Atos atentatórios à dignidade da justiça e a sanção em numerus clausus: interpretação sistemática do atual Código de Processo Civil
Acts in dignity violation of justice and sanction in numerus clausus: interpretation of the Civil Procedure Code
Atos atentatórios à dignidade da justiça e a sanção em numerus clausus: interpretação sistemática do atual Código de Processo Civil
Prisma Jurídico, vol. 16, núm. 2, pp. 341-370, 2017
Universidade Nove de Julho
Recepção: 12 Abril 2017
Aprovação: 18 Dezembro 2017
Resumo: O atual CPC ampliou o rol de artigos que tratam acerca das condutas e sanções impostas aos atos atentatórios à dignidade da justiça. Investigou-se nesse artigo quais as sanções, limites, sujeitos e destinação de eventuais créditos decorrentes de condutas arroladas nos artigos 161 e parágrafo único do art. 918, ambos do CPC, sendo propostas como hipóteses a interpretação sistemática; a apresentação em rol fechado das sanções e condutas; e a sistemática fracionada em gênero e espécie. Concluiu-se pela confirmação das hipóteses propostas.
Palavras-chave: dignidade da justiça, sanção, interpretação sistemática.
Abstract: The current CCP has expanded the list of articles dealing with the conduct and sanctions imposed on acts that violate the dignity of justice. It was investigated in this article what sanctions, limits, subjects and destination of any credits deriving from the conduct listed in articles 161 and sole paragraph of art. 918, both of CCP, being proposed as a hypothesis the systematic interpretation; the presentation of penalties and conduct in a closed list; and the fractional systematics in gender and species. It was concluded by the confirmation of the hypotheses proposed.
Keywords: dignity of justice, sanction, systematic interpretation.
1 Introdução
A exposição de motivos da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, Código de Processo Civil, atualmente em vigor no Brasil, destacou dentre os objetivos da nova ordem processual civil a busca pelo maior rendimento possível ao processo e a organização do sistema a conceder-lhe coesão (BRASIL, 2010), apontando para a indispensável interpretação sistemática do Código.
Os objetivos acima apresentados fizeram com que o legislador se preocupasse com a efetividade das decisões judiciais e com a integração do sistema jurídico processual, impondo sanções àqueles que pratiquem condutas descritas como atentatórias à dignidade da justiça e promovendo sistema principiológico.
Voltado para consecução dos objetivos e soluções das preocupações, o novo Código de Processo Civil elegeu, dentre outros, a proteção ao respeito à autoridade do Judiciário a ser alcançado com a consciência cooperativa dos sujeitos processuais cujo desrespeito poderá ser punido com a aplicação de multas de natureza sancionatória e pedagógica.
Imbuído dessa concepção, o atual CPC arrolou vários dispositivos que tratam dos atos atentatórios à dignidade da justiça, fixando tanto condutas como sanções em artigos distribuídos tanto na parte geral como em sua parte especial, a exceção dos parágrafos únicos dos art. 161 e art. 918.
A ausência de sanção explícita às condutas descritas no art. 161 e no parágrafo único do art. 918, ambos do CPC, exige interpretação sistemática com a finalidade de identificar a punição a ser imposta aos atos que atentem contra a dignidade da justiça já definidos de modo a manter a unidade e coesão do sistema processual concedendo-lhe segurança jurídica objetiva e subjetiva1.
A presente pesquisa se dedica a investigar qual a sanção, limites, sujeitos processuais e destinação de eventuais créditos decorrentes de condutas declaradas atentatórias à dignidade da justiça arroladas no artigo 161 e parágrafo único do artigo 918, ambos do CPC.
Para tanto foram formuladas hipóteses a direcionar a pesquisa, primeira, o Código de Processo Civil exige interpretação sistemática com a finalidade de manter coesão, unidade e segurança jurídica; segunda, tanto as condutas como as sanções dirigidas aos atos atentatórios à dignidade da justiça estão previstas em rol taxativo; terceira, o atual CPC adotou sistemáticas específicas a abranger a parte geral e especial do Código capaz de influenciar a interpretação processual quanto à sanção, limites, sujeitos e destinação de eventuais créditos decorrentes de condutas declaradas atentatórias à dignidade da justiça.
Pretendendo examinar o problema e colocar à prova as hipóteses, conforme exige o método hipotético-dedutivo, a pesquisa foi dividida em quatro partes que compreendem seus objetivos e coincidem com os capítulos a seguir, sendo eles: a evolução da proteção da dignidade da Justiça (autoridade do Judiciário) antes da atual sistemática processual civil; os deveres decorrentes do modelo estrutural de organização do processo cooperativo civil brasileiro atual; a sistematização, ampliação das condutas e sanções aos atos atentatórios à dignidade da justiça no atual Código de Processo Civil; e os limites à liberdade de imputação e fixação de sanções pelos magistrados frente ao parágrafo único do artigo 161 e parágrafo único e 918, ambos do CPC/2015.
A conclusão apresentada confere resposta ao problema lançado, dentro do método sistemático de interpretação suficiente a manter a coesão, unidade sistêmica e assegurar a segurança jurídica.
2 Evolução da proteção da dignidade da Justiça (autoridade do Judiciário) antes da atual sistemática processual civil brasileiro
Cândido Rangel Dinamarco (2002, p. 185) identifica que a proteção à dignidade da justiça tem origem no Direito inglês e objetivava afastar eventuais atos que evidenciem contempt of court (desrespeito ao tribunal – tradução livre), por meio de punições severas ao arbítrio ilimitado posto à disposição do judiciário anglo-saxão.
No Brasil, a exposição de motivos do Código de Processo Civil (CPC), Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973, revogado pelo atual CPC, explicitou, pela primeira vez na ordem codificada civilista2, a preocupação com a preservação da dignidade da Justiça foi tratada pela referida lei como sinônimo de prevenção e repressão a atos contrários à autoridade do Judiciário, ou seja, órgão estatal.
O projeto consagra o princípio dispositivo (artigo 266), mas reforça a autoridade do Poder Judiciário, armando-o de poderes para prevenir ou reprimir qualquer ato atentatório à dignidade da Justiça (artigo 130, III). Este fenômeno ocorre mais freqüentemente no processo de execução do que no processo de conhecimento. É que o processo de conhecimento se desenvolve num sistema de igualdade entre as partes, segundo o qual ambas procuram alcançar uma sentença de mérito. Na execução, ao contrário, há desigualdade entre exequente e executado. O exeqüente tem posição de preeminência; o executado, estado de sujeição. Graças a essa situação de primado que a lei atribui ao exeqüente, realizam-se atos de execução forçada contra o devedor, que não pode impedi-los, nem subtrair-se a seus efeitos. A execução se presta, contudo, a manobras protelatórias, que arrastam os processos por anos, sem que o Poder Judiciário possa adimplir a prestação jurisdicional.
Para coibir abusos, considerou o projeto atentatório à dignidade da Justiça o ato do executado: a) que frauda a execução; b) que se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos; c) que resiste injustificadamente às ordens judiciais, ao ponto de o juiz precisar requisitar a intervenção da força policial; d) que não indica ao juiz onde se encontram os bens sujeitos à execução (artigo 612). Se o executado, advertido pelo juiz, persevera na prática de qualquer desses atos, a sanção que o projeto lhe impõe é a de perder o direito de falar no processo (artigo 613). (BRASIL, 1974, p. 21-22)
Nas declarações expostas se observa a sinonímia atribuída pelo legislador, do Código de 1973, à palavra “Justiça” e “Judiciário”, impropriedade parcialmente superada pelo CPC de 2015, quando este reconhece o sistema de multiportas e a dicotomia entre os referidos termos3, ainda que em seus artigos, de modo incongruente, mantenha a expressão “dignidade da justiça”.
No fragmento colacionado acima, o legislador do CPC anterior explicita que a proteção e a refutação aos atentados à dignidade da justiça objetivam reforçar a autoridade do Judiciário, não se prestando a blindar a justiça, mas a salvaguarda do órgão jurisdicional que se vê desprestigiado quando não entrega de maneira completa e satisfatória a prestação jurisdicional, o bem da vida.
Portanto, temos que a natureza jurídica das sanções decorrentes de atos que atentem contra a dignidade da justiça será sempre punitiva e administrativa não se confundindo com as de caráter indenizatório e processual4, razão pela qual poderá se cumular com outras cuja natureza jurídica seja diversa5.
O legislador também reconhece, na exposição de motivos do CPC de 1973, que atos contrários à autoridade do Judiciário são observados tanto no processo de conhecimento como de execução6, porém, com mais veemência neste último, em virtude dos objetivos antagônicos e desigualdade processual entre as partes litigantes, justificando de tal forma a opção da adoção de medidas punitivas, exclusivamente, direcionadas ao devedor e ao processo executivo7, sendo este o sentido dos art. 599, art. 600 e art. 601, daquele diploma legal.
O texto original do art. 600, do CPC/19738, diferente da concepção inicial inglesa, enumerava em rol taxativo, as práticas comissiva e omissiva dolosamente considerada pelo legislador como atentatórias à dignidade do Judiciário, não se admitindo interpretação extensiva a demais atos praticados pelo devedor com o intuito de frustrar a satisfação do título executivo judicial, que repercutia em afrontamento e desrespeito ao Judiciário.
Contudo, a apresentação dos atos atentatórios em numerus clausus, a qual se aplica a noção de tipicidade, não é suficiente a afastar critérios subjetivos, permitindo ao magistrado ampla margem de manobra quando da interpretação das situações fáticas ocorridas no processo em que preside, justamente por existir, em alguns incisos do art. 600 do CPC/1973, generalidades abertas (MORAES JÚNIOR, 2007, s.p.), mesma situação também observada no atual Código de Processo Civil.
Até a promulgação da Lei nº 8.953, de 13 de dezembro de 1994, o reconhecimento pelo magistrado da prática de “ato atentatório à dignidade da justiça” (BRASIL, 1973) redundava, inicialmente, na sanção processual de advertência e, havendo reincidência, em proibição de fala nos autos, sendo possível, em todo caso, a não aplicação da última sanção caso o devedor se comprometesse a não praticar mais atos que atentassem contra a dignidade da justiça e oferecesse fiador idôneo a garantir a dívida principal, juros, despesas e honorários advocatícios.
Com a vigência da referida Lei, foi inserida, pela primeira vez, no Código de Processo Civil a possibilidade de aplicação de multa em “montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material” (BRASIL, 1994), a ser revestida ao credor, nos casos em que o magistrado reconhecesse a conduta do devedor capaz de atentar contra a dignidade da justiça arroladas no art. 600 do CPC/1973.
A alteração promovida pelo legislador foi importante e não substituiu a principal finalidade do processo, que consiste na satisfação do título judicial, ao manter, em todo caso, a possibilidade de substituir as sanções, administrativa e processual, pelo oferecimento de fiador e promessa do devedor em não praticar atos atentatórios à dignidade da justiça.
Em 6 de dezembro de 2006, a Lei nº 11.382 inseriu no rol taxativo do art. 600 do CPC/1973, dispositivo prevendo mais um ato omissivo tido como atentatório à dignidade da justiça9, também voltado à satisfação do provimento judicial, ampliando o rol taxativo anterior.
Durante a égide do Código anterior, a evolução sobre o instituto foi relativamente pequena, porém, com a entrada em vigor do atual CPC, a maior preocupação em tornar o processo mais eficiente e efetivo (BRASIL, 2010) imprimiu substanciais alterações na ordem processual civil, alterando o sistema processual e ampliando o rol dos atos considerados atentatórios à dignidade da justiça, assim como os destinatários das sanções e credores de multas a este respeito, promovendo também a possibilidade de apuração do contempt of court, não apenas na fase de cumprimento de sentença e execução de títulos como também na fase cognitiva, tornando evidente, o atual momento processual flagrantemente cooperativo, mas também punitivo do processo civil brasileiro.
3 Os deveres decorrentes do modelo estrutural de organização do processo[10] cooperativo civil brasileiro atual
O atual Código de Processo Civil trouxe novo modelo estrutural de organização do processo civil brasileiro alternativo aos modelos adversarial e inquisitorial, sem, contudo afastá-los complemente (DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 120).
O modelo estrutural de organização processual adversarial, fundamentado no princípio do autorregramento e arrimado no modelo de processo liberal, entregava às partes maior parte da atividade processual, enquanto o Judiciário, inerte, se comportaria como mero aferidor do resultado do duelo dos litigantes, ditando de modo autoritário e solitário o veredicto, estando o destino do processo, portanto, vinculado ao desempenho das partes (THEODORO JÚNIOR, et. al., 2016, p.73).
Enquanto as partes tinham liberdade para desenvolver o processo, o julgador julgava aplicando a lei de forma fria e afastada de seus destinatários, inexistindo diálogo voltado à resolução do conflito entre o magistrado e partes, ampliando as diferenças materiais por meio da isonomia formal processual.
Procurando estancar as deficiências do modelo anterior11, o modelo estrutural de organização processual inquisitorial, construído sobre o princípio da equiparação de armas e sustentado pelo modelo de processo social (DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 120-121), reduziu a liberdade das partes e reforçou o papel do magistrado, mantendo, todavia, a centralidade processual decisória insulada, autorreferente e, agora, compensadora, sob a crença de que o Estado-juiz seria capaz de resolver todos os problemas econômicos e sociais do cidadão, fato que redundou no afloramento do risco constante do decisionismo e da arbitrariedade.
Os equívocos encontrados no modelo processual social estruturado no modelo organizacional processual inquisitivo reduziram a discussão endoprocessual e a função técnica desenvolvida pelas partes e advogados à mera sujeição jurisdicional, arcabouço inadequado ao modelo de Estado Democrático de Direito que surgia e passava a exigir atuação processual interdependente e auxiliada por toda uma comunidade de trabalho, não sendo, portanto, suficiente a centralidade das partes, como no modelo liberal, ou do magistrado, como no modelo social.
No Estado Democrático de Direito a organização estrutural do processo exige forma policentrica, dialética, horizontalizada, sendo a decisão construída conjuntamente por meio da cooperação judicial entre os sujeitos do processo, ainda que a conclusão jurisdicional caiba exclusivamente ao detentor da jurisdição (THEODORO JÚNIOR, et. al, 2016, p.77).
A incompatibilidade entre o modelo estrutural de organização processual anterior e o modelo de Estado Democrático de Direito12 exigiu a adoção de um terceiro modelo estrutural de organização do processo, modelo cooperativo13 que redimensionasse o “princípio do contraditório, com a inclusão do órgão jurisdicional no rol dos sujeitos do diálogo processual, e não mais como um mero espectador do duelo das partes” (DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 125).
O modelo estrutural de organização do processo cooperativo civil brasileiro, instituído pelo atual Código de Processo Civil, alicerçado nos princípios do devido processo legal, boa-fé e do contraditório, atribui deveres aos sujeitos do processo14, ou seja, partes e juiz, propondo assim a autorresponsabilização15.
Ao tratar sobre o tema, Luiz Guilherme Marinoni, et. al. (2015, p. 76-77), faz leitura do atual Código de Processo Civil brasileiro sob a ótica da recente reforma processual civil lusitana16, compreendendo que os deveres decorrentes do princípio da cooperação seriam: o esclarecimento das partes quando instadas pelo magistrado; o diálogo visando a influência pelas partes para formação da convicção jurisdicional; a prevenção das partes sobre o perigo da utilização inadequada do processo; e o auxílio às partes destinadas à superação de obstáculos intransponíveis ou dificultosos.
A leitura dos referidos mantém a perspectiva centralizadora do magistrado e afastada da concepção policentrica democrática exigida pelo modelo de Estado Democrático de Direito instituído no art. 1º da Constituição da República, de 05 de outubro de 1988, e prescrita no art. 6º do CPC/2015.
Mesmo colhendo da mesma referência, Código de Processo Civil português, diferente são os posicionamentos de Fredie Didier Júnior (2015, p. 125) e Humberto Theodoro Júnior, et. al. (2016, p. 88), pois, ambos atribuem deveres recíprocos aos sujeitos processuais extraídos do princípio da cooperação/comparticipação tanto às partes como ao magistrado.
O primeiro autor aponta a ambas as partes e ao juiz deveres relacionados ao esclarecimento, lealdade e proteção, cada qual direcionado ao viés correspondente ao sujeito do processo destinado (DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 127).
Às partes constitui dever comum a apresentação clara de suas argumentações; a lealdade processual; e a vedação a ações danosas protegidas por meio de sanções a serem declaradas judicialmente (DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 128-129).
Ao magistrado compete o dever de: requisitar esclarecimentos sobre fatos, fundamentos e pedidos, consultando e facultando às partes a possibilidade de influenciar a decisão a ser proferida; e ainda, o dever de agir com lealdade, vedada má-fé e exigida boa-fé; além de proteção, direcionada à efetivação e efetividade da prestação jurisdicional, prevenindo situações e circunstâncias que possam frustra-la (DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 130).
O segundo autor atribui aos sujeitos do processo os deveres de esclarecimento, diálogo, prevenção e auxílio (THEODORO JÚNIOR, et. al. 2016, p. 92), sendo possível reagrupar e inserir os enumerados deveres dentro da classificação proposta anteriormente em virtude de sua semelhança conceitual e até mesmo gráfica, restando próxima as concepções relativas ao esclarecimento e diálogo; lealdade, prevenção, auxílio e diálogo; assim como, a proteção, auxílio e diálogo.
Compreende Fredie Didier Júnior (2015, p. 131) que o dever de auxílio estabelecido no Código de Processo Civil português de 2013, não possui guarida no direito brasileiro, pois o dever de auxiliar as partes é de seu advogado ou defensor público.
O posicionamento do autor justifica sua abordagem que evita a utilização da expressão “auxílio”, ainda que, de forma mitigada, venha a integrar os deveres de lealdade e proteção a que faz referência.
Vale destacar que o dever de auxílio proposto por Humberto Theodoro Júnior, et. al. (2016) e Luiz Guilherme Marinoni, et. al. (2015) também não possui a mesma extensão indicada no Código português de 2013, isto porque, o Código lusitano não limita a atuação do magistrado à superação de barreiras instransponíveis pelas partes para se desincumbirem de seus ônus processuais, sendo mais amplo, alcançando até mesmo a sugestão de posicionamentos e procedimentos alinhados à jurisprudência já consolidada.
Os deveres descritos por Fredie Didier Júnior (2015) e Humberto Theodoro Júnior (2016) direcionados aos sujeitos do processo, de forma recíproca, convergem adequadamente ao modelo que estrutura a organização do processo cooperativo introduzido pelo atual Código de Processo Civil, indispensáveis à sustentação da sistemática aplicada ao processo civil atual.
A inobservância dos deveres impostos aos sujeitos do processo pode gerar nulidade processual por infringência ao devido processo legal, boa-fé e/ou contraditório, bem como sanção às partes por ato atentatório à dignidade da justiça.
4 Sistematização, ampliação das condutas e sanções aos atos atentatórios à dignidade da justiça no atual Código de Processo Civil brasileiro
A exposição de motivos do atual Código de Processo Civil apresentou como um de seus objetivos a coesão, que exige interpretação sistemática a dar unidade à lógica processual, sendo impossível a interpretação e aplicação de dispositivos de modo isolado, sob pena de conduzir a resultados práticos inaceitáveis (THEODORO JÚNIOR, et. al., 2016, p. 19-20).
Ao disciplinar os sujeitos processuais e as sanções a serem aplicadas àqueles que praticarem atos atentatórios à dignidade da justiça, o Código de Processo Civil brasileiro de 2015 ampliou o número de artigos que tratam do tema, anteriormente três (art. 599 ao art. 601), atualmente, oito (art. 77, IV, VI e seus parágrafos, art. 161, parágrafo único, art. 334, §8º, art. 772, II, art. 774 e parágrafo único, art. 777 e art. 903, §6º, art. 918, parágrafo único), prevendo ainda sua aplicação não apenas na fase de cumprimento de sentença (atual Título II, do Livro I, da parte Especial) ou execução (atual Livro II, da parte Especial), mas a todas as fases processuais e espécie de processo, sendo indispensável a adoção de técnica interpretativa sistemática a integrar e dar unidade ao processo.
A pluralidade de dispositivos que tratam do tema exige conexão harmoniosa por meio de coerência lógica dos comandos jurídicos com a finalidade de irradiar segurança jurídica (NADER, 2014, p. 99) e manter coesão e a unidade desejada ao sistema processual.
Para tanto, os dispositivos acima enumerados foram examinados nessa pesquisa individualmente e reagrupados conforme elementos característicos, finalidade, extensão e natureza jurídica.
O art. 77 do CPC/2015, localizado na parte geral do Código, enumera deveres atribuídos às partes, procuradores ou outros que participem de qualquer forma do processo independentemente da fase[17] processual ou espécie de processo, não havendo assim direcionamento subjetivo, ao devedor, como anteriormente disciplinado no CPC/1973, mas “às partes ordinárias (autor e réu), aos terceiros (litisdenunciado, chamado ao processo, assistente, oponente e terceiro prejudicado)” (MONTENEGRO FILHO, 2016, p. 117), bem como aos advogados, representantes das partes e auxiliares do juízo, além daquele que funcionar como amicus curiae (GAJARDONI, 2015, p. 273)
Portanto, aos que participam do processo, além das faculdades para atendimento aos fins próprios dos atos procedimentais também são impostos deveres direcionados a eficiência e efetividade do processo civil (CAPUTO, 2016, p. 147).
Os incisos IV e VI do artigo 77, disciplinam obrigações que exigem ações positivas e negativas a que partes, seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo devem obediência, sendo considerado ato atentatório à autoridade do Judiciário a infringência.
Sem perder do horizonte o objetivo do processo e fundado no princípio da cooperação em sua modalidade preventiva, o legislador estabeleceu que a aplicação de punições deve ser precedidas de advertência (§1º do art. 77 do CPC/2015), quando, então, perpetuado o ato18, poderá ser aplicada multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta sem prejuízo das sanções criminais (prevaricação, desobediência ou fraude processual), civis (indenização por perdas e danos) e processuais (astreintes, presunções, etc) cabíveis, podendo ainda, caso venha a ocorrer prática ilegal contra o estado de fato de bem ou de direito litigioso, ser o infrator proibido de falar nos autos até a restauração do estado maculado (§7º do art. 77 do CPC/2015).
Observa-se que a exigência da advertência imposta tem fundamento no princípio da cooperação, possuindo também a finalidade de explicitar a intenção dolosa do litigante em desrespeitar o Judiciário19.
A alíquota máxima fixada no §2º do art. 77 do CPC, em vinte por cento, poderá ser reajustada pelo magistrado em até dez vezes o salário mínimo quando se mostrar insuficiente diante do valor financeiro irrisório da causa ou quando se tratar de causas de valor inestimável (§5º do art. 77 do CPC/2015), o que torna flagrante a natureza sancionatória e não indenizatória do instituto.
Analisando sistematicamente o ordenamento jurídico é possível concluir que o legislador estabeleceu que, causas cujo valor financeiro seja fixado em importância inferior a cinquenta salários mínimos devem ser consideradas causas de valores financeiros irrisórios, ou seja, todas as ações propostas nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais não contemplados pelas exceções20 enumeradas nos incisos III e IV do art. 3º da Lei nº 9099, de 26 de setembro de 199521, possuiriam portanto valores irrisórios.
A conclusão acima não confere validade à assertiva, segunda a qual, o valor mínimo da multa nos casos acima deve corresponder a dez salários mínimos, pois, a luz da razoabilidade constitucional, bem como do disposto no §1º do art. 77 do CPC/2015, é indispensável a gradação da punição conforme a conduta praticada, deixando o legislador claro que a gravidade pode gerar sanção superior ao próprio valor dado à causa, não estando limitado a esta ou inferior, por óbvio, ao teto.
Fixada as determinações gerais, na parte especial do código, o Título I, do Livro I, ao disciplinar o procedimento comum e regrar em seu Capítulo V a audiência de conciliação ou mediação, determinou, no §8º do art. 334 do CPC/2015, que “o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação22” implicará em “multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa” (BRASIL, 2015).
É inquestionável que o parágrafo oitavo acima parcialmente reproduzido estabelece taxativamente tanto a conduta considerada atentatória à dignidade da justiça como a alíquota máxima da multa a ser aplicada, respectivamente, ausência injustificada à audiência de tentativa de conciliação e multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa.
Ainda que o referido parágrafo delimite conduta e sanção de forma taxativa, o enunciado 273 do Fórum Permanente de Processualista Civis23, realizando interpretação sistemática do CPC/2015, orienta acerca da necessidade de se advertir o réu no mandato citatório sobre a sanção que poderá lhe ser imposta caso se ausente, injustificadamente, da audiência de tentativa de conciliação.
A orientação ementada possui estreita relação com o estabelece o §1º do art. 77 do CPC/2015 e com o princípio da cooperação em seu viés preventivo, esclarecedor, dialógico e auxiliador.
A margem designada para a fixação da punição à falta injustificada à audiência de conciliação é menor que as fixadas nos §§ 2º e 5º do art. 77 do CPC/2015, estando tal disposição coerente com a sistemática apresentada pelo §1º do art. 77 do CPC/2015, tratada na parte geral do código, que exige a gradação da sanção conforme a gravidade da conduta.
Em ambos os casos, art. 77 e art. 334 do CPC/2015, a multa imposta ao infrator, precedida de advertência, será devida ao Estado e não à parte contrária, fato este que explicita a condição da contempt of court diante do ato atentatório à autoridade do Judiciário, bem como sanciona a conduta contrária ao princípio da cooperação.
Imperiosa é a advertência feita por J. E. Carreira Alvim (2015, 394-395) ao tratar da destinação do crédito das multas ao Estado, quando observa que os Entes públicos também são partes em juízo e comumente descumpridores contumazes de decisões judiciais e, eventual multa aplicada por tais descumprimentos das obrigações enumeradas nos incisos IV e VI do art. 77 do CPC/2015, não alcançará qualquer efeito, pois o dinheiro dispendido sairá e retornará ao mesmo Ente, tornando este blindado contra a possível sanção, salvo se criado fundo de modernização do Judiciário24.
Ainda analisando o art. 77 do CPC/2015, localizado na parte geral do CPC/2015, porém, agora quanto a sua extensão, é forçoso afirmar que suas regulações repercutem também na parte especial do CPC que trata do processo de execução, ainda que nesta espécie existam regramentos específicos próximos da sistemática do código anterior de 1973, que fixa, subjetivamente, quem poderá cometer ato atentatório à dignidade da justiça, assim como quem, eventualmente, será credor de eventual obrigação, respectivamente, executado e exequente.
O caráter sancionatório e a reprimenda a atos que evidenciem o contempt of court permanecem inalterados na parte especial do código a que trata o processo executivo, pois, os artigos 774 e 903 ambos do CPC/2015 também admitem a cumulação da multa com outras sanções de natureza material, ainda que o crédito apurado se reverta exclusivamente ao exequente que, o executará nos próprios autos do processo executivo (art. 777 do CPC).
Portanto, diferente do acima examinado quanto a parte geral do código e ao processo comum, o crédito proveniente de multa aplicada por conduta que atente contra a dignidade da justiça no processo executivo será atribuído não ao Estado, mas ao exequente25.
Sobre o assunto, Fernando da Fonseca Gajardoni (2015) comenta que:
Nessa temática, sofre o CPC/2015 de manifesta bipolaridade, pois ora indica o Estado como beneficiário da multa aplicada pela prática de ato atentatório à dignidade da Justiça (como é o caso do art. 77, §§1º a 6º, do CPC/2015), ora destina o valor à parte (art. 774, parágrafo único, do CPC/2015). Isso é inexplicável do ponto de vista lógico (GAJARDONI, 2015, p. 277).
Ainda que o atual Código de Processo Civil realmente tenha destinado o crédito da multa de forma diversa conforme a espécie processual, cumpre destacar que à dicotomia não se pode atribuir adjetivo pejorativo ou compreender que este padece de lógica isto porque, o cumprimento das obrigações pelos sujeitos do processo, inicialmente, “interessa não apenas ao beneficiário pelos termos do pronunciamento, como também ao Estado, sob pena de a ordem judicial se qualificar como mera recomendação, sem garantir efetividade” (MONTENEGRO, 2016, p 118), enquanto que, no processo de execução o beneficiário direto pelo termo do pronunciamento é o exequente que exige o cumprimento de título executivo cunhado fora do Judiciário.
Os dispositivos, em exame, destinados ao processo de execução, assim como na antiga sistemática e também nos §§2º e 5º do art. 77, e §8º do art. 334, ambos do CPC/2015, apresentam também em rol taxativo as condutas atentatórias à dignidade da justiça, bem como as sanções aplicas, a serem fixadas conforme a gravidade da conduta.
A sanção destinada ao executado presente nos artigos 774 e 903 ambos do CPC/2015 a punir atos atentatórios à dignidade da justiça é pecuniária, limitada em até vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, podendo, todavia, ser cumulada com outras sanções de natureza processual ou material, sendo o crédito proveniente da multa destinado ao exequente.
Também seguindo a mesma sistemática identificada na parte geral do Código, no processo de execução, o art. 774 do CPC/2015 impõem a necessidade de magistrado advertir o executado “de que seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça” (BRASIL, 2015), reverenciando o princípio cooperação em seu viés preventivo e mantendo a sistemática processual que exige a explicitação da intenção do litigante em causar dolosamente prejuízo processual.
O §6º do art. 903 do CPC/2015, assim como o artigo anterior, mantem a apresentação, em rol taxativo, tanto a conduta tida como atentatória à dignidade da justiça como a multa limitada a vinte por cento do valor do bem a qual se prejudicou a arrematação, sendo devido o crédito da multa ao exequente, acrescida da possibilidade de responsabilização do infrator por perdas e danos.
Em todos os dispositivos do Código de Processo Civil analisados neste capítulo, art. 77, IV, VI e seus parágrafos, art. 334, §8º, art. 772, II, art. 774 e parágrafo único, art. 777 e art. 903, §6º, a sanção decorrente de ato que atente contra a dignidade da Justiça possui como objetivo a preservação da autoridade do Judiciário, sendo descrito taxativamente no Código de Processo Civil, em sua parte geral e especial, tanto no processo comum como no processo de execução, os atos dolosos, comissivos e omissivos, passíveis de serem declarados como atentatórios, assim o teto e a necessidade de gradação da punição, sempre precedida de advertência à luz do dever de auxílio, esclarecimento e prevenção.
5 Limites à liberdade de imputação e fixação de sanções pelos magistrados frente ao parágrafo único do artigo 161 e parágrafo único e 918, ambos do CPC/2015
O parágrafo único do art. 161 e o parágrafo único do art. 918, ambos do CPC/2015, apresentam atos que podem ser qualificados como atentatórios à dignidade da justiça, o primeiro tratado de forma extremamente genérica ao afirmar que o prejuízo causado pelo depositário infiel também pode ser considerado ato atentatório à autoridade do Judiciário, sem, contudo apresentar a sanção passível de ser imputada. O segundo, parágrafo único do art. 918 do mesmo caderno processual também apresenta conduta apontada como ato atentatório a dignidade da justiça a apresentação de embargos à execução manifestamente protelatórios, porém, padece da mesma imperfeição ao deixar de fixar em seu próprio dispositivo a sanção cabível.
Todas as condutas observadas no capítulo anterior como atentatórias à dignidade da justiça previstas no CPC/2015, mesmo arroladas taxativamente, comportam grande grau de subjetividade sendo indispensável a cautela do julgador, não sendo diferente nos casos do parágrafo único do art. 161 e parágrafo único do art. 918, ambos do CPC/2015.
Observa-se que no parágrafo único do art. 161 do CPC/2015, o depositário infiel responderá pelos prejuízos que causou tanto civil como penalmente, de tal forma que, ao menos juridicamente, restará o Judiciário protegido de eventuais atos que evidenciem contempt of court, diante da garantia pessoal do depositário.
Acrescenta-se que o termo “prejuízo” é extremamente amplo sendo indispensável à observação de critérios razoáveis e proporcionais, pois, situação como a prevista na primeira parte do art. 642 do Código Civil, certamente não ensejam a pecha de “infiel” ao depositário, assim como a faculdade deste em entregar coisa ou o equivalente em dinheiro26 (AMARAL, 2015, p. 249), verificado se tratar de faculdade legal.
A mesma ponderação advertida anteriormente, também deve ser empregada ao parágrafo único do art. 918 do CPC/2015, pois, a decisão que considerar o oferecimento de embargos manifestamente protelatórios conduta atentatória à dignidade da justiça, deve observar o direito assegurado à ampla defesa27, visto que os embargos à execução “são misto de ação e defesa, de modo que o executado pode maneja-la para uma ou para as duas finalidades conforme o caso” (NERY JÚNIOR, 2015, p. 1815).
A cautela indispensável à aplicação do parágrafo único do art. 918 do CPC/2015 deve estar atenta também ao fato de que, a interposição de embargos à execução não suspende o curso processual, ou seja, ainda que protelatórios, os embargos não são capazes de causar ofensa ou prejuízo, devendo ser observado que, somente em situações excepcionais, previstas no § 1º do art. 919 do CPC/2015, será permitido conferir efeito suspensivo.
Diante desse cenário, os requisitos estabelecidos para concessão de efeito suspensivo, obviamente, afastam, por si só, a possibilidade de concessão de efeito a embargos que se apresentem manifestamente protelatórios, tornando “letra morta” o disposto no parágrafo único do art. 918 do CPC/2015 e demonstrando a ausência de conexão entre a sanção prevista e a nova sistemática processual (NEVES, 2016, p. 1464).
Os parágrafos únicos dos artigos 161 e 918, ambos do CPC/2015, diferente dos dispositivos tratados no capítulo anterior não apresentam as sanções cabíveis àqueles que praticarem as condutas descritas em seus dispositivos.
Ao comentar os referidos artigos, Misael Montenegro Filho (2016) e Paulo Rubens Salomão Caputo (2016) tecem considerações sobre o disposto no caput, contudo nada pronunciam quanto ao disciplinado no parágrafo único, já, Daniel Amorim Assunção Neves (2016) e Nelson Nery Júnior, et. al. (2015), mesmo atentos às responsabilidades civis e penais anunciadas nos parágrafos únicos, silenciam sobre a sanção objeto dessa pesquisa.
Fabiano Carvalho (2015, p. 1777), diferente do até então mencionado, se posiciona sobre o tema, argumentando que o rol, tanto das condutas como das sanções seriam todos exemplificativos, numerus apertus, compreendendo de tal modo por observar que no parágrafo único do art. 918 também do CPC/2015, inexistiria conduta bem definida e tampouco sanção prevista, atribuindo assim amplos poderes ao magistrado para fixação surpresa de conduta e sanção.
Não compreendemos da mesma forma que o último autor, primeiramente em virtude da redação sobre o tema contida nos artigos 77, 334, 772, 774, 777 e 903, todos do CPC/2015, em que resta patente a fixação, em numerus clausus, tanto das condutas como das sanções a que seus infratores estão sujeitos inexistindo abertura para interpretação extensiva, sendo a ausência de previsão nos parágrafos únicos do art. 161 e 918, exceção e não regra.
Segundo, o posicionamento apresentado pelo autor parece desconectado da sistemática principiológica instituída pelo CPC/2015, que busca “o delineamento de um sistema dogmático íntegro e adequado que leve a sério os princípios do modelo constitucional de processo e que aplique normas de tessitura aberta” (THEODORO JÚNIOR, et al. 2016, p. 45) com a finalidade de proporcionar uma leitura adequada do Código, pois se apresenta como algo capaz de surpreender as partes envolvidas afastando-lhes o direito de influenciar a decisão judicial condicionada a parâmetros subjetivos e desconhecidos das partes, além de desvinculado do princípio da cooperação e dos deveres dos sujeitos processuais.
Terceiro, a assertiva parece desconsiderar a sistemática e a evolução do instituto, afastando o disposto no art. 77 do CPC/2015 e seu posicionamento localizado na parte geral do atual Código de Processo Civil.
Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, et al. (2015), sobre o art. 161 do CPC/2015 se resumem a anotar, que: “a novidade refere-se à inclusão do parágrafo único, que prevê a responsabilidade civil e pena do depositário infiel, bem como a aplicação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça” (CARNEIRO, et. al. 2015, P. 162).
Observa-se que o último autor, et. al., impõem como sanção a multa ao ato que venha a ser considerado atentatório à dignidade da justiça, ainda que o referido artigo não traga qualquer sanção explícita, que a prima face, poderia ser outra, como a mera advertência ou a proibição de falar nos autos.
Mesmo sem declinar as razões da conclusão esposada, o posicionamento de Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, et al. (2015) nos parece acertado, restando, contudo definir razões e limitações.
Guilherme Rizzo Amaral (2016, p. 250 e 936) propõe que as balizas para as sanções decorrentes de condutas declaradas como atentatórias à dignidade da justiça estabelecida no parágrafo único do art. 161 e parágrafo único do art. 918, ambos do CPC/2015, estariam definidas no art. 77 do CPC/2015, em virtude do disposto em seu caput e também no §2º.
O posicionamento do autor nos parece congruente com a sistemática codificada e atende à principiologia adotada pelo atual Código de Processo Civil brasileiro, pois, como tratado anteriormente, o art. 77 do CPC/2015, estabelece disposições gerais a serem aplicadas a todos os atos processuais, independentemente de sua espécie processual.
O raciocínio empregado acima se mostra perfeitamente compatível com a disciplina empregada no parágrafo único do art. 161 do CPC/2015, isso porque, o dever de guarda, conservação (art. 159 do CPC/2015) e a obrigação de apresentar o bem (art. 652, CC/02) atribuído ao depositário pressupõe o cumprimento de decisão judicial sem embaraços, assim como a abstenção de inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso, obrigações previstas inclusive nos incisos IV e VI do próprio art. 77 do CPC/2015, cujo descumprimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça (§2º do art. 77 do CPC/2015).
Assim, a sanção imputada à conduta prescrita no parágrafo único do art. 161 do CPC é taxativamente prevista na parte final do §2º do art. 77 também do CPC/2015, “multa de até vinte por cento do valor da causa”, sendo possível, contudo a fixação diversa, caso o valor da causa se apresente irrisório, conforme previsão estabelecida pelo § 5º do mesmo artigo, podendo ser “fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo”, observado em todo caso a gradação “de acordo com a gravidade da conduta”.
Contudo, ao se observar o que dispõe o art. 918, inciso III e seu parágrafo único do Código de Processo Civil, temos que não é possível a compatibilização integral destes com o disposto no art. 77 do CPC/2015, isto porque, a ação a que se tem como atentatória à dignidade da justiça prevista no art. 918 do CPC/2015 é comissiva e independente de determinação judicial, o que afasta os incisos IV e VI contidos no art. 77, do CPC/2015.
Entretanto, o art. 772 e o art. 774, presentes no Título I que trata das disposições gerais do processo de execução no Código de Processo Civil brasileiro, possui aplicação subsidiária em todo o processo executivo, justamente por apresentar disposições gerais disposições essas que se ajustam àquela disciplinada no art. 918 também do mesmo caderno processual, por tratar de ações comissivas praticadas pelo executado destinado a opor maliciosa e dolosamente à execução.
O exame adequando e sistemático da matéria aqui exposta conserva ainda a lógica a quem será destinado o crédito colhido das multas, isso porque, se tratando de processo comum, o crédito da sanção prevista no art. 161, parágrafo único deverá ser dirigida ao Estado, nos termos do §3º do art. 77, enquanto o crédito previsto no parágrafo único do art. 918 deverá ser atribuído ao exequente, mantendo-se a coerência e unidade exigida pela sistemática processual.
Assim é forçoso concluir que, mesmo o Código de Processo Civil tendo ampliado as sanções e os atos tidos como atentatórios à dignidade da justiça, manteve a sistemática segundo a qual, tanto as condutas como as penalidades permanecem restritas a rol taxativo contida em dispositivo específico ou em regra geral aplicada subsidiariamente, mas, em todo caso, sempre em numerus clausus.
6 Conclusões
A proteção explicita a atos atentatórios à dignidade da justiça surgiu no ordenamento brasileiro com a publicação do Código de Processo Civil de 11 de janeiro de 1973, possuindo o resguardo inspiração inglesa consubstanciada nas sanções impostas a atos que evidenciassem contempt of court.
No Brasil, até a entrada em vigor do atual Código de Processo civil de 16 de março de 2015, somente atos praticados pelo devedor eram passíveis de serem punidos a esse título, ainda que o legislador reconheça que atos atentatórios à dignidade da justiça possam existir em qualquer fase ou espécie processual.
Com a vigência do CPC/2015, o modelo estrutural de organização do processo predominantemente inquisitorial foi substituído pelo modelo cooperativo que impôs deveres às partes, representantes e todos aqueles que de qualquer forma participem do processo, cuja desobedecida poderá resultar em nulidades processuais e/ou punições ao infrator, dentre as sanções, a imposição de advertência, proibição de falar aos autos e multa, conforme conduta e gravidade apurada nos termos fixados em lei.
O rol taxativo tanto das condutas como as sanções a atos atentatórios à dignidade da justiça estão presentes explicitamente nos art. 77, IV, VI e seus parágrafos, art. 334, §8º, art. 772, II, art. 774 e parágrafo único, art. 777 e art. 903, §6º todos do Código de Processo Civil atual, contudo, o mesmo não se percebe nos parágrafos únicos dos art. 161 e art. 918, ambos do CPC, cujas sanções encontram-se implícitas à sistemática processual em numerus clausus.
A sanção a ser aplicada à conduta do depositário infiel que cause prejuízos e venha a ser reconhecido como atentatório à dignidade da justiça, previsto no parágrafo único do art. 161, portanto, parte geral do CPC/2015, será aquela prevista nos parágrafos do art. 77 do mesmo diploma legal, multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta, cujo crédito pertencerá ao Estado, justamente porque o último dispositivo mencionado, localizado na parte geral do atual Código de Processo Civil, tem aplicação geral e subsidiária.
A punição aplicada àquele que oferece embargos de execução manifestamente protelatórios, prevista no parágrafo único do art. 918, portanto, parte especial do CPC/2015, será aquela prevista nos parágrafos do art. 774 do atual Código de Processo Civil, multa em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, de acordo com a gravidade da conduta, cujo crédito pertencerá ao exequente, justamente porque o último artigo se localizar nas disposições gerais do processo de execução devendo ser aplicado de forma geral e subsidiária a esta espécie processual.
Portanto, ainda que os parágrafos únicos dos artigos 161 e 918 ambos do CPC/2015 não descrevam em seus respectivos dispositivos as sanções cabíveis para atos reconhecidos como atentatórios à dignidade, a interpretação sistemática do atual Código de Processo Civil exige a conjugação daqueles com os artigos 77 e 774 do mesmo caderno processual, nessa ordem, sendo assim forçoso concluir que tanto as condutas como as sanções por atos que atentem contra a dignidade da justiça são dispostos em numerus clausus.
Referências
ALVIM, J. E. Carreira. Comentários ao novo Código de Processo civil: Lei 13.105/15. Vol. 1. Curitiba: Juruá, 2015.
AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Enunciados Cíveis do Fórum Nacional dos Juizados Estaduais. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/corregedoriacnj/redescobrindo-os-juizados-especiais/enunciados-fonaje/enunciados-civeis. Acesso: 08 fev. 2017.
BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso: 18 fev. 2017.
BRASIL. Código de Processo Civil brasileiro. Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del1608.htm. Acesso: 05 fev. 2017.
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm. Acesso: 05 fev. 2017.
BRASIL. Altera dispositivos do Código de Processo Civil. Lei nº 8.953, de 13 de dezembro de 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8953.htm. Acesso: 05 fev. 2017.
BRASIL. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Lei nº 9099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm. Acesso: 06 fev. 2017.
BRASIL. Código Civil brasileiro. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso: 17 fev. 2017.
BRASIL. Altera dispositivos do Código de Processo Civil. Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11232.htm. Acesso: 05 fev. 2017.
BRASIL. Altera dispositivos do Código de Processo Civil. Lei nº 11.382, de 6 de dezembro de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11382.htm#art2. Acesso: 05 fev. 2017.
BRASIL. Código de Processo Civil brasileiro. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso: 05 fev. 2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Agravo Interno no Agravo no Recurso Especial nº 972993/MS. Relator: BELLIZZE, Marco Aurélio. Publicado no DJ de 10 nov. 2016 s.p. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=66110137&num_registro=201602254731&data=20161110&tipo=51&formato=PDF. Acessado em 18 fev. 2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental no agravo em recurso especial nº 237346/RS. Relator: GALLOTTI, Maria Isabel. Publicado no DJ de 29 abr. 2014 s.p. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=34848027&num_registro=201202069490&data=20140429&tipo=51&formato=PDF. Acessado em 24 fev. 2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial nº. 276.817/SP. Relator: NETTO, Franciulli. Publicado no DJe de 30 out. 2006. P. 292. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=381496&num_registro=200000917435&data=20040607&tipo=5&formato=PDF. Acesso: 18 fev 2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial nº. 1.231.981/RS. Relator: SALOMÃO, Luiz Felipe. Publicado no DJe de 15 dez. 2015 s.p.. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=55532647&num_registro=201100067945&data=20160303&tipo=91&formato=PDF. Acesso: 05 fev 2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial nº. 1.250.739/PA. Relator: MARQUES, Mauro Campbell. Publicado no DJe de 17 mar. 2014 s.p.. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1187895&num_registro=201100901773&data=20140317&formato=PDF. Acesso: 05 fev 2017.
BRASIL. Senado Federal. Código de Processo Civil: histórico da Lei. Brasília: Subsecretaria de edições técnicas. Vol. I, Tomo I, 1974.
BRASIL. Senado Federal. Anteprojeto do novo código de processo civil de 28 de abril de 2010. Disponível em: https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf. Acessado em 18 fev. 2017.
CAMBI, Eduardo. Audiência de conciliação ou de mediação. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. DIDIER JÚNIOR, Fredie. TALAMINI, Eduardo. DANTAS, Bruno (coord.) Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. PINHO, Humberto Dalla Bernadina de. MACHADO JÚNIOR, Dario Ribeiro. WOLKART, Erik Navarro. HARTMANN, Guilherme Kronember. MENEZES, Gustavo Quintanilha Telles. RODRIGUES, Roberto de Aragão Ribeiro. GISMONDI, Rodrigo A. O. C.. TEMER, Sofia. In: CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. PINHO, Humberto Dalla Bernadina de (coord.). Novo Código de Processo Civil: anotado e comparado. Rio de Janeiro: Forense. 2015.
CAPUTO, Paulo Rubens Salomão. Novo Código de Processo Civil articulado: remissões, referências, comentários e notas, quadro comparativo. Leme: JH Mizuno. 2016.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, Salvador: Jus Podivm. 2015.
DINAMARCO, Cândido Rangel, Execução civil. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
CARVALHO, Fabiano. Capítulo I, disposições gerais, do título I, da execução em geral, do livro II, do processo de execução. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. DIDIER JÚNIOR, Fredie. TALAMINI, Eduardo. DANTAS, Bruno (coord.) Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015
FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS. Enunciados: Vitória, 01º,02 e 03 de maio de 2015. Disponível em: http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf. Acessado em: 23 fev. 2017.
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Dos deveres das partes e de seus procuradores. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. DIDIER JÚNIOR, Fredie. TALAMINI, Eduardo. DANTAS, Bruno (coord.) Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015
MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo curso de Processo Civil. Vol. 2. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2015.
MONTENEGRO FILHO, Misael. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Atlas, 2016.
MORAES JÚNIOR, Ariel Salete de. Atos atentatórios à dignidade da justiça: uma reflexão. Revista Eletrônica da Amatra XX, Aracaju, n. 04, 2007.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense. 2014.
NERY JÚNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maira de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015.
NEVES, Daniel Amorim Assunção. Novo CPC comentado artigo por artigo. Salvador: Jus Podivm, 2016.
Portugal. Código de Processo Civil português. Lei nº 41, de 26 de junho de 2013. Disponível em: http://www.stj.pt/ficheiros/fpstjptlp/portugalcpcivilnovo.pdf. Acesso: 18 fev. 2017.
SAMPAIO, José Adércio Leite. Teoria da Constituição e dos direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey. 2013.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. NUNES, Dierle. BAHIA, Alexandre Melo Franco. PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2016.
Notas
I - frauda a execução;
II - se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos;
III - resiste injustificadamente às ordens judiciais;
IV - não indica ao juiz onde se encontram os bens sujeitos à execução” (BRASIL, 1973).
(...)
IV - intimado, não indica ao juiz, em 5 (cinco) dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores. (NR)” (BRASIL, 2006)
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;
VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.” (BRASIL, 2015)
Ligação alternative
http://periodicos.uninove.br/index.php?journal=prisma&page=article&op=view&path%5B%5D=7306 (pdf)