Resumo: Este artigo analisa como ocorreu o processo sui generis da religiosidade evangélica em Londrina (PR) e como esse processo reproduz a dinâmica da religiosidade nacional em contexto histórico específico. A partir de investigação bibliográfica, eletrônica, de campo e oral, foi possível identificar que a trajetória religiosa evangélica londrinense aconteceu em quatro fases, que denominamos “ecumênica”; “divisão institucional”; “novas religiosidades” e “evangélicos sem fronteiras”. Como resultado final, afirmamos que esta ultima fase, contemporânea, possui características que se pode ampliar para o âmbito nacional, tendo em vista que as doutrinas já não delimitam uma igreja da outra e o estilo gospel se faz presente na maioria delas.
Palavras-chave: História EvangélicaHistória Evangélica,Evangélicos em LondrinaEvangélicos em Londrina,ParanáParaná,religiosidade neopentecostalreligiosidade neopentecostal.
Abstract: This article examined how the peculiar process of evangelical religion occurred in Londrina and how this process reproduces the dynamics of the national religion in the specific historical context. From bibliographical, electronics, field and oral research, it was identified that the evangelical religious trajectory of Londrina took place in four phases: the first one is called “ecumenical”; the second, “institutional division”; the third, “new religiousness” and the fourth “borderless evangelical”. As a final result, we affirm that this contemporary phase has characteristics that can be extended to the national level, given that the doctrines no longer delimit a church from another and that the gospel style is present in most of them.
Keywords: Evangelical History, Evangelicals in Londrina, Paraná State, neopentecostal religiosity.
Artigo
Os “evangélicos sem fronteiras”: história e religiosidade evangélica em Londrina (PR)1
The “evangelical without borders”: History and evangelical religiosity in Londrina (Brazil)
Recepção: 08 Novembro 2016
Aprovação: 08 Maio 2017
É comum no cotidiano brasileiro, desde as conversas nos bares, nas páginas da imprensa ou nos debates acadêmicos, afirmações acerca do crescimento da população evangélica no Brasil. Tal crescimento tem redesenhado o cenário do debate e das campanhas políticas na atualidade, bem como suscitado acalorados posicionamentos concernentes a questões de políticas públicas, direitos civis, direito de expressão e, também, posicionamento conflituoso intraevangélicos no que diz respeito à sua participação no espaço público nacional, haja vista, a título de exemplificação, os posicionamentos opostos de grupos evangélicos a respeito da causa homoafetiva.
A produção acadêmica no Brasil tem disseminado inúmeras contribuições sobre o tema do crescimento da população evangélica e sua pluralidade. Várias organizações, eventos nacionais e internacionais estão com um número de autores e interessados cada vez maior. Sob esse tema, nosso recorte espacial de investigação é a cidade de Londrina na região norte do Paraná, que se justifica devido a suas características singulares em comparação com a maioria dos municípios brasileiros no que concerne à religiosidade, como também com sua similaridade acerca do processo de institucionalização religiosa brasileira.
A história dos evangélicos de Londrina é paralela à história do desenvolvimento da cidade, que teve seu início na década de 1930. Entre as famílias pioneiras, havia algumas adeptas do protestantismo de missão, isto é, presbiterianos e metodistas. Esse aspecto permitiu a constituição de um processo histórico que garantiu, ao longo das décadas seguintes, uma destacada presença protestante na sociedade local.
Para evidenciar essa relevância, basta associar os dados dos censos do IBGE sobre a população evangélica nacional com a local e teremos um comparativo quantitativo esclarecedor. Em 1991 tínhamos no Brasil 9% de evangélicos, em 2000 subiu para 15% e em 2010, para 22,16%. Em Londrina, no ano de 1991, havia 14% de evangélicos, em 2000 subiu para 21% e em 2010, para 30%, quando a população local foi estimada em aproximadamente 506.700 habitantes, conforme ilustrado na Figura 1.

No que se refere aos dados numéricos da população evangélica em Londrina (PR), temos um crescimento superior à média nacional, mas isso, por si só, não diz tudo sobre a dinâmica religiosa na cidade. Cabe analisarmos como ocorreu esse processo de crescimento, constituição e conflitos da religiosidade evangélica em Londrina e como ele reproduz a dinâmica da religiosidade nacional em contexto e história específicos.
Trata-se, portanto, de uma análise sociológica acerca da dinâmica da religiosidade evangélica na cidade de Londrina (PR), a partir da perspectiva compreensiva. Desta forma, não temos por interesse fazer uma análise pormenorizada de cada uma das instituições, mas da relação entre a dinâmica religiosa evangélica e a sociedade. Assim, procuramos explicar como foram estabelecidas as igrejas e as mudanças na religiosidade, juntamente com o desenvolvimento do município. Percebemos que o processo de consolidação e expansão dos evangélicos na cidade ocorreu basicamente em quatro fases específicas, que demonstram as singularidades do campo religioso local e as similitudes com a religiosidade de âmbito nacional.
Optamos por essa análise linear da fases históricas tendo em vista que os pesquisadores da religião no Brasil tendem a apresentar essa cadência de desenvolvimento genealógica. Embora apresente alguns limites, torna a compreensão desse desenvolvimento mais clara.
Este artigo traz uma formulação de categorias explicativas acerca do processo sócio-histórico dos evangélicos em Londrina que permite compreender a expansão, as mudanças na religiosidade e as influências do neopentecostalismo, intitulado, principalmente no último período, “Evangélicos Sem Fronteiras”, a partir de dados e aspectos oriundos da realidade social e coletados por meio das pesquisas bibliográfica, de campo, com fontes eletrônicas e orais.
Para compreendermos nosso universo de pesquisa e os elementos analisados da contemporaneidade religiosa evangélica, foi necessário apresentar dados da contextualização da região e referências do processo que vincula a expansão colonizadora capitalista, o desenvolvimento urbano e as mudanças no meio evangélico de Londrina (PR).
A constituição da região norte do Paraná3 foi um processo explícito de colonização e exploração da força de trabalho de migrantes pobres e da expulsão dos índios Xetá, Guarani e Kaingáng que, segundo estudos arqueológicos, estavam presentes na região há milênios. Portanto, essa informação ocultada nas narrativas dos pioneiros e da história oficial londrinense revela que não havia um “vazio geográfico” - como se tentou construir com os mitos da “Terra da Promissão” ou nos “discursos de felicidade” (Adum, 2013) - mas um processo de usurpação e colonização violento em nome do avanço capitalista (Tomazi, 2000, p. 60-104). Segundo Adum (2013, p. 14), Tomazi foi o primeiro a tomar como objeto de investigação a Companhia de Terras Norte do Paraná em uma perspectiva crítica de desconstrução dos mitos e representações criadas acerca da história dos pioneiros desbravadores.
A partir desta perspectiva crítica, portanto, Tomazi (2000, p. 107) afirma que
Estes “silêncios” procuram eliminar aquilo que de mais “negativo”, aos olhos de quem domina, aparece no processo desta (re)ocupação. Deste modo, pretende-se fazer esquecer a história das sociedades indígenas bem como a matança dos mesmos, os “coronéis” fazendeiros, os “grilos”, os caboclos, os pistoleiros, os posseiros, e o banditismo; enfim, todo um conjunto de fatos que questionam a ideia de uma (re)ocupação racional, pacífica, moderna e progressista. [...] Trazer à tona alguma destas vozes, é um trabalho político significativo, pois significa colocar no cenário a história dos excluídos, na medida que eles também devem estar presentes na cena da narrativa histórica, pois a história dos “pioneiros” está preocupada em realçar apenas as dificuldades e os sofrimentos dos que venceram na ótica do capital, isto é, dos que enriqueceram, e não daquela maioria que trabalhou para que tivesse sido gerada esta riqueza.
Ratificando essa análise, Silva afirma em sua tese doutoral que
Os trabalhos de Adum (1991) e Arias Neto (1993) tornaram possível compreender não só o modo como e as razões por que ocorreu a migração de grandes levas de trabalhadores para a região Norte-paranaense, mas também as consequências para a cidade, ou seja, o enriquecimento para alguns e para a maioria, que não encontrou a riqueza, o trabalho nas lavouras de café e nas casas de famílias. Para os demais restaram a mendicância ou a prostituição (Silva, 2008, p. 68).
Podemos afirmar, então, que a região norte do Paraná, bem como Londrina, é marcada desde seu início pela divisão de classes sociais e exploração e que a história oficial é uma reprodução da história a partir dos vencedores e sob o viés do desenvolvimento capitalista sob a égide da representação de progresso.
A região norte do Paraná já era conhecida pelos ingleses em fins do século XIX. Em 1924, empresários ingleses fundaram a Brazil Plantations Syndicate, transformada em Paraná Plantations Ltda, e sua subsidiária brasileira como Companhia de Terras Norte do Paraná (Tomazi, 2000, p. 140). Em 1925, a CTNP comprou 35 mil alqueires de terras no Paraná, a baixo preço devido à falta de acesso à região, com o objetivo do cultivo do algodão para ser exportado para a Inglaterra, atividade que se repete desde a Revolução Industrial. Até 1927 totalizaram 515.017 alqueires (Tomazi, 2000, p. 182; Silva, 2008, p. 71). Podemos perceber esta lógica produtiva inglesa na relação comercial com a América nas palavras de Chomsky (2010, p. 34):
Uma omissão importante, por exemplo, é o fato de que a revolução industrial baseou-se no algodão barato, oriundo principalmente dos Estados Unidos. E ele se manteve barato e disponível não pela ação das forças de mercado, mas graças à eliminação da população nativa e à escravidão.
As narrativas históricas oficiais e os discursos políticos ocultaram os pobres e os miseráveis, inclusive nas narrativas acerca da história das igrejas na região. O pesquisador Arias Neto (2008) indicou que a imprensa local, por meio do jornal Paraná Norte, já fomentava essas representações acerca da região e da cidade:
O jornal Paraná Norte, fundado em 1934, atuava como porta-voz dos interesses da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP) [...] objetivando, portanto, atrair compradores de terras - o grande negócio da Cia de Terras - para a cidade, por meio da difusão da ideia da existência de uma Terra Promissão que recompensaria àqueles que nela quisessem trabalhar. O paraíso encontrado não era apena realização presente, mas, sobretudo, possibilidade futura. A fertilidade da terra, a rápida prosperidade pública e privada, o acesso à propriedade agrária, a riqueza propiciada pela agricultura são elementos que compõem as representações da cidade e da região como Terra da Promissão e Eldorado (Arias Neto, 2008, p. X).
Segundo Tomazi- (2000), o governo brasileiro solicitou empréstimo de vinte e cinco milhões de libras ao banco inglês Rothschild. Este, por sua vez, condicionou o empréstimo à presença e às recomendações da Missão Montagu, que chegou ao Brasil em 1923 e retornou em 1924. Essa Missão tinha o objetivo de auditar a situação da implementação financeira e as garantias de pagamento do empréstimo. O relatório deixado pela Missão apresentava algumas medidas e orientações ao governo brasileiro:
Para conseguir isso [equilibrar o orçamento e ter condições de pagamento da dívida], as orientações eram as seguintes: aumento de impostos, corte rigoroso das despesas (redução do funcionalismo e de investimentos públicos), venda ou arrendamento (hoje diríamos, privatização) das propriedades do governo, aumento das exportações, abertura para o capital estrangeiro (com caráter preferencial aos ingleses), entre outros (Tomazi, 2000, p. 180).
Como podemos observar, não é de hoje que as políticas de austeridade são propostas para o Brasil, pois em muito se parecem com as orientações impostas pelo Fundo Monetário Internacional no final do século XX e início do XXI.
Contudo, o empreendimento da cultura algodoeira não se desenvolveu, provocando a venda das terras rurais e de lotes na área urbana, que foi nomeada de Londrina em 1932, para homenagear os ingleses. Assim, a Companhia de Terras investiu no setor imobiliário e principalmente na construção da linha ferroviária. Segundo Silva (2008, p. 72), Londrina contava com uma população de 1.346 habitantes em fins de 1930, que, em dois anos, subiu para 20.527 habitantes. Segundo dados do Censo 2010 do IBGE, Londrina conta hoje com uma população de 506.701 pessoas, o que revela o rápido crescimento populacional da cidade.
O singular na história londrinense é que isso não acontece por vias do catolicismo romano, mas pela presença leiga do protestantismo de missão, especificamente por famílias presbiterianas e metodistas, nos idos de 1932. A história da formação da cidade de Londrina se confunde com sua história religiosa, que, como qualquer cidade brasileira, desde a colonização, é marcada pela presença da religião cristã.
Na pesquisa sobre memória e cotidiano social de Londrina, Almeida e Adum destacaram a relação entre o Bosque Central e o mundo cristão emergente: “o Bosque [...] era um lugar de grande fluxo de pessoas que transitavam de casa para o trabalho, bem como local de passeio, principalmente após os cultos religiosos das Igrejas Católica e Metodista - ambas localizadas em sua proximidade” (Almeida e Adum, 2007, p. 10-11). A referência ao Bosque Central é relevante e possui sentido porque não havia uma praça central intitulada, como, na maioria das cidades brasileiras, a “praça da matriz”, que reforçava a representação religiosa católica.
Nesse sentido, há que se ressaltar a particularidade do desenvolvimento religioso cristão em Londrina (PR). Enquanto as famílias protestantes já iniciaram as reuniões públicas e ecumênicas em 1932, os ritos católicos possuem como marco histórico a “missa campal realizada em 11/03/1934, em terreno doado pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), contíguo ao Bosque, onde futuramente seria construída a Igreja Matriz de Londrina” (Almeida e Adum, 2007, p. 40).
Ao longo da pesquisa bibliográfica sobre a história local, foi possível identificar inúmeras referências à fase inicial da história evangélica a partir da mobilização de famílias pioneiras e missionárias, expressão característica do meio protestante, em que a autonomia dos leigos e a pluralidade institucional são um aspecto elementar. No entanto, não há referências sobre a contribuição dos ingleses da Cia de Terras no campo religioso. A fase inicial do catolicismo institucional tem como referência a missa campal, porque a característica central desse meio religioso é a hierarquia eclesiástica e a manutenção da unidade clerical organizacional.
A trajetória evangélica londrinense: quatro fases de desenvolvimento
Os estudos que compreendem o meio protestante no Brasil exigem dos seus pesquisadores notas preliminares para indicar as principais características e, ao mesmo tempo, afastar os conceitos generalizantes e imprecisões que envolvem o termo “evangélico”. É relevante destacar a afirmação de Mendonça (2005, p. 50):
o conceito evangélico aplica-se à parte dos cristãos não-católicos e não se aplica de maneira adequada ao vasto grupo dos assim chamados pentecostais e neopentecostais. É claro que deixa de lado também todas as igrejas cristãs não romanas como as chamadas em geral por orientais ou ortodoxas.
Mariano (2004, p. 134), porém, diverge de Mendonça e afirma que “na América Latina, o termo evangélico abrange as igrejas protestantes históricas, as pentecostais e as neopentecostais”. Concordamos com Mariano, pois no Brasil convencionou-se identificar como evangélico todo cristão advindo da matriz protestante.
As investigações acerca da religião cristã em Londrina não demonstram as condições políticas e sociais dos pioneiros evangélicos nem quais foram seus posicionamentos diante do processo de colonização, narram apenas a formação das primeiras instituições, conflitos internos ou com o catolicismo romano.
Ao realizar nossa investigação optamos por essa cadência genealógica de desenvolvimento, que, embora tenha seus limites, torna a compreensão desse desenvolvimento mais clara. Percebemos que a trajetória religiosa evangélica londrinense aconteceu em quatro fases principais: a primeira, denominamos “ecumênica”; a segunda, “divisão institucional”; a terceira, “novas religiosidades” e a quarta, “evangélicos sem fronteiras”. Para essa caracterização, tomamos como base os trabalhos dos historiadores Wander de Lara Proença e Raimundo Soares de Souza, que sistematizaram a história dos evangélicos em dois artigos sob os títulos: “A formação e desenvolvimento das primeiras igrejas evangélicas na cidade de Londrina” (Proença e Souza, 2004, p. 41-62) e “Múltiplos pastoreios: trajetórias e impactos de novas expressões evangélicas na cidade de Londrina”, este último trabalho de Proença (2006, p. 35-62).
A fase “ecumênica” é o primeiro momento dos evangélicos em Londrina devido a seu caráter laico e de integração sem distinção denominacional, nos anos de 1932 e 1933. Uma característica desses pioneiros era a unidade cristã, pois, sob o teto do primeiro templo rústico e de chão batido, compartilhavam a fé cristã sem fazer distinção doutrinária. Juntos montaram a escola bíblica na casa de Herculano Sampaio e estudavam os princípios evangélicos, além do serviço evangelizador e diaconal. Conforme Proença e Souza (2004, p. 45), esses pioneiros serviam a outras famílias com orações, visitas residenciais e assistências, que lhes eram permitidas. Assim, uma marca do pioneirismo evangélico é a cooperação e a solidariedade, não havendo disputas e concorrência enquanto o trabalho era desenvolvido por leigos.
Segundo Proença e Souza (2004, p. 44), Maria Thereza Vieira e seu marido João Evangelista Gonçalves chegaram a Londrina na primavera de 1932, juntamente com seus oito filhos. Logo após a chegada, foram à procura de outros evangélicos com quem pudessem compartilhar sua fé, pois ouviram comentários de que havia no vilarejo outros evangélicos que se reuniam nas celebrações e estudos bíblicos (como podemos observar na afirmação dos autores):
Outras famílias evangélicas foram, então, chegando e se unindo ao grupo. Um pastor metodista, pioneiro no contato com aqueles primeiros evangélicos, testemunha este fato: Já havia crentes metodistas, presbiterianos, independentes, batistas e luteranos em Londrina. Mais tarde, muitos destes crentes cooperaram na organização de uma escola dominical interdenominacional [...] (Proença e Souza, 2004, p. 46).
Esse período foi, então, caracterizado pela identidade evangélica, na qual a celebração e todo o trabalho diaconal eram elaborados em unidade, sem disputa e competição, demonstrando exemplo de cooperação e serviço. Não podemos deixar, porém, de considerar que esse caráter ecumênico é contingencial, pois não havia uma liderança ordenada que representasse uma instituição específica, somente leigos fiéis à sua fé evangélica.
A segunda fase, que denominamos “divisão institucional”, data de 1933 até 1940, quando os pastores começaram a estabelecer moradia na cidade de Londrina e deram início à construção dos templos denominacionais. Foi um período marcado por polêmicas e embates doutrinários e pelo início da concorrência e do proselitismo.
Os pastores começaram com trabalho itinerante. Residiam em outras regiões e foram arregimentando os evangélicos a partir de sua denominação de origem, como, por exemplo, o Rev. Jonas Dias Martins, pastor presbiteriano independente residente na cidade de Iepê (SP). O Rev. Jonas fazia todo o percurso a cavalo e visitava outras regiões do norte do Paraná. O seu trabalho itinerante durou de 1933 a 1937, depois se mudou para Londrina e atuou na Igreja Presbiteriana Independente por mais de 40 anos (Igreja Presbiteriana Independente, s.d.). Outro exemplo de trabalho pastoral itinerante foi o de Howard Irving Lehman, que teve o primeiro contato com os metodistas da região em 1932. Residia na cidade de Cambará (PR) e servia como missionário metodista (Igreja Metodista: Memória Metodista, s.d.). Segundo a narrativa histórica da Igreja Metodista de Londrina (Igreja Metodista Central de Londrina, s.d.) foi H.I. Lehman quem fez o pedido à CTNP de doação de terreno, onde até hoje está localizada a igreja, na área central da cidade, bem próxima à Catedral Católica.
Em 1933, o pastor Raul Gomes de Cândido Mota (SP), mudou-se para Londrina e foi o primeiro pastor da Igreja Metodista. O Rev. Henrique de Oliveira Camargo, pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil em Sengés-PR, iniciou suas visitas a Londrina a partir de 1935, em seguida nomeou o missionário Rangel Simões para desenvolver trabalhos evangelísticos. Os primeiros cultos eram feitos nas casas dos fiéis e, em 1936, houve a construção do primeiro templo.
A Igreja Batista teve como representante institucional o missionário Ben Oliver, que, em 1939, visitou a região norte do Paraná pela primeira vez e organizou igrejas batistas em Jacarezinho e Ibiporã. Esta última foi pastoreada pelo Pr. Frederico Vitol, a visitava por apenas 12 dias por mês e retornava para Assis (SP), onde residia. Em 1941, a Igreja Batista é oficialmente instalada em Londrina com ajuda de membros da igreja de Ibiporã (PR) e de pessoas já convertidas da cidade de Londrina.
Algo importante que difere essas instituições é o processo de aquisição do terreno para a construção do templo. A Igreja Presbiteriana Independente e a Igreja Metodista, assim como a Igreja Católica em 1934, conseguiram doações da Companhia de Terras Norte do Paraná, sendo cobrado apenas o cumprimento do prazo de construção dos templos. Para a Igreja Presbiteriana, foram oferecidas três opções de terreno para escolha. E para as Igrejas Metodista e Católica foram doados lotes na região mais central e mais alta da cidade. As outras denominações tiveram que, primeiramente, alugar casas para as primeiras celebrações e, em seguida, comprar o terreno para construção de seus templos.
Segundo Proença (2006, p. 36), “novos e acirrados conflitos envolvendo evangélicos da região vieram a ocorrer na década seguinte [1940], desta vez pelo confronto com o catolicismo romano, sendo o controle da leitura da Bíblia o motivo maior de acaloradas polêmicas e embates [...]”, isso porque uma das estratégias de evangelização dos protestantes era a distribuição de Bíblias aos católicos e aos não cristãos. Segundo depoimentos do pastor Georgino Matias de Freitas:
Esses missionários [capuchinhos de Aparecida (SP)] passaram a percorrer toda a região conclamando os fiéis para que trouxessem todas as Bíblias que haviam recebido dos protestantes, até a igreja para serem queimadas, porque eram falsas. Em Cambé fizeram um “monte” com Bíblias em frente à igreja, na hora da missa, ocorrendo em seguida a queima. Este episódio se repetiu em 1942, e também ocorreu em outras cidades da região (Matias in Proença, 2006, p. 37).
Esse período de institucionalização representa o estabelecimento das igrejas históricas na cidade. Segundo Proença, era uma ação de “‘separar as ovelhas’ de acordo com as denominações que representavam, sob o argumento de estarem cuidando da ‘saúde doutrinária’ dos respectivos rebanhos” (2006, p. 36). Desta forma, percebe-se um conflito doutrinário não tão explícito como entre os católicos e os protestantes, mas já demarca um limite.
Outro ponto de conflito que percebemos é a primazia da gênese institucional em Londrina. Proença e Souza (2004, p. 46) atribuem à Igreja Presbiteriana Independente a primazia em Londrina porque, segundo eles, os fiéis presbiterianos recebiam assistência pastoral do Rev. Jonas quando eles ainda se reuniam na casa de Maria Thereza e eram considerados como congregação da igreja de Sertanópolis (PR). Além disto, afirmam que
Em 1937 foi então, concluída a obra: um templo de madeira que se tornaria um marco histórico, não apenas por ser o primeiro templo evangélico erigido na cidade de Londrina, mas por constituir-se numa referência concreta da presença evangélica na nova cidade (Proença e Souza, 2004, p. 47).
A Igreja Metodista, por sua vez, afirma em seu sítio eletrônico oficial que foi a “primeira igreja evangélica a se instalar em Londrina em 4 de dezembro de 1933” (Igreja Metodista Central de Londrina), no entanto, Proença e Souza (2004, p. 49) afirmam que o Pr. Raul Gomes chegou a Londrina em dezembro de 1933 e liderou a campanha e o trabalho de construção da igreja. Com isso, interfere-se que o templo metodista deve ter ficado pronto no ano de 1934. A Igreja Católica também se posiciona como sendo a primeira igreja da região londrinense. Segundo informa o sítio eletrônico oficial da Catedral Metropolitana, a Igreja Católica se estabelece primeiramente em Sertanópolis (PR), em 1929, atendendo a toda a região norte do Paraná (Catedral Metropolitana de Londrina). No entanto, Proença e Souza (2004), Tomazi (2000) e o próprio sítio eletrônico da Catedral afirmam que a primeira missa católica ocorreu em 1934, mais precisamente no dia 09 de março, e sua força hegemônica prevalece até os dias atuais. Como se pode perceber, os conflitos religiosos aconteceram sob várias formas e perduraram durante um tempo, ora mais velados, ora mais explícitos.
A terceira fase, que denominamos “novas religiosidades”, é marcada primeiramente pelo pentecostalismo clássico e depois pelo neopentecostalismo, e datamos esse período de 1940 a 1990. Esses movimentos religiosos não escaparam dos conflitos, agora em relação aos chamados “tradicionais”. Segundo Proença (2006), essa fase da história religiosa londrinense é marcada pelas estratégias de novas formas de evangelização, isto é, a utilização dos meios de comunicação e uma ação proselitista mais ousada. Assim, as novas igrejas utilizam o rádio e os programas de TV para anunciarem os trabalhos e horários de suas denominações, bem como a evangelização nas ruas, praças e estádios de futebol.
A Igreja Assembleia de Deus chegou a Curitiba (PR) em 1928, e dez anos mais tarde na cidade de Ibiporã (PR), mais especificamente em uma fazenda, por meio de um trabalhador goiano chamado Pedro Ferreira Azevedo, que tempos depois comprou uma chácara na mesma cidade e deu início ao culto pentecostal. Como é praxe dos pentecostais, os trabalhos são desenvolvidos por leigos sem a necessidade de formação acadêmica ou teológica. Basta ter fé, ousadia e mostrar conhecimento bíblico e vontade de realizar seu trabalho pastoral.
Segundo relatos da história oficial escritos pelo assembleiano Valdemir de Souza, Pedro Ferreira tinha dons de cura e de exorcismo, típicos das manifestações pentecostais, e, com isso, conquistava muitos convertidos. Em 1944, membros da Igreja Assembleia de Deus de Ibiporã se mudaram para Londrina e iniciaram as evangelizações e pregações na frente de suas casas, provocando críticas e perseguições. Esse fato foi afirmado duas vezes por Souza (s.d., p. 1):
também eram realizados cultos em diversos pontos de pregação, nas casas dos crentes. Eram tempos difíceis, com discriminação e até mesmo perseguições, compensados por uma ampla cobertura do Espírito Santo curando, salvando, batizando com o Espírito Santo e com expulsão de demônios [...] Tempos trabalhosos aqueles! Havia uma discriminação velada por parte dos nossos irmãos tradicionais, alguns casos de perseguições, mas uma visitação ímpar de Deus no meio do seu povo.
Em 1961, a igreja de Londrina contava com cerca de 80 a 100 membros. Em 1979, o número de fiéis multiplicou, chegando à marca de 4.152 pessoas, reproduzindo o crescimento exponencial do pentecostalismo brasileiro. Atualmente, segundo o pastor titular Moyses Ramos, a Igreja Assembleia de Deus central de Londrina conta com 56 congregações, isto é, igrejas filiais.
Observa-se no relato do pastor da igreja Missionária que Londrina iniciou um processo de multiplicação de denominações a partir de 1950, ou seja, novas igrejas com doutrinas e liturgias específicas:
Quando eu cheguei a Londrina (década de 1950), tinha só a Igreja Presbiteriana Central, tinha a Igreja Presbiteriana Independente, do Reverendo Jonas Dias Martins. Trabalhou muito a unificação, foi íntimo amigo do Dom Geraldo Fernandes [...] esses homens foram muito usados por Deus para unificação dos cristãos em Londrina. Depois tinha a Igreja Batista, tinha 2, a Metodista tinha 1, Assembleia de Deus, tinha 1 e tinha umas congregações. Tinha a Episcopal, a Adventista da Promessa e da Reforma. Daí começaram a surgir outras igrejas [...] começaram a surgir mais igrejas pentecostais. Veio a Brasil para Cristo, depois veio a Igreja Quadrangular [...] mais tarde veio a Igreja Universal. E essas pentecostais cresceram mais. Mas, as outras também adotaram certos princípios pentecostais e aí cresceram também. Hoje a Independente é uma igreja grande, a Igreja Batista também cresceu bastante [...] (Ig. Missionária, in Silva, 2008, p. 81).
Não cabe aqui, fazer um histórico de todas as novas igrejas, apenas mencionar que, nesse período, igrejas pentecostais dos mais variados matizes se estabeleceram em Londrina: Comunidade Nova Aliança em 1963, a Igreja O Brasil para Cristo, em 1980; Igreja Universal do Reino de Deus, no final da década de 1980 e igreja de Missões Mundiais no Brasil, em 1983, além de outras nesse mesmo período (Silva, 2008; Proença, 2006). Algo característico dessas igrejas é que seus fundadores foram membros de outras igrejas e decidiram ter seu próprio ministério. Assim, começaram com um pequeno grupo e foram se desenvolvendo e ganhando novos membros e se tornaram grandes instituições independentes. Essas instituições seguem os ideais de seus líderes fundadores numa espécie de empreendimento particular, pois possuem autonomia e concentração de poder administrativo e decisório.
As igrejas que surgiram a partir das décadas de 1960 e 1970, especificamente, receberam a classificação de neopentecostais (Campos, 1997; Proença, 2009; Mariano, 2010). Elas são uma espécie de hibridismo confessional que busca uma espiritualidade mais sensível, i.e., manifestações extáticas e emocionais, prezam pelo conservadorismo moral, mas tentam viver alinhadas à modernidade a partir de suas ressignificações religiosas da cultura, sem romper definitivamente com a história do cristianismo. Essa terceira fase é caracterizada pelo pluralismo religioso e avanço nas disputas de bens simbólicos. Percebemos que as novas religiosidades desenvolvidas em Londrina estão alinhadas às transformações ocorridas no campo religioso nacional.
Por fim, a quarta fase que intitulamos “evangélicos sem fronteiras”, corresponde às transformações mais recentes do campo religioso londrinense, em específico, e nacional, em geral. Essas transformações são mais explícitas a partir da década de 1990 e também seguem as metamorfoses ocorridas no campo religioso nacional. Um processo de fragmentação das identidades denominacionais, ampliação do trânsito religioso e descompromisso do fiel com sua instituição, consolidando, assim, a ideia de Bittencourt Filho (2003) sobre o conceito de “supermercado religioso”, em que o consumidor tem ao seu alcance um “cardápio” de ofertas e pode se servir à vontade. Sobre esses processos de metamorfose, Prandi (2004, p. 232) afirma:
As mais díspares religiões, assim, surgem nas biografias dos adeptos como alternativas que se pode pôr de lado facilmente, que se pode abandonar a uma primeira experiência de insatisfação ou desafeto, a uma mínima decepção. São inesgotáveis as possibilidades de opção, intensa a competição entre elas, fraca sua capacidade de dar a última palavra. A religião de hoje é a religião da mudança rápida, da lealdade pequena, do compromisso descartável.
A respeito da relação entre as igrejas históricas e os novo movimentos religiosos que estavam se consolidando no Brasil, Proença (2006, p. 50) informa que os protestantes tiveram três posturas distintas em relação aos pentecostais e neopentecostais londrinenses. Em primeiro lugar, procuraram ignorá-los, acreditando que não teriam um trabalho frutífero, já que não havia neles formação que desse sustento às suas práticas. Em segundo lugar, tentaram combatê-los a partir de suas pregações, tentando mostrar que suas práticas não eram convencionais à história do Cristianismo, mas que se baseavam em sincretismo. E, por último, decidiram incorporar aspectos das práticas litúrgicas, dos estilos de pregações e das crenças pentecostais e neopentecostais, pois tomaram consciência de que o novo movimento não parava de crescer, tornando-se um concorrente voraz.
Uma vez que os fiéis estavam experienciando o trânsito religioso, as igrejas históricas sentiram a perda de membros para as igrejas pentecostais e neopentecostais, devido à oferta de celebrações mais “avivadas” e emocionantes, períodos de louvor mais intensos e promessas de cura, de libertação de demônios e de prosperidade, obrigando as igrejas tradicionais a flexibilizar suas programações e proporem novas atividades para segurar seus membros e atrair novos adeptos, porque aquelas são estratégias eficientes.
A partir da pesquisa de campo e das referências bibliográficas, identificamos que inúmeras denominações históricas ou de missões (tradicionais) assumiram práticas que estão em consonância com a religiosidade pentecostal e neopentecostal:
passaram a oferecer programações como: noite da libertação, tarde da esperança, tarde da fé, meia-hora com Jesus, corrente de sete semanas da oração perseverante, sete pactos de oração, campanha dos 12 cestos cheios, campanha de oração na mata, campanha de prosperidade financeira, prática de batismo com o Espírito Santo evidenciado pelo falar em outras línguas, sessões de cura e de exorcismo, teologia da batalha espiritual, ritos de regressão, quebra de maldição etc. (Proença, 2006, p. 51).
Muitas dessas práticas são aceitas como legítimas e ainda são utilizadas nas igrejas londrinenses. As bases teológicas para tais práticas são amplamente divulgadas pela literatura evangélica e muitas vezes indicadas pelos líderes. A partir dos dados da realidade local, nos anos 2000, Londrina teve pelo menos oito lojas evangélicas na região central. Uma delas, que ainda existe, oferece uma variedade de produtos, mas é especializada em livros teológicos, enquanto todas as outras são especializadas em CDs, DVDs, brindes, chaveiros, livros devocionais e livros de doutrinas e práticas pentecostais e neopentecostais.
Houve um declínio nesse tipo de comércio evangélico. Identificamos (a partir da observação de campo) que atualmente existem apenas quatro livrarias na cidade, isso porque as igrejas abriram suas próprias livrarias em seus templos, conseguindo, com isso, filtrar/censurar/indicar a literatura para seus fiéis e ser ao mesmo tempo um meio de captação de recursos. Embora o pastor Eduardo Corcini Simão, da Igreja Nova Aliança, diga que não há direcionamento, fica explícito na primeira parte de seu argumento que existe um filtro ideológico:
Nós temos a livraria aqui dentro da igreja, a nossa livraria que nós servimos as pessoas com literaturas que a gente conhece, colocando um filtro, recomendando para as pessoas aquilo que nós entendemos que seria bom. Sem controle sem direcionamento, nada disso. Mas a gente tem e isso cresceu (Simão, 2013).
Toda essa metamorfose no campo religioso londrinense provocou mudanças no comportamento dos fiéis evangélicos e, consequentemente, também nas instituições religiosas. Segundo Proença (2006, p. 52), essas mudanças promoveram “certa padronização do perfil de espiritualidade desenvolvido tanto por quem se declara protestante histórico como por quem se apresenta como pentecostal ou neopentecostal, o que pode ser observado, por exemplo, na linguagem ou nos ‘jargões evangélicos’ que normalmente costumam utilizar”. Confirmando essa homogeneização, Cunha (2007, p. 86) afirma:
O que ocorreu na década de 90 no Brasil foi uma explosão do gospel como um movimento cultural religioso, de um modo de ser evangélico, com efeitos na prática religiosa e no comportamento cotidiano. Passou-se a experimentar vivências religiosas combinadas em contextos socioculturais os mais variados, o que torna possível uma unanimidade evangélica não-planejada sem precedentes na história do protestantismo no Brasil. Essas vivências são expressas por meio de música, do consumo e do entretenimento...
“Evangélicos sem fronteiras”, portanto, é a caracterização desse período no campo religioso londrinense, que podemos ampliar para o âmbito nacional, uma vez que as práticas religiosas são semelhantes. As doutrinas já não delimitam uma igreja da outra, muitas vezes seus membros mal sabem diferenciar uma instituição da outra, senão apenas por seus estereótipos, e o estilo gospel se faz presente na maioria delas.
Nessa nova forma de prática religiosa evangélica, o consumo e o entretenimento religiosos fazem parte do cotidiano dos fiéis, dos pastores e também das instituições, fatores que contribuíram para a transformação dos evangélicos brasileiros em uma “massa” plurinominal e pluriforme, mas homogeneizados na Religiosidade Neopentecostal.
Essa caracterização dos evangélicos londrinenses segue, em certa medida, o padrão de desenvolvimento dos evangélicos no Brasil. É um processo que inicia com os Protestantes Históricos, segue com os Pentecostais, estes, por sua vez, se multiplicam em várias formas de ser pentecostal. A fase seguinte é a do ecletismo religioso, uma vez que percebemos as influências e apropriações das religiosidades pentecostais e neopentecostais nas igrejas históricas, caracterização que denominamos religiosidade neopentecostal meta-institucional (Morais, 2013), por não haver mais distinções de religiosidades referentes às instituições, mas uma bricolagem entre formas tradicionais e contemporâneas de manifestações religiosas explicitadas por meio de pregações, louvores e orações.
O movimento neopentecostal, surgido inicialmente no estado do Rio de Janeiro, é associado ao “paradigma” disseminado pelas igrejas Universal do Reino de Deus, fundada por Edir Macedo, Internacional da Graça de Deus, fundada por R.R. Soares, e a Cristo Vive, fundada por Miguel Ângelo, todos ex-membros da Igreja de Nova Vida. Esse novo movimento religioso promoveu na contemporaneidade a constituição dessa nova religiosidade que chamamos de neopentecostal meta-institucional, pois se apresenta nas mais variadas instituições do meio protestante, até mesmo em alguns movimentos católicos, devido a sua capacidade de responder aos anseios de grande parte da população brasileira, e também, por isso, estimulou a competição entre as igrejas. Tal competição, que se manifesta no trânsito religioso, fomentou as igrejas tradicionais a flexibilizar suas doutrinas, sermões, programações semanais e litúrgicas em nome da permanência de seus membros e da obtenção de novos fieis, promovendo, assim, uma homogeneização de práticas religiosas.
Com isso, percebemos que essa nova forma de religiosidade evangélica não se limita a determinadas instituições, por isso meta-institucional, e observamos, com essas modificações, uma reconfiguração na esfera das identidades confessionais que, por meio dessas novas influências, se tornam cada vez mais pluralizadas e fragmentadas tanto em âmbito nacional como local.
As instituições elencadas como paradigmáticas do movimento neopentecostal diferem mais das práticas das igrejas históricas do que igrejas mais recentes do movimento neopentecostal. Isso ocorre porque o neopentecostalismo também produziu formas institucionais menos explícitas em relação às das características que o configuram: a tenacidade em pedir dinheiro nos cultos, as práticas de exorcismos em público e as longas orações por milagres.
As igrejas Apostólica Renascer em Cristo, fundada por Estevam Hernandes em 1986, Sara Nossa Terra, fundada por Robson Rodovalho em 1994, e Bola de Neve Church, fundada por Rinaldo Seixas em 1999, tiveram maior influência na dissiminação de uma religiosidade calcada na Teologia da Prosperidade, na Batalha Espiritual, na manifestação de êxtase espiritual e na exaltação do conservadorismo moral de forma mais sutil e mais eficiente que as anteriores na influência das igrejas históricas. Essas igrejas também estão presentes na cidade de Londrina, compondo a última fase, com a igreja Bola de Neve Church conquistando mais fiéis entre as outras devido a seu apelo jovem, desportivo e musical.
As diferenças que podemos inferir acerca dos evangélicos londrinenses, comparando a primeira fase, “ecumênica”, e a última, dizem respeito às próprias transformações no mundo evangélico em geral. Em que pesem as mudanças socioculturais, os “evangélicos sem fronteiras” vivenciam a fé buscando outras práticas religiosas. Prova disso é a facilidade que os fiéis têm para trocar de igrejas/instituições/tradições, pois, uma vez que não mais satisfazem suas demandas e desejos, buscam outros grupos religiosos diferentes das antigas instituições a que estavam vinculados.
A religiosidade evangélica contemporânea está mais associada às formas individualistas/egoístas alinhadas às ideologias neoliberais da meritocracia. Uma vez que os evangélicos contemporâneos são menos adeptos das perspectivas doutrinárias institucionais, buscam formas mais extáticas/mágicas de fé, isso acontece porque as antigas escolas dominicais tinham a função de produzir uma fé reflexiva, racionalizada, dentro da tradição teológica que condizia com a instituição, e aqui nos referimos no sentido da Doutrina Cristã e também das doutrinas professadas por cada instituição religiosa. A formação doutrinária parte de pressupostos racionais, identitários e causalidades da fé, portanto, desempenhando função pedagógica identitária fundamental na formação do éthos religioso. Atualmente as escolas dominicais estão sendo substituídas pela literatura devocional norte-americana de vários matizes, contribuindo também com a homogeneização da cultura evangélica atual.
Como vimos, o norte paranaense, e especificamente Londrina, é fruto de um grande processo de colonização de viés estritamente capitalista. A história oficial da cidade foi composta pelo imaginário mítico dos pioneiros desbravadores que encontraram um “Eldorado”, ou numa figura bíblica, a Canaã, em referência à Terra Prometida. Por meio da historiografia crítica, foi possível compreender que ocorreu inicialmente um processo de exploração da terra e expulsão dos índios locais, para que se pudesse descampar e investir na plantação de algodão. Com o insucesso da plantação, porém, a Cia. de Terras Norte do Paraná loteou a vasta área e vendeu, repassando para proprietários capitalistas nacionais.
Embora a Inglaterra seja uma nação declaradamente cristã protestante, sendo o Anglicanismo a religião oficial da Coroa, aqui não houve influência direta na promoção das igrejas evangélicas em detrimento do catolicismo. Primeiro porque não é do perfil da prática anglicana fazer prosélitos, segundo porque a missão inglesa veio com o objetivo muito claro de investir para obter lucro e aquisição de maior capital. Se podemos pensar em uma influência sobre as práticas religiosas locais, esta foi de forma indireta, pois a Cia. de Terras Norte do Paraná doou terrenos para as várias instituições evangélicas e católicas, inclusive pagou metade da construção da igreja Matriz (Silva, 2000).
Desta maneira, nossas formulações indicam o processo sócio-histórico dos evangélicos em Londrina (PR), a partir da compreensão de início, expansão, mudanças e transformações religiosas e a perceptível gama de influências pentecostais e neopentecostais.
Em Londrina, na fase inicial do desenvolvimento evangélico, os imigrantes fundadores trouxeram suas experiências religiosas de outras igrejas e, com a instalação na cidade que começava a se constituir, também formaram suas próprias instituições e conquistaram a independência, bem como consolidaram grandes organizações religiosas.
No entanto, no último período, denominado “Evangélicos Sem Fronteiras”, há destaque para o crescimento da população evangélica londrinense, com práticas religiosas semelhantes, que são expressão de uma gama de características em processo de “homogeneização”, independentemente da instituição ou organização (seja verticalizada, no formato conciliar, congregacional ou de presbitério).
Essa caracterização dos evangélicos londrinenses segue, em certa medida, o padrão de desenvolvimento dos evangélicos no Brasil. Foi possível perceber as influências e apropriações das religiosidades pentecostais e neopentecostais nas igrejas históricas, caracterização que denominamos de religiosidade neopentecostal meta-institucional, tendo em vista que, mesmo com diferenças na estrutura organizacional, na perspectiva pastoral e ideológica, no processo histórico de cada instituição religiosa histórica, tradicional ou de missão, há novas formas de práticas religiosas que são derivadas da emergente religiosidade neopentecostal.
Por isso, destacamos que os estudos sócio-históricos da fase atual dos “Evangélicos Sem Fronteiras” em Londrina (PR) contribuem para uma maior compreensão da realidade religiosa local e nacional. Nesse sentido, as ações e práticas religiosas meta-institucionais de perfil neopentecostal estimulam novas ações dos grupos religiosos frente à sociedade atual, na condição de complementação ideológica da ordem produtiva capitalista por meio da busca da felicidade a partir do consumismo ou do entretenimento midiático e digital (via redes sociais, produtos gospel e simbólico-religiosos).
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