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O discurso do movimento #OcupeOCocó e sua luta pela significação nas redes sociais
The movement’s speech #OcupeOCocó and its fight for significance on social networks
Ciências Sociais Unisinos, vol. 53, núm. 2, pp. 216-224, 2017
Universidade do Vale do Rio dos Sinos Centro de Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

Artigo


Recepção: 23 Fevereiro 2016

Aprovação: 14 Junho 2017

DOI: https://doi.org/10.4013/csu.2017.53.2.05

Resumo: Este artigo objetiva analisar o discurso do #OcupeOCocó, movimento popular em defesa do Parque do Cocó, na cidade de Fortaleza, que eclodiu nas redes sociais em julho de 2013, e sua luta pela significação nas redes sociais a partir das postagens e comentários dos usuários na página oficial do movimento no Facebook e seu perfil no Twitter. Foi utilizada a Teoria do Discurso proposta por Laclau e Mouffe (1985) com o intuito de compreender como acontece esse processo de significação e como os elementos se articulam em busca da hegemonização do conteúdo dos seus discursos quando as práticas discursivas revelaram um antagonismo social no qual as disputas acontecem a partir do processo de significação de um desenvolvimento predatório x desenvolvimento sustentável. Embora os manifestantes tenham sido expulsos do local três meses depois, o discurso do movimento continua construindo novas articulações e revelando novas práticas discursivas nas redes sociais.

Palavras-chave: #OcupeOCocó, Teoria do Discurso, redes sociais, desenvolvimento, pós-desenvolvimento.

Abstract: The purpose of this article is to analyze the speech #OcupeOCocó, a popular movement in defense of Coco Park, in Fortaleza (Brazil), which emerged on social networks in July 2013, and its struggle for meaning in social networks from posts and users’ comments on the official website of the movement on Facebook and its Twitter profile. We used the Discourse Theory proposed by Laclau and Mouffe (1985) in order to understand how this process of meaning takes place and how the elements fit together in the pursuit of hegemony of the content of its speeches when the discursive practices revealed a social antagonism in which disputes occur from the signification of a predatory development x sustainable development. Although the protesters were expelled from the site three months later, the movement speech continues to build new relationships and reveal new discursive practices in social networks.

Keywords: #OcupeOCocó, Discourse Theory, social networks, development, post-development.

Introdução

Os movimentos sociais compreendem um fenômeno mundial que produz novos valores e objetivos em torno dos quais a sociedade se transforma criando novas formas de organização da vida social (Castells, 2007). Esses movimentos ou conflitos sociais segundo Touraine (1989), são típicos da sociedade pós-industrial¸ uma sociedade de massa marcada pelo rápido desenvolvimento das informações e das comunicações, notadamente através das redes sociais. Esses conflitos por sua vez são por característica autônomos e generalizados no que diz respeito à expressão política, porque enfraquecem o papel dos intermediários e desarticulam a polarização que as reivindicações sociais anteriormente possuíam, por serem assumidas por partidos políticos de esquerda ou direita, ainda que essa classificação possa ser considerada um tanto deslocada no contexto contemporâneo. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é analisar o discurso do movimento #OcupeOCocó nas interações entre os usuários do Facebook e Twitter. Movimento este que ocorreu no Parque do Cocó que está localizado na cidade de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, e que eclodiu nas redes sociais em julho de 2013, período de intensas manifestações no Brasil e no mundo.

Esses movimentos, que são baseados em formas de organizações verticais e horizontais, apresentam-se mais descentralizados, com hierarquias internas ausentes e com estruturas colegiadas, ou seja, são mais participativos, abertos, espontâneos e fluidos que os movimentos de sociedades anteriores marcados por conflitos radicais entre esquerda e direita (Touraine, 1989; Gohn, 2002; Coelho e Dellagnelo, 2013).

A diversificação social densa e complexa bem como a abrangência dos grupos que compõe os movimentos sociais contemporâneos, a exemplo dos movimentos Occupy, os leva a conduzirem suas lutas não mais apenas em nome no universo do cidadão trabalhador contra o aparelho de dominação da sociedade, as lutas agora são em nome das coletividades (Touraine, 1989; Harvey et al., 2012), como consequência, o conflito social no mundo contemporâneo mudou da esfera de produção para a esfera da cultura (Gohn, 2000). Além disso, eles buscam consolidar suas identidades a partir de uma ideia de democracia radical, e, desta forma, lutam contra a hegemonia imposta pelo capitalismo neoliberal, que empodera minorias de uma população que, em sua maioria, se encontra marginalizada e desarticulada, sem representação sobre as questões que envolvem, por exemplo, o cotidiano das cidades onde vivem.

Esse ambiente torna-se palco desses novos movimentos sociais (Alli et al., 2014) fragmentados e descentralizados e, em grande parte, recusam a adoção de práticas violentas, ilegais e de criminalização. Por conseguinte, utilizam as redes sociais, como Facebook e Twitter, a fim de ampliar sua área de mobilização e intervenção social. Outra característica é a capacidade de inovação e de criatividade política, nos seus propósitos de disseminação da contestação social, assim como de sua capacidade de comunicar e dar visibilidade às misérias decorrentes da exclusão social, econômica e política (Harvey et al., 2012), de origem estruturais e motivações individuais, essas questões são capazes de mobilizar esses movimentos contra uma ou várias dimensões da dominação social (Castells, 2007). Ou seja, são movimentos estimulados por lutas dispersas e particulares, apresentam-se marcados por discursos singulares, e que se afastam cada vez mais da lógica das grandes narrativas, o que torna mais desafiadora a tarefa de sua compreensão ou o pleno atendimento das múltiplas reinvindicações.

A representação destes novos movimentos dá-se, por exemplo, a partir de manifestações como o “Occupy Wall Street” de 2011, contra o sistema econômico financeiro americano e que assim como os demais movimentos globais dos “ocupas”, formados em sua maioria por acampamentos de estudantes e trabalhadores em áreas públicas são motivados, dentre outras questões, por críticas à desigualdade social (Harvey et al., 2012).

No contexto brasileiro, esses movimentos reivindicatórios aparecem carregados de sentidos que traduzem questões de ordem democrática, num ideário que envolve conceitos como o de igualdade e de inclusão social, reclamando a participação popular nas decisões da sociedade. Como o chamado movimento “Passe Livre” ocorrido em junho de 2013 que surgiu a partir do aumento de R$ 0,20 nas passagens do transporte público em São Paulo, mas que ao longo da trajetória foi se desdobrando e se descentralizando por todo país, ao passo que a força que o movia não era mais o preço das passagens, e sim o sistema que gera desigualdade social, as instituições democráticas, os elevados gastos com as Olimpíadas e a Copa do Mundo (Alli et al., 2014). O movimento passou a ser contra “um aparelho estatal que já não mais corresponde às expectativas dos cidadãos” (Alli et al., 2014, p. 10).

É nesse contexto que, assim como outras cidades brasileiras, a capital Cearense, também se torna palco de movimentos e manifestações cujo os objetivos giram em torno da discussão sobre o direito à cidade e a participação da população nas tomadas de decisões que impactam a coletividade, as desigualdades emergentes do sistema capitalista e, principalmente, ao discurso promovido pelo governo a respeito de um modelo de desenvolvimento que parece promover projetos e ações que preveem benefícios particulares e individuais, em detrimento do desenvolvimento sustentável da cidade e em prol do bem coletivo.

Nestas condições, para alcançar o objetivo proposto, será utilizada a Teoria do Discurso proposta por Ernesto Lalcau e Chantal Mouffe, a fim de compreender como elementos se articulam em constante negociação de seus significados em busca da hegemonização de seu conteúdo.

O Parque do Cocó e seus significados para a cidade de Fortaleza

O Parque Ecológico do Cocó, localizado na cidade de Fortaleza (CE), foi criado com a denominação de Parque Adhail Barreto e em setembro de 1989, por força do decreto municipal 20.253 que abrangeu sua área de extensão para 1.155,2 hectares, passou a ser chamado de Parque Ecológico do Cocó.

O Parque é cortado pelo rio Cocó, que nasce na região metropolitana de Fortaleza e passa por vários bairros da capital cearense. O Parque é considerado o maior da América Latina na categoria urbano, sendo a principal área verde da cidade. Este rio é um dos principais recursos hídricos da cidade e é constituído em sua Bacia Hidrográfica por um ecossistema de manguezal responsável por servir de habitat para as mais variadas espécies animais e vegetais. Este fato, torna o local um ambiente atrativo e relevante para realização de pesquisas e para a manutenção da qualidade de vida da população (Lopes, 2012; Coriolano et al., 2012).

A área que constitui o parque é utilizada para diversas outras finalidades sendo visitada por diferentes grupos sociais que se relacionam, interagem, se apropriam e criam laços com o ambiente pelos mais diversos motivos (Lopes, 2012). O Parque possui anfiteatro, quadras esportivas, pistas de caminhada, parques infantis e programação de eventos além de ser utilizado como local de elaboração de projetos sociais, de grandes eventos culturais e shows que são organizados pelo Governo e/ou pelos empresários da região (Lopes, 2012). Assim, ele se torna um local onde o homem se encontra com a natureza, integrando-se nas diversas dinâmicas existentes no local, o que demonstra sua grande importância histórica, econômica, ambiental, turística, educacional e cultural, portanto, o parque proporciona inúmeros benefícios sociais para a cidade de Fortaleza e para o estado de Ceará.

Todavia, o Parque do Cocó, que é administrado pelo governo do Ceará, mesmo com toda sua importância histórica e ambiental está ameaçado pela especulação imobiliária e por obras urbanas. Uma dessas obras é o projeto de construção de uma Ponte Estaiada sobre o Rio Cocó e de dois viadutos entre as Avenidas Antônio Sales e Engenheiro Santana Júnior, que segundo o poder público municipal, são obras de mobilidade indispensáveis ao desenvolvimento, melhoria e progresso da cidade. A questão geradora de debate é que essas obras adentrariam pelo parque do Cocó e para realizá-las seriam necessárias a derrubada de árvores no local.

Esse contexto permite observar que o Parque do Cocó é local de inúmeros interesses onde os vários grupos atribuem significados variados ao espaço e à cidade, formando uma teia de relações que, dependendo dos interesses, podem apresentar concepções contrastantes ou congruentes de acordo com as inclinações de cada indivíduo ou grupo que se utilizada do espaço. Essas questões se desdobram em disputas a exemplo da própria criação do Parque, que é resultado de mobilizações sociais que marcaram o período anterior que uniu diversos atores sociais em torno da defesa ambiental (Lopes, 2012) e das demais disputas por hegemonia que se perpetuam ao redor do parque.

O movimento #OcupeOCocó, a luta pelos significados e a Teoria do Discurso

Diante dos divergentes interesses dos grupos, o Parque do Cocó passa a ser palco de uma luta em busca da significação hegemônica que já se delonga por mais de 30 anos. Os defensores do Parque reivindicam a legalização deste espaço como ambiente protegido por lei ambiental enquanto outros grupos opostos desejam utilizar o terreno para construção de vias para cidade, bem como para uso do mercado imobiliário.

Esses conflitos de interesses fomentado pela ambiência de movimentos e manifestações populares em que se encontrava o país em 2013 proporcionou a eclosão de uma manifestação de cunho social que tinha em uma de suas bandeiras a defesa do meio ambiente. O movimento denominado de #OcupeOCocó assumiu importância e ganhou visibilidade em meados de julho de 2013. A ocupação de parte do parque ocorreu no momento em que começaram as obras para construção dos viadutos entre as Avenidas Antônio Sales e Engenheiro Santana Júnior, obras que fazem parte do Programa de Transporte Urbano de Fortaleza, e que provocaram, inicialmente, a derrubada de 30 árvores na área do Parque do Cocó, gerando revolta em determinados grupos da sociedade, como estudantes, ambientalistas, jornalistas. Esse fato pode ser considerado o estopim para o início do movimento.

Esses grupos de cidadãos que anteriormente possuíam posições sociais distintas se articularam em prol de uma mobilização em defesa do Cocó, passando a ter posições diferenciais articuladas no interior do discurso (Ferreira, 2011), ou seja, passam a se articularem em momentos. Além disso, também foram itens de reivindicação o direito à participação nas tomadas de decisão que envolvem as questões relativas à cidade e a oposição à perspectiva de desenvolvimento que compõe o discurso da Prefeitura Municipal de Fortaleza e do Governo do Estado do Ceará. Os grupos contrários começaram a realizar várias ações visando a suspenção das obras, quando por exemplo, alegaram que ela foi iniciada sem licença adequada e também sem a apresentação do EI/RMA -Estudo e Relatório de Impacto Ambiental, fato este que se desdobra em outro momento importante que causou a suspensão da obra. Em contrapartida, ocupando uma posição oposta, o governo municipal reagiu acusando os manifestantes de desocupados, e considerando o protesto como algo de uma minoria que não se preocupa com o desenvolvimento da cidade.

Nesse contexto nota-se as construções de significados no campo discursivo, aqui compreendido como o #OcupeOCocó. Esses grupos ou elementos contrários, estão em luta, e cada um dos lados deseja consolidar o que considera como sendo verdadeiro e que se configura no que Laclau e Mouffe (1985) chamam de luta pela hegemonia do discurso. Howarth e Stavrakakis (2000) afirmam que essas práticas hegemônicas são como um exemplo de atividade política que envolve a articulação de diferentes identidades e subjetividades em um projeto político comum.

Esse campo de disputa em torno do Parque do Cocó está representado pelos sujeitos que são a favor da construção dos viadutos e os que são contra a construção, sendo eles capazes de expressar as vozes dos grupos que significam o parque de maneira bastante particular, cada um deles com seu próprio discurso, o que pode ser revelado pela Teoria do Discurso (TD). A TD, segundo a perspectiva de Laclau e Mouffe (1985), considera que o discurso ocorre a partir das práticas articulatórias de demandas particulares que são hegemonizadas por uma das posições indenitárias que configuram o sentido da realidade. Ou seja, a Teoria do Discurso é uma teoria política das diferenças e potencialmente ferramenta de compreensão social, onde a articulação promove sentidos indenitários cujo discurso é a categoria central de análise (Laclau, 1986; Mendonça, 2009). Nesse sentido, a compreensão do discurso em torno do Parque do Cocó passa pelo entendimento de como esses grupos significam o Parque, como se identificam com ele, como constroem seus sentidos e como acontecem as articulações na busca pela hegemonização do discurso.

Esse discurso, por sua vez, contempla a união de elementos, palavras e ações de natureza material e imaterial e/ou ideal. Ele é prático a partir da qual quaisquer ações empreendidas por sujeitos, identidades ou grupos sociais são ações significativas ou práticas discursivas (Mendonça, 2009). Em uma visão complementar, o termo discurso é usado para ressaltar que toda configuração social é significativa e que o sentido dos eventos sociais não está posto em sua pura ocorrência (Cordeiro e Mello, 2013). É nele onde essas práticas ocorrem através da disputa por significados antagônicos.

Nesse sentido, para a TD existe uma condição de negação do “outro”, representando a condição de inexistência de dois discursos singulares que lutam por significados díspares para o mesmo significante (Santos e Mello, 2014). Ou seja, para Laclau (1993), o que se expressa no antagonismo não é a identidade do sujeito, mas a impossibilidade de constituí-la, assim, a força que antagoniza nega sua identidade no sentido mais estrito do termo. Essa noção de antagonismo permite identificar que, no caso do movimento #OcupeOCocó, as lutas antagônicas se apresentam como algo muito maior do que a simples construção dos viadutos, elas estão localizadas ao redor do modelo de desenvolvimento praticado pelo governo local versus um modelo, na visão de outros, de desenvolvimento sustentável, e os discursos que tentam se hegemonizar. Por um lado, são daqueles que se mostram a favor do padrão de desenvolvimento do poder público, e do outro, os que são contra este modelo. Para os ativistas do movimento, visto sob a ótica do capitalismo, essa ação prejudica o meio-ambiente, favorece o privado em detrimento do coletivo e, o direito à cidade, corroborando com Cordeiro e Mello (2013, p. 21), para quem “no campo de contestação política, a lógica que deve orientar o desenvolvimento capitalista é colocada em pauta”.

O antagonismo: contra ou a favor do desenvolvimento?

Para compreender o motivo pelo qual os manifestantes no Parque do Cocó estão levantando uma bandeira antagônica divergente ao governo local, é importante apresentar algumas questões sobre desenvolvimento e pós-desenvolvimento.

O principal argumento norteador do entrave entre os ativistas e o poder local se pauta sobre o estopim com a derrubada de 30 árvores no Parque Ecológico do Cocó, mas que encontra justificativa nas lutas ideológicas que provocam críticas ao modelo de desenvolvimento adotado pelos governantes recentes no Estado do Ceará e na Prefeitura de Fortaleza. A lógica, para alguns, autoritária, proposta pelos governos estadual e municipal reproduz o discurso desenvolvimentista que se baseia na ótica do “progresso da cidade”. Nesse âmbito, o progresso por sua vez é considerado um conjunto de práticas por vezes conflitantes entre si, e que requer a transformação geral, a destruição do ambiente natural e das relações sociais para a reprodução da sociedade (Rist, 2008). O progresso e/ou desenvolvimento, nesse sentido, parecem visar a modificação incontrolável e irresponsável do espaço público urbano em detrimento das questões ambientais sustentáveis e em favor da minoria detentora do capital. Nessa condição, o desenvolvimento está ancorado no mito do progresso.

Essa perspectiva do desenvolvimento, estaria pautada na condição de que é necessário sempre buscar condições sociais que levem ao progresso e a uma dita condição essencial de desenvolvimento, mesmo que isso seja capaz de gerar acúmulo desigual de capital, o que fomenta a perpetuação da desigualdade social, bem como a deterioração do meio ambiente. Sobre esses aspectos, Vainer (1998) considera que em 90% dos casos quando se trata de desenvolvimento, trata-se também de processos de acumulação de capital e dos processos econômicos, sociais e políticos associados a esse capital. Todavia, o fato é que essa perspectiva de desenvolvimento tem como objetivo a proposição, por organismos e agências de projetos que são baseados em um diagnóstico que parte do pressuposto que falta desenvolvimento à realidade social. Ou seja, que existe algo a ser corrigido ou imputado e que o desenvolvimento na forma de programa integrado com racionalidade própria, será o responsável por efetuar essa correção (Radomsky, 2011a). Essa condição parece se refletir a partir do momento em que os agentes de maneira acrítica, porém consciente, agem negligenciando a implantação de projetos de desenvolvimento num espaço qualquer que seriam capazes de suprir e resolver os problemas de desigualdade e conflitos sociais (Ferguson, 1990).

Sob esses aspectos, o Cocó seria o local onde o projeto do governo, que visa a construção dos viadutos, se materializa nas propostas que buscam esta condição de desenvolvimento. Sendo assim, o espaço torna-se um cenário de busca da significação desse desenvolvimento, que seria um significante vazio ou impossível de ser significado. Isso acontece à medida que um discurso universaliza seus conteúdos ao ponto de não conseguir mais significá-lo com exatidão (Laclau, 1986; Mendonça, 2009). Nota-se neste sentido, o surgimento de uma questão interessante: Prefeitura e manifestantes possuem uma visão distinta do desenvolvimento que é aplicado no Parque do Cocó. E essa distinção ocorre porque os manifestantes são contrários ao conceito de desenvolvimento arbitrário que é aplicado no local, que não consideraria os impactos sociais que podem ser resultado de sua aplicação. A partir disto, traçam suas articulações embasados na relação antagônica presente, em que um nega o sentido do outro, e na luta que se representa através daqueles que defendem o desenvolvimento de forma sustentável contra os que visam esse tipo de desenvolvimento. Assim, essa é uma relação antagônica que, por sua vez, guarda em si o paradoxo da possibilidade e da impossibilidade dos elementos antagônicos tomados entre si (Mendonça, 2003).

Todavia, esse desenvolvimento torna-se uma certeza do imaginário popular a partir do momento em que funciona como discurso onde a modernização e o capital são os principais fatores para o desenvolvimento econômico (Escobar, 1995). Essa “indústria do desenvolvimento” se fortalece por sugerir que é capaz de executar o que estar no âmago das próprias pessoas (Radomsky, 2011b).

Nesse sentido, seria necessário discutir criticamente e até repensar este tipo de desenvolvimento. Essa necessidade de analisar outras possibilidades e alternativas ao mesmo é caracterizada por Escobar (1995) como uma era de pós-desenvolvimento2, perspectiva que se opõe contra o discurso hegemônico de desenvolvimento que a prefeitura local, nesse caso, pretende manter. Nesse contexto, a estratégia do poder público é investir em torno de problemas e necessidades e para resolvê-los, se apropria do discurso de desenvolvimento e da democracia, ao passo que o discurso contra hegemônico responde enfatizando a existência de autonomia cultural e reivindicando o direito das pessoas de serem elas mesmas e de terem seus próprios projetos de vida. Esse discurso, que se opõe à hegemonia do governo, se baseia na crítica à democracia liberal e propõem a discussão de práticas alternativas de organização política, onde o papel do Estado e da sociedade civil possuem lugar central (Pinto, 1999).

A perspectiva do pós-desenvolvimento, que tem sua origem na crítica pós-moderna, está ancorada na ideia de desconstrução do discurso do desenvolvimento a partir do desvelar das mazelas e anomalias associadas a ele. Essa perspectiva terce críticas aos padrões universais de desenvolvimento das sociedades e tem como objetivo uma transferência de poder. Poder esse de definir os problemas e objetivos de uma sociedade das mãos de “especialistas” de fora para os membros da própria sociedade que se acrescentam a uma posição democrática radical (Ziai, 2004).

Nesse contexto, Escobar (1995) apresenta possibilidades alternativas ao desenvolvimento, quando propõe uma era de pós-desenvolvimento que desconstrua o discurso do desenvolvimento, embora para o autor isso não seja um trabalho fácil e nem isolado de dor. Ele considera que não há soluções pré-fabricadas, uma vez que este discurso está consolidado e legitimado uma história de muitos anos. O que precisaria ser feito então é pensar numa nova modernidade, uma modernidade híbrida, renovada por alternativas no nível micro, nos grupos populares de resistência que estão presentes nas intervenções dominantes.

Procedimentos metodológicos

Neste estudo de natureza qualitativa, foi utilizado a Teoria do Discurso (TD) com estratégia de pesquisa, uma vez que torna possível o entendimento da linguagem e da realidade social construída (Mello e Silva, 2012), objeto de investigação deste trabalho. Nestas condições procurou-se analisar as práticas dos agentes sociais como estratégia para entender o discurso em torno do Parque do Cocó. Para tanto, as categorias centrais para analisar estes discursos, com base no que propõe Laclau e Mouffe (1985) estão diante das noções de: Elemento, Momento, Articulação, Cadeia de Equivalência e Ponto Nodal. Optou-se ainda por utilizar uma teoria auxiliar, para contribuir na análise, trabalhando as questões relativas ao desenvolvimento a partir de elementos da Teoria do Pós-Desenvolvimento. Por conseguinte, os discursos analisados serão provenientes das redes sociais uma vez que estas, além de serem espaço onde as pessoas interagem em prol de si mesmas ou do coletivo em busca de uma mudança concreta, é também um mecanismo significativo para a ampliação das áreas de mobilização e intervenção social dos movimentos e das manifestações contemporâneas (Aguiar, 2007; Harvey et al., 2012).

Construção do corpus da pesquisa

O corpus da pesquisa foi construído com base nas “postagens dos usuários” em duas redes sociais o Facebook (F) e o Twitter (T), tidas como as mais relevantes e com expressivo número de usuários. A coleta foi feita no final de 2014. A escolha deste recorte temporal baseou-se no período de grande ativação das postagens devido aos dois momentos mais críticos do movimento, a ocupação e a desocupação do Parque do Cocó.

Foram coletadas as postagens e comentários do grupo oficial do movimento na rede social Facebook intitulado #OcupeOCocó compreendendo os meses que corresponderam a ocupação e a desocupação dos manifestantes no Parque do Cocó, ou seja, julho a outubro de 2013. O material coletado no Twitter bem como as demais postagens do Facebook sobre o movimento foram lidas para sensibilizar os autores sobre o objeto e subsidiar o contexto histórico do movimento. Esse novo recorte conteve 100 postagens 320 comentários.

A análise do corpus foi realizada com ajuda de uma planilha em Excel, onde foram separadas as postagens (e.g., P1, P2, P3...) e os comentários (e.g., C1, C2, C3...) de acordo com as datas. Em seguida após lidas e analisadas, eram retiradas as categorias da Teoria do Discurso que pertinentes à postagem ou comentário. Logo após, fez-se uma análise de cada categoria, observando os achados e agrupando-os de acordo com os seus respectivos discursos.

Critérios de saturação, validade e confiabilidade

O recorte feito para a coleta do corpus é justificado pelo montante apresentado, uma vez que o número de postagens e comentários em torno do objeto pesquisado mostrou-se elevado e inviável de se trabalhar a priori, sendo necessário um melhor delineamento do período e uma seleção mais aguçada. Diante do corpus foi preciso ainda utilizar o critério de saturação, devido à repetições e comentários que fugiam ao cerne do trabalho, tais como spams.

Referente à validade e confiabilidade da pesquisa, os critérios adotados foram a construção do corpus de pesquisa, já detalhada nesta seção; a descrição clara, rica e detalhada (Paiva Jr. et al., 2011), criando condições para que outros estudiosos possam com base no aqui exposto reconstruir a pesquisa em outros cenários; e a comunicação com os pares, com a proposição de troca de conhecimento; ademais e no tocante apenas a confiabilidade utilizou-se também da reflexibilidade, retornando de forma frequente à pesquisa a fim de uma melhor análise e exposição das ideias.

O processo de construção de significados e a disputa pela hegemonia do discurso

A partir da análise procurou-se entender o Discurso sobre a ocupação no Cocó, os argumentos, os significados disputados e as posturas assumidas por cada parte dentro do discurso pela disputa hegemônica. Esse processo, onde cada um dos “lados” deseja a hegemonização dos significados, acontece, segundo Laclau e Mouffe (1985), a partir do discurso, sujeito, cadeias de equivalência, práticas articulatórias, antagonismo social, ponto nodal e significante vazio. Enquanto que o processo de significação acontece por meio das noções de Elemento, Momento e Articulação.

Sob essa perspectiva, discurso é a estrutura ou conjunto de posições diferenciais do sujeito (Laclau, 1986) e este por sua vez é definido por sua tomada de posição no campo discursivo. Ao passo que o elemento articulador destas posições chama-se ponto nodal (Ferreira, 2011). Essas posições diferenciais, que formam momentos diferenciais no interior de cada campo, são expressos como uma cadeia de equivalência que produz a oposição no outro campo (Laclau, 1986). O fato é que essa oposição ocorre na composição do discurso porque segundo Laclau (1986) existem duas lógicas que compõe o campo: a lógica da equivalência e a lógica da diferença. Uma não existe sem a outra. Ou seja, dois significados só podem ser equivalentes se forem também diferentes ao mesmo tempo. A lógica da diferença busca a anulação dos sentidos, porém se a equivalência se mantem é devido ao fato de que a anulação nunca se completa (Pinto, 1999).

Ocorre que o discurso pode ser considerado ainda a totalidade estruturada que por sua vez resulta das práticas articulatórias (Mendonça, 2003). Essas práticas são compostas pela construção de pontos nodais que são responsáveis por fixar parcialmente o sentido no campo discursivo (Laclau e Mouffe, 1985). Todavia, o campo discursivo expressa uma impossibilidade do fechamento completo dos sentidos de um discurso, e isso se dá através do antagonismo. Esse por sua vez constitui uma relação paradoxal da possibilidade e da impossibilidade de fechamento de sentido de uma formação discursiva (Mendonça, 2003). Nesse âmbito, os discursos dentro do campo estão em constante disputa por uma hegemonização de significados e pelo preenchimento total de todos os sentidos que permitiria uma universalização destes sentidos o que não ocorre pelo caráter precário e contingencial do discurso o que torna os significados disputados como significantes vazios ou impossíveis de serem significados (Laclau, 1986; Mendonça, 2003).

Diante disso, os elementos encontrados no discurso sobre a ocupação do Cocó a partir do recorte feito são, de um lado o Governo Municipal, o Governo Estadual e as construtoras responsáveis pelas obras compondo o discurso hegemônico, e do outro, o corpo heterogêneo de professores da Universidade Federal do Ceará (UFC), estudantes, ativistas de outros movimentos e profissionais liberais que assumem a identidade de “Manifestantes” no movimento #OcupeOCocó, a posição contra hegemônica. Nesse contexto, ambos estão em busca de hegemonizar seus significados em relação ao desenvolvimento da cidade e a preservação do Parque. Essa condição permite observar que cada um desses sujeitos políticos assume nesse momento do discurso uma posição bastante definida e, embora o discurso seja precário e contingente (Mendonça, 2003), o corpus não permitiu observar uma tomada de posição diferente da que inicialmente se propôs cada um dos lados.

(P1: 15-07-2013) Na segunda-feira a empresa Queiroz Galvão, responsável pela obra, vai querer continuar o corte das árvores.

(P3: 15-07-2013) Vídeo mostrando retirada de placas, por parte da Prefeitura Municipal de Fortaleza, com o apoio da Guarda Municipal, em obra que está desmatando o Parque do Cocó.

A partir desse contexto é possível verificar que os Governos Municipal (Prefeito Roberto Claudio - RC ) e Estadual (Governador Cid Gomes) se unem com a construtora (Queiroz Galvão) em condição de articulação discursiva segundo a Teoria do Discurso, e formam uma Cadeia de Equivalência representada pelo Estado e Aliados é que se baseia na Lógica de Equivalência de “Promoção Política”, uma vez que convergem no discurso da promoção de Desenvolvimento para o Estado/Capital, a partir do Projeto de Mobilidade Urbana da Cidade e que para os Manifestantes possui interesses escusos por se tratarem de questões relativas a interesses do poder público devido ao fato de que as construtoras envolvidas no projeto haveriam financiado suas campanhas políticas.

(C54: 06-08-2013) O que é obvio é que essa obra já foi negociada, muito longe da opinião da população, antes da eleição do RC e que o governador já faltou diversas vezes com suas promessas e não é digno de confiança.

Na posição contra hegemônica e no decorrer da ocupação ao longo do discurso, os Manifestantes, mantem-se tentando gerar articulações com vários outros Elementos com o intuito de fortalecer sua posição contra hegemônica e gerar significados que consolidem seu discurso. Essas articulações se dão em quatro instâncias: (a) com outros movimentos sociais de apoio ao #OcupeOCocó; (b) com segmentos profissionais (arquitetos, engenheiros, jornalistas, funcionários dos correios em greve, artistas), (c) com a imprensa e (d) entre eles próprios, a população e usuários das redes sociais para arrecadação de mantimentos de alimentos para manutenção do movimento. Além disso, procuram também fortalecer o significado “preservação ambiental” promovendo momentos onde ocorrem Eventos e Festivais Culturais, Eventos Ambientais e Cultos Ecumênicos no Parque do Cocó para salientar a importância da preservação do espaço. Além de recebem apoio de torcidas organizadas e entidades sociais como o Greenpeace, e o Conselho Regional de Serviços Social (CRESS).

(P9: 23-07-2013) A reunião realizada hoje, 23/07, pela manhã, no Acampamento #OcupeOCocó, tomou as seguintes decisões: Ampliar a mobilização da população em torno de dessa luta. Convidar a cidade para uma domingueira no Cocó no próximo domingo (piquenique com criançada, palestra, caminhada).

(P 42: 06-08-2013). O Coletivo Plantando Informação e a Marcha da Maconha Fortaleza realizarão uma roda de conversa no #OcupeOcocó sobre política de drogas e construiremos uma carta dos “maconheiros” em defesa do cocó, como resposta do movimento social às críticas de Ciro Gomes.

(P22: 26-07-2013) Professores da UFC falam sobre o movimento #OcupeOCocó: Os professores da UFC, Jeovah Meireles (Geografia) e Clarice Sampaio Feitas (Arquitetura e Urbanismo), além de Rosa Fonseca.

Nesse sentido, é importante observar também que as articulações dos Manifestantes em alguns casos vão gerando o que a TD considera como sendo Momentos ou “posições diferenciais articuladas no interior do discurso” (Ferreira, 2011, p. 16) quando trazem o Elementos população para participação nas atividades do Parque e quando se articulam com um programa se rádio local para discutir as reivindicações que motivam a ocupação do Cocó.

(P 64: 11-08-2013) Atenção, galera! daqui a pouco terá início o Programa Crítica Radical na Rádio FM Cultura com a participação de Ronaldo Rogério, Franci e a jovem Camila, participante desde o início do acampamento do OcupeOCocó. No acampamento haverá a abertura da exposição de Demitri Túlio sobre a Expedição Cocó.

A partir disso vão em busca, por várias vezes, da suspensão das obras no Parque, ao passo que reivindicam a preservação do local e assim vão construindo significados de “Ilegalidade da Obra” e “Preservação Ambiental”. Isso é demonstrado, inicialmente, no momento em que conseguem o embarco da obra pelo Ministério Público e por alegarem irregularidades nas documentações apresentadas e posteriormente quando há nova suspensão da obra pela Justiça Federal após nova denúncia de que o terreno onde a construção está acontecendo pertence à União. Nesse momento eles levantam a bandeira da preservação ambiental e do desrespeito com a natureza.

(P18: 24-07-2013) Justiça derruba liminar de embargo: Atenção, todo cuidado é pouco, a polícia de CID e RC pode invadir o nosso acampamento a qualquer momento e esbanjar violência. Precisamos muito de reforços aqui no # OcupeOcocó, vem pra cá! Local: Final da Antônio Sales.

(P55: 08-08-2013) Galera, a obra foi novamente embargada pelo Juiz Roberto Machado da 6a. Vara, hoje foi um dia muito difícil pra tod@s que estiveram lá, vamos agora TODO MUNDO PRO COCÓ festejar essa vitória e pensar nas próximas estratégias para o movimento. O Cocó é nosso! #OcupeOcocó.

Por sua vez, o Governo (Roberto Cláudio o prefeito de Fortaleza e Cid Gomes o Governador do Ceará) também tentar se articular e reage realizando manobras políticas para tentar deslocar a posição dos manifestantes, acusando-os de serem contra progresso e desenvolvimento da cidade e se utilizando para ameaçar, coagir e tentar desocupar os manifestantes a “força” e maneira ilegal do Parque do Cocó invadindo-o de surpresa. Esse posicionamento do discurso hegemônico reforço os significados de “Ilegalidade da Desocupação” e fazendo surgir o “Autoritarismo” do Governo não só no sentido da obra, mas também da desocupação forçada do local.

(P39: 05-08-2013) #OcupeOcocó em reunião com Prefeito Roberto Cláudio. Depois de manifestação na CMFOR o prefeito de Fortaleza, Roberto Claudio, recebeu os manifestantes no auditório da Câmara... (P40) Prefeito ouviu os manifestantes, mas disse que continuará obras do viaduto. RC e CID se dizem democráticos, mas não aceitam as propostas dos movimentos.

(P33: 02-08-203) Manifestantes que ocupam o Cocó denunciam na Defensoria Pública a tentativa de despejo ilegal por parte da Prefeitura.

Contudo, esse universo do campo discursivo que revela as articulações que foram sendo realizadas, sobretudo, durante a ocupação do Parque, faz surgir os dois Pontos Nodais, ou Elementos que articulam as diferenças no interior deste discurso (Ferreira, 2011). A disputa latente entre esses elementos que se articulam em cada posição ocorre a partir de uma condição de Progresso e de Desenvolvimento Sustentável. Enquanto o governo manter-se favorável a uma ideia de desenvolvimento a partir do Projeto de Mobilidade Urbana, que os manifestantes significam como predatório, esses pautam sua luta em favor de um desenvolvimento que não degrade o meio-ambiente, que contemple alternativas de mobilidade que sejam democráticas e que a população possa participar da tomada de decisão em relação as questões da cidade.

(P21: 25-07-2013) Professores defendem alternativas para obra que evite impacto no Cocó.

(C50: 06-08-2013) Se o Prefeito quer um acordo razoável, deve suspender a obra pelo menos até o final do mês, para que possamos discutir propostas alternativas (que virão do concurso de ideias lançado pelo CA de Arquitetura e Urbanismo da UFC).

(P44: 07-08-2013) O OcupeOCocó quer ocupar não apenas o Parque do Cocó, mas a cidade de Fortaleza inteira. Mobilidade urbana sustentável não se resume a não-construção de viadutos, ao não-desmatamento das áreas verdes. Mobilidade urbana é transporte público de qualidade, é segurança, é cidade projetada para as pessoas, é ciclovia, é calçada extensa, é aproveitamento dos espaços públicos, é gente na rua.

(P66: 11-08-2013) Plenária no acampamento: OcupeOcocó lotado p/ debater alternativas aos viadutos: defender o Parque-DoCocó c/ mobilidade...

Essa condição em que os manifestantes se articulam com os Elementos professores, engenheiros e arquitetos para proporem projetos alternativos de mobilidade urbana se configuram novamente em um Momento devido ao fato de esses seres elementos que possuíam posições sociais diferenciais que aqui se articulam em prol da discussão destas novas propostas.

Mesmo diante de todas essas articulações o segundo momento crítico e ápice no campo discursivo em torno do Parque do Cocó foi quando após a decisão da justiça que aprovou a desocupação do parque pelos manifestantes, o governo utilizou-se de força policial para realizar a ação de desocupação do parque. Os manifestantes foram expulsos do acampamento três meses após ao início da ocupação.

Refletindo sobre o campo discursivo do movimento #OcupeOCocó

O desvelar do discurso que gira em torno do parque do Cocó e, especificamente, a ocupação efetuada pelo movimento #OcupeOCocó demonstra que a dinâmica da disputa se estabelece da construção de significados em torno do desenvolvimento e, portanto, do antagonismo que se apresenta entre os manifestantes, que o significam como desenvolvimento predatório versus um desenvolvimento sustentável que eles acreditam ser uma condição mais apropriada para sociedade e que se representa no discurso do movimento através da preservação das árvores do Parque.

Contudo, é importante salientar que em nenhum momento os manifestantes se posicionaram contra ou resistiram ao desenvolvimento da cidade de Fortaleza, conforme mencionava o governo. O que ocorreu foi que eles se demonstraram contra o modelo de desenvolvimento proposto pelo governo. Essa condição fica clara quando os manifestantes articulados com os professores da Universidade Federal do Ceará, arquitetos e urbanistas lançam um concurso de ideias para elaboração de proposta alternativa para os projetos de mobilidade propostos pelo governo, que além de não conterem viadutos, possam contemplar o direito das pessoas em vivenciarem a cidade com alternativas eficientes de mobilidade.

Esse contexto por sua vez, corrobora com a perspectiva proposta por Escobar (1995) que analisa as alternativas ao pós-desenvolvimento, a partir da desconstrução do discurso do desenvolvimento e que pode tornar-se possível a partir do momento em que se pensa em uma nova modernidade que podem surgir, por exemplo, nos grupos populares de resistência. Atrelado a tudo isso está o fato de que também era pauta da manifestação, a luta pelo direito a participação nas tomadas de decisão relativas à cidade, ou seja, uma luta em prol de uma democracia radical que discute formas alternativas de organização política e luta contra qualquer tipo de relação de subordinação (Pinto, 1999).

O fato é que nessa disputa na busca por hegemonização do discurso, os manifestantes foram expulsos do Parque e não conseguiam impedir a construção dos viadutos do Parque do Cocó, provavelmente, devido ao fato de não terem conseguido, durante aquele período em que estiveram acampados, fortalecer a cadeia de equivalência e seu discurso na direção de criar uma nova hegemonia, mas criaram algumas emancipações em busca da transformação do significado de desenvolvimento que ainda possa estar no imaginário popular como sendo caminho único para sociedade.

Considerações finais

Após três meses de ocupação, os manifestantes do movimento #OcupeOCocó foram expulsos do Parque pelas forças policiais do Governo Municipal e os viadutos entre as Avenidas Antônio Sales e Engenheiro Santana Júnior foram construídos. No olhar superficial esse fato poderia significar uma derrota, contudo foi graças a esses viadutos que diferentes sujeitos políticos conseguiram se unir em prol de uma mesma causa, o que possibilitou que a sociedade discutisse as ações do Estado. Provocando e estimulando nesta uma consciência crítica para melhor agir, conforme se propõe os movimentos sociais contemporâneos.

Essa consciência se demostrou no fato em que os manifestantes não se mostraram contra o desenvolvimento da cidade e sim, conta a condução deste de maneira predatória pelo governo e, sobretudo, pela sua postura ditadora de impor as suas condições sem que houvesse participação da população em quaisquer que fossem às decisões relativas ao proposto desenvolvimento. Essa busca dos manifestantes por um outro significado de desenvolvimento levantava a bandeira de trazer mais alternativas democráticas de mobilidade para a cidade, porém beneficiava apenas parte da população em detrimento da outra. Ou seja, o movimento põe em cheque a democracia que está no imaginário popular.

Nestas condições, uma alternativa é forçar os governos a efetivação de uma gestão mais participativa que possa minimizar as resistências populares trazendo a população para fazer parte das discussões que dizem respeito ao local onde vivem. E, nesse sentido, essa gestão talvez precisasse deixar de lado o modelo tecnocrático vigente que busca apenas eficiência, resultados e produtividade e investir em um modelo mais democrático que, por vezes, pode não ser o mais eficiente, mas o que conta com o apoio da sociedade.

Simbolicamente, os viadutos que funcionam como pontes que pretendem unir dois pontos opostos, de certa forma aproximou a população das questões importantes de serem discutidas em sociedade e, embora isso não tenho sido suficiente para impedir sua construção, talvez até por falta de maior engajamento, certamente foi importante para fortalecer a discussão e fortalecer outras causas.

O fato é que a derrubada das árvores foram apenas o ponto de partida, o movimento não acabou com a desocupação do Parque do Cocó, ele se mantém firme nas redes sociais e continua reivindicando causas de interesses maiores e se articulando com outros movimentos, ou seja, o resultado deste movimento é que ele continua incorporando e se articulando a partir de outras causas. Então, o discurso não se esgota com a desocupação do Parque, ele continua em evidência.

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Notas

2 Para efeitos deste artigo, a Teoria do Pós-Desenvolvimento baseada principalmente nos estudos de Escobar (1995) não será utilizada para guiar as análises, ela apenas fornecerá subsídios a nível conceitual para proporcionar melhor compreensão do estudo.

Autor notes

lucianabarbosacorreia@yahoo.com.brsergio.benicio@gmail.comhenrique.muzzio@ufpe.br



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