Teoria da integridade de ronald dworkin: um olhar matemático para a tese da resposta correta
Ronald dworkin's theory of integrity: a mathematical look at the correct answer thesis
Teoria da integridade de ronald dworkin: um olhar matemático para a tese da resposta correta
Prisma Jurídico, vol. 16, núm. 1, pp. 75-95, 2017
Universidade Nove de Julho
Recepção: 01 Março 2017
Aprovação: 09 Novembro 2017
Resumo: O presente artigo pretende analisar os argumentos que fundamentam a ideia da resposta correta no direito sob a ótica da teoria da decisão de Ronald Dworkin. O pressuposto básico do direito como integridade para Dworkin é o enquadramento da integridade como uma terceira virtude política, ao lado da equidade, da justiça e também do devido processo legal adjetivo, o que configurará os fundamentos para a sua teoria da decisão judicial, cujas expressões superlativas estão na figura fictícia do juiz Hércules. Ao analisar a tese da resposta correta de Dworkin a fizemos sob a ótica da matemática, ou seja, através de uma equação. Por fim, o que se pretende demonstrar é que sempre é possível imprimir um olhar matemático às teorias do direito. Neste caso em particular, através da equação da Resposta Correta é possível demonstrar a relação entre integridade, vontade política do julgador e conceitos de justiça, equidade e devido processo legal adjetivo.
Palavras-chave: Teoria de Dworkin, Teoria da Integridade, Resposta Correta.
Abstract: This article analyzes the arguments that support the idea of the correct answer on the right from the perspective of the theory of Ronald Dworkin decision. The basic assumption of law as integrity to Dworkin is the framework for integrity as a third political virtue , along with equity , justice and also due adjective process, which will set the foundation for his theory of judicial decision , whose expressions They are superlative in the fictional figure of Hercules judge. By analyzing the thesis of the correct answer Dworkin did it from the perspective of mathematics, ie, through an equation. Finally, what it is to demonstrate that you can always print a mathematical look to theories of law. In this particular case, through the Correct Answer equation is possible to demonstrate the relationship between integrity, judging the political will and the concepts of justice, fairness and due process adjective.
Keywords: Dworkin's theory, Theory of Integrity, Correct answer.
1 Introdução
Através dos séculos o Direito alcançou inquestionável papel na sociedade moderna enquanto fomentador e garantidor da convivência harmônica da sociedade, por meio de um conjunto de regras e princípios1 que impõem limites à ação do homem. Com a evolução da sociedade e com o aprofundamento teórico do Direito, se fizeram necessárias técnicas de interpretação das normas jurídicas, sempre buscando que as soluções dos conflitos sejam as mais justas e adequadas.
A tese da resposta correta ganhou projeção na teoria do direito a partir da crítica de Ronald Dworkin à discricionariedade do positivismo de Herbert Hart, afirmando que, mesmo nos chamados casos difíceis (hard cases), a justificação política do processo está em que as partes possuam direito a uma decisão específica.
Segundo Posner2, Dworkin defende que o magistrado ao decidir uma questão, ele não está criando, mas simplesmente aplicando o direito, agindo nos moldes de sua competência constitucional e da função que lhes é autorizada, razão pela qual não precisa agir com modéstia, da forma como age o juiz na teoria juspositiva de Hart.
Este artigo pretende discorrer sobre a teoria da decisão de Ronald Dworkin (superlativa no juiz Hércules), destacando entre suas ideias a que corresponde à definição de princípios jurídicos, à forma de resolução de casos difíceis, o alcance e o conteúdo do direito e, mormente, a teoria da integridade e do direito como integridade.
É importante frisar que Ronald Dworkin apresenta como característica principal de sua obra a teoria da integridade e àqueles que objetivam interiorização na sua obra devem iniciar a partir de “Levando os Direitos à Sério”, publicado em 1977, passando por “Uma questão de Princípio” de 1985, até chegar em “O Império do Direito” (1986) e no “Domínio da Vida” (1993), onde se verifica que a narrativa é conduzida de uma só forma e os temas são retomados, o que torna imperiosa a leitura de mais de um de seus livros para o acompanhamento do pensamento de Dworkin na direção correta.
Nessa esteira, os fundamentos de integridade circundam toda a produção de Dworkin e seu entendimento é essencial para fins de convencimento e real compreensão dos questionamentos que estão em primeiro plano para Dworkin. Tais questões residem no plano da teoria judicial e envolvem o conceito e posicionamento do magistrado diante da política, a alocação de argumentos de princípio e argumentos de política, bem como versam sobre a real existência de uma resposta correta.
2 Os Fundamentos da Teoria da Integridade de Dworkin
Dizer que o Direito e a política pertencem a mundos inteiramente diferentes e independentes não é verdade. Do mesmo modo, soa como falacioso dizer que o Direito e a política são exatamente a mesma coisa e que os juízes que decidem os hard cases estão simplesmente votando suas convicções políticas pessoais.
Assim elucida Dworkin3 a respeito do assunto:
Os juízes devem impor apenas convicções políticas que acreditam, de boa-fé, poder figurar numa interpretação geral da cultura jurídica e política da comunidade. Naturalmente, os juristas podem, razoavelmente, discordar sobre quando essa condição é satisfeita, e convicções muito diferentes, até mesmo contraditórias podem passar pelo teste. Mas algumas não. Um juiz que aceita esse limite e cujas convicções são marxistas ou anarquistas, ou tiradas de alguma convicção religiosa excêntrica, não pode impor essas convicções à comunidade com o título de Direito, por mais nobres ou iluminadas que acredite que sejam, pois elas não se podem prestar à interpretação geral coerente de que ele necessita.
A integridade é uma terceira virtude política, ao lado da justiça e do devido processo legal, a qual se refere ao compromisso de que o governo aja de modo coerente e fundamentado em princípios com todos os seus cidadãos, a fim de estender a cada um os padrões fundamentais de justiça e equidade4.
Por mais que não a consideremos como um ideal político, a integridade na visão de Dworkin faz parte da nossa moral política coletiva que a comunidade como um todo, e não apenas as autoridades, individualmente consideradas, deva atuar de acordo com princípios.
No Estado Utópico há o ideal de que as autoridades façam somente o que é perfeitamente justo e imparcial, fazendo com que a virtude esteja sempre presente. Já no Estado comum, ocorre exatamente o contrário, onde autoridades, por vezes, tomam decisões injustas. Neste sentido pode-se afirmar que a integridade se abrevia em ter e respeitar o conjunto de leis como moralmente coerentes, fato que se torna imprescindível em um Estado comum e desnecessário em Estados utópicos.
No Estado democrático de direito, uma decisão judicial baseada em princípios abstratos e vagos não pode ser tomada arbitrariamente pelo magistrado com base na discricionariedade judicial. Nessa senda, Ronald Dworkin contribui para a construção de uma teoria construtivista capaz de garantir, simultaneamente, uma solução justa para um determinado caso e rejeitar a discricionariedade como fundamento da decisão judicial. Dworkin propõe também que se compreenda a democracia como expressão comunitária que considere a coletividade como fenômeno distinguível do somatório das vontades individuais de seus membros.
Dworkin procura, com a ideia de integridade, atingir simultaneamente dois propósitos importantes: moldar a atitude do intérprete de maneira a excluir o recurso à discricionariedade e propor uma forma de legitimar a decisão judicial considerando devidamente os princípios legais, morais e políticos - na terminologia por ele empregada, princípios relativos à “justiça”, à “equidade” e ao “devido processo legal”.
Sobre as vantagens da integridade para a sociedade que a considera uma virtude política, Dworkin defende o seguinte:
uma sociedade política que aceita a integridade como virtude política se transforma, desse modo, em uma forma especial de comunidade, especial num sentido de que promove sua autoridade moral para assumir e mobilizar monopólio de força coercitiva. Este não é o único argumento em favor da integridade, ou a única consequência de reconhecê-la que poderia ser valorizada pelos cidadãos. A integridade protege contra a parcialidade, a fraude ou outras formas de corrupção oficial, por exemplo.5
Como consequências práticas da integridade, Dworkin6 assevera o fato de que a integridade contribui para a eficiência do direito, uma vez que quando as pessoas são governadas por princípios há menos necessidade de regras explícitas, e o Direito pode expandir-se e contrair-se, organicamente, na medida em que se entenda o que eles exigem em novas circunstâncias.
Outro aspecto conceitual da integridade se vincula à legitimidade política, a partir do modelo de princípio para fins de práticas associativas, no qual a comunidade e os membros aceitam que são governados por princípios comuns e não apenas por regras criadas por um acordo político. Admitem que seus direitos e deveres políticos não se esgotam nas decisões particulares constantes nas regras, mas dependem, de maneira mais ampla, do sistema de princípios que essas decisões pressupõem7.
O direito como integridade pressupõe que os juízes se encontrem em situação diversa dos legisladores, os quais podem utilizar de argumentos de política para definir determinada regra, ou seja, podem justificar a criação de uma norma em virtude do bem-estar coletivo que gerará. Como dito, os juízes se encontram em situação diversa, eles devem se valer de princípios para tomarem as suas decisões e não em política: eles devem apresentar argumentos que digam por que as partes realmente teriam direitos e deveres legais “novos” que eles aplicaram na época em que essas partes agiram, ou em algum outro momento pertinente ao passado.
A teoria da integridade proposta por Dworkin baseia-se na seguinte tríade: legislativo, judiciário e sociedade. Cada uma dessas esferas exerce protagonismo na integridade, a falta da observância dos seus fundamentos por qualquer dos atores impede o fechamento triangular da teoria, o que acarreta a não incidência da integridade em determinado Estado.
Prova disso é que se o parlamento de determinado país não considera como missão a realização de conjunto moralmente coerente de leis, necessariamente não será possível a plena realização de uma interpretação nesse sentido pelo judiciário, o que também implicará em comprometimento do conceito pela sociedade e assim também ocorrerá quando houver inversão do ator descomprometido, demonstrada, portanto, a corrente, os elos na tríade da teoria da integridade para Dworkin.
2.1 O Direito como integridade
Dworkin defende a tese do direito como integridade como forma de superar o convencionalismo e o pragmatismo judicial.
No Convencionalismo um direito ou responsabilidade só decorre de decisões anteriores se estiver explícito nessas decisões anteriores, ou se puder ser explicitado por meio de métodos ou técnicas convencionalmente aceitos pelos profissionais do direito. Por outro lado, no Pragmatismo Judicial os juízes sempre devem tomar decisões que sejam melhores para o futuro da comunidade, ignorando qualquer forma de coerência com o passado como algo que tenha valor por si mesmo.
Segundo o próprio Dworkin8:
O direito como integridade nega que as manifestações do direito sejam relatos factuais do convencionalismo, voltados para o passado, ou programas instrumentais do pragmatismo jurídico, voltados para o futuro. Insiste em que as afirmações jurídicas são opiniões interpretativas que, por esse motivo, combinam elementos que se voltam tanto para o passado quanto para o futuro; interpretam a prática jurídica contemporânea como uma política em processo de desenvolvimento. Assim, o direito como integridade rejeita, por considerar inútil, a questão de se os juízes descobrem ou inventam o direito; sugere que só entendemos o raciocínio jurídico tendo em vista que os juízes fazem as duas coisas e nenhuma delas.
O direito como integridade parte da premissa de que a comunidade personificada, fiel guardiã da justiça e da equidade, é a verdadeira autora dos direitos e deveres legais, baseado no sistema de princípios que foram justificadores de uma determinada decisão no tempo em que ocorreu. Sendo assim, a história é importante porque esse sistema de princípios deve justificar tanto o status quanto o conteúdo das decisões anteriores.
Para Dworkin9 o direito como integridade começa no presente e só volta para o passado na medida em que seu enfoque contemporâneo assim o determine.
Segundo Bitencourt e Sobrinho10 ao determinar as práticas do juiz Hércules, Dworkin advoga que:
seria necessário mais do que analisar o conjunto normativo que envolve o caso, faz-se mister também o exame de todas as questões fáticas que serão de extrema relevância para que a decisão tomada pelo juiz esteja em consonância com a complexidade do caso, ou seja, seja coerente com os fatos, com ordenamento jurídico em si e com o melhor enlace possível dos fatos relevantes com o direito aplicável. Postula ser necessário examinar não só todas as normas pertinentes à questão, mas também todos os fatos relevantes, gerando uma decisão que seja coerente com o resto do ordenamento. Portanto, ao investigar todas as normas que serão adequadas à aplicação considerando as questões fáticas que envolvem aquele caso (o que implica justificar e argumentar o porquê da opção por determinadas normas), há que se considerar que outras normas deixaram de ser aplicadas por não manterem coerência com o ordenamento acerca das questões envolvidas, contudo, isso não afeta o campo de validade destas com relação ao ordenamento, mas tão somente significa que não serão aplicáveis justamente em face das condições fáticas a serem consideradas.
Dworkin é defensor de uma interpretação construtiva11 e, por isso mesmo, de uma teoria hermenêutica crítica. A ideia de integridade impõe ao juiz o dever de aplicar ao caso todo o conjunto de leis e o repertório de decisões judiciais pertinentes. Para explicar isso ele cria a metáfora do romance em cadeias na qual o juiz figura, igualmente, como autor e como crítico e pressupõe a seguinte ideia: Em um projeto, um grupo de romancistas escreve um romance em série. Cada romancista da cadeia interpreta os capítulos que recebeu para escrever um novo capítulo. Este novo capítulo é acrescentado aos demais e entregue ao romancista seguinte, e assim por diante. Cada autor deve escrever seu capítulo de modo a criar da melhor maneira possível o romance em elaboração como se fosse o único autor da obra. A complexidade dessa tarefa reproduz a complexidade de decidir um caso difícil de direito como integridade. O primeiro escritor terá a tarefa de interpretar os capítulos e escolher o gênero que se propõe a escrever. Logo cada romancista não tem liberdade criativa, pois há um dever de escolher a interpretação que produza a melhor obra possível. Espera-se que o romance seja escrito como um texto único, integrado, e não simplesmente uma série de contos dispersos e independentes.
Certamente o maior problema que encontrará o romancista em cadeia diga respeito às suas preconcepções e em como se adequar aos capítulos anteriores, já que não é possível perder de vista a ideia central texto.
Para Dworkin o direito segue a mesma lógica ao afirmar que tanto na atividade legislativa quanto nos processos judiciais, o que se chama de Direito nada mais é do que um produto coletivo de uma determinada sociedade em permanente construção. Cada juiz é como um romancista. Ele deve ler tudo o que os outros juízes escreveram no passado, não para descobrir como pensavam, mas para se chegar a uma conclusão do que esses juízes fizeram coletivamente.
Com isso, a proposta construtivista de Dworkin busca limitar a discricionariedade do juiz que deve procurar compatibilizar sua decisão com o conjunto legislativo e jurisprudencial existente. Essa adequação se dá em termos de teoria geral explicativa. A decisão deve possuir um “poder explicativo geral e será malsucedida se deixar sem explicação algum importante aspecto estrutural”, mas não precisa necessariamente ser identificada, nos mínimos detalhes, com o direito pré-existente. Poderá, inclusive, discordar de decisões e normas legais por considerá-las inadequadas à teoria geral proposta, mas não poderá descartar nenhum aspecto central ou relevante sem justificá-lo.
Em síntese, a proposta da integridade busca legitimar uma decisão judicial que considere todos os aspectos fáticos, normativos e morais relevantes para a solução do caso. Com isso, cria as condições para impedir a discricionariedade do intérprete, pois a magnitude da tarefa não deixa margem a escolhas arbitrárias. Ao contrário, exige do julgador um esforço hercúleo para construir uma decisão que integre materiais vastos e, não raro, conflitantes entre si.
O pressuposto básico do direito como integridade é o enquadramento da integridade como uma terceira virtude política, ao lado da equidade, da justiça e também do devido processo legal adjetivo, o que configurará os fundamentos para a teoria da decisão judicial de Dworkin, cujas expressões superlativas estão em Hércules.
Dworkin cria um juiz imaginário, inspirado na mitologia do Hércules, como uma espécie de modelo a ser seguido pelos juízes (common law) na tarefa de decidir questões jurídicas. Em sua teoria, Dworkin apresenta Hércules como um juiz que, na tarefa de realizar a interpretação construtivista do direito, é guiado pelo princípio da integridade e da equidade, cuja tradição e historicidade serão notas presentes para a decisão no direito vigente, na forma de um modelo hermenêutico, isto é, que reconstrói e critica a forma da decisão judicial, retroalimentando-a, sem transformar o direito em aplicação de um método ou técnica12.
Para Dworkin13 a integridade não se confunde com a justiça e com a equidade, mas está ligada a elas da seguinte maneira: a integridade só faz sentido entre pessoas que querem também justiça e equidade.
É imperioso destacar o significado de justiça, equidade e devido processo legal adjetivo para Dworkin:
A justiça diz respeito ao resultado correto do sistema político: a distribuição correta de bens, oportunidades e outros recursos. A equidade é uma questão da estrutura correta para esse sistema, a estrutura que distribui a influência sobre as decisões políticas da maneira adequada. O devido processo legal adjetivo é uma questão dos procedimentos corretos para a aplicação de regras e regulamentos que o sistema produziu. A supremacia legislativa que obriga Hércules a aplicar as leis, mesmo quando produz uma incoerência substantiva, é uma questão de equidade porque protege o poder da maioria de fazer o direito que quer. As doutrinas rigorosas do precedente, as práticas da história legislativa e a prioridade local são em grande parte, embora de maneira distintas, questões de processo legal adjetivo, porque estimulam os cidadãos a confiar em suposições e pronunciamentos doutrinários que seria errado trair ao julgá-los depois do fato14.
A integridade propõe outra finalidade para a interpretação jurídica: fazer a melhor interpretação possível. Para Dworkin, as interpretações não devem ser avaliadas em termos de verdade ou falsidade como se fosse objetivamente avaliada sua correspondência a um dado conteúdo normativo. A avaliação deve considerar a melhor interpretação possível.
3 Um olhar matemático para a Tese da Resposta Correta de Dworkin
A princípio o título deste artigo pode parecer um absurdo ao se indagar o que teria em comum áreas de conhecimento tão heterogêneas? Por outro lado, pretende-se mostrar que não é absurdo algum relacionar Direito e Matemática, pois esta pode ser utilizada como uma ciência auxiliar ou instrumental para o Direito que muitas vezes requer cálculos para se determinar o valor de uma causa, bem como para a liquidação de uma sentença, por exemplo.
3.1 Em que consiste a Tese da Resposta Correta?
Aceitar o direito como integridade é admitir que a verdadeira história política de uma comunidade às vezes restringe as convicções políticas do julgador em seu juízo interpretativo geral, sob pena de comprometer a real interpretação da prática jurídica. Assim como o romancista em cadeia, cujos juízos sobre a adequação se ajustavam automaticamente a suas opiniões literárias mais profundas, este juiz estará agindo de má-fé ou enganando a si próprio.
Dworkin propõe mais uma condição contra factual para uma decisão judicial pautada pela integridade: a ideia de uma única e melhor decisão possível para cada caso. Com isso, nega a possibilidade de existirem duas ou mais opções para a resolução de um caso e exclui qualquer resquício de discricionariedade na tarefa judicante. Essa noção é bastante polêmica, como admite o próprio Dworkin, e tem provocado várias críticas.
Mas ele considera que a ideia subjacente ao postulado de que exista mais de uma interpretação possível está ligada à noção de que a atividade interpretativa é eminentemente subjetiva e associada à ideia de que interpretar implica, em última instância, uma escolha pessoal, uma mera opinião. Ou seja, trata-se de uma decisão discricionária, nos termos em que foi acima exposta. É curioso notar, como faz Dworkin, que o ceticismo moral que propugna a impossibilidade de se estabelecer que uma decisão é melhor que outra não impede que as pessoas possuam convicções próprias sobre questões morais controversas.
Há consenso com o pensamento de Dworkin sobre o fato de que o ceticismo moral é uma “filosofia ruim” e que, portanto, a noção de duas ou mais interpretações possíveis e igualmente legítimas sobre um caso controverso é uma teoria insatisfatória. O que a integridade propõe, ao postular a teoria da única e melhor decisão possível, é o duplo dever de evidenciar e fundamentar as convicções morais forçosamente subjacentes a qualquer decisão judicial com base em princípios Caso concordemos com o ponto-de-vista de duas ou mais decisões possíveis e legítimas para uma questão controversa como é a questão do aborto, devemos aceitar antecipadamente como legítimas quaisquer decisões de um juiz ou corte, seja ela no sentido da constitucionalidade ou não da prática do aborto. Ou seja, ao admitir a teoria das diversas respostas possíveis, estamos em realidade admitindo a proposta positivista da discricionariedade judicial uma vez que o julgador pode decidir o que bem entende sobre temas importantes e de graves consequências sociais. O ponto-de-vista da integridade dá a questão um novo contorno, pois o julgador deve argumentar porque uma opção é melhor que a outra.
A mesma prática deve pautar todas as questões controversas que envolvam princípios. Este ônus argumentativo é o que torna a proposta de Dworkin mais apropriada à legitimação da decisão judicial no contexto do Estado Democrático de Direito, pois é intransigente com o decisionismo à medida em que não deixa margem a escolhas arbitrárias e injustificadas. E é por isso que Dworkin atribui, ironicamente, esta imensa tarefa ao juiz Hércules, um semideus capaz de executar coisas extraordinárias. Em síntese, a ideia de uma única decisão mais adequada a um caso deve ser entendida como condição contra factual de legitimidade já que exclui a possibilidade de arbítrio, ao invés de entendê-la enquanto afirmação categórica sobre a impossibilidade de existirem dúvidas interpretativas sobre uma questão.
Para Dworkin a ideia de integridade não se refere simplesmente a aplicação de regras morais ao direito, e nem recusa a noção do senso comum de que princípios constitucionais são vagos e imprecisos. Se o são, é à medida que não formulam concepções específicas sobre liberdade ou igualdade em casos concretos. Caso sejam tomadas como apelos a conceitos morais não se pode exigir, porém, um maior detalhamento textual. Os tribunais, então, quando discutem uma questão com base em princípios não estão discutindo o conteúdo de termos gerais e abstratos, mas concepções específicas de moralidade pública.
Mas, será que de fato existe mesmo para Dworkin, com base na ideia de integridade, uma resposta correta nos casos enquadrados como de difícil solução (hard cases)?
A contrassenso de muitos que se dizem céticos a esse respeito, podemos afirmar que para Dworkin há sim, uma resposta correta, com base nos seguintes pressupostos:
a) A integridade deve ser vista no plano legislativo e judiciário:
ü No plano legislativo se manifesta pelo dever de propor um ordenamento jurídico moralmente coerente;
ü No plano judicial se manifesta na coerência moral do magistrado quando da interpretação do direito no caso concreto.
b) A integridade é uma virtude política ao lado da justiça, equidade e devido processo legal adjetivo;
c) O direito como integridade nada mais é do que a prática jurídica que aceite a integridade como teoria política, ou seja, uma verdade hermenêutica que deve basear-se na justiça, equidade e devido processo legal adjetivo.
Nessa esteira é perfeitamente natural que o magistrado decida de acordo com a sua própria moralidade política, desde que a questão seja compatível com mais de um conjunto de princípios, assim caberá ao magistrado, mediante o livre convencimento motivado, a escolha por um dos sistemas aptos e, por óbvio, ele o fará de acordo com a sua própria carga política. Por outro lado, “se apenas um conjunto de princípios é compatível com uma lei, então um juiz que siga a concepção centrada nos direitos deve aplicar esses princípios”15.
Por isso o acerto de Dworkin, ao exigir uma “responsabilidade política” dos juízes. Os juízes têm a obrigação de justificar suas decisões, porque com elas afetam os direitos fundamentais e sociais, além da relevante circunstância de que, no Estado Democrático de Direito, a adequada justificação da decisão constitui um direito fundamental. Uma decisão adequada à Constituição será uma resposta hermeneuticamente correta porque é fruto de uma reconstrução histórica do direito, com respeito à coerência e a integridade. A resposta adequada à Constituição deverá estar fundada em argumentos de princípio e não em argumentos de política (teleológicos), como bem ensina Dworkin. Do mesmo modo, a resposta correta deve buscar a preservação do grau de autonomia que o direito atingiu nesta etapa da história, evitando os discursos adjudicativos provenientes da moral, da política e da economia, assim como os subjetivismos, axiologismos e pragmatismos de toda a espécie.
Conforme Bitencourt e Sobrinho16 a decisão judicial, nesse modelo proposto por Dworkin apresenta uma resposta correta para cada caso que irá decidir. Segundo seu entendimento, sempre existirão princípios organizados coerentemente no sistema jurídico vigente capazes de fundamentar a decisão do juiz. Esse princípio será construído argumentativamente em conformidade com a práxis jurídica e social da comunidade que vê o direito como integridade: a comunidade dos princípios.
Trata-se de uma resposta correta porque é fruto de uma prática reflexiva e criativa de produção do direito. Assim, o juiz não está restrito a curvar-se ante o aguilhão semântico17, ou ao modo como os outros juízes aplicavam o direito, visto que os princípios lhe permitem ter uma visão crítica da história, enquanto a integridade indica a forma como deverá corrigir os erros institucionais do passado, alterando o futuro.
3.2 Equação matemática para representar a Teoria da Resposta Correta
Ao se olhar o direito sobre um enfoque matemático somos capazes de enxergar que os números não são criados sem assento em uma realidade, ou seja, sem correspondência com fatos. Tanto isso é verdade que no desenvolvimento da Matemática surgem inúmeros problemas que emergem em um "mundo objetivo", sem nem mesmo precisarem do concurso da vontade humana. Eles não são criados, mas efetivamente descobertos no seio de "um mundo objetivo, que, de fato, inventamos ou criamos, mas que (como toda invenção) se objetiva, se liberta de seus criadores e se torna independente de sua vontade"18
Esta integração entre Direito e Matemática parece bastante promissora nos tempos atuais, pois nos permitirá enxergar um mundo do Direito que não vislumbramos na atualidade, onde será possível pensar em novas soluções também mais globais para os problemas tanto de nosso Judiciário quanto das grandes empresas.
Nesse sentido, ao analisar a tese da resposta correta de Dworkin, pensamos numa forma de vê-la sob a ótica da matemática, ou seja, através de uma equação.
Uma equação é uma declaração de que duas expressões são iguais. Essa igualdade é representada pelo símbolo “=” (igual). Assim, se sabemos que a expressão A é igual à expressão B, escrevemos:
Para se resolver uma equação matemática é preciso levar em consideração as seguintes etapas:
ü Interpretar o problema;
ü Traduzir o enunciado do problema através de uma equação;
ü Resolver a equação;
ü Examinar a solução obtida.
No presente caso trata-se de uma equação literal, ou seja, representada apenas por letras (incógnitas) onde não será atribuído valor numérico a essas incógnitas. Para resolvê-la inicialmente iremos interpretar o problema que nada mais é que definir o que se pretende a partir da análise dos dados que se dispõe e representá-los através de uma relação de interdependência entre as variáveis (incógnitas). Feito isso parte-se para a resolução da equação propriamente dita e finaliza-se com a análise da solução obtida (resultado) para o problema.
Feita essas considerações iniciais passaremos a representação da teoria de Dworkin através de uma equação matemática, cujo propósito único é mostrar que a matemática pode ser, em alguns casos, uma ferramenta para melhor explicar o direito, senão vejamos:
Preliminarmente é preciso interpretar o problema que, neste caso, é verificar se há uma resposta correta a ser dada pelo magistrado na solução de casos tidos como de difícil solução.
Para descrever o enunciado do problema através de uma equação serão consideradas as seguintes incógnitas:

A partir das incógnitas e da sua relação de (in)dependência pode-se afirmar que a resposta correta de Dworkin (RC) como integridade (I) pode ser representada através da seguinte equação matemática:
A Resposta correta é uma visão crítica do direito como integridade que, por sua vez, sofre influência da vontade política do julgador e dos princípios aplicados ao caso concreto, logo pode-se afirmar que:
No tocante à teoria da integridade já ficou demonstrado que é perfeitamente natural que o magistrado decida de acordo com a sua própria moralidade política, desde que a questão seja compatível com um conjunto de princípios, para que isso ocorra a integridade deve ser vista tanto no plano do legislativo que se resume a existência de um ordenamento jurídico moralmente coerente, como no plano do judiciário, onde a coerência moral deve ser a vertente da interpretação do direito pelo magistrado.
Por outro lado, o direito como verdade hermenêutica deve aplicar a coerência moral proposta pela integridade, ou seja, deve ser pensado em seu caráter interpretativo, estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre justiça, a equidade e o devido processo legal adjetivo.
Dito isso, conclui-se que:
Substituindo-se Vp (ii) e P (iii) na equação (i), obtém-se a equação (iv) que representa a Resposta Correta e será representada pela seguinte equação:
Pode-se afirmar, portanto, com base na equação acima que quando o magistrado decide considerando tais preceitos sempre haverá uma resposta correta, o que é diferente de afirmar que exista verdade objetiva para afirmações jurídicas. Pelo contrário, de acordo com Dworkin quando o direito é visto em seu caráter interpretativo levando-se em consideração determinados princípios, há pouco sentido em ser afirmar ou negar uma verdade objetiva, no entanto não deixa de existir a resposta correta, sob pena da inflexão (baseada no historicismo) ou de uma espécie de licença de pressupostos.
4 Conclusão
Por tudo que foi exposto até o momento pode-se concluir que Dworkin ao combinar princípios jurídicos com objetivos políticos, coloca à disposição do julgador um leque de possibilidades para a elaboração de respostas coerentes com o direito positivo, fato que, de certa forma, limita a discricionariedade do juiz que deve procurar compatibilizar sua decisão com o conjunto legislativo e jurisprudencial existente.
A partir do exposto, conclui-se que, do mesmo modo que há o dever fundamental de justificar as decisões, existe também o direito fundamental a obtenção de respostas corretas como garantia à democracia. A decisão, por sua vez, jamais deve ter por base uma “escolha”, mas sim o comprometimento com algo que se antecipa, sendo que no caso de uma decisão judicial, o que se antecipa é a compreensão daquilo que a comunidade política constrói como direito, ressaltando-se que essa construção não é a soma de diversas ideias, mas sim, um todo que se apresentar como a interpretação mais adequada do direito.
Por fim, o que se pretende demonstrar é que sempre é possível imprimir um olhar matemático às teorias do direito. Neste caso em particular, através da equação da Resposta Correta é possível demonstrar a relação entre integridade, vontade política do julgador e conceitos de justiça, equidade e devido processo legal adjetivo.
Referências
BITENCOURT, Caroline Muller; SOBRINHO, Liton Lanes Pilau. Decisão judicial no Constitucionalismo Contemporâneo: um olhar crítico sobre o modelo do Juiz Hércules. Revista Justiça do Direito, v.1, n.2, jul/dez, 2011 – Ed. Especial – p.78-95.
__________. Uma questão de Princípio (Tradução de Luís Carlos Borges). 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005
Referências
__________. O império do Direito. (Tradução de Jefferson Ruiz Camargo). 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007
POPPER, Karl Raimund. Em busca de um mundo melhor. Tradução. Milton Camargo Mota. São Paulo: Martins Fontes, 2006
POSNER, Richard A. A Problemática da teoria moral e jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2012
Notas
Ligação alternative