the underground environment. Given this aspect, the environmental legal discipline applicable to caves has changed in recent years after the advent of Federal Decree No. 6,640/2008. By means of the mentioned diploma, a new form of treatment of the caves was established in Brazil with the definition of its protection being effected by means of its "classification of the degree of relevance". In this context, the present study has as objective to present the new system applicable to caves considering classification of degree of relevance as a mechanism of compatibilization. In this way, the criteria for the implementation of this instrument are analyzed, as well as the environmental dimension and the constitutional guarantee of the ecological balance.
Keywords: Speleological Heritage, Cavities, Environmental Licensing, Environmental Law.
Introdução
As cavidades naturais subterrâneas ou cavernas (conforme terminologia popularmente conhecida) se estabelecem como feições geológicas subterrâneas dotadas de complexa e variada rede de atributos ambientais. No entanto, ao lado da vertente ambiental, questões econômicas também se manifestam em relação ao meio subterrâneo, seja pelo interesse em explorar diretamente determinado recurso natural ou em razão da intenção de produção de impactos ambientais neste espaço por certos empreendimentos.
No que se refere à sua disciplina jurídica ambiental, as cavidades naturais subterrâneas foram alvo, ao longo dos últimos anos, de significativas alterações na dinâmica de sua proteção.
O Decreto Federal nº 99.556/1990, em sua versão original, prescrevia que as cavidades naturais subterrâneas existentes no território nacional se constituíam como patrimônio cultural brasileiro, devendo ser preservadas e conservadas de modo a permitir estudos e pesquisas de ordem técnico-científica, bem como atividades de cunho espeleológico, étnico-cultural, turístico, recreativo e educativo.
No entanto, esta realidade de intocabilidade do patrimônio espeleológico passou a revelar um conflito entre a preservação do ambiente cavernícola e a necessidade do atendimento de demandas sociais, como o caso de construção de hidrelétricas, rodovias e busca por minérios (ICMBIO, 2011).
Em razão desta conjuntura, o advento do Decreto Federal nº 6.640 em 7 de novembro de 2008, trouxe significativas alterações quanto ao regime de proteção às cavernas, visando consolidar um panorama que propiciasse a conciliação entre o desenvolvimento econômico e a necessidade de proteção deste patrimônio ambiental.
Por meio do referido Decreto, ofertou-se nova redação aos arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º do Decreto nº 99.556/90, além de acrescentar os arts. 5-A e 5-B.
Diante das alterações impostas, instalou-se no Brasil uma nova forma de tratamento ambiental das cavidades, passando a se definir a especificidade de seu regime jurídico em razão da “classificação do grau de relevância” da caverna, executada no âmbito do licenciamento ambiental, sendo sua conclusão determinante para a orientação quanto à forma de tratamento da legislação em relação à possibilidade e extensão dos impactos ambientais provocados no ambiente cavernícola.
Neste contexto, o presente estudo tem como objetivo apresentar a nova sistemática aplicável às cavernas encarando a classificação do grau de relevância como mecanismo de compatibilização. Desta forma, são analisados os critérios e metodologia de execução deste instrumento, bem como identificado o seu enquadramento frente à dupla dimensão do bem ambiental (macro e microbem) e em relação à garantia de equilíbrio ecológico prescrita na Constituição Federal.
1 Classificação do grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas: critérios aplicáveis
Os critérios que orientam a classificação do grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas encontram-se dispostos no Decreto nº 99.556/90 (com nova redação oferecida pelo Decreto nº 6.640/2008) e na Instrução Normativa nº 02/2009 do Ministério do Meio Ambiente, que detalha a metodologia aplicável por este instrumento.
De acordo com a sistemática trazida pela legislação, foram definidas 4 classes de grau de relevância para as cavernas (máximo, alto, médio, baixo), determinadas por meio da análise de variados atributos, como ecológico, biológico, geológico, hidrológico, paleontológico, cênico, histórico-cultural, e socioeconômico.
As cavidades naturais subterrâneas enquadradas com grau de relevância máximo, assim como sua área de influência, são passíveis apenas de utilização dentro de condições que assegurem a integridade física e equilíbrio ecológico, não havendo possibilidade de impacto ambiental irreversível.
Quanto às cavernas enquadradas com grau de relevância alto, médio ou baixo, a legislação passa a prever a possibilidade de incidência de impactos ambientais irreversíveis, inclusive a sua supressão, por meio do licenciamento ambiental e conforme critérios específicos e gradativos, expressos para cada uma destas classes.
Conforme ressalta Berbert-Born (2010, p.68), a sistemática da classificação do grau de relevância se fundamenta no reconhecimento do nível de importância de determinado elemento do meio ambiente, denominado atributo, frente a um contexto espacial especificamente delimitado - local e regional.
Ao todo, a definição do grau de relevância de uma cavidade natural subterrânea será estabelecida por meio da apreciação de 45 atributos de ordem biológica, física e sociocultural onde se busca identificar situações que revelem “notoriedade, singularidade, expressividade, representatividade e significância, que traduzam valores ecológicos, científicos e culturais a serem preservados ou compensados” (BERBERT-BORN, 2010, p.67).
A metodologia consagrada pelo Decreto e pela Instrução Normativa se constitui pela análise individualizada de cada um dos possíveis atributos relativos às cavernas. Nesta toada, cada atributo objetivamente considerado é enquadrado em variáveis estatuídas pela legislação visando detectar o seu nível de importância em cada cenário territorial.
De um modo geral, as variáveis definidas se direcionam a caracterizar a presença ou não do atributo (critério da presença ou ausência) ou a qualificá-lo diante de certos parâmetros baseados em considerações do tipo “baixo/médio/alto”, “significativo/não significativo”, “muitos/poucos”, “constante/periódico/esporádico” (BERBERT-BORN, 2010, p.68).
O nível de importância é considerado sob dois recortes territoriais prescritos pela norma ambiental, que se baseia na representatividade do atributo relativo ao contexto do local onde está a cavidade (enfoque local) e em um cenário mais amplo envolvendo a região da cavidade como um todo (enfoque regional) (BERBERT-BORN, 2010, p.70).
Enquanto o enfoque local é delimitado tendo por base a unidade geomorfológica, compreendida como aquela que apresente continuidade espacial e que contemple pelo menos a área de influência da cavidade (§º 2, art. 14, da Instrução Normativa nº 02/2009 do Ministério do Meio Ambiente), o enfoque regional se direciona à análise da unidade espeleológica, considerada como a área dotada de homogeneidade fisiográfica que pode combinar diversas formas do relevo cárstico e pseudocárstico sendo delimitada por um conjunto de fatores ambientais específicos para a sua formação (§º 3, art. 14, Instrução Normativa nº 02/2009 do Ministério do Meio Ambiente).
A sistemática estabelecida pela legislação preconiza que a classificação do grau de relevância correrá sob as expensas do empreendedor ou interessado e será efetivada perante o órgão ambiental competente no âmbito do procedimento do licenciamento ambiental.
Além de indicar que os estudos espeleológicos devem ser realizados por equipes multidisciplinares, a Instrução Normativa nº 02/2009 do Ministério do Meio Ambiente (art. 15) fixa também um conjunto mínimo de ações que deverão nortear a classificação, envolvendo pelo menos: a) levantamento bibliográfico e cartográfico, b) coleta e análise de dados de campo multitemporais, c) análise de laboratório, d) processamento e integração de dados e informações, e e) consulta a especialistas, comunidades locais, comunidade espeleológica e instituições de ensino e pesquisa.
Como regra geral, a legislação fixa a compreensão do ecossistema cavernícola como condicionante para aprovação do estudo espeleológico de maneira que se remete ao empreendedor ou interessado a tarefa de viabilizar o desenvolvimento de trabalhos que se mostrem suficientes para embasar a classificação em graus de relevância das cavidades naturais .
2 A classificação do grau de relevância das cavernas como mecanismo de compatibilização
Conforme prescrevem Sampaio e outros, o entrelaçamento e a garantia conjunta do meio ambiente e de outros preceitos agasalhados pela Constituição acaba por exigir “uma intervenção legislativa conciliadora” (SAMPAIO; WOLD; NARDY, 2002, p.105) sendo este o contexto onde se situam as disposições trazidas pelo advento do Decreto Federal nº 6.640/2008 que alterou e acrescentou elementos ao Decreto nº 99.556/90.
Considera-se que este novo cenário reconhece o meio ambiente como elemento integrado à base social onde o homem interage com seu entorno, sendo inerente à natureza humana a busca por recursos naturais aptos a satisfazer suas necessidades. Nestes termos, ao estatuir a possibilidade de impacto (inclusive a supressão) sobre as cavernas, o Poder Público materializa a concepção de que o acesso a estes espaços subterrâneos (como fonte de recursos ou como espaço para implementação de empreendimentos) se erige como condição para o desenvolvimento de uma série de atividades econômicas.
Com a instituição do mecanismo de classificação do grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas, previsto na nova redação do art. 2º do Decreto nº 99.556/90, a atividade produtiva modela-se à tutela do meio ambiente visando regular as hipóteses e condições de aceitabilidade quanto ao impacto produzido junto meio subterrâneo.
Conforme preconiza Canotilho, a tutela constitucional do meio ambiente não se estabelece sob o fundamento da máxima proteção de um bem como pressuposto de salvaguarda de seu núcleo essencial se este tipo de postura reverter na proibição de qualquer tipo de intervenção humana em seu entorno (CANOTILHO, 2010).
Nota-se que a essência do sistema da classificação do grau de relevância não institui a permissividade genérica quanto ao impacto sobre as cavernas, mas sim dispõe de um mecanismo que qualifica as cavidades subterrâneas em variados graus (máximo, alto, médio, baixo), visando obter um respaldo técnico para se avaliar a possibilidade de se realizar determinada atividade econômica.
A resolução dos conflitos entre a liberdade econômica e proteção ambiental não tem sua solução baseada em uma relação incondicional e abstrata de preferência entre os preceitos envolvidos, pautando-se, pelo contrário, em uma ponderação aberta às circunstâncias de cada caso concreto, buscando equilíbrio e proporcionalidade para seu equacionamento (VITÓRIA, 2004, p.147).
As normas ambientais condicionam a manifestação da liberdade econômica havendo situações de imposição de severas restrições ou vedação plena, como no caso das unidades de conservação. Mas isso não significa que se possa restringi-la de forma ilimitada e incondicional sem que se fixe argumentos justificadores para tal medida.
Conforme salienta Mukai (1992, p.33), a ponderação deve se orientar por um cenário onde não se aniquila as atividades econômicas e não se impõe prejuízos severos à defesa do meio ambiente, pautando-se por um nível de adequação e de justa medida quanto aos interesses envolvidos.
Se o meio ambiente se afirma como um limite para as questões de caráter econômico, o inverso também ocorre, de forma que, quando se queira proteger a qualidade ambiental, também se deverá levar em conta os preceitos de garantia da ordem econômica (VÁQUES, 2000, p.115), pois somente nesta perspectiva se estará promovendo integralmente o desenvolvimento multidimensional (social, ambiental, econômico, ético e jurídico-político) e sistêmico preconizado pelo princípio da sustentabilidade (FREITAS, 2012, p.76).
Desta maneira, a resposta normativa relacionada à composição entre ordem econômica e meio ambiente, relacionadas ao caso das cavidades naturais subterrâneas, consistiu na consagração de um mecanismo sui generis baseado em um estudo ambiental que analisa as características ambientais de cada uma das cavernas disciplinando em que medida as mesmas passam a poder sofrer impactos advindos das atividades produtivas.
Ao instituir a classificação do grau de relevância das cavidades, o ordenamento jurídico brasileiro segue a compreensão de busca pela integração e realização conjunta das variáveis econômica e ecológica, viabilizando o exercício da livre iniciativa desde que respeitados os atributos ambientais relevantes do acervo espeleológico nacional.
2.1 A classificação do grau de relevância como condição para a produção de impactos
No contexto do desenvolvimento sustentável, afirma-se o entendimento de que a implementação de atividades impactantes não se mostra possível, a não ser que acompanhadas de medidas compensatórias e ou mitigadoras das transformações impostas ao meio ambiente (RODRIGUES, 2002, p.137).
Assim, operacionalidade do sistema trazido pela classificação do grau de relevância das cavernas pode ser dividida em dois efeitos distintos, mas vinculados. Num primeiro momento a veiculação da classificação reconhecerá a possibilidade, ou não, de impacto sobre as cavidades subterrâneas. Em seguida, de acordo com o grau de classificação, são prescritos os critérios necessários para a melhor adequação da compensação ambiental.
Nos termos do art. 4º do Decreto nº 99.556/90, para os casos onde se admite a produção de impacto, verifica-se que a norma ambiental segue a trilha de que quanto maior for o apelo espeleológico da cavidade analisada, maior será a vinculação da compensação ambiental frente a este atributo do meio ambiente.
O art. 5-A Decreto nº 99.556/90 (acrescentado pelo Decreto Federal nº 6.640/2008) é expresso no sentido de exigir prévio licenciamento ambiental para a localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades, considerados efetiva ou potencialmente poluidores ou degradadores de cavidades naturais subterrâneas, bem como de sua área de influência.
Neste sentido, no âmbito das ações de desenvolvimento do procedimento de licenciamento ambiental o órgão ambiental competente estará vinculado à realização da classificação do grau de relevância das cavernas visando obter o respaldo normativo acerca do tratamento a ser oferecido às cavidades subterrâneas.
Somente ultrapassada a etapa de classificação do grau de relevância de uma caverna, ou seja, somente após análise técnica de suas características ambientais relacionadas aos atributos ecológicos, biológicos, geológicos, hidrológicos, paleontológicos, cênicos, histórico-culturais e socioeconômicos, avaliados sob enfoque regional e local, é que se abre, ou não, a possibilidade de produção de impactos.
Neste aspecto, destaca-se que a sistemática trazida pelo advento do Decreto Federal nº 6.640/2008, diante da especificidade do ecossistema cavernícola, considera todas as cavidades como detentoras de relevância, cabendo ao mecanismo de classificação identificar o respectivo grau de significância desta repercussão ambiental. Assim, todo e qualquer espaço subterrâneo passível de enquadramento na definição legal de caverna acaba por exigir não só a aplicação do licenciamento ambiental, mas também a análise individualizada de suas conotações ambientais.
Esta especificidade da tutela ambiental das cavidades subterrâneas se identifica com o objetivo que reveste a norma constitucional que anseia com que ordem econômica e meio ambiente se entrelacem e caminhem de forma paralela.
Com base nesta concepção, a manutenção da liberdade econômica se mostra passível ao atendimento às características e condições da tutela ambiental, fazendo com que a defesa ecológica seja realizada em conjunto com o processo produtivo.
2.2 A classificação do grau de relevância e a dupla dimensão do bem ambiental
A dinâmica do bem ambiental no ordenamento jurídico brasileiro se estabelece tendo por base uma dupla dimensionalidade. Assim, o meio ambiente, em uma perspectiva integrada e sistêmica, é tutelado sob a forma de entidade, macrobem, congregando um conjunto de bens que em sua interação solidificam a qualidade ambiental como um todo abstrato. Sob um enfoque fracionado, temos também os microbens que são os distintos recursos ambientais caracterizados como os elementos individualizados do meio ambiente.
Durante um longo período, a visualização jurídica direcionada ao meio ambiente se baseava única e exclusivamente nos microbens ambientais. Neste contexto, o meio ambiente como macrobem não existia perante a lei.
Pautado por um cunho utilitarista, o ordenamento brasileiro fundava suas atenções apenas para a regulação dos usos dos recursos naturais visando disciplinar o seu aproveitamento econômico, concretizando uma abordagem normativa por setores e fragmentando a atuação estatal quanto a cada recurso natural específico. Inseridos nesta conjuntura, a partir da década de 30, temos o surgimento do Código Florestal (decreto n° 23.793/1934), do Código de Águas (Decreto n°24.643/1934), do Código de Pesca (Decreto-Lei n° 794/1938) e do Código de Minas (Decreto-Lei n° 1.985/1940).
Diante deste quadro, percebe-se que a inovação normativa trazida pelo advento do direito ambiental se centra no tratamento do meio ambiente como macrobem, ou seja, como um bem autônomo e unitário. Supera-se, assim, a visão unidimensional e puramente instrumental da natureza sob a qual se fundava o aparato normativo (SENDIM, 1998, p.89).
A alteração deste cenário iniciou-se no Brasil com a edição de Lei nº 6.938 em 1981, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) no Brasil. Influenciada pelas discussões internacionais sobre a relação da questão ecológica frente ao desenvolvimento e inspirada por algumas iniciativas adotadas em outros países, a PNMA inaugurou a abordagem sistêmica da tutela ambiental em nosso país ao reconhecer o meio ambiente como bem independente e não como mera justaposição de seus elementos constituintes.
A conceituação ofertada ao meio ambiente (art. 3º, inciso I) e a indicação do que se entende por recursos ambientais (art. 3º, inciso V) na PNMA, são os principais indicativos deste rompimento dos rumos, até então, aplicáveis à problemática ambiental.
A PNMA materializou um tratamento do meio ambiente como um bem dotado de valor intrínseco cuja proteção ultrapassa interesses estritamente econômicos. Em suas disposições a PNMA alicerçou a atuação do estado e da sociedade por meio de parâmetros e instrumentos anteriormente inexistentes e estruturou o Sistema Nacional do Meio Ambiente repartindo competências em várias esferas a fim de veicular a implementação da gestão ambiental nacional (MELE, 2006, p.2).
A consolidação deste processo de ecologização do ordenamento se deu por meio do capítulo dedicado ao meio ambiente na Constituição Federal de 1988. Isso porque a referência ao meio ambiente no texto constitucional foi concretizada sem qualquer particularização dos seus elementos constitutivos, demonstrando uma concepção integrada que não só sinaliza para que a humanidade se perceba como parte do planeta em que vive, mas também se mostra indissociável do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado apregoado no art. 225 (FERREIRA; LEITE, 2012, p.32).
Ao abordar o processo de constitucionalização da proteção ambiental no mundo, Herman Benjamin (2011), tendo por base o direito comparado, aponta que a compreensão orgânica ou holística do meio ambiente se constitui como um fundamento comum das normas constitucionais ambientais.
Esta visualização holística abarca a compreensão de que todas as entidades físicas e biológicas engendram um “único sistema interagente unificado” e que todo sistema, em sua completude, se mostra superior do que a mera soma de suas partes componentes (ACIESP, 1997, p.139).
Distanciando-se do paradigma anterior, o constituinte de 1988 retratou o meio ambiente como um bem autônomo incorporado sob a forma de sistema e não como um conjunto fragmentário de elementos. Deste modo, a salvaguarda dos elementos da biosfera se dá mediante um regime próprio de tutela amparado pelo tratamento jurídico de suas partes constituintes a partir do todo e não mais escorada na realidade material individualizada de cada um destes elementos (BEJAMIN, 2011, 77).
Nesta roupagem sistêmica, Milaré (2007, p.300) assevera que o meio ambiente passa a ter identidade própria no plano jurídico, abandonando a faceta de bem jurídico per accidens (tutelado com base na proteção a outros interesses vinculados à questão ambiental) e elevando-se a categoria de bem jurídico per se (cuja proteção se fundamenta no valor autônomo e intrínseco da qualidade ambiental).
A perspectiva do macrobem ambiental trouxe uma nova dimensão jurídica incidente sobre os recursos ambientais (microbens), que passaram receber além de sua disciplina setorial relativa aos critérios de apropriação e uso, um regime voltado à garantia do equilíbrio ecológico do meio ambiente.
Esta construção jurídica, baseada nos enfoques do macro e dos microbens ambientais, representa a chave do ordenamento para se disciplinar o equilíbrio entre os interesses relativos ao uso e proteção do meio ambiente. Ao mesmo tempo em que se mantém a possibilidade de aproveitamento privado dos recursos ambientais, são estabelecidos limites para esta atuação visando não prejudicar a estabilidade do nosso entorno.
De acordo com Derani (1997, p.74), o direito ambiental se erige no sentido de orientar as condutas humanas com a idéia de se proporcionar um relacionamento conseqüente com o meio ambiente, sendo que:
Normatizando-se o modo de apropriação dos recursos naturais, são traçadas as linhas mestras com as quais trabalhará a aplicação do direito. Por meio delas, será certado o grau de transformação das atividades produtivas. Não se trata de estabelecer a priori uma ideia de modificação substancial da relação com a natureza, mas de fixar-se normas aptas a instrumentalizar uma ação comunicativa onde se desenvolverá a tensão entre apropriação e conservação dos recursos naturais.
Esta dualidade normativa do bem ambiental acaba representando a acolhida do caráter integrador do desenvolvimento sustentável visando harmonizar o desenvolvimento econômico frente à necessária proteção ecológica.
Em suma, é esta dupla filiação ou realidade bifronte dos microbens ambientais (SOUZA FILHO, 2002, p.41) que representa o elo conciliador entre o uso individual e a repercussão sistêmica de cada componente do meio ambiente individualmente considerado. É por meio desta bidimensionalidade que se dará o equilíbrio entre as faces (camadas) material e imaterial do meio ambiente formando o que Souza Filho (2002, p.41) destaca como corpo e alma.
Conforme indica D’isep (2009, p.161), os microbens ambientais são geridos de maneira vertical recebendo tratamento jurídico setorial visando contemplar as peculiaridades individualizadas de cada bem. Já o macrobem, que representa o conjunto integrado dos elementos do meio ambiente, é administrado de forma horizontal baseado numa perspectiva holística e que lhe oferece unidade. Nesta dinâmica, as políticas públicas ambientais refletirão esta realidade normativa (vertical e horizontal) com o intuito de assegurar uma disciplina sistêmica ao meio ambiente.
Diante deste quadro, o instrumento da classificação do grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas pode ser retratado como mecanismo que proporciona a conciliação da dupla dimensão incidente sobre o microbem ambiental cavernícola. Em outras palavras, a classificação de relevância é a engrenagem utilizada para se estatuir o uso racional das cavernas exigido pelo princípio da sustentabilidade.
Por meio da classificação do grau de relevância cada cavidade natural subterrânea passará por uma leitura técnica visando detectar em que medida ocorre a sua contribuição para o equilíbrio ecológico que grava o macrobem ambiental. Quanto menor for esta participação, maiores serão as possibilidades de geração de impacto sobre este bem. Ou seja, é a classificação do grau de relevância que ditará em que medida a vertente sistêmica do meio ambiente afetará o uso privativo das cavernas.
Considerando que a tutela do meio ambiente se erige tendo por base o resguardo do macrobem, serão protegidos e conservados pelo ordenamento aqueles microbens cuja atuação/existência apresente determinada contribuição ao equilíbrio ecológico. Assim, a cavidade natural subterrânea que não apresentar relevância em qualquer das suas potenciais vertentes de funcionalidade, poderá sofrer impacto ambiental irreversível com a respectiva compensação adequada aos seus traços de representatividade.
2.3. A classificação do grau de relevância frente ao equilíbrio ecológico
A previsão constitucional relativa à tutela ambiental formalizada pelo art. 225 tem como escopo a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerado como indispensável à sadia qualidade de vida.
A expressão “ecologicamente equilibrado” surge, assim, como um adjetivo que qualifica o objeto jurídico ambiental, erigindo-se como preceito balizador de condutas, tanto do Poder Público quanto da sociedade em geral.
De uma maneira geral, a utilização desta terminologia qualificadora se insere dentro da dinâmica trazida pela afirmação da tutela ambiental sistêmica, que se baseia, axiologicamente, na prescrição de um padrão ético de comportamento e, teleologicamente, na prescrição de uma obrigação de resultado quanto ao status do meio ambiente (MIALHE, 2008, p.78).
Michel Prieur (2011, p.254) assevera que o direito ambiental, desde as suas origens, não se destina tão somente a “regular” as relações frente ao meio ambiente, mas também oferecer contribuição para a reação contra a degradação ambiental e uso irracional dos recursos naturais. Nestes termos, o direito ambiental se estabelece como um direito engajado que se define por um critério finalista baseado numa obrigação de resultado condizente ao resguardo da qualidade ambiental.
Nesta mesma direção, Herman Benjamin (2001, p.57) afirma que o direito ambiental não se caracteriza como um ramo neutro mas como uma disciplina finalista voltada a viabilizar um objetivo primário (macro-objetivo) de sustentabilidade ou de estabelecimento de um Estado Socioambiental de Direito que pode ser decomposto em micro-objetivos1 que, de modo complementar e integrado, conferem a essência deste ramo jurídico.
Ao instituir o mencionado elemento qualificador do objeto ambientalmente protegido, o dispositivo constitucional não se direciona à conotação de apregoar a submissão do homem aos fenômenos da natureza. Deste modo, não se considera que a locução constitucional relativa ao equilíbrio ecológica retrate uma condição ambiental alcançada por circunstâncias estritamente naturais.
Conforme descreve Derani (1998, p.98), não “há lei natural que reflita o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O fato de o objetivo de sua aplicação ser o bem-estar e a manutenção da vida na Terra não significa filiação a qualquer lei natural”.
A alusão ao equilíbrio ecológico mencionada pela Constituição Federal retrata a busca por um estado de harmonia, onde as relações humanas se desenvolvem em condições satisfatórias com o meio ambiente de modo a proporcionar a manutenção da qualidade ambiental na reprodução das relações sociais que, desta forma, se tornarão sustentáveis. Ou seja, trata-se de viabilizar o alcance de condições aceitáveis de vida dentro de um panorama duradouro e respeitoso para com o ecossistema.
A concepção de meio ambiente ecologicamente equilibrado trazida pelo texto constitucional baseia-se na concepção de que o ser humano é parte integrante de um todo maior, o meio ambiente, e como tal, não ocupa a posição de sujeito absoluto nesta relação, considerando que na medida em que transforma o seu entorno o homem também absorve os reflexos desta intervenção.
De acordo com Silva (2003, p.87) a utilização da abordada qualificação do objeto ambiental se situa num panorama onde o que se quer evitar é a eventual abordagem do equilíbrio do meio ambiente sem o respeito à sua qualificação ecológica, isto é, sem a consideração às “relações essenciais dos seres vivos entre si e deles com o meio”.
Envolvendo o conjunto das relações estabelecidas entre os seres vivos e seu entorno, o equilíbrio ecológico, abrange também as variadas formas da relação humana com o meio ambiente, dentre elas, a realização das atividades econômicas.
Nas palavras de Rios e Derani (2005, p.87):
Cuidar do meio ambiente significa também cuidar da gente. Isto é, de todos os seres vivos que habitam o planeta, até mesmo o homem. A teia da vida não têm começo definido nem um fim anunciado. Assim como a vida de qualquer espécie esta sempre ligada a outras vidas, ainda que em forma de microorganismos, fungos e bactérias, a complexa rede que une os mais diversos indivíduos na Terra se estende às relações sociais, políticas e econômicas entre os povos.
Nestes termos, limitar-se a proteção ambiental estritamente às interações de ordem física, química e biológica representaria a desconsideração do homem como um ser integrante de seu meio (MARCONDES; BITTENCOURT, 1996, p.125).
A consagração constitucional da necessidade de se manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado significa o reconhecimento da qualidade ou valor intrínseco do meio ambiente considerado em sua totalidade (YOSHIDA, 2009, p.76). Com efeito, reflete também a existência de limites em relação às intervenções humanas em seu entorno, que serão balizadas dentro desta concepção de observância das características específicas do bem.
Tendo como foco a análise da expressão “ecologicamente equilibrado” disposta na Constituição, José Afonso da Silva (2003, p.88) aponta que a mesma remete à compreensão acerca do prestígio às qualidades ambientais que se mostram favoráveis à qualidade de vida.
Deste modo:
Não ficará o Homem privado de explorar os recursos ambientais na medida em que isso também melhora a qualidade da vida humana; mas não pode ele, mediante tal exploração, desqualificar o meio ambiente de seus elementos essenciais, porque isso importaria desequilibrá-lo e, no futuro, implicaria seu esgotamento (SILVA, 2003, p.88).
Em síntese, temos que o direito ambiental não se concretiza com a finalidade de impedir qualquer atividade que possa repercutir no equilíbrio ecológico. Em verdade, a norma ambiental busca o resguardo do meio ambiente visando a manutenção da homeostase, de modo a tomar as medidas cabíveis para se evitar ou minimizar ações antrópicas que possam prejudicar a estabilidade dos ecossistemas ou importar no esgotamento recursos naturais (SILVA, 2003, p.88).
A associação da tutela ambiental junto à busca da qualidade de vida, também presente no caput do art. 225 da Constituição, torna claro que um entorno em condições satisfatórias se configura como elemento imprescindível para o aproveitamento pleno da vida e à existência digna.
Não obstante o valor intrínseco do meio ambiente seja reconhecido pela norma constitucional, a proteção ambiental se mostra sempre articulada no sentido da promoção da qualidade de vida do homem, já que ela é feita, acima de tudo, tomando por base a necessidade de sobrevivência humana (MIRRA, 2002, p.63).
Em razão destas considerações, o status “ecologicamente equilibrado”, presente no texto constitucional, não representa o abrigo de um panorama estático do meio ambiente. Significa sim, a admissão da noção acerca da existência de uma rede complexa de ações simultâneas e recíprocas onde “forças díspares e conflitantes se processam com espontaneidade e dinamismo” (FERREIRA; LEITE, 2012, p.33), de modo que se mostra inerente ao seu conteúdo a aceitação de determinadas transformações impostas pelo homem ao seu entorno.
Com efeito, a defesa do equilíbrio ecológico não corresponde à proteção de um estado de permanente inalterabilidade das condições naturais (MACHADO, 2004, p.226). Não se pretende “fossilizar o meio ambiente e estancar suas permanentes e comuns transformações” (BENJAMIN, 2011, p.129).
Consoante afirma Figueiredo, num meio ambiente marcado por variados atributos geológicos, biológicos, climáticos e hídricos, o equilíbrio ecológico jamais poderia ser compreendido como dotado de um caráter estático. Assim, a exegese do texto constitucional ambiental trilha o caminho da concepção que alude ao afastamento de desequilíbrios derivados de fatores antropogênicos (FIGUEIREDO, 2006, p.43).
Em virtude da feição finalística da proteção do meio ambiente, qualificado como essencial à sadia qualidade de vida e apto a oferecer suporte às relações humanas, constata-se que a vertente material da qualidade de vida se projeta sobre determinados recursos naturais que são assim, consumidos ou utilizados para a satisfação das necessidades, permitindo o desenvolvimento humano.
De acordo com Hutchinson (1999, p.212), o consumo direto pelo homem é uma das facetas que recai sobre a dinâmica de proteção aos recursos naturais, de modo que não são todas as intervenções humanas no ambiente qualificadas como antijurídica já que a natureza oferece um suporte vital ao ser humano, e a busca por este benefício não pode ser totalmente repelida pelo ordenamento jurídico.
Considerando os contornos da proteção ambiental constitucional e levando em conta o meio ambiente como elemento integrante das relações humanas, fica evidente esta dupla destinação dos recursos naturais, pois visando a satisfação de uma existência digna o meio ambiente ora necessita ser preservado e ora necessita ser utilizado pelo homem.
No que se refere às cavidades naturais subterrâneas, a classificação do grau de relevância é um dos instrumentos eleitos pelo ordenamento destinado a proporcionar este balanceamento entre a possibilidade de uso dos recursos cavernícolas e a respectiva imposição de limites visando sua conservação.
A classificação do grau de relevância impede com que cavernas que se mostrem essenciais para o equilíbrio ecológico sejam destruídas, permitindo-se a produção de impactos em unidades espeleológicas que se apresentem desprovidas de representatividade ambiental.
Veja-se que são inseridos no grau máximo de classificação das cavidades uma série de traços ambientais, cuja presença, mesmo isolada, em determinada caverna, já revela sua funcionalidade ecológica, que, consequentemente, impõe a conservação de sua integridade física e a manutenção do seu equilíbrio.
No caso das cavidades subterrâneas classificadas como grau de relevância alto e médio a produção de impactos negativos irreversíveis poderá ser admitida, mediante licenciamento ambiental (Art. 4º do Decreto nº 99.556/90), desde que sejam adotadas medidas compensatórias necessariamente vinculadas à conservação do patrimônio espeleológico. Enquanto cavernas de grau de relevância alto exigem a preservação de outras duas cavidades testemunho (dotadas do mesmo grau de relevância, mesma litologia e atributos similares àquela que será impactada) ou outra forma de compensação específica definida de acordo com o órgão ambiental (§ 1º e 3º do art. 4º do Decreto nº 99.556/90), as cavidades de grau de relevância médio ensejarão a adoção de medidas e financiamento de ações que apresentem contribuição para a conservação e o uso adequado do patrimônio espeleológico brasileiro, em especial, a respeito de cavidades com grau de relevância máximo e alto (§ 4º do art. 4º do Decreto nº 99.556/90).
A operacionalidade do sistema de classificação do grau de relevância das cavernas direciona medidas de salvaguarda do meio ambiente (proteção à integralidade do bem ou definição de regras de compensação) que se vinculam especificamente à manutenção do patrimônio espeleológico. Ao passo que para cavidades qualificadas como grau máximo a proteção jurídica recai sobre o próprio bem ambiental analisado, nos casos de grau de relevância alto ou médio a atenção das medidas exigidas se volta para a qualidade ambiental espeleológica como um todo. Nestas situações o que se pretende é garantir um equilíbrio dinâmico do patrimônio cavernícola, globalmente considerado, sem se amarrar a proteção ambiental em relação à conservação da cavidade impactada.
Para as cavidades enquadradas no grau de relevância baixo, diante de sua discreta representatividade espeleológica, a produção de impacto ambiental irreversível não se vincula necessariamente a medidas próprias de compensação relacionadas ao meio subterrâneo (§ 5º do art. 4º do Decreto nº 99.556/90).
Nesta perspectiva de acesso aos recursos ambientais, esclarece Sendim que os bens naturais podem ser considerados sob dois ângulos substancialmente diversos, seja a partir de sua capacidade funcional ecológica ou de sua capacidade de uso e apropriação. A primeira delas trata das funções ecológicas exercidas pelos recursos ambientais no ecossistema, enquanto que a segunda, condiz à sua aptidão de aproveitamento para fins humanos, correspondendo a todas as possíveis relações de utilidade da natureza para o homem (SENDIM, 1998, p.83).
Seguindo o panorama trazido pelo direito ambiental, que visa resguardar o caráter sistêmico das complexas inter-relações existentes no meio ambiente, a capacidade de aproveitamento/apropriação de determinado recurso ambiental deve ser analisada somente após a apreciação de sua funcionalidade ecológica, já que esta se relaciona à manutenção do macrobem.
Pois é este o caminho trilhado pela classificação do grau de relevância das cavidades, que promove o resguardo ao equilíbrio ecológico abrindo a possibilidade de produção de impactos irreversíveis somente para as situações em que a funcionalidade ecológica de uma determinada caverna não se mostre num patamar significativo de representatividade.
O resguardo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado logicamente carrega consigo considerações de ordem técnica e científica. Entretanto, o preenchimento de seu conteúdo e sua interpretação devem ser construídos no plano normativo, de forma a conjugar os demais valores da Constituição, atendendo ao seu caráter integrador e unitário.
Nestes termos, a classificação do grau de relevância de relevância opera dentro desta concepção de compatibilização da ordem econômica com a defesa do meio ambiente, estatuindo disposições que não só se fundamentam na necessidade de manutenção da estabilidade do meio ambiente, mas também reconhecem a natureza como provedora de elementos materiais que garantem a existência humana dentro de um panorama de qualidade de vida.
Este cenário não significa que o ordenamento jurídico admita rupturas no equilíbrio ecológico. Ao revés, representa a compreensão de que oscilações da qualidade ambiental ou transformações do meio ambiente fazem parte do contexto de equilíbrio que se protege, ou seja, um status de equilíbrio que considera a natureza como parte integrante das relações sociais.
Conclusões
Com a publicação do Decreto Federal nº 6.640/2008, que ofertou nova redação ao Decreto Federal nº 99.556/90, consolidou-se no Brasil um sistema de tutela ambiental amparado por uma apreciação individualizada das cavidades, tendo por base um instrumento denominado “classificação do grau de relevância” cuja finalidade consiste em determinar o respectivo nível de tratamento a se oferecer ao elemento espeleológico analisado.
A disciplina jurídica do bem ambiental se apresenta sob uma duplicidade de dimensões, verificando-se a existência do macrobem ambiental, que representa a visão global do meio ambiente como um todo unitário e abstrato, e de microbens ambientais, condizente aos elementos que compõem a qualidade ambiental individualmente considerados. Nesta dinâmica, a realidade normativa dos microbens ambientais expressa a incidência de uma dualidade de regimes jurídicos, um relativo ao resguardo de sua funcionalidade ambiental destinada ao uso comum da coletividade (macrobem) e outro relacionado à sua acepção material e particularizada, passível de exercicio de direitos individuais.
Esta dupla configuração jurídica na abordagem dos microbens ambientais se erige como o aspecto que viabiliza o acesso e apropriação em relação aos variados elementos do meio ambiente, dosando a ação humana para que esta conduta não importe no desequilíbrio ecológico e afete, consequentemente, o macrobem ambiental.
No contexto de busca de equilíbrio na tensão existente entre desenvolvimento econômico e proteção do meio ambiente, o instrumento da classificação do grau de relevância das cavernas, trazido pelo Decreto Federal nº 6.640/2008, representa o reconhecimento de que e o meio ambiente se refere a elemento integrado à base social onde o homem interage com seu entorno, estatuindo-se a possibilidade regrada quanto à produção de impactos (inclusive a supressão) sobre o meio subterrâneo.
Nestes termos, a classificação do grau de relevância representa a engrenagem técnico-jurídica que viabiliza a composição das atividades produtivas em relação ao dever de proteção do meio ambiente, facultando a manifestação da livre iniciativa em relação às cavidades naturais subterrâneas desde que sejam atendidos critérios que buscam resguardar a dinâmica do equilíbrio ecológico e a gestão do patrimônio espeleológico.
O sistema da classificação do grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas não estampa a permissividade genérica quanto ao impacto sobre as cavernas. Todo e qualquer espaço subterrâneo, passível de impacto ambiental e que se enquadre no conceito legal de caverna, enseja a aplicação do licenciamento ambiental e da análise individualizada de suas conotações espeleológicas. Assim, somente após efetivada a definição do grau de relevância de uma cavidade é que será possível obter respaldo normativo para eventual produção de impactos.
Em função da natureza bifronte dos microbens ambientais,, que concilia o uso individual e a repercussão sistêmica de cada componente do meio ambiente, a classificação do grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas retrata a ferramenta que harmoniza esta realidade quanto às cavidades naturais subterrâneas, disciplinando seu uso racional conforme exigência do princípio da sustentabilidade.
Por meio da classificação do grau de relevância, as cavidades naturais subterrâneas passam por uma leitura técnica destinada a apreciar a contribuição deste ambiente cavernícola em relação ao resguardo do macrobem ambiental. Dentro desta premissa, o equilibro ecológico é sustentado já que a produção de impacto sobre as cavernas somente será validada após avaliada a sua representatividade ambiental. Em outros termos, a classificação do grau de relevância revela de que forma a vertente sistêmica do meio ambiente afetará o uso privativo das cavernas.
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Notas
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