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Ponderações entre o capitalismo humanista e a lógica de mercado globalizado: A fraternidade como agente econômico

Weightings between humanistic capitalism and the globalized market logic: Fraternity as an economic agent

Isis Almeida Silva
Universidade Nove de Julho, Brasil
Marcelo Benacchio
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil

Ponderações entre o capitalismo humanista e a lógica de mercado globalizado: A fraternidade como agente econômico

Prisma Jurídico, vol. 18, núm. 1, pp. 48-63, 2019

Universidade Nove de Julho

Recepção: 24 Setembro 2018

Aprovação: 24 Maio 2019

Resumo: O presente artigo tem como objetivo ponderar sobre os reflexos socioeconômicos da globalização e da atual lógica de mercado sob a perspectiva do que vem sendo defendido pela teoria do capitalismo humanista. Utilizando o método dedutivo para analisar doutrinas, notícias e seus reflexos no atual contexto social ao qual se insere a globalização, passaremos a fazer um breve histórico evolutivo da globalização no Brasil para, em seguida, verificar como a mesma tem se apresentado no mundo. Ao final, analisaremos a lógica de mercado isoladamente e apontaremos um possível elo difundido pela teoria do capitalismo humanista como possível agente transformador dessa lógica, sob os marcos teóricos de Sayeg, Balera e a conexão entre o desenvolvimento integral explicado por Machado bem como Amartya Sen com o estudo do direito ao desenvolvimento.

Palavras-chave: Capitalismo Humanista, Fraternidade, Direito Econômico, Ética Econômica, Globalização.

Abstract: This article aims to consider the socioeconomic consequences of globalization and the current market logic from a perspective of what has been defended by the theory of humanist capitalism. Using the deductive method to analyze doctrines, news and its reflections in the current social context to which the globalization is inserted, we will begin to make a brief evolutionary history of the globalization in Brazil for, in. In the end, we will analyze the market logic in isolation and point out a possible link between the theory of humanist capitalism as a possible transforming agent of logic, unified the theoretical frameworks of Sayeg, Balera and the connection between integral development explained by Machado as well as Amartya Sen with the study of the right to development.

Keywords: Humanist Capitalism, Fraternity, Economic Law, Economic Ethics, Globalization.

Introdução

O presente estudo visa analisar os efeitos da lógica de mercado capitalismo no Brasil e no mundo globalizados e se a fraternidade pode ser suscitada, com base na difusão do capitalismo humanista, como agente transformador dessa lógica destrutiva. Primeiramente, iremos abordar um breve histórico da evolução do Brasil no contexto globalizatório, mesmo compreendendo que tal fenômeno em si não é um efeito exclusivo dos dois últimos séculos, optamos por um recorte histórico temporal a fim de facilitar a compreensão da pretendida conexão com as teorias estudadas.

A corrente do capitalismo humanista é a base desse trabalho juntamente com a globalização, motivo pelo qual na segunda parte elucidamos conceitos para, então, iniciar as efetivas ponderações.

O método dedutivo utilizado no decorrer desse trabalho permitiu que as reflexões fossem amplas, sem, contudo, deixar de se ter um posicionamento mais efetivo ao final. A análise das teorias do capitalismo humanista, do humanismo integral do direito ao desenvolvimento são cruciais para entender onde a fraternidade poderia ganhar espaço, força e corpo para suscitar uma expressiva transformação na atual lógica de mercado capitalista.

Por fim, analisaremos a pertinência dos elos teóricos com a fraternidade, ponderando possíveis ações e efeitos no atual mundo globalizado.

1 Breve histórico sobre o processo de Globalização no Brasil

O fenômeno do que veio a se chamar “globalização” assim compreendido como a internacionalização, integração e comunicação conexa passou a ser estudado com maior atenção no pós-Segunda Guerra Mundial, porém, é possível dizer, tal qual Benacchio (2011, p. 203) citando Lewandowski que muito antes disso, já se podia verifica-la:

[...] compreendida num sentido amplo, começa com as migrações do Homo sapiens, passa pela conquista dos antigos romanos, a expansão do Cristianismo e do Islã, as grandes navegações da Era Moderna, a difusão dos ideais da Revolução Francesa, e o neocolonialismo do Século das Luzes, ganhando especial impulso depois da Segunda Guerra Mundial.

Com efeito, o presente artigo não pretende desvirtuar o conceito do movimento globalizatório, porém irá destacar o feito especificamente no Brasil, motivo pelo qual será feita uma abordagem histórica do que se consolidou como majoritário na doutrina econômica e jurídica ao classificar a globalização no Brasil a partir dos anos 80/90.

Até o final da década de 80 o Brasil era composto por um cenário protecionista em se tratando do mercado interno com relação à importação. Resumidamente, essa política baseava-se num processo de substituição, isto é, concedendo permissão de entrada de produtos importados caso não houvesse similares no mercado interno, ou ainda, caso houvesse significativo aumento na demanda e consequente incapacidade de fornecimento nacional.

Como resultado dessa política que pregava a alta taxação aduaneira, limitação quantitativa entre outros, o Brasil consolidou um mercado interno com expressivo número de produtos diversos, porém sem estabelecer estabilidade suficiente capaz de garantir ao país a necessária abertura para o comércio internacional ser alavancado. Kume, Piani e Souza (2003, p. 12) assim resumem as políticas aduaneiras iniciadas em 1988:

Na primeira fase, correspondente ao biênio 1988-1989, foram realizadas duas reformas tarifárias, respectivamente, em junho de 1988 e em setembro de 1989, que buscaram eliminar a parcela redundante da tarifa nominal, sem efeitos significativos sobre o volume de importações. No período 1991-1993, eliminaram-se, inicialmente, as BNTs e os regimes especiais de tributação, sendo implementado, posteriormente, um cronograma — previamente anunciado — de redução gradual das tarifas de importação. A terceira etapa, ocorrida em 1994, esteve associada às reduções tarifárias promovidas no início do Plano Real, visando disciplinar os preços domésticos através de uma competição externa maior.

A política desenvolvimentista, como explica Furtado (1998) é aquela que se baseia numa estratégia de avanço econômico sem a propagação e incentivo de empresas estrangeiras. O Estado protege a economia nacional de grandes potências, inclusive, voltando atenção para a produção interna, promovendo incentivos maiores às empresas nacionais e maiores entraves para as ameaças desse modelo.

Ocorre que o modelo desenvolvimentista gerou expressivos problemas que contribuíram para o definhamento desse plano; a inflação estava incontrolável e isso dificultava a estabilidade necessária para as previsões de desenvolvimento econômico interno, não obstante, havia grande pressão externa por parte dos países capitalistas, além disso, Baer (2009, p. 197) afirma que: “Embora o setor público brasileiro tenha representado uma força crucial na industrialização e crescimento do país na segunda metade da década de 1980, ele se tornou uma barreira para a continuação desse crescimento”.

A condução do desenvolvimento econômico garantido unicamente pelo Estado, portanto, não garantiu a necessária estabilidade econômica, os gastos com investimentos, a ata nos encargos salariais, os abusivos empréstimos estrangeiros em tudo contribuíram para o fracasso do plano desenvolvimentista. Ao Estado restou a opção de afastar-se do papel de único agente e reconhecer, por vez, a responsabilidade que o setor privado deveria ter diante do caos em que o país se encontrava.

Santos (2009, p. 111) assim descreve o momento narrado:

As pressões de países desenvolvidos eram crescentes até mesmo antes da década de 1990. Com a implementação de políticas de desregulamentação e de cunho neoliberal (como privatizações, reduções dos investimentos do governo em educação, investimentos na área social, entre outros) nos governos de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e de Margaret Thatcher, na Inglaterra, ambos a partir do início da década de 1980, eram muito mais constantes as recomendações neoliberais não somente desses países, mas também de instituições como o FMI. Na América Latina, o Chile, a partir do governo militar de Pinochet, já seguia o receituário econômico neoliberal com efeitos positivos no cenário econômico. Dessa forma, exemplos favoráveis a alterações nos modelos de política econômica adotados por países como o Brasil dificultavam a manutenção de um governo fechado e intervencionista.

A reestruturação político-econômica ganhou forte impulso no período pós-Segunda Guerra, marcando os anos 50 como o auge do modelo desenvolvimentista e expressivos períodos de crescimento (milagre econômico) atingindo um marco de aproximadamente 11% de crescimento no PIB entre os anos 1968 e 1973, apesar disso ainda não conseguia controlar os efeitos da inflação e manter-se firme contra as pressões externas.

Portanto, é possível dizer que o Brasil não obteve êxito com o modelo desenvolvimentista em garantir a necessária estabilidade econômica; o país encontrava-se diante de um grande desafio: reestruturação do plano econômico capaz de manter o país firme (internamente) e visando o progresso (externo). As correntes econômicas que prendiam o país eram sustentadas e seguradas com a força do Estado, pois esse era o garantidor e preponderantemente o agente responsável por todo o processo regulatório – economicamente falando-, porém restou nítida a insuficiência do Estado na garantia do que se propunha.

O Brasil caminhava em direção à abertura de mercado tentando, com isso, emplacar investimento suficientemente capaz de auxiliar no desenvolvimento do país.

Na década de 90, o mundo estava sofrendo rápidas e expressivas transformações em diversas áreas econômicas e sociais tais como as novas tecnologias, comunicações, transportes e as novas dinâmicas de comércios internacionais. Esse era o indício certeiro de que a globalização apontava como fator determinante para o mundo.

Como supramencionado, o Brasil caminhava em ritmo lento objetivando novas políticas, porém mesmo com as revisões de políticas aduaneiras, tarifárias e de abertura de mercado, o país ainda estava em desvantagem econômica se considerado o desenvolvimento.

O cenário político corroborou para que o Brasil pudesse replanejar novas medidas já e ainda tomar novas decisões, com a eleição de Fernando Collor para governar o país a lógica liberal foi difundida, diminuindo, assim, a intervenção do Estado no âmbito econômico.

Agra e Santos (2001, p. 3) assim resumem o cenário político-econômico ao qual o Brasil estava inserido:

Até que em 1990, com o Governo Collor e suas atitudes polêmicas, o mesmo deu um passo decisivo de quebra das barreiras tarifárias. Com a redução das alíquotas de importação, o Brasil foi escancarado à economia mundial. Muitos setores sofreram inicialmente, sobretudo àqueles que sempre sobreviveram às custas do paternalismo estatal. Em geral, durante a década de 90, a economia brasileira inseriu-se fortemente na economia mundial.

Era o início do marco globalizatório para o Brasil, os anos 90 marcaram um período de relevantes transformações sociais, inclusive sob a influência direta dos países desenvolvidos e no aceite do que ficou conhecido como “Consenso de Washington”. Resumidamente esse acordo estabeleceu medidas que deveriam ser adotadas por países em desenvolvimento, como o Brasil, objetivando a autonomia econômica.

O Consenso de Washington foi uma reunião de diversas medidas traduzidas em dez regras e que acabou tornando-se a política oficial do Fundo Monetário Internacional, dentre essas medidas a que determinava abertura comercial, investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições e a privatização das estatais são as de maior relevância para o presente estudo.

Por meio dessas regras é perfeitamente possível ver que o pensamento dos países desenvolvidos propunha que o progresso só seria obtido por intermédio do liberalismo (e, posteriormente, do neoliberalismo) e que a abertura de mercado seria indispensável. Nankani (2005, p. 13), à época vice-presidente do Africa World Bank, assim narrou tal preponderância desse pensamento:

At the start of the 1990’s, economists thought the road ahead was clear. What for many countries had been the “lost decade” of the 1980s made it evident that government interference in the economy—through price controls, foreign exchange rationing, distorted trade regimes, repressed financial markets, and state ownership of commercial enterprises—wasted resources and impeded growth. Hence, the logic went, rolling back the state would lead developing countries to sustained growth. Much of this vision was reflected in the “Washington Consensus.” Articulated by John Williamson in 1990, the Consensus was meant to synthesize the reforms that most economists in the World Bank, the International Monetary Fund, the U.S.Treasury, and some of Washing-ton’s think tanks believed were needed to rescue Latin American countries from cycles of high inflation and low growth. [...]The Washington Consensus was not the only point of view among economists. But it was the dominant view, making it difficult for others to be heard, and it provided the framework for many of the reforms implemented during the 1990s by a wide spectrum of countries around the world.

A década de 90, portanto, trouxe diversas transformações no cenário políticos e econômico em decorrência da globalização e ascensão do capitalismo. Não obstante esses dois vetores, o Consenso de Washington também abordou medidas que deveriam ser seguidas pelos países em desenvolvimento objetivando progresso social e econômico. As principais características desse consenso seriam segundo Giambiagi et al. (2005) e Nascimento (2000), a promoção da liberalização financeira e comercial, além da forte redução da presença do Estado na economia.

Uma das características mais marcantes do capitalismo é a internacionalização do capital, motivo pelo qual a globalização passa a ser mais forte a partir do momento em que diversos países recebem o Consenso como indutor de políticas econômicas, abrem seus mercados para a comercialização externa e retiram do Estado a força controladora e protetiva das relações comerciais.

Passado mais de uma década da implantação das diretrizes estabelecidas naquele documento, o Banco Mundial, por meio do relatório supracitado, por fim reconheceu que as medidas não alcançaram seus objetivos, e que muitos países não conseguiram ultrapassar os dados obtidos antes da transição, tampouco recuperado sua produção.

A política monetária do Banco Mundial hoje admite que as agressivas missivas declaradas como regras – ou metas- estabelecidas no Consenso não atingiram seus objetivos, hoje Nankani (2005, p. 13) declara que:

The central message is [...] that there is no unique universal set of rules. Sustained growth depends on key functions that need to be fulfilled overtime: accumulation of physical and human capital, efficiency in the allocation of resources, adoption of technology, and the sharing of the benefits of growth. Which of these functions is the most critical at any given point in time, and hence which policies will need to introduced, which institutions will need to be created for these functions to be fulfilled, and in which sequence, varies depending on initial conditions and the legacy of history. Thus we need to get away from formulae and the search for elusive “best practices,” and rely on deeper economic analysis to identify the binding constraints on growth. The choice of specific policy and institutional reforms should flow from these growth diagnostics. This much more targeted approach requires recognizing country specificities, and calls for more economic, institutional, and social analysis and rigor rather than a formulaic approach to policy making.

É justamente nesse cenário de novas mudanças e transformações entre o diálogo capitalista e os objetivos que se esperam de um mundo globalizado que surge a corrente denominada “Capitalismo humanista”. É notório que as modificações pretendidas e os progressos que esperamos hoje, urgem por muito mais que “apenas” melhores dados estatísticos econômicos e não se limitam a classificar um país como desenvolvido unicamente por sua capacidade econômica.

A inspiração que tem motivado essa corrente a se difundir declara que o humano é o principal, que não há mais nada senão aquilo que se produz por ele e que para a produção ser coerente com a lógica globalizada ela precisa levar em conta alguns aspectos, dentre eles destacam-se os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana.

A fim de trabalharmos com a representatividade da globalização e a difusão do capitalismo humanista, abordaremos no próximo capítulo uma breve introdução do tema, posteriormente analisando a influência dessa corrente na lógica globalizada do mercado.

2 O capitalismo humanista como agente transformador da lógica de mercado capitalista

A lógica capitalista é excludente, é agressiva, é uma constante luta entre fatores de produção e acúmulo de capital onde sobrevivem os que detém melhor estratégia em gerir esses conflitos. O Brasil, por sua via, também é capitalista, e isso é nitidamente esclarecido em nossa Magna Carta, em seu art. 170 que determina que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, preceitos obviamente capitalistas.

O fenômeno da globalização, conforme demonstrado, alastrado no Brasil no início da década de 90, trouxe consigo uma variedade de informações e uma dinâmica das demandas sociais tão ágil que, por vezes, é preciso parar e ponderar sobre o real fundamento que ainda sustenta a economia de um país.

O Brasil tem passado por um forte período de recessão e o Estado tem tomado para sai a função de garantidor, uma faceta protecionista que há muito adormecia, porém analisando a esfera global, entendeu (o Estado) ser preciso intervir adotando medidas tais quais reformas trabalhistas, com vistas a diminuição de encargos e na tentativa de chamar atenção daquele que, na balança capitalista, ocupa uma das extremidades da relação: o empresário, detentor do capital. Outras medidas também estão sendo adotadas pretendo reduzir os efeitos devastadores da recessão, como reformas na previdência e gestão de cortes públicos.

Esse é o cenário atual do Brasil capitalista globalizado recessivo: uma sociedade dividida, de um lado na defesa dos interesses puramente egoístas de expansão econômica, ou seja, garantir o acúmulo de riquezas, seja com intervenção do Estado ou não, e por outro uma sociedade fragilizada exposta à realidade de uma lógica de mercado agressiva.

No último ano foi bastante comum a veiculação de notícias que expuseram a realidade das consequências da recessão no Brasil, essa matéria do jornalista Silveira, datada de dezembro de 2017 expõe alguns desses números:

Em 2016, 24,8 milhões de brasileiros viviam na miséria, 53% a mais que em 2014, revela IBGE.

Após o início da crise econômica no país, 8,6 milhões de brasileiros a mais passaram a viver com menos de ¼ do salário mínimo por mês. População com renda de até ½ salário mínimo chegou a 36,6 milhões de pessoas.

O Brasil encerrou o ano de 2016 com 24,8 milhões de brasileiros vivendo com renda inferior a ¼ do salário mínimo por mês, o equivalente a R$ 220. O resultado representa um aumento de 53% na comparação com 2014, quando teve início a crise econômica no país.

Isso significa que 12,1% da população do país vive na miséria, conforme aponta a Síntese de Indicadores Sociais (SIS) divulgada nesta sexta-feira (15) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

As Nações Unidas (2017) também noticiaram tal efeito:

Em 2015, a recessão provocou o fechamento de 1,6 milhão de postos formais, causando um aumento no nível de desemprego, que saltou de 4,3% em dezembro de 2014 para 11,8% em outubro de 2016. O Banco Mundial aponta ainda que os salários reais também vêm sofrendo contração, com queda de 4,2% em 2015. Neste ano, o PIB registrou uma contração de 5,8%.

Para a fatia da população vivendo em pobreza extrema, porém, foram os programas de transferência de renda que reduziram o nível de miséria. Cinquenta e oito por cento da queda na pobreza extrema no Brasil registrada entre 2004 e 2014 está associada a mudanças nos rendimentos de fontes que não incluíam o trabalho, como o Bolsa Família.

Inegável, portanto, que a recessão criou um efeito devastador na população, a política ostensiva de um capitalismo desmedido, do acúmulo de riqueza pura e unicamente com objetivo de ter, possuir, comprar, não se faz mais autossustentável. Os economistas, em geral, apontam que a política do Consenso de Washington não obteve os resultados pretendidos e que, dentre outros motivos, foi preciso repensar a forma de expansão econômica sob o efeito da internacionalização do capital e da globalização em si (NANKANI, 2005).

Eros Grau (2015, p. 49) pontua ainda que:

E mais: a globalização ameaça a sociedade civil, na medida em que: (i) está associada a novos tipos de exclusão social, gerando um subproletariado (underclass), em parte constituído por marginalizados em função da raça, nacionalidade, religião ou outro sinal distintivo; (ii) instala uma contínua e crescente competição entre os indivíduos; (iii) conduz à destruição do serviço público (destruição do espaço público e declínio dos valores do serviço por ele veiculados). Enfim, a globalização, na fusão de competição global e de desintegração social, compromete a liberdade (grifo do autor).

Nessa linha, Oliveira, Benacchio e Silva (2018, p. 182) apontam:

Percebe-se que no mundo globalizado, desenvolvido ao redor do mercado, a pobreza ainda é uma ameaça constante na vida de inúmeras famílias, assombrando-as ante a rejeição social e à exclusão do mercado consumista.

Longe de ser uma exceção, a pobreza é uma realidade mundial, atingindo milhões de pessoas ao redor do planeta. Com isso, a ausência de desenvolvimento econômico é capaz de ceifar qualquer perspectiva de dias melhores, tomando a dignidade de muitos pelo bem de pouco abastados financeiramente. Justamente analisando a urgência de alternativas viáveis que se mostrem capazes de corroborar com o capitalismo sem, contudo, permitir que valores como a dignidade humana seja posta em xeque que se faz cada vez mais presente as discussões suscitadas pela teoria do Capitalismo Humanista.

Pessoa e Santos (2016, p. 206) assim explicam como seria possível o uso da teoria do Capitalismo Humanista como meio transformador da lógica de mercado capitalista:

O capitalismo humanista diz respeito a uma novel teoria empreendida por Ricardo Hasson Sayeg e Wagner Balera, através da qual estes autores pretenderam apresentar uma nova análise jurídica do capitalismo frente a uma perspectiva de direitos humanos. Trata-se um novo olhar sobre o regime econômico prevalecente na pós-modernidade, a fim de consagrar a dignidade da pessoa humana. A teoria provém não só dos ditames da nossa Constituição Federal, interpretados de forma bastante humana, mas também de uma análise da evolução da sociedade, através do ideal de fraternidade difundido pelo cristianismo.

Assim, Sayeg e Balera apresentam uma teoria capaz de, ao menos, apontar uma opção ao desenfreado e insuficiente “capitalismo selvagem”. Com fundamento no ideal cristão e também nas diretrizes da teoria do humanismo integral, o capitalismo humanista busca uma resposta, um elemento necessário, suficientemente capaz de limitar de harmonizar o capital com o humano.

O humanismo integral, resumidamente nas palavras de Machado (2014, p. 64) é uma teoria por meio da qual se entende o homem como um ser dotado de matéria e espírito, não sendo somente produto da razão, mas também do ser, e o destino do homem é atingir a fraternidade universal.

A fraternidade, portanto, consolida-se como fio condutor de uma perspectiva nova, e dá aos doutrinadores Sayeg e Balera uma ferramenta de estudo que permite unir o útil – fraterno- ao necessário – capitalismo. Pessoa e Santos (2016, p.208 apud Bauman (2010, p. 8-9) apontam que a fraternidade seria uma possível diretriz àquilo que Bauman denominou de capitalismo parasitário, “isto é, o capitalismo, do mesmo modo que todos parasitas, prospera durante um período, com a condição de que ache um organismo que não tenha sido explora para que lhe seja fornecido alimento, mas não o faz sem prejudicá- lo, o que acaba por sepultar suas possibilidades de prosperidade ou de sobrevivência”. Faz-se mister salientar que, em que pese a teoria do capitalismo humanista estar calcada diretamente a preceitos religiosos, a fraternidade não é uma conduta exclusiva desse meio, sendo, portanto, refutável o argumento de que não haveria possibilidade de ser melhor difundida na pluralidade social a qual estamos inseridos.

A globalização entendida como fenômeno de rompimento de barreiras ganhou força ao comunicar-se com as falácias do capitalismo, a busca desmedida, desregrada pela felicidade consolidou um forte pilar galgado num consumismo desmedido e frenético que, a bem da verdade, em quase ou nada agrega àquele que consome.

A felicidade tornou-se o motivo perfeito para que o capitalismo ganhasse força, e à mente humana se tornou (ou sempre foi?) escrava de desejos frívolos. Há o status daquele que consome, e a objetificação também, o ato de consumir é hoje uma das maiores correntes que aprisionam a humanidade.

A fugacidade da satisfação da felicidade construída sob a égide do capitalismo é assim descrita por Arendt (2010, p. 65): “E, afinal, o que é esse ideal da sociedade senão o sonho muito antigo dos pobres e despossuídos, que pode ser encantador como sonho, mas que se transforma em uma felicidade ilusória logo que realizado?”

Assim, torna-se latente a necessidade de se ponderar uma nova lógica de mercado diante à globalização e escravização dos desejos. A felicidade não pode ser condicionada ao consumo, tampouco o ser-humano pode ser escravo da lógica capitalista. O consumo é, obviamente, necessário, contudo é nesse ponto que a fraternidade pode ser consolidada. O capital, em boa parte flui por intermédio das empresas e como assevera Nalini (2011, p. 120): “A empresa não pode ser uma fábrica de lucros. Ela tem compromissos com um grande projeto de tornar a humanidade menos infeliz. Paradoxalmente, ao deixar o egoísmo do capitalismo sem freios, o empresário obteve aquilo que parecia haver preterido: lucro maior. Pois quando o ser humano se propõe um desafio maior, mais ousado e pleno de significância, ele se torna mais ousado, corajoso, empreendedor e autoconfiante”.

Por meio da fraternidade, guia do capitalismo humanista, poder-se-ia alcançar os pilares apontados por Sen (2010) como agentes capazes de permitir a libertação humana em busca do desenvolvimento, sendo eles: vida longa e saudável, ser instruído, ter acesso aos recursos necessários a um nível de vida digno, ser capaz de participar da vida da comunidade.

A defesa desse artigo, portanto, consolida-se em expor que mesmo diante de uma crise, sempre há possibilidade de pensar o novo (ou de novo), a atual lógica de mercado nos está escravizando sob a proteção de um poderio econômico sem face, sem nome, mas com destino certo: a escravização dos desejos humanos. É preciso elevar a fraternidade a um nível global, o consumo pode ser consciente, pode ser em benefício alheio e não unicamente próprio.

Desta feita, sintetizando o exposto é possível depreender que a globalização não é um fenômeno novo, o recorte temporal escolhido para elencar o destaque no presente estudo foi apontado com fins didáticos a fim de ilustrar como o Brasil se portou diante do efeito globalizatório nos séculos XX e XXI.

Apontou-se, inclusive que a lógica de mercado atual precisa ser repensada, uma vez que não está garantindo nem significativos avanços para o mundo, tampouco satisfazendo plenamente a humanidade. Esta, por sua vez, está cada vez mais escravizada pelos próprios desejos, sendo objeto de consumo de si mesmo.

Assim, elucidando a teoria do capitalismo humanista, bem como a teoria do desenvolvimento integral e do direito ao desenvolvimento a defesa que se pleiteia é que a fraternidade seja exposta e integre a política capitalista, sendo, por fim, um possível agente econômico limitador (na medida em que circunscreve ao capitalismo um limite para obtenção do lucro; e expansor, pois permite que o próximo seja também atendido e não somente marginalizado diante da globalização).

Considerações finais

O presente artigo teve como objetivo ponderar sobre a possibilidade de a fraternidade conjugar-se com a teoria do capitalismo humanista se apresentando como uma alternativa à mudanças na lógica de mercado.

Ao decorrer do trabalho foi feito um aparato histórico demonstrando cabalmente os efeitos de submissão à um capitalismo sem freios e em nível global, ao mesmo tempo em que a humanidade busca evoluir e imagina que obtém esse status por um consumo irresponsável, condena centenas de milhares de pessoas à marginalização e a uma vida indigna.

As teorias aqui apresentadas foram a do capitalismo humanista, a do desenvolvimento integral e ainda do direito ao desenvolvimento; as três com suas respectivas peculiaridades, apontaram uma preocupação com o próximo como ponto comum. Assim, nos questionamos se acaso a fraternidade poderia ser utilizada como ferramenta, como agente socioeconômico para permitir que se pondere sob uma nova perspectiva capitalista.

A vertente humanista suscitada ao longo do estudo defende um ponto de vista que eleva o sujeito e suas peculiaridades de forma a ver o ser-humano não apenas como indivíduo, mas como ser nutrido de espírito e matéria e que, portanto, poderia ser não apenas racional. Nesse ponto de fragilidade o ser-humano construiu a lógico a qual se submeteu a ser escravo: consumir para ser feliz e ser produto de uma felicidade instantânea que não se qualificada como definitiva uma vez que depende a todo momento de novas aquisições. O status de felicidade se fragilizou diante da lógica de consumo.

Para se desvincular dessa lógica fragilizada e destruidora a fraternidade ganha escopo de possível agente transformador. O capitalismo possui elementos que lhe são inerentes tais como o lucro e o consumo, porém por intermédio da fraternidade é possível corroborar para que o consumo não seja desenfreado, não seja apenas e tão somente para si, podendo colaborar – até mesmo sob influência da internacionalização do capital e da globalização em si- para a diminuição da marginalização e escravização que se vem sendo notada.

Por fim, concluiu-se que, em que pese ser uma reflexão ponderativa sobre a possiblidade de se repensar a lógica de mercado capitalista, o capitalismo humanista por meio da elucidação da fraternidade pode contribuir de modo significativo para a construção de um novo instrumento capitalista, contribuindo, portanto com o propósito capitalista sem, contudo, marginalizar o ser.

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Informação adicional

Para referenciar este texto: SILVA, Isis Almeida; BENACCHIO, Marcelo. Ponderações entre o capitalismo humanista e a lógica de mercado globalizado: A fraternidade como agente econômico. Prisma Jurídico, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 48-00, jan./jun. 2019.

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