Resumo: Este artigo investiga a recorrência do termo utopia no mundo da arte contemporânea. A proliferação das relações colaborativas - através de coletivos de arte, residências artísticas, artivismos - e a consequente valorização dessas iniciativas por instituições é um fenômeno pulsante no mundo da arte atual. Neste trabalho irei discutir o discurso produzido por artistas, curadores e pensadores, para pensar se essas práticas artísticas podem funcionar como uma representação da maneira com a qual a cultura contemporânea vem estabelecendo sua relação com o tempo e o espaço. A hipótese que sustentarei é que vivemos em um cenário onde o mundo da arte vem valorizando experiências coletivas artísticas associadas a estética cotidiana, e posteriormente classificando isso como uma nova utopia. A arte produzida se coloca como a utopia do cotidiano, construída para o tempo do agora no espaço urbano. Sendo assim, o objetivo deste artigo é realizar um breve estudo teórico sobre a contemporaneidade que aponta para importantes mudanças na maneira pela qual os indivíduos se relacionam com a experiência cotidiana, com a narrativa e a memória, no intuito de compreender as recentes transformações no mundo da arte contemporânea.
Palavras-chave: arte contemporâneaarte contemporânea,cotidianocotidiano,utopiautopia,coletivos de artecoletivos de arte.
Abstract: This paper investigates how utopia is a recurring term in the contemporary art world. The spread of collaborative relations - through art collectives, artistic residences, artivism - and the valorization of these practices by institutions afterwards is a frequent process in the art world today. In this paper I will discuss the discourse produced by artists, curators and theorists, thinking if these artistic practices in the world of contemporary art can work as a representation of the way in which contemporary culture has established its relationship with time and space. The hypothesis that I sustain here is that we live in a scenario where the art world valorizes collective artistic experiences that are associated with everyday aesthetics and afterwards classify it as a new utopia. A new temporality seems to emerge in the present culture, along with this, different utopian discourses rise in art. This type of art places itself as the utopia of the everyday life, constructed for the present time in the urban space. Thus, the focus of this paper is to make a brief theoretical study on contemporaneity which points to important changes in the way in which individuals relate to everyday experience, narrative and memory, in order to understand the recent transformations in the world of contemporary art.
Keywords: contemporary art, daily life, utopia, art collectives.
Articles
O cotidiano como utopia: novas relações de espaço e tempo no mundo da arte contemporânea
The daily life as utopia: New relations of space and time in the world of contemporary art
Recepção: 30 Junho 2017
Aprovação: 05 Outubro 2017
Neste trabalho irei dissertar sobre atuais episódios do mundo da arte2 contemporânea que ao meu ver espelham a maneira com a qual a contemporaneidade vem mantendo a sua relação com o tempo e com o espaço. Partirei aqui da premissa já assinalada por outros autores de que após a queda do muro de Berlim em fins do século XX, ocorreram transformações no mundo que ocasionaram o desenvolvimento de novas relações sociais. Chamarei aqui esse conjunto de mudanças sociais recentes de cultura contemporânea. Sendo apontado como o fim da história por Fukuyama (1992), ou a alta modernidade por Giddens (2002) este momento de transição é entendido de maneiras divergentes pelos pensadores das ciências humanas, mas há pelo menos consenso quanto ao divisor de águas que este período parece ter se tornado. Sendo a arte parte constituinte da vida social, transformações sociais tais como a maneira dos indivíduos pensarem o tempo, se relacionarem com a história, fazerem sua manutenção da memória, e ainda, de se apropriar dos espaços públicos, são percebidos também nas produções artísticas de fins do século XX e início do século XXI. O intuito deste trabalho é partir de fragmentos das teorias sobre a cultura contemporânea dos autores Michel Foucault, Maurice Blanchot, Vilém Flusser e Andreas Huyssen para realizar uma análise de práticas artísticas também deste período.
As obras que analisarei aqui fazem parte do que é chamado arte contemporânea pelas instituições e atores sociais do mundo da arte atual. No entanto como Pedro Erber ressalta em Breaching the Frame: The rise of Contemporary Art in Brazil and Japan (2014) as origens da arte contemporânea têm sido situadas em períodos variados conforme os pensadores, indo desde a era do pós-guerra, nos anos 1960, passando pelos anos 1970, 1980 e mais recorrentemente em 1989. Aqui tratarei da arte contemporânea que vem sendo produzida após 1989, mas, no entanto, não tenho o objetivo de discutir se o que até então tinha sido produzido se encaixa ou não em um determinado conceito de arte contemporânea. Talvez essa variação de datas de origem aconteça porque de fato, ao pegarmos uma análise de obras de 1960 como a de Pedro Erber em Breaching the Frame (2014), ou a de Nicolas Bourriaud em Estética Relacional (2009) sobre práticas após 1990, as descrições se parecem em muitos aspectos descritivos, por afirmarem a importância da participação do público e o sentido político destas ações como importante característica das obras. Não à toa, a arte de ambos os períodos é englobada dentro dos museus como parte do “gênero” como afirma a socióloga da arte Natalie Heinich, arte contemporânea, ou seja, este termo não tem um significado apenas cronológico dentro do mundo da arte (Heinich, 2014, p. 376). De fato, as continuidades entre a arte de 1960 e a atual são significativas, então traduzir as práticas recentes enquanto uma ruptura é um desafio que aqui apenas começo e arrisco delinear. O que procuro enfatizar neste artigo é que talvez o que venha acontecendo de maneira diferente nos últimos anos seja a grande recorrência de termos ligados a urbanidade em práticas e discursos artísticos. Desta maneira, essa arte de agora talvez possa ser descrita como uma ruptura dentro do gênero que estava sendo praticado desde os anos 1960. Assim, pretendo dissertar sobre as práticas artísticas recentes de arte contemporânea que vem redesenhando o conceito de arte, e também pensar como isso se relaciona às mudanças ocorridas nas maneiras em que os indivíduos constroem a noção de espaço e o tempo em sua sociedade.
Como será discutido, esse novo conceito de arte que parece estar sendo criado tem seu desenvolvimento pautado em práticas sociais ligadas a uma reestruturação da relação espaço e tempo; onde a ocupação de um espaço ganha um sentido político mais direto, menos conceitual, e a noção do tempo se relativiza encontrando protagonismo no cotidiano.
Com a aceleração proveniente da globalização - principalmente com a chegada da internet desde a década de 1990 - novas regras sociais foram se desenvolvendo nas sociedades contemporâneas (Manovich, 2015). Nessa esteira, no mundo da arte nota-se um movimento de diluição da noção de autoria individual artística, devido a possibilidade acentuada de colaboração que o mundo virtual possibilitou. A proliferação da arte coletiva através de coletivos de arte; residências artísticas; colaborações entre artistas e movimentos sociais e a consequente valorização disso pela instituição arte aponta para uma mudança nas convenções desse mundo.
A arte coletiva, também chamada de colaborativa ou compartilhada vem ganhando prestígio no mundo da arte (Madeira, 2016), dando sinais desta possível mudança de cânones da arte após 1990. A arte feita por um grupo de artistas que pode ser assinado com um único nome coletivo, ou seja, a categoria “coletivo” nasce na década de 1990 e vem cada vez mais ganhando legitimação no mundo da arte. Como coloca Madeira em seu texto Arte Compartilhada (2016), o ponto focal dos coletivos é o ativismo político. Daí ao discutir os coletivos, fala-se também quase que obrigatoriamente de artivismo. O antropólogo Paulo Raposo na introdução da Revista Cadernos de Arte e Antropologia em um dossiê de 2015 sobre artivismo define esse termo de tal maneira:
Artivismo é um neologismo conceptual ainda de instável consensualidade quer no campo das ciências sociais, quer no campo das artes. Apela a ligações, tão clássicas como prolixas e polêmicas entre arte e política, e estimula os destinos potenciais da arte enquanto ato de resistência e subversão. Pode ser encontrado em intervenções sociais e políticas, produzidas por pessoas ou coletivos, através de estratégias poéticas e performativas (Raposo, 2015, p. 4).
Sendo esta ação algo ainda novo, uma prática social relativamente recente, percebe-se a referida instabilidade quanto a definição dos conceitos que a circundam nos materiais encontrados e aqui analisados.
No entanto talvez Renato Poggioli, estudioso de literatura comparativa ao analisar as escolas vanguardistas do início do século XX, traga um argumento que se torna pertinente para contribuir com o estudo e diminuição dessa nebulosidade conceitual que paira sob as iniciativas de diluição da autoria individual. Este autor afirma que a língua é o nosso melhor revelador histórico (Poggioli, 1968). Quando estamos considerando um fenômeno que aparentemente é uniforme, basta nos atentarmos a uma mudança essencial linguística, pois um diferente nome, revela um novo fenômeno. Com base nesse pensamento, se as vanguardas abandonaram a denominação de escolas para caracterizar os agrupamentos de artistas, adotando em seu lugar movimentos, constituíram assim um novo fenômeno. Da mesma maneira, seguindo também o argumento de Poggioli, atualmente estes aglomerados artísticos-intelectuais que recebem o nome de coletivos e também as Residências Artísticas são um novo fenômeno, pois se deram também a partir de uma nova denominação.
Logo, estariam os citados dispositivos de arte coletiva, pautados por uma narrativa que valoriza o pequeno, o cotidiano, o anacrônico, propondo uma diluição na noção de autoria individual tão marcada na arte contemporânea da segunda metade do século XX? Como esquecer obras como Merda de artista3 (do italiano Piero Manzoni, 1961) ou o O Corpo é a Obra4 (de Antonio Manuel, 1970) que colocam a figura do artista em um papel central no mundo arte, extrapolando os limites da própria obra. No entanto hoje, além do já citado crescimento dos coletivos, de que maneira a ascensão da figura do curador, e até o curador como artista - como alguns vem chamando esse novo papel, representam esta dissolução aqui debatida? Pensar o artista como gênio, é pensar na totalização e na grandiosidade de um único indivíduo, essa premissa não está de acordo com a cultura contemporânea da valorização da estética do homem comum - a qual me deterei mais a frente - e que está presente nas obras de arte atuais.
É neste contexto que a figura do curador cresceu exponencialmente nos últimos anos na arte contemporânea, o que foi chamado de “virada curatorial” pelo crítico Luiz Camillo Osório (2015, p. 68-69). Pode-se pensar este profissional como o responsável por incluir em suas exposições linguagens múltiplas, artivismos, parcerias com não-artistas, o que reflete a mudança aqui descrita. Em pesquisa anterior, relato como curadores podem ter sido propositores de uma artificação de ações coletivas das ruas e as colocado dentro de instituições de arte (Miranda, 2014). Artificação é um duplo processo, material e simbólico que as sociólogas da arte Natalie Heinich e Roberta Shapiro (2013) definiram para conceituar a transformação de uma prática que antes não era vista como arte, em arte. Assim, esses atores sociais que cada vez mais propõem uma “curadoria de experiências”, como define a pesquisadora Beatriz Queiroz (2017) em sua tese sobre as atuais mudanças neste campo, poderiam estar contribuindo, ou fazem parte da mesma engrenagem que artifica uma estética do cotidiano, ou arquitetam o que chamarei aqui de a construção social do cotidiano como utopia.
Pretendo discutir neste artigo a construção social da categoria utopia, ou seja, a categoria nativa utopia. Ao investigar as discussões artísticas nota-se que estas perpassam esta temática utópica recorrentemente. E assim vão criando um significado comum para o termo. Apesar das variações locais, há sempre uma rede de conceitos chaves que as práticas artísticas que se auto afirmam como possíveis utopias acessam. Nessa rede encontram-se os conceitos de coletividade, urbanidade e vida cotidiana. Conceitos que estão muito presentes também na cultura contemporânea como um todo. Afinal, O que tem de comum: um vídeo sobre as “gambiarras” na favela e uma performance de um coletivo artístico nas ruas? Todos compõem um cenário de valorização da coletividade, mas não qualquer uma, aquela coletividade não reivindicativa, sem líder, aquela que quer trabalhar com o espaço que se tem, buscando uma forma melhor de estar no mundo. Uma ação coletiva que busca não uma revolução, mas sim soluções para experiências diárias de sobrevivência na cidade.
Após a queda do muro de Berlin e a invenção da internet as relações políticas e de poder parecem ser regidas por novas regras. No ano 2000, Michael Hardt e Antônio Negri descrevem em Império (2001) esse novo poder que está presente no mundo. O capitalismo cognitivo parece ser perverso pois a exploração e a mais-valia são efetuados imbricados e facilmente confundidos à cultura. Como coloca Negri em uma entrevista ao jornal Zero Hora no Caderno Proa, “pode se dizer que a classe operária estava para a fábrica como a multidão hoje está para a metrópole” (Negri, 2014). A dicotomia burguesia X proletariado se enfraqueceu, os excluídos da sociedade sofrem uma violência simbólica com o biopoder que parece alienar através de novas ferramentas de reprodução os trabalhadores.
No entanto, ambiguamente, através desta mesma ferramenta estão surgindo novos discursos utópicos, que propõem a afloração da cooperação de iniciativas coletivas como uma “nova utopia”. Tanto por seus propositores os artistas (menos) quanto pelos que curam e pensam estas intervenções (mais). Porém como poderia ser definido o conceito de utopia sociologicamente?
A socióloga Ruth Levitas, em seu livro Utopia as method: The imaginary reconstitution of society (2013), traz uma interessante leitura dos modelos utópicos, que podem ser ao mesmo tempo orientados para o futuro e para o presente, pois analisam o presente para pensar uma transformação futura:
Modelos utópicos são explicitamente holísticos, imaginários, críticos, normativos, prescritivos e - muitas vezes - orientados para o futuro. Apesar disso, a maioria destes contém descrições de condições presentes, não apenas como vias para melhores utopias, mas também como explicação de como processos sociais funcionam e que, portanto, precisam mudar. Neste sentido, são orientados para o presente. Mas utopia envolve a reconstituição imaginária da sociedade em um sentido levemente diferente: é o imaginar de uma sociedade reconstituída, sociedade imaginada de outra maneira, mais do que meramente sociedade imaginada (Levitas, 2013, p. 83-84).
Logo, percebe-se que a utopia discutida na cultura contemporânea está sempre dando um peso relevante para o presente. Tanto nesse conceito de utopia de Levitas, quanto nos encontrados nos discursos do mundo da arte, a utopia é vista como um processo que se constrói no presente. A temporalidade da utopia acompanha a temporalidade da cultura contemporânea do cotidiano.
Sendo utopia um processo de imaginar uma nova relação política, é preciso pensar também na discussão aqui proposta a relação arte e política. Sabe-se que esta não é uma bandeira ou relação nova na história da arte. No entanto, a questão defendida pelos artistas e pela discussão recorrente em textos de arte e debates de exposições atuais é de que maneira esta arte tem uma atuação política por praticar uma utopia heterônoma, ou heterotopia (Foucault, 2013), por se tratar de uma utopia sem intenção declarada de destruir o que se tem e construir o novo5. Ou seja, a categoria nativa “utopia” que vem sendo construída dentro do mundo da arte é a utopia do cotidiano, entremeada com o agora no espaço, sem pensar no futuro. Esta discussão filosófica é o grande mote da vez das discussões acaloradas que se tem observado recentemente, em épocas de reflexividade compartilhada, de um Brasil com transformações abruptas e radicais na política.
Como foi possível observar em seminário de 2016, no Centro Cultural Oi Futuro no Rio de Janeiro, intitulado Utopias todos os convidados da mesa, Charles Feitosa (UNIRIO), Heloísa Buarque de Holanda (UFRJ) e Silke Kapp (UFMG) discutiam a arte ali apresentada e as pensavam enquanto novas utopias do cotidiano. É interessante observar que na mesa estavam pensadores da Literatura e Estudos Culturais (Holanda), da Arquitetura e Urbanismo (Kapp) e da Filosofia e Artes Cênicas (Feitosa), mostrando o caráter múltiplo do projeto. A exposição discutida era Lab criativo: transformações sociais através da cultura e da criatividade (Heritage, 2016), a qual sintetiza a arte que discuto neste trabalho. Esta exposição abordou questões políticas mas já pensando em novas utopias, pensou a cidade e sua geografia, o cotidiano, pessoas e suas experiências da vida rotineira. E também, como seu próprio nome revela, a transformação social através de tudo isso.
Este projeto foi concebido por curadores ingleses os quais convidaram dez artistas londrinos e dez artistas brasileiros para se reunirem e fazerem uma residência artística no complexo da Maré, conjunto de favelas no Rio de Janeiro. Esta prática do encontro é recorrente do fazer artístico contemporâneo. Dos sete trabalhos expostos, todos permeavam a estética do cotidiano, a relação geográfica espacial com a cidade e pleiteavam a tentativa daquela arte colaborativa, artivista, que surge através do encontro dos artistas, ser pensada como uma “nova utopia”. No debate proposto pelos organizadores no Oi Futuro onde foram expostos os resultados desta residência artística, os três pensadores contemporâneos presentes afirmaram o caráter de nova utopia, ou de heterotopia das proposições ali expostas. A fala que mais me inquietou foi a da filosofa, arquiteta e urbanista Silke Kapp - cada vez mais arquitetos e urbanistas estudam e produzem pensamento sobre a arte contemporânea, talvez pela aproximação desta arte com noção de “espaço como obra”6 trazida pelos coletivos que se espalharam pelo país nos últimos anos -, em sua fala ela aborda alguns livros sobre a teoria da utopia ao longo da história, e completa afirmando que a teoria que encontrou a qual mais identifica com a arte atual é a que foi pensada por Willian Morris em News from Nowhere no final do século XIX. Esta teoria aponta para um futuro onde o trabalho não existe como é pensado atualmente e a palavra arte não é mais utilizada, pois a arte é chamada de trabalho nesse futuro utópico. Esta noção me remeteu a uma experiência que tive em 2010, quando fazia trabalho de campo para minha dissertação de mestrado com um coletivo de performance nas ruas da Lapa e de Madureira. Na ocasião, os integrantes não apreciavam se eu definisse aos espectadores do que se tratava aquela ação, ou seja não era de praxe que chamassem a situação de intervenção artística ou de performance no momento do trabalho acontecendo. O espectador deveria ter a mente pura e afastada da concepção de arte para ter uma apreciação estética do trabalho da maneira que o coletivo propunha. Parecia-me mesmo que a intenção ali era realmente não delimitar a arte. Esta se daria através de uma maior aproximação da vida real e não da ficção, da arte ter uma fronteira turva e não delimitada com vida cotidiana. Assim, observo que a intenção da arte atual coletiva parece ser buscar uma utopia que se confunde com a vida cotidiana, ou seja, pensam o próprio cotidiano como utopia.
A estética da vida cotidiana está presente nas criações dos coletivos de arte, como pode-se notar na obra Cozinha Coletiva (performance realizada em 2010 e 2016) do Coletivo Opavivrá!7 na qual os artistas convidam o público para cozinhar junto, ou na obra do Coletivo Filé de Peixe que se apropria da estética do camelô e da pirataria e faz uma performance onde vende DVDs de vídeo arte pirateados, o Piratão (performance realizada pela primeira vez em 2009, mas que já contou com 20 edições). A rua entra no museu e o museu vai para a rua, e assim a vida cotidiana é apropriada como arte dentro deste mundo artístico.
A leitura que o filósofo Vilém Flusser (2007) faz da nova cultura contemporânea é interessante para pensar essa relação entre cotidiano e arte. Este autor afirma que na contemporaneidade o pensamento em linha, ligado a escrita, a linearidade, a evolução histórica, está sendo substituída pelo pensamento em superfície, ligado a imagem, ao tempo anacrônico, a-histórico e não linear. A relação da cultura contemporânea com o tempo aponta também para o tipo de arte que se vem produzindo no início do século XXI: uma arte pouco preocupada com passado e futuro, uma arte do estar, do ocupar, aquela que não quer inovar necessariamente, que quer trabalhar com o que se tem no instante presente e criar com o espaço palpável, com o corpo presente. Uma estética voltada para a vida cotidiana.
Talvez, eu arriscaria dizer, seja por isso que os manifestos, tão presentes nas vanguardas artísticas do século XX, não sejam o veículo de afirmação encontrado pelos artistas atuais de se estabelecer e se colocar no mundo das artes. Pois aquele ainda era o período do pensamento em linha, da textolatria que se espalhou na modernidade e que carregou um discurso histórico temporal, do vangloriar do futuro, dos fins e dos recomeços. Os grupos de agora, que se reúnem em coletivos ou residências artísticas para produzirem em colaboração, ou ainda artistas que dão ênfase a colaboração para a elaboração de seus trabalhos, constroem suas identidades e se diferenciam de grupos de outras épocas através do pensamento em superfície, da cultura da imagem, das mensagens esparsas e não hierarquizadas e ordenadas. Não à toa em exposições de arte atuais podem ser encontrados uma enxurrada de vídeoartes ou filmagens de performances. Na Bienal de São Paulo em 2014, quem não tivesse um bom tempo para acompanhar a grande quantidade de vídeos da mostra sairia sem as experiências estéticas mais comentadas e aplaudidas do evento8. As formas de criação artísticas recentes que propõem essas novas regras as quais estou procurando me deter, normalmente realizam instalações e performances, trabalhos efêmeros em locais no espaço urbano com a interação do público. Tudo isso é tão múltiplo que é necessário filmar para entender o que se passou depois, e assim estes vídeos são os registros que entram na galeria, nas instituições de arte, o que deixa também implícito a noção de diluição da autoria individual na arte a qual estou argumentando neste trabalho.
Em entrevista ao jornal O Globo, Massimiliano Gioni curador da Bienal de Veneza em 2013, relata um pouco sobre esta suposta “tendência curatorial” de integrar não-artistas em exposições de arte, o que reflete nesta forte recorrência do cotidiano no mundo da arte:
O senhor também selecionou não artistas, como Carl Gustav Jung. Por quê?
Quero que o público olhe para a arte contemporânea em diálogo com outras formas de expressão visual. Se deixarmos a arte contemporânea apenas no seu lugar, vamos, então, isolá-la, enfraquecê-la e transformá-la apenas numa forma de entretenimento. Vamos acabar jogando o jogo do mercado. É claro que aprecio museus, mas há muitos museus de arte contemporânea em que a arte parece só algo bonito para o qual olhamos. E é mais complexo do que isso. Ao olhar a arte em diálogo com outras situações, ela volta a ser mais complexa e sedutora. Além dos artistas marginais, teremos vários reconhecidos, mas sempre vistos ao lado de Auriti, de Bispo do Rosário... Há muitos artistas na exposição que estão fora do mercado. Não se pode comprar uma história de Rudolf Steiner ou o manuscrito de Jung, por exemplo. É algo que me ajudou a pensar a Bienal de Veneza. Não se trata de procurar apenas artistas novos, é um desafio muito mais complicado lidar com essa plataforma. Esse modelo de diálogo com não artistas ou nomes históricos apareceu em mostras recentes, como na última Bienal de São Paulo. É uma tendência curatorial?
É algo que venho fazendo há muitos anos. Não é novo para mim. Fiz isso no New Museum, nas bienais em que trabalhei. Para mim, é parte de um desenvolvimento coerente. Certamente isso ficou mais popular. Fico um pouco nervoso porque talvez a minha Bienal seja percebida em relação a essas outras mostras, mas não quero mudar meu estilo apenas porque ele ficou mais mainstream. Você é criticado sempre que faz algo que se torna popular (risos). Mesmo a escolha do título do “Palácio enciclopédico”... Não é exatamente uma ironia, mas um sinal de que, assim como o sonho de Auriti era impossível, a ideia de uma Bienal que cobre o mundo todo é um mito impossível, um desafio à realidade. Estou dizendo isso porque muitas pessoas assumem que a Bienal é uma espécie de “Palácio enciclopédico” onde tudo pode ser encontrado e, certamente, não é isso (O Globo, 2013).
Pode-se partir deste exemplo da Bienal de Veneza, para mostrar que o movimento de colocar não artistas em exposições vem crescendo exponencialmente nos últimos anos. Na curadoria do recente Museu de Arte do Rio, inaugurado em 2013, projetos sociais vêm sendo exibidos em exposições junto com coletivos de arte9, e logo aspectos da vida social vem sendo incorporados por essa instituição como arte.
Vê-se que a intenção na arte de agora se diferencia das artes anteriores, pois como pode ser visto em performances, muitas vezes o que fazem são ações deslocadas de seu lugar de origem e por isso geram estranhamento, mas as próprias ações em si não são nenhuma novidade. Já discuti esta questão anteriormente em El arte performance en la vida cotidiana (Miranda, 2012) quando discorro sobre a noção de performance e cotidiano, como esta prática artística é uma ação cotidiana deslocada espacialmente, o que pode se fazer confundir até mesmo com um gesto de loucura.
Portanto ao refletir sobre a concepção da arte performance, notamos que são ações realizadas fora do contexto esperado pela conduta social, ações que se realizadas em outros espaços poderiam ser consideradas normais. As ações realizadas pelos performers e pelos loucos, por exemplo, se parecem neste aspecto (Miranda, 2012, p. 2).
Esta noção pode ser observada na performance recente do coletivo Atrizes ou... em frente à sede da Rede Globo de Comunicações. Esta ação consistia na ocupação da frente do prédio por três performers vestidas com roupas verde e amarelas conhecidas como os trajes dos apoiadores do impeachment da então Presidente do Brasil Dilma Rousseff, chamados de “coxinhas” pela oposição. Na ocasião as performers bebiam champanhe e comiam coxinhas até se sentirem tão cheias a ponto de vomitarem nas calçadas da Rede Globo. Ou seja, beber champanhe, comer coxinha e vomitar não é nada de novo, são ações da vida cotidiana no entanto esta se dá em um contexto deslocado, no espaço público e em frente a principal emissora de comunicação do Brasil. E estaria aí a potência artística da performance. A relação do grande número de performances nas artes, pode estar ligada a uma valorização na cultura contemporânea da estética do cotidiano. Esta valorização foi debatida por Blanchot (2007), este autor destaca que o valor do cotidiano está justamente em sua insignificância:
Quaisquer que sejam os seus aspectos, o cotidiano tem esse traço essencial: não se deixa apanhar. Ele escapa. Ele pertence à insignificância, e o insignificante é sem verdade, sem realidade, sem segredo, mas é talvez também o lugar de toda significação possível (Blanchot, 2007, p. 237).
Ao que tudo indica, há na cultura contemporânea um desencantamento das grandes narrativas, das narrativas heroicas românticas. A modernidade começou a trazer este fascínio pelo homem comum, o fugidio, o fluido tendo como marco o estilo de vida flanêur presente nas poesias de Charles Boudelaire na Paris do século XIX e analisado por Walter Benjamin na academia no século XX. Daí, ao longo do tempo culmina-se hoje, como colocado anteriormente, em um discurso de transformação do cotidiano em utopia. No entanto se na modernidade a utopia estava no futuro, na contemporaneidade a utopia estaria no cotidiano segundo as falas dos artistas e de seus pensadores. Esta tendência passa assim a contaminar diversas áreas, principalmente com o avançar da internet e a cultura do banco de dados (Manovich, 2015) atual. Estamos catalogando um número infinito de coisas em nossos computadores, não só as coisas muito importantes, mas toda a nossa rotina. Desta maneira os eventos se banalizam facilmente. Mas aí pode encontrar-se o diferencial do cotidiano, sua ambiguidade. Ao mesmo tempo que é o lugar do insignificante e do banal pode ser talvez o lugar de toda significação possível, por isso ele escapa (Blanchot, 2007), e pode ser o lugar da produção atual da utopia.
Sabe-se que a participação do público é uma premissa de longa data, que vem permeando as práticas artísticas desde a “virada curatorial” (Osorio, 2015, p. 68-69) dos anos 1960, mas o que se observa recentemente é que atualmente soma-se a isso a questão urbana, as relações de poder que estão imbrincadas as apropriações dos espaços da cidade, e assim as obras de arte mais recentes buscam refletir sobre questões geográficas, tais como gentrificação, imigração e ocupação. E por isso imprimem uma nova relação com o espaço que a cultura contemporânea pode estar alimentando.
No contexto carioca, artistas assistiram os grandes eventos tais como Copa do Mundo de Futebol e Olimpíadas que se fizerem a partir de grandes transformações urbanísticas que removeram em torno de 60 mil pessoas da cidade do Rio de Janeiro (Azevedo e Faulhaber, 2015). Estas transformações espaciais desencadeiam práticas sociais diversas, alteram os modos de estar na cidade das pessoas e também os seus pensamentos quanto a manutenção da memória coletiva. Principalmente porque neste contexto museus foram construídos- tais como o Museu de Arte do Rio e o Museu do Amanhã - esses que são espaços de manutenção de memória e também de criação de visibilidade ou esquecimento social. Logo a relação com o passado é sempre muito política, ainda mais em uma sociedade contemporânea que pode ser caracterizada por sua obsessão pela memória, como apontou Huyssen (2000). Assim, o debate e a recorrência da palavra “gentrificação”10, a qual aponta para uma transformação urbanística que privilegia os mais favorecidos, se tornou preponderante nos ambientes acadêmicos e artísticos do mundo da arte da cidade do Rio de Janeiro.
Nesta esteira de grandes transformações no espaço da cidade que remete a apropriação da memória coletiva, surgem os coletivos de intervenção urbana que venho debatendo neste trabalho. Grupos que criam a partir do que está dado. Sempre em relação, no entre, sendo caracterizado por isso como uma arte política, pois como foi colocado o conceito de utopia criado na sociedade atual está no cotidiano. Estes não buscam criar a tabula rasa de algo. Criam trabalhos artísticos com situações rotineiras, apenas deslocadas. Em 2016, Luiz Camillo Osorio, crítico e curador, questionou em texto publicado no site do Prêmio Pipa - o qual faz parte do corpo de júri - a entrega neste ano do mais celebrado (e também mais rentável) prêmio de arte existente no mundo ter sido dado para um coletivo de arquitetos inglês, o Assemble (Osorio, 2016). Quando receberam este prêmio de arte os membros do coletivo se consideraram verdadeiramente surpresos. O que fazem é arte? Foram perguntados. Mas vocês não são arquitetos? “Meio sim, meio não, meio talvez...” O trabalho que ganhou o prêmio consistia em um projeto de intervenção urbanística no bairro degradado de Toxteth em Liverpool, o qual depois fez parte de uma instalação dentro de uma instituição de arte. Logo Osorio indaga-se se essa não-intenção artística não venha se tornando uma nova condição ou ferramenta de consagração, da mesma forma que venho me indagando ao observar algumas das ações coletivas aqui abordadas.
Se prestado atenção no que vem sendo valorizado na cultura contemporânea de uma maneira geral, pode se pensar que não é estranho uma demanda como esta estar se tornando presente na arte. A sensação de experimentação ou de lançar algo novo tão destacada na arte contemporânea da segunda metade do século XX parece não ser a necessidade gritante da arte de agora. Da mesma maneira essa narrativa de ruptura que acompanhou as vanguardas da década de 60, parece não acompanhar mais os artistas atuais.
Pensando ainda a língua como um revelador histórico e um sinalizador de rupturas, percebe-se atualmente que o paradigma vocabular é outro, se diferenciando do de outras épocas. O intermitente, o fantasmagórico, o rizomático, o anacronismo, o cotidiano, a narrativa dos pequenos da contemporaneidade se opõem a uma narrativa dos grandiosidades, das rupturas bruscas, das totalizações, das linearidades que eram preponderantes nas vanguardas modernas. O que se vê atualmente na arte é o acompanhamento de um tipo de narrativa que já está dada na cultura recente. As narrativas lineares foram sendo substituídas pelos anacronismos, e a estética revolucionária que rompe totalmente com o que vem antes, foi substituída pela estética do cotidiano. Nas palavras de Foucault (2013) se o século XIX foi o século da história, o século XX é o século do espaço, por isso é possível pensar que este é o contexto onde podem se dar as heterotopias11.
Concluo através dos discursos observados que a máxima na arte agora é ocupar, não mais tanto experimentar. Ocupar remete ao espaço, ao físico, ao estar presente. Experimentar remete ao novo, a ruptura, a materialidade.
Pude perceber a consagração deste novo paradigma artístico ao visitar a Documenta de Kassel 14 em 201712, um dos principais termômetros das tendências curatoriais de arte contemporânea do mundo, se não for o principal. A temática do evento circundava a promoção de um grande intercâmbio entre Kassel na Alemanha e Athenas na Grécia. Dentre os inúmeros espaços expositivos da cidade de Kassel o principal deles hospedava a coleção da arte contemporânea do Museu de Arte Contemporânea de Athenas. Enquanto isso, o jornal oficial que circulava noticiando os eventos da Documenta 14, estampava o título “The village utopia”, onde descreviam uma residência artística de duas semanas entre estudantes de arte de Athenas e de Kassel que foi tomada a cabo para o evento. O projeto consistia em ocupar um espaço, conviver, trocar experiências interpessoais e discutir com a comunidade em volta, e principalmente “explorar respostas para o atual momento de escassez de espaço e tempo no mundo” (Documenta 14, 2017). Ao me deparar com esta descrição, percebi que o leitor era direcionado a entender que a utopia do título consistia naquela produção de encontros entre pessoas, que foram construindo coletivamente o seu espaço de convivência, pensando seu tempo contemporâneo e produzindo textos a partir disso, por mais que como enfatizado o mais importante ali era o processo e não o resultado disso tudo. Ou seja, o discurso ali impresso contribuía para a construção da ideia aqui apresentada de cotidiano como utopia.
Se pensado sobre o que é ocupar atualmente, questões de valorização do cotidiano, a tentativa de novas utopias e a apropriação dos espaços da cidade vem à tona. Essas são as principais pautas que contaminam os discursos da arte contemporânea atual. E também, não concidentemente, são características encontradas na cultura contemporânea como um todo.
Sendo assim a arte quer cada vez mais ser confundida com a vida cotidiana, a arte sem intenção de ser arte é a nova utopia segundo o discurso do meio artístico, como foram observados nos casos apontados anteriormente. Tudo indica que não é mais a arte como transformação social que está em voga, e sim a transformação social como arte que é a pauta da vez, ou seja, o chamado artivismo. Mario Pedrosa, defendia que a arte por si só já possuía um poder revolucionário em sua forma estética, não era preciso abandonar a estética para que a arte fosse política (Erber, 2014). Mas cada vez mais em eventos grandiosos de arte contemporânea vê-se um destaque para ações políticas bem diretas, sendo artificadas e transformadas em arte. Ou seja, o sentido político não surge apenas na análise póstuma da obra, este faz parte ativa do processo da mesma enquanto ela acontece, porque as obras de arte contemporânea acontecem. Esta afirmação pode parecer generalista, já que ao frequentarmos uma exposição de arte contemporânea hoje ainda encontraremos objetos de arte. No entanto o objetivo deste artigo é apontar o que vem sendo valorizado no sistema de arte, as principais tendências curatoriais e artísticas, o que os prêmios de arte, as escolas de arte, todos esses aparatos que consagram e constroem o sentido contemporâneo de arte estão apontando. E estes estão valorizando a obra que acontece, aquela que se constrói a partir de um processo, como descrevi ao longo deste artigo.
Artistas contemporâneos se diferenciam dos artistas contra-culturais dos anos 60 que buscavam romper laços com os preceitos modernos voltados para o progresso, afim de construírem algo revolucionário e radical, a parte do sistema. Os novos agentes criativos não rejeitam tecnologias, símbolo do progresso e da inovação, pelo contrário, a utilizam como ferramenta para desenvolver suas ações. Por isso, aponto para uma nova relação com o tempo, noto uma nova temporalidade em voga, onde o protagonismo do futuro é substituído pelo agora do cotidiano. No entanto, ainda há o que ser investigado, pois como será colocado esta visão não leva em consideração a fetichização que as iniciativas coletivas sofreram ao longo dos últimos anos. Em outras oportunidades debati a arte coletiva como fetiche (Miranda, 2014), mas o que isso significa? No caso da arte coletiva urbana pode resultar em casos negativos de gentrificação, pois como a integrante do coletivo Poro de Belo Horizonte afirma: “a arte é gentrificadora mesmo as feitas na rua” (Campbell, 2016). Atualmente também observa-se um movimento de arte nas ruas que contribui para o desenvolvimento de reformas urbanas muitas vezes rasas, as quais não solucionam a fundo problemas urbanísticos das cidades.
Para concluir, com este artigo busquei mostrar três questões recorrentes na estética artística atual que contribuíram para a crescente diluição da noção de autoria individual no mundo da arte contemporânea. A valorização do cotidiano, do homem comum, que contribui com a supressão da ideia do artista genial, e também na proliferação de performances que dialogam e deslocam ações cotidianas. Essa diminuição de escalas tangencia também a inoperosidade que a ação de ocupar requer, pois estar presente, pode ser considerado um ato político, as ocupações políticas e artísticas atuais são o espelho desta cultura espacial, com a temporalidade relativa que emerge também na contemporaneidade. E neste mesmo barco encontra-se a terceira problemática presente na arte que investigo, que junta essa nova temporalidade e espacialidade em apenas um conceito, a heterotopia, esta é a visão da arte por parte de seus membros como forma de prática política e como nova utopia.
Nos episódios mencionados anteriormente, apontei perspectivas de artistas, de curadores e pensadores da arte, minha intenção foi compreender de que maneira a arte contemporânea se vê, se entende e principalmente o que vem sendo valorizado, ou seja, exaltado e consagrado nesse meio, pois através destas nuances posso chegar perto de encontrar as novas regras da arte que pressuponho que venham sendo alteradas no decorrer das transformações sociais dos últimos anos, que produziu uma sociedade que possui essa cultura híbrida assim como a arte, que incorpora todas as vanguardas, que não permite o trabalhar de fora, e sim apenas questionar de dentro. Assim como Flusser, acredito que a revolução da comunicação através da internet influencia nossa vida com mais intensidade do que tendemos habitualmente a acreditar (Flusser, 2007). Um mundo onde o capitalismo que se opunha entre burguesia X proletariado caiu, e as nuances de dominação dos detentores dos meios de produção são mais difíceis de enxergar, ou seja a era da biopolítica está mais acentuada do que nunca, a era da propaganda, da cultura de massa, o mundo imagético e não mais da escrita culturalizou nosso capitalismo e tornou o “opressor” uma figura dispersa , ou seja , além das dicotomias, as fronteiras das relações de trabalho no mundo estão turvas, por isso questioná-las requer um esforço de operar no entremeio, nas fissuras e nas brechas. Brechas onde, possivelmente, segundo os atores do mundo da arte, as heterotopias conseguem operar.