Resumo: O presente artigo traz uma série de inquietações que convergem para a necessária análise da questão ambiental numa perspectiva multicêntrica, porém, privilegiando uma ênfase política para compreendermos as consequências da crise ambiental numa sociedade de risco. Trata-se de uma contribuição acadêmica reflexiva que não foi elaborada com pretensões propositivas, mas que pode ter consequências práticas, dentre elas a reorientação de políticas públicas ambientais a partir da compreensão da sociedade em que vivemos. Portanto, o objetivo central desse trabalho foi justamente abordar o fenômeno da globalização e sua extensão e como podemos compreendê-lo nas suas diversas formas; em seguida, buscaremos perceber a questão ambiental numa sociedade de risco, como caracterizada por Beck, ou numa modernidade reflexiva, como em Giddens.
Palavras-chave:meio ambientemeio ambiente,sociedade de riscosociedade de risco,globalizaçãoglobalização.
Abstract: This article presents a number of concerns that converge on the necessary analysis of environmental issues in a multi-center perspective, however, privileging a political emphasis to understand the consequences of the environmental crisis in a risk society. It is a reflective academic contribution was not made with propositional claims, but that may have practical consequences, among them the reorientation of environmental policies from the understanding of the society we live in. Therefore, the central objective of this study was precisely to address the phenomenon of globalization and its extent and how we can understand it in its various forms; then we will seek to realize the environmental issue in a risk society, as characterized by Beck, or a reflexive modernity, like Giddens .
Keywords: environment, risk society, globalization.
Reflexões teóricas acerca da “crise ambiental”: possibilidades de novas orientações para as políticas públicas ambientais
Theoretical reflections about the “environmental crisis”: Possibilities of new guidelines for environmental policies

Recepção: 14 Julho 2015
Aprovação: 10 Maio 2016
Quando se intenciona discorrer acerca do meio ambiente, muitas vezes busca-se a perspectiva da conservação ou preservação de ecossistemas, fugindo-se ou tangenciando outras relações ou ilações que precisam ser feitas face à problemática que circunda o meio ambiente. Essas relações, para sermos mais explícitos, são vertentes políticas inseridas na ecologia, bem interligadas ao modelo de Estado, e implicam uma discussão onde ocorra um diálogo com o processo que nós chamamos de globalização.
As discussões acerca do meio ambiente permeiam diversas áreas da nossa vida, influenciando as regras que precisamos seguir ou mesmo buscando regular o modo de vida a ser vivido. Tal constatação surge no contexto de uma suposta “crise ambiental” (Pereira, 2005; Ferreira, 2003; Leis, 1999; Brüseke, 1997; Cabral, 2006) que assolaria toda a humanidade. Entretanto, a incidência de seus impactos negativos é sentida de forma desigual nas diferentes regiões do globo, isto é, a força de seus efeitos tem intensidades diferenciadas conforme a região atingida. A questão ambiental assume um caráter planetário que resulta, caso busquemos sua origem mais remota, do processo de mundialização da formação capitalista.
Num primeiro momento deste ensaio, abordaremos o fenômeno da globalização e sua extensão e como podemos compreendê-lo nas suas diversas formas; em seguida, buscaremos compreender a questão ambiental numa sociedade de risco, como caracterizada por Beck (1999), ou numa modernidade reflexiva, como em Giddens et al. (1997). Dessa forma, a partir do nosso trabalho inicial de tese, ainda embrionário, intitulado “A institucionalização diferenciada da questão ambiental nas políticas públicas para o Semiárido: superposições, contradições e impactos”, objetivamos chegar a um painel atual dessa discussão que envolve temáticas tão polêmicas como globalização e meio ambiente.
A partir de uma breve análise, pretendemos construir uma compreensão acerca do fenômeno conhecido como “globalização”, de modo a percorrer uma pluralidade de correntes teóricas ou autores que venham a problematizar tal categoria ainda tão imprecisa, principalmente, no âmbito da sociologia. Sendo assim, alguns vocábulos que se relacionam com o processo de globalização encerram significações importantes quando analisados nesse contexto, tais como: trabalho, virtualidade, sociedade da informação, risco, meio ambiente, novas roupagens do imperialismo, modernidade, novas facetas do capital, entre outros. Portanto, passaremos, de forma breve, a destacar algumas ideias que foram extraídas a partir das leituras feitas e nos auxiliam na nossa abordagem acerca do meio ambiente.
A sociedade dita capitalista orientou-se, e continua se orientando, conforme Marx e Engels, segundo uma dinâmica econômica voltada integralmente para a acumulação de capital, mediante a produção e circulação de mercadorias. Hoje, podemos nos deparar com um panorama que nos aponta para um capitalismo que não abandonou os moldes preconizados por Marx, porém, elegeu o mote da “flexibilização” como algo inexorável que se inclui como característica desse processo chamado de globalização, no qual o emprego nos padrões admitidos anteriormente, pautado na fixidez de posições, na segurança, numa perspectiva de futuro, numa coesão, numa unificação, numa centralização, pautada num modelo piramidal, já é um fenômeno em vias de extinção.
Porém, não podemos esquecer a demarcação e constatação feita por Polanyi (2000) quando afirma que a sociedade do século XIX foi única em virtude do momento de transformação, no que se refere à formação de um suposto mercado “autorregulado”, implicando transformar parcialmente trabalho, terra e capital em mercado, o que nos deu a dimensão do processo de globalização além do período atual. Isso influenciou diretamente no contexto de globalização que vivenciamos. No mesmo sentido, Raymond Aron (1981) torna-se importante para estabelecermos os parâmetros de uma sociedade do tipo industrial, seja capitalista ou socialista, no primeiro caso buscando a acumulação como essência, baseada no cálculo racional, na técnica e economia, que se constituem em verdadeiras condições da sociedade moderna. Tal reflexão nos conduz a pensarmos o papel da grande indústria em tempos de globalização, ou na formação de uma grande indústria global, e aí podemos questionar: é possível falar em uma nova sociedade industrial? Talvez seja plausível uma configuração pós-industrial ou uma forma de sociedade capitalista não mais centralmente industrial, porém, muito mais financeirizada.
Hobsbawm (1995) trouxe mais informações e pontos de vista históricos, tendo como pano de fundo o “casamento” entre liberalismo e democracia social, implicando configurações diversas, como a produção do fenômeno do Terceiro Mundo, o distanciamento entre a política, a economia e o social. Podemos, portanto, vislumbrar que a emergência da globalização talvez resulte numa nova relação entre política e economia, entre Norte e Sul e entre Ocidente e Oriente. Isso tem inflexões importantes em diversos setores, mas conseguimos constatar sua presença nas discussões ambientais, nas quais os países emergentes (a faixa do Sul) começam a tomar posições antes impossíveis de serem propostas, mas ainda exercem um papel de peso pouco decisivo, como se pôde verificar no último encontro acerca do clima na Dinamarca.
Beck (1999), por sua vez, formula a existência de uma sociedade global de risco, permeada por incertezas, tecnologia avançada, policentrismo das decisões, destruição ambiental, cujos resultados não são repartidos de forma igualitária, o que pode promover uma nova divisão de classes, como sugeriu. Considera o processo de globalização irreversível, característica da segunda modernidade[2], talvez por não vislumbrar nenhuma possibilidade de retroceder no capitalismo sem trabalho, no avanço tecnológico, na mudança do eixo de poder, no aprofundamento das diferenças, na pobreza mundial, na destruição ambiental, na reivindicação por direitos humanos universais e conflitos transculturais localizados. Apesar disso, há uma necessidade de estabelecer conexões com o local.
Castells (2006) tem uma leitura da nossa época acerca de uma abordagem voltada a explicar as mudanças ocorridas por meio da formação de uma sociedade em rede, aproveitando-se dos modelos de gestão empregados nas linhas de montagem pautadas no fordismo, taylorismo ou toyotismo. Entretanto, sua contribuição vai além, caracterizando o momento que vivemos como composto por uma multicentralidade não desconexa com o local; uma transição do industrialismo para o informacionalismo; uma produção em massa e flexível; horizontalização das empresas e maior relacionamento com as pequenas empresas; diminuição da autonomia da grande empresa. Entretanto, é bom que se pontue que Castells analisa o fenômeno da globalização, pelo que nos pareceu, apenas pelo prisma econômico, não apresentando uma análise multicausal ou que contemple os diversos prismas do mesmo, como fizeram Santos (2005) e Ianni (2007).
Ianni (2007), também, analisou a globalização como uma realidade multicêntrica e não homogênea, mas buscando a homogeneização. Em sua concepção, trata-se de um processo que caracteriza um novo ciclo de expansão do capitalismo, pautado numa redistribuição do poder no mundo. Há, segundo ele, a formação de uma sociedade global, em vias de institucionalização, partindo do local e do regional e revelando o global. Entretanto, não podemos esquecer que há questões que ligam todos os habitantes do globo, como a questão ambiental, que não é um problema apenas local, mas global. Ele nos faz pensar até que ponto o processo de globalização está contribuindo para a unidade global, e nos faz perguntar: até onde podemos pensar diversidade numa sociedade global? O local e o global são distantes e próximos, diversos e mesmos.
Sennett (2006), por exemplo, em seu livro discorre acerca da formação da cultura de um novo capitalismo recorrendo à burocracia estudada por Weber, demonstrando que o modelo militar, ou mesmo fordista, está em transição, e que, além disso, está presente entre nós, atualmente, um modelo de empresa baseada no controle acionário, em novas formas de poder (através das consultorias), tudo isso para caracterizar um “novo” momento no que se refere ao trabalho, quando aponta o seguinte: queda da estrutura piramidal; o trabalhador precisa ser versátil; crescimento do emprego temporário no mundo; e novas formas de trabalho são originadas.
A mutabilidade das estruturas acontece no sentido de fazer perpetuar o capitalismo, gerando desigualdades, talvez criando novos processos de enjaulamento do indivíduo em novas angústias e ansiedades. Essa visão de mudança de Sennett parece-nos apontar para uma das características trazidas pelo momento de globalização que vivenciamos.
Entretanto, de forma mais contundente, nada é muito certo ou sólido, como afirma Bauman (2001) no seu livro Modernidade líquida. Vivendo algo que se aproxima de uma textura fluida, há de se questionar: será que chegamos ao fim? Não há nada de novo? Estamos reféns de um consumismo brutal e irracional? Somos guiados pelo desejo ou pela efemeridade do tempo, temos que viver tudo a um só tempo? A realidade desse mundo frenético nos leva para onde? É preciso tanta rapidez? Não sabemos em qual porto ancorar o navio da vida. Estamos indo a reboque. O espírito inquietante de Bauman nos encantou e nos instigou a raciocinar e “vomitar” pensamentos que dão origem a reflexões sobre o momento atual. Tal modernidade líquida, pensada por Bauman (2001), é cenário desse processo de globalização, cabendo destaque ao cruel isolamento do indivíduo; há um claro enfraquecimento dos laços sociais, e cada um acaba vivendo no seu “mundinho”, e os demais que procurem um lugar ao sol.
O espaço público, como outra consequência desse processo de globalização, sofre um esvaziamento em benefício do privado, e o indivíduo fica cada vez mais responsável por seus atos e sua situação. Segundo Bauman (1999), na “globalização” há uma crise de controle; o Estado não é mais o espaço territorial por excelência; ocorre uma modificação do sentido de soberania; a continuidade do poder estatal depende de sua política de alianças; verifica-se uma diminuição da centralidade do poder, havendo muito mais um governo indireto; e fracas entidades territoriais.
De uma ordem passamos para uma desordem mundial, segundo Bauman (1999), aperfeiçoada por uma desterritorialização das decisões, formando o panorama de um Estado fraco. Além disso, é digna de menção a consequência negativa do processo de globalização que, conforme o autor, forma uma nova pirâmide da mobilidade, na qual tal atributo diminui conforme nos afastamos do topo. Portanto, vivemos um momento de reestratificação social e exacerbação das diferenças. Dessa forma, a globalização privilegia certas camadas da sociedade, contribuindo decisivamente para o aumento da diferença.
Outrossim, Santos (2005) ressignifica o papel do Estado, afirmando que até mesmo para desregular ou desregulamentar faz-se imprescindível o Estado e suas dinâmicas. No entanto, não nega que tal estrutura passa por um momento de mudança no contexto da globalização. Porém, em nossa compreensão, a principal contribuição de Boaventura ao painel de nossa discussão é que o autor abarca uma análise que privilegia as múltiplas visões sobre a temática, considerando-a em diversos prismas: globalização econômica, globalização social, globalização política, globalização cultural. Poderíamos trazer as seguintes conclusões do referido autor:
Há uma constelação de processos de globalização, que envolvem conflitos, com vencedores e vencidos.
Estamos num período tipicamente de transição: no sistema de hierarquias e desigualdades do sistema mundial; no formato institucional e na complementaridade entre instituições; na escala e na configuração dos conflitos sociais e políticos.
A teoria a ser construída deve dar conta da pluralidade do fenômeno e não se ater a modelos reducionistas.
Portanto, para Boaventura está descartado falar em globalização no singular. Trata-se de fenômeno multifacetado, que não prescinde do local, e tampouco do contra-hegemônico, além de o modelo de globalização hegemônica não ser tão uniforme assim. Há, na verdade, um Sistema Mundial em Transição (SMET) e com ele um verdadeiro conjunto de características e institucionalidades numa dinâmica intensa sem perspectiva de estagnação.
Harvey (2009), numa abordagem histórica, traz a discussão de uma globalização que possui algumas características antigas, ou seja, não poderíamos esquecer que tal processo pode estar sendo conduzido por alguém ou por um grupo. Dessa forma, ele monta seu argumento sobre uma lógica capitalista e territorial, havendo um imbricamento dessas duas esferas de tal modo que uma não prescinde da outra. Não é porque estamos falando de globalização que podemos refutar a ideia de que o fantasma do imperialismo ronda o globo. Ocorre que agora, segundo Harvey (2009), a hegemonia americana não é absoluta, embora exerça uma força tremenda ainda. Porém, há outros imperialismos mais regionais ou que têm uma repercussão substancial no mundo, como a China, o Japão, os tigres asiáticos, o Brasil.
Agora, no sentir de Harvey (2009), os EUA exercem um imperialismo peculiar: ele envolve a fusão contraditória entre política do Estado e do Império, assentada em processos moleculares de acumulação de capital no espaço e no tempo, através do domínio e uso do capital. Em virtude de um estado de tensão constante entre a lógica capitalista e territorial, não se pode prever os resultados do entrelaçamento da lógica capitalista e territorial, em virtude de uma alta complexidade e da contradição.
Talvez o empreendimento mais sofisticado de Harvey (2009) seja sua proposta de uma teoria que envolva a ordenação espaçotemporal para a compreensão da mobilidade do capital e da atuação do Estado pelo território, com vistas à acumulação capitalista e à acumulação do poder político. Esse processo de ordenação espaçotemporal materializa a atuação desigual e combinada do capital e do poder político, por meio da mediação das estruturas e dos poderes financeiros e institucionais – reforça a tese da existência de produção econômica do espaço (formação de assimetrias espaciais). Ademais, podemos indagar: como a dinâmica do capital pode alterar o espaço e as formas de espacialidades, gerando desigualdades entre os territórios?
Canclini (2007) traz, por fim, uma abordagem diferenciada e complementar à dos demais autores, fazendo-nos pensar acerca do nosso espaço urbano e, ao mesmo tempo, do nosso lugar de pertencimento a partir do processo de globalização que nos leva à incerteza acerca do lugar em que vivemos ou ao qual pertencemos. Pergunta-se: uma cidade pode ser global? Ou de que forma ela pode articular o nacional e o local? A globalização é um processo segmentado e desigual. Entretanto, Canclini (2007, p. 13) coloca:
Como reconstruir o espaço público, promover uma cidadania supranacional, comunicar bens e mensagens a audiências dispersas em muitos países, repensar a potencialidade das culturas nacionais e das instituições regionais e mundiais?
Dessa forma, podemos contemplar nessas poucas linhas como a globalização se ressente de estudos mais aprofundados e cuidadosos, não se tratando de algo unívoco, mas de um processo complexo, que comporta diversas interpretações. Porém, acreditamos que será possível, pelo menos durante algum tempo, relacionar o local e o global, num tratamento meio que simbiótico, talvez num processo de ressignificação do local. Entretanto, haverá questões, como o meio ambiente, cuja importância será global, inevitavelmente.
Segundo Waldman (1992, p. 64), “o confronto com as contradições socioambientais que vivemos necessariamente pressupõe confronto com a ordem social que as originou”, ou seja, tratar de meio ambiente implica confrontar paradigmas. Sendo assim, considerando o enfrentamento das peculiaridades dessa questão ambiental, é possível apontar para um campo repleto de contradições e conflitos.
Como resposta aos acontecimentos naturais ou produzidos pela ação do homem, ou por um conjunto de ações, existe uma política ambiental sendo forjada global e localmente pelos diversos Estados-nações (Leis, 1999; Waldman, 1992; Martins, 2006), fazendo-se necessário entendermos a dinâmica, por exemplo, das estratégias de conservação da natureza e os fundamentos da construção de uma questão ambiental.
O Estado seria o propulsor na formulação dessas políticas, estando presente em diversos momentos, inclusive apoiando a iniciativa privada, num modelo, pode-se dizer, menos agressivo, porém ainda regulado pelo Estado, que tem incorporado a política ambiental em suas normas, diante do “crescimento da importância da esfera institucional do meio ambiente entre os anos 1970 e o final do século XX [...]” (Lopes, 2006, p. 36). Na verdade, ao que nos parece, não há um “esvaziamento” do papel do Estado, mas, talvez, uma transformação nas formas de sua atuação. É importante destacar a presença recorrente de elementos que formam o meio ambiente e as questões relativas a ele, que o transformam em problema que preocupa a humanidade.
Na base dessa discussão, encontra-se o processo de inserção do “meio ambiente” como uma questão relevante em si (Martins, 2006), o qual, durante muito tempo, teve seus recursos naturais dados como infinitos (Leis, 1999). Entretanto, dado a finitude desses recursos faz-se necessário colocar o meio ambiente como uma das preocupações públicas.
Entretanto, o poder econômico exerce uma ação extremamente forte na construção dessas políticas ambientais, principalmente em concordância com a noção de desenvolvimento sustentável, cujo conceito foi apresentado no relatório Brundtland, o qual prevê que podemos preservar a natureza mantendo o desenvolvimento econômico num patamar “aceitável”, uma forma de convivência entre o capital e a necessidade de preservação dos recursos naturais (Leis, 1999).
Assim, a natureza torna-se prioritária, podendo ser usada até como pretexto para incursões militares, sendo a sustentabilidade “não mais uma questão de manter e aperfeiçoar os atuais recursos ambientais; trata-se agora de criar recursos” (Fernandes, 2003, p. 63). Isso dentro de uma lógica da ecologia política de que os recursos não são dados, e sim construídos (Paulson et al., 2004), incluindo-se aí a necessidade de criar áreas de conservação ambiental, propiciando que os recursos e a beleza natural sejam conservados para as gerações futuras, controlando o uso desses recursos e o acesso a eles. As empresas buscam, por sua vez, dentro desse contexto, conquistar uma “imagem verde” (Alier, 2007), embora enfrentem dificuldades e contradições na construção da mesma:
Mesmo que algumas empresas assumam um papel ativo na defesa de novas políticas a respeito do aumento do efeito estufa, outras, como a Exxon, continuam ignorando sua existência (Alier, 2007, p. 265).
Esse processo de transformação da questão ambiental de local para um problema de natureza global, Leff (2006) nos leva a pensar na construção de uma outra racionalidade que ele denomina “racionalidade ambiental”, que nada mais é do que um desenvolvimento colocado sobre outros pressupostos. Tal realidade que leva o referido autor a pensar na possibilidade de construir um novo modelo de racionalidade acaba sendo forjada com base no que resta dos escombros e das muralhas da racionalidade que funda a modernidade, não sendo apenas um produto da confrontação com a racionalidade econômica, mas com o todo social que contém, com a ordem jurídica e o poder do Estado (Leff, 2006).
Ademais, torna-se importante pontuarmos que houve a formatação de uma crise ambiental que teve como base séculos de exploração de recursos naturais em níveis grandiosos, levando-nos a refletir que esse estado de coisas se coloca como uma “pedra no sapato” do projeto desenvolvimentista do capitalismo e pode ser considerado uma grande falha do modelo civilizatório da modernidade. Segundo Leff (2006, p. 223),
A degradação ecológica é a marca de uma crise de civilização, de uma modernidade fundada na racionalidade econômica e científica como valores supremos do projeto civilizatório da humanidade, que tem negado a natureza como fonte de riqueza, suporte de significações sociais e raiz da co-evolução ecológico-natural.
Nesse contexto de injustiça ambiental instalada, talvez seja esperado, ou não, que o desafio de superação de uma crise ambiental seja apropriado de diversas formas; uma delas é aquela capitaneada pelos neoliberais de plantão que buscam implantar o pensamento de que a própria natureza não admite fronteiras, isto é, ela ultrapassa o limite geográfico dos países, não se tratando de um problema local, mas global, havendo uma confrontação entre a natureza da globalização e a globalização da natureza, expressões cunhadas no livro de Porto-Gonçalves (2006).
Na perspectiva de Porto-Gonçalves, há um campo de tensionamento bem posto formado entre a ideia neoliberal de proteção da natureza e conservação do padrão de desenvolvimento vigente no mundo, a formação de um ecologismo ingênuo e, de outra banda, a formação de movimentos ecologistas mais radicais. Segundo o autor, o ecologismo ingênuo, mesmo que bem intencionado, é manipulado por uma mídia que propõe medidas paliativas de proteção da natureza, convidando, por exemplo, a cuidarmos do lixo nosso de cada dia ou daquela espécie que está ameaçada, tendo cada um que fazer a sua parte, como se nesse ambiente de injustiça ambiental a parte de cada um fosse igual, como se todos fossem a soma das partes, cada qual igual à outra. Podemos verificar que os interesses econômicos ainda são prioridade quando se reúnem países desenvolvidos ou em desenvolvimento em discussões como a de Copenhagen em 2009 e não se obtém uma diretriz concreta acerca das emissões de CO2.
A questão ambiental não é apenas de uma problemática de ordem econômico-financeira, mas algo que revolve as profundezas da fundação do mundo moderno, tendo um claro sentido ético, filosófico, sociológico e político, fazendo-nos desviar de uma proposta mais fácil que nos é oferecida constantemente: a de que precisamos nos ater às soluções de cunho prático, técnico, para resolver os graves problemas de poluição, desmatamento, erosão, entre outros. Para se ter uma ideia, muitas vezes o instituto jurídico da licença ambiental, por exemplo, é visto como algo que milita contra o desenvolvimento quando impede a construção de grandes obras que possam gerar impacto ambiental; em outros momentos, ele pode ser analisado como fator de legitimação do desenvolvimento capitalista quando autoriza obras que, na visão dos ambientalistas, não deveriam ter sido autorizadas, porém é encarado como o documento de expertise mais capacitado para aferir a possibilidade de avanço do desenvolvimento, sendo, na visão de Giddens et al. (1997) um elemento de reflexividade da modernidade reflexiva, um elemento de especialização.
O processo de globalização, por sua vez, não trata a questão ambiental de forma igualitária, e tampouco outros dilemas, servindo muito mais para acelerar uma diferenciação entre classes cada vez maior, provocando um distanciamento considerável entre ricos e pobres, um verdadeiro fosso que tem como resultado uma grande crise ambiental, como se falou aqui, na qual se apresenta uma tentativa de ecologizar a economia como um passo inicial para tratar os dilemas ambientais, sendo isso tratado muito mais como concepção neoliberal numa tentativa de reverter, talvez, esse quadro, mas, primordialmente, almejando salvar o mercado. Cabe-nos aqui questionar: até que ponto podemos falar acerca da eficácia de políticas ambientais que visam incorporar os valores da natureza, seja mediante instrumentos econômicos (ajudas financeiras, como os subsídios; contas verdes; o fundo amazônico; imposto verde; indicadores de sustentabilidade, etc), ou mediante normas que visam regular a postura do mercado em relação à agenda ambiental.
Entretanto, a construção de um suposto novo paradigma de desenvolvimento encontra resistências, as quais remontam à própria dinâmica ou a processos de construção do mundo, principalmente quando acordamos para o fato de que junto com o processo de modernização se deu o de colonização, imbuída sempre por uma perspectiva de globalização sob a ótica do colonizador. Para verificarmos a dificuldade de construir esse novo modelo que mudaria radicalmente o caminho tomado pela humanidade, basta percorrer o livro de Warren Dean (1996), que mostra vividamente como aconteceu o processo de exploração de nossos recursos naturais ao longo de toda a Mata Atlântica, a qual ficou reduzida a menos de 10% da mata original. A ciência também foi manipulada por pressupostos político-liberais que fizeram muitos verem a autonomia das partes em detrimento da inter-relação do todo na formação de um sistema-mundo; conforme comenta Wallerstein (1999), não havia a visão de um meio ambiente conectado com o todo, mas apenas voltado para o deleite de alguns moradores do planeta Terra. Porto-Gonçalves (2006, p. 25) resume os efeitos desse processo de globalização em relação ao meio ambiente totalmente ligado a uma racionalidade econômica:
[...] o processo de globalização traz em si mesmo a globalização da exploração da natureza com proveitos e rejeitos distribuídos desigualmente. Vê-se, também, que junto com o processo de globalização há, ao mesmo tempo, a dominação da natureza e a dominação de alguns homens sobre outros homens, da cultura européia sobre outras culturas e povos, e dos homens sobre as mulheres por todo o lado. Não faltaram argumentos de que essa dominação se dava por razões naturais, na medida em que certas raças seriam naturalmente inferiores. A modernidade européia inventou a colonialidade e a racialidade (base da escravidão moderna) e, assim, essa tríade – modernidade-colonialidade-racialidade – continua atravessando, até hoje, as práticas sociais e de poder.
Se fizermos um recorte histórico, podemos pensar a globalização da natureza como modelo de exploração que imperava desde o início das grandes navegações até hoje, passando por um período de implantação da colonização, pela invenção da pólvora, da máquina a vapor, pelo modelo fordista de produção, o taylorismo, a cibernética, enfim, todos os processos que auxiliam direta ou indiretamente na produção. Sendo assim, de forma didática, poderíamos dizer que o processo de modernidade no mundo até os dias de hoje estaria dividido em quatro fases: a primeira seria aquela permeada pelo colonialismo e a implantação da colonialidade moderna; a segunda seria a do capitalismo fossilista e do imperialismo; a terceira, a do capitalismo de Estado fossilista fordista; e a quarta fase, a da globalização neoliberal.
Porém, é importante afirmar que as três fases iniciais subsistem na quarta fase com as suas características primordiais, o caráter colonialista, imperialista, baseadas nos combustíveis fósseis e na produção fordista. No entanto, poderíamos acrescentar a absurda financeirização dos mercados e a própria dinâmica territorial que, muitas vezes, não é analisada como um elemento de tensão entre sociedade e natureza, talvez porque a ilusão monetária nos leve a perder de vista essa dimensão (Porto-Gonçalves, 2006). A categoria do território pode nos levar a perceber as relações de poder existentes, bem como as relações sociais presentes, considerando a natureza. Talvez pudéssemos conceder maior importância à questão ambiental, a qual ganharia maior consistência quando analisada a partir do território, das territorialidades e dos processos de territorialização.
Nessa ordem, captando o sentir de David Harvey (2009), podemos concordar que é uma tarefa no mínimo difícil prever os resultados do entrelaçamento da lógica capitalista e territorial, em virtude de uma alta complexidade e da contradição, e que a ordenação espaçotemporal é um elemento importante para a compreensão da mobilidade do capital e da atuação do Estado pelo território, com vistas à acumulação capitalista e à acumulação do poder político.
Ainda nessa esteira, esse processo de ordenação espaçotemporal materializa a atuação desigual e combinada do capital e do poder político, por meio da mediação das estruturas e dos poderes financeiros e institucionais – reforçando a tese da existência de produção econômica do espaço (formação de assimetrias espaciais). Talvez o capital possa alterar o espaço e as formas de espacialidades, gerando desigualdades entre os territórios, também a partir do interesse ambiental, não de preservar o ambiente, mas de explorá-lo, hoje ou num futuro, não esquecendo que podemos contemplar um contramovimento, por exemplo, com a formação de unidades de conservação ou áreas protegidas por interesses econômicos ou não.
Tanto Giddens como Beck possuem uma visão acerca da modernidade, estando a primeira baseada numa modernidade reflexiva, e a segunda numa modernidade constituída por uma sociedade de risco. Porém, ambos definem a questão ambiental como resultado ou consequência nesse cenário de modernidade. A modernidade reflexiva propõe a possibilidade de uma (auto) destruição criativa para toda uma era: aquela da sociedade industrial, na qual o sujeito da destruição não seria a crise, mas a vitória da modernização ocidental, com a presença de sistemas peritos, especialistas, enfim, um conjunto de elementos racionalizadores.
[...] supõe-se que modernização reflexiva signifique que uma mudança da sociedade industrial – ocorrida sub-repticiamente e sem planejamento no início de uma modernização normal, autônoma, e com uma ordem política e econômica inalterada e intacta – implica a radicalização da modernidade, que vai invadir as premissas e os contornos da sociedade industrial e abrir caminhos para outra modernidade (Beck, 1997, p. 13).
Beck (2006) coloca a modernidade sob o prisma da reflexividade, o risco é elemento permanente dessa realidade, não devendo o mesmo ser confundido com o perigo, que realizado é um desastre, terminado o percurso perigoso (Lenzi, 2006); o risco, pelo contrário, é algo que abre dada situação e bifurca o percurso da história de forma imprevisível, aproximando-se, a priori, da sorte. A situação de risco da sociedade leva Beck a lançar algumas questões diretamente relacionadas com o nosso objeto de estudo nesse artigo, por exemplo os riscos são gerados a partir do desenvolvimento das forças produtivas, em nível mais avançado, o lixo nuclear, substâncias tóxicas; a divisão e o aumento dos riscos surgem em situações de perigo, que prejudicam pessoas que não contribuíram em nada para essa situação. Também pode ser gerado o que chamou de efeito bumerangue, que volta para aqueles que produziram o risco; a expansão dos riscos não gera diminuição da potencialidade da lógica capitalista, pelo contrário eleva; os riscos da modernidade acabam sendo um grande negócio. Há um novo significado político do saber, devendo-se analisar o potencial político de uma sociedade de risco, talvez uma sociologia e uma teoria do surgimento e difusão do saber dos riscos. Os riscos reconhecidos socialmente possuem um conteúdo explosivo.
A questão ambiental ganha força na sociedade de risco num processo claro de institucionalização, de maneira que se cria uma rede de proteção do meio ambiente, composta por órgãos governamentais, organizações não governamentais e dinâmicas de construção de políticas públicas que buscam contemplar o meio ambiente. Essa institucionalização tem obstáculos imensos a serem transpostos, uma vez que, diferentemente dos riscos da sociedade industrial inicial, as ameaças nucleares, químicas, ecológicas e biológicas contemporâneas não são delimitáveis seja social ou temporalmente, nem imputáveis de acordo com as regras prevalecentes de causalidade, culpa e responsabilidade, nem compensáveis, nem asseguráveis.
Esse momento de risco vivido, segundo Beck e Giddens, tem como mediadora a ciência, que se coloca como possibilidade de percepção, de enxergar essas situações de risco, de modo imperfeito, sendo a própria ciência muitas vezes incapaz de reconhecer os riscos e os problemas que ela mesma possui. A ciência pode ser encarada como uma das protetoras do globo, das pessoas e da natureza. Há uma construção científica e social dos riscos. É importante afirmar que Beck (2006) não descarta a possibilidade de termos a ciência como uma fonte de soluções. Ela pode gerar uma posição ambivalente na institucionalidade ambiental; de um lado, a ciência está diretamente ligada ao desenvolvimento da sociedade industrial, sendo responsável direta pela hiperprodutividade, dando base para aqueles que defendem o consumismo em detrimento da proteção ambiental; de outro, a ciência pode nos ajudar a enxergar os riscos ambientais presentes em nosso meio, bem como pode ser artífice de uma cegueira sistemática diante desses riscos. Outrossim, os interesses econômicos e políticos podem moldar e influenciar a forma pela qual percebemos esses riscos (Lenzi, 2006). O processo de institucionalização ambiental encontra-se tensionado numa atmosfera política em que a ciência busca legitimar-se entre um discurso da pureza científica e um discurso do que é socialmente aceito.
Além disso, a sociedade de risco propicia um quadro difuso e complexo em que os riscos produzidos não são atribuíveis a ninguém. Essa impossibilidade de atribuir responsabilidade pela produção desses riscos conduz ao que Beck (1999) chama de irresponsabilidade organizada. Esse conceito busca traduzir a contradição institucional latente, na qual ameaças são produzidas, mas ninguém é responsável por elas. Essa irresponsabilidade organizada aponta para uma crise de responsabilidade institucional das sociedades modernas. Diante da incerteza das reais ameaças existentes na sociedade de risco, bem como da inexistência de consenso sobre as reais implicações, forma-se um verdadeiro embate para estabelecer esse campo. Nessa zona de tensão, os movimentos ambientais poderão ter um papel verdadeiramente importante para ressaltar e expor as contradições do sistema. Portanto, a sociedade de risco é marcada pela diminuição de importância das instituições “tradicionais” da vida política (parlamento, partidos, Estado). Sendo assim, emerge o termo subpolítica, que sinaliza para um novo tipo de cultura política que opera fora ou para além dessas instituições.
São verdadeiras arenas da subpolítica: a economia, as empresas, os sindicatos, os meios de comunicação de massa, o sistema legal, a família, a ciência e os movimentos sociais. Isso poderia ser uma coluna na construção de uma democracia ecológica ou reflexiva, um exercício alternativo aos canais usuais (parlamento, partidos), rompendo com a regra da maioria, propondo a institucionalização de uma constituição capaz de aprendizado ou reflexiva. Isso, também, rompe a visão de que o Estado deve ser a origem de toda a participação; entretanto, sabemos da sua importância na estruturação da regulação, bem como para a desregulamentação. Isto é, o insulamento da esfera econômica não significa a ausência de interferência do Estado, mas poderá implicá-la.
Uma sociedade permeada por riscos também é formada dessa maneira em virtude de suas escolhas, e, muitas vezes, as ideologias contemporâneas (socialismo, neoliberalismo) não são capazes de responder às necessidades atuais, isto é, não é possível que elas nos forneçam uma resposta política que seja eficaz. Isso talvez se deva à nossa confiança excessiva no conhecimento, que afeta diretamente as questões ecológicas, as quais devem ser compreendidas a partir do “fim da natureza” e da destradicionalização, como afirmam Giddens et al. (1997). Segundo Lenzi (2006), na modernidade, além de vivermos em ambientes criados pelos próprios humanos, a mudança acaba por significar o enfraquecimento da tradição como “mediadora” cognitiva de nossa relação com a natureza. Isso fica mais claro ainda quando verificamos que a crescente intervenção científica e tecnológica na natureza acaba por alterar as formas tradicionais de conhecer e lidar com a natureza. Por exemplo, a relação “íntima e cognitiva” do camponês com a terra foi alterada.
Portanto, quando pensamos nas situações de risco da nossa sociedade que têm relação direta com uma questão ambiental já institucionalizada, podemos nos estarrecer quando constatamos que cerca de 80% da população brasileira vive em cidades que não foram planejadas para suportar eventos climáticos extremos ou mudanças drásticas de temperatura (Born, 2009). É claro e evidente que a questão ambiental não é a única fonte causadora desses males; esse é um paradigma que deve ser superado, uma vez que tudo não se resume a acordos e medidas visando ações de maior eficiência no uso de recursos naturais ou planos de conservação. Segundo Born (2009, p. 4),
o aquecimento global e suas consequências atuais e futuras revelam a insustentabilidade das formas, estruturas e arranjos econômicos, e também dos valores que os fundam e que permitem, em pleno século XXI, apesar de todos os avanços tecnológicos logrados, que a humanidade conviva com mazelas (fome, mortalidade infantil, falta de saneamento, poluição ambiental etc.) que poderiam ter sido superadas, se fossem praticados princípios de solidariedade e justiça social.
Dessa forma, a compreensão do que seja uma sociedade de risco relaciona-se diretamente com uma sociedade em crise ecológica, necessitando do aporte urgente de soluções de curto, médio e longo prazo diante da possibilidade de catástrofes naturais, bem como daquelas causadas por uma interferência antrópica. No caso do Brasil, a título de ilustração, no que se refere à emissão de gás carbônico na atmosfera, o desmatamento de florestas, como a amazônica, contribui com 60%, tendo sido consumidos cerca de 17% da floresta; e continuam em ação os mecanismos e práticas que causam danos à biodiversidade, prejudicam os serviços ambientais, geram conflitos sociais, empobrecem a cultura, marginalizam populações, contribuem para agravar o aquecimento global e comprometem a imagem do país. É preciso gerar políticas públicas que se concretizem em benefícios reais para grande parte da população, não apenas em favor de grandes grupos empresariais em detrimento da maioria da população. Um estudo publicado na revista Science de junho de 2009 atesta que a região amazônica convive com um efeito gangorra na economia, isto é, num curto prazo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) melhora, porém, a durabilidade dos benefícios é curta, cerca de 10 anos. Segundo a pesquisa, a população perdeu a oportunidade de fazer uso de ativos naturais e de criar uma economia durável e com distribuição de renda mais equânime, herdando solos degradados, desemprego, concentração fundiária, êxodo rural, miséria urbana, sem falar no definhamento da floresta e dos recursos naturais antes à disposição; ou seja, faltaram responsabilidade e planejamento no uso dos recursos naturais.
O presente artigo não teve como escopo responder às situações nele descritas, mas estabelecer um norte de reflexão e delineamento para possíveis mudanças locais e globais, demonstrando que a questão ambiental está institucionalizada diante de uma situação de crise ecológica, que a mesma não é um problema local, mas globalizado e que, certamente, boa parte das soluções ou mudanças deverá ser traçada no âmbito local.
Entretanto, a construção ou institucionalização de uma política ambiental dependerá da modificação do pensamento ambiental, fazendo com que ele perca as falácias naturalistas, levando muito mais em conta uma “natureza humanizada”. Pelo contrário, os seres humanos estão inseridos no meio ambiente e devem participar do planejamento da preservação ou recuperação.
É imperioso reconhecer que tanto a abordagem de Giddens como a de Beck fornecem uma avaliação da modernidade que busca descrever a condição desta última sob o conceito de risco e relacionam este último à ciência e à tecnologia. Os riscos modernos, especificamente os ecológicos, seriam um traço marcante da modernidade, trazendo ao centro do debate que tais riscos que a sociedade contemporânea corre advêm da própria intervenção da sociedade humana no planeta.
Dessa maneira, o meio ambiente passa a ser a pedra de toque na modernidade de tal maneira que ele conduz as políticas públicas, bem como outras decisões que são tomadas no âmbito da sociedade, apesar de muitas vezes ser tratado como “moda” ou mero “discurso” daqueles politicamente corretos. Ou seja, o ambientalismo tornou-se num dos vetores instituintes da ordem mundial atual, significando, principalmente, que a ideia de dominação da natureza, corrente em relação à noção de desenvolvimento vigente, deve ser informada por uma substancial relativização; isto é, há limites para essa dominação.
Os paradigmas político-econômicos atuais não são suficientes para possibilitar uma melhor gestão da crise ambiental caracterizada pelo resultado previsível do uso e acesso indiscriminado aos recursos naturais, diga-se, por aqueles poucos que tiveram o privilégio de usufruir das riquezas naturais do mundo, uma vez que a maior parte da população do mundo não teve acesso a elas, tendo sido espoliada ou usada para extrair esses recursos e herdando apenas o ônus dos mesmos, numa verdadeira modernidade colonial. A crise ambiental coloca à mostra como foi injusta a exploração dos recursos naturais e agora as consequências podem atingir a todos, até mesmo aqueles que não contribuíram para o resultado. Dessa forma, o que deve preocupar as ciências sociais é a discussão de uma agenda prática para minimizar os efeitos dessa crise sobre a população mais vulnerável.
Acabamos sendo vítimas de um conjunto de condições que nos levou a uma modernização que nada mais é que um ato de colonização, reprodução de um modelo hegemônico de replicação do capitalismo, que está no cerne do processo de globalização. Este processo ganhou consistência de senso comum nos últimos 30 ou 40 anos, sendo um risco de caráter global ou para toda humanidade na medida em que tenta submeter o planeta à mesma lógica mercantil, a qual traz em sua essência o estigma da desigualdade, por estar atravessada pela colonialidade do poder. Essa globalização de uma mesma matriz de racionalidade, que tem seu comando na lógica econômica, ignora sua posição de inserção num contexto ambiental relevante para todos os seres e, além disso, submete a humanidade de forma desigual a seus efeitos nefastos, aos riscos originados das ações decididas por alguns e para benefício de alguns.
Portanto, criam-se as condições favoráveis à discussão acerca da responsabilidade pelo passivo ambiental, uma vez que não há uma compensação por parte dos países ricos em relação aos países pobres, considerando que os primeiros utilizam desproporcionalmente o espaço e os serviços ambientais sem pagar por eles, acumulando uma verdadeira dívida ecológica. Este é outro elemento dessa discussão que só está começando e que direciona a premissa de que devemos colocar limites que são, antes de tudo, políticos, na relação entre sociedade e natureza, porém esses deverão ser necessariamente construídos através do diálogo e instalação de uma nova governança ambiental.