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A inflexão zapatista: o Congreso Nacional Indígena e a candidatura presidencial em 2018
The Zapatista Inflection: Congreso Nacional Indígena and the presidential elections in 2018
A inflexão zapatista: o Congreso Nacional Indígena e a candidatura presidencial em 2018
Ciências Sociais Unisinos, vol. 54, núm. 2, pp. 196-205, 2018
Universidade do Vale do Rio dos Sinos Centro de Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
Recepção: 25 Janeiro 2018
Aprovação: 11 Maio 2018
Resumo: O presente texto discute o anúncio de apoio do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) à proposta de candidatura para as eleições presidenciais mexicanas de 2018 do Congreso Nacional Indigena (CNI). A partir da análise de 31 comunicados do EZLN, iniciando com o anúncio da candidatura e subsequentes documentos do CNI, discutiremos questões centrais para a análise desse movimento social, ativo desde 1994, como a relação do movimento com o Estado e a escolha da candidatura de uma mulher indígena. Ademais, abordaremos as interpretações mais usuais sobre o projeto zapatista e suas construções políticas. São dois os principais objetivos deste artigo, primeiramente, analisar a candidatura proposta pelo EZLN e pelo CNI, entendendo algumas das possíveis consequências internas e externas dessa decisão, e observar a movimentação dos principais atores do cenário político mexicano e internacional frente à proposta.
Palavras-chave: México, movimento social, Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), eleições.
Abstract: This text discusses the announcement of support by the Zapatista Army of National Liberation (EZLN) to the Mexican presidential elections of 2018 by the Congreso Nacional Indigena (CNI). Drawing from the analysis of 31 speeches of EZLN, initiated with the announcement of the candidature and following CNI documents, we will discuss central issues for the analysis of this social movement, active since 1994, like the relationship of this movement with the State and the choice of an indigenous woman as their candidate. Additionally, we will discuss usual interpretations on the zapatista project and their political constructions. This article has two main objectives, firstly, to analyze the proposed candidature by EZLN and CNI, understanding some possible internal and external consequences of this decision, and to observe the main actors’ moves on the Mexican and international political scenario after this proposition.
Keywords: Mexico, social movement, Zapatista Army of National Liberation (EZLN), elections.
Introdução
Com o anúncio de apoio a uma proposta de candidatura para as eleições presidenciais mexicanas de 2018, os zapatistas voltaram a movimentar as bases das discussões políticas internacionais. O movimento, desde o levante de 1994, tem tido uma influência significativa nas teorizações e práticas relativas às lutas pela superação do capitalismo. Essa nova ação torna necessário um esforço de questionamento acerca das interpretações mais usuais sobre o seu projeto e suas construções políticas; assim como um olhar mais atento para o Congreso Nacional Indígena (CNI), responsável por concretizar o projeto, e para a relação entre esses dois movimentos.
O objetivo principal desse artigo é analisar a proposta de candidatura de María de Jesús Patricio, Marichuy, pelo CNI, junto aos zapatistas, entendendo algumas das possíveis consequências internas e externas da mesma. Para tanto, trabalhamos com questões relacionadas a dois grandes eixos: a relação do Exército Zapatistas de Libertação Nacional (EZLN) com a democracia representativa, e a escolha da candidatura de uma mulher indígena. A metodologia adotada foi a análise de 31 comunicados do EZLN3 (muitos escritos junto com o CNI). Os documentos abrangem desde o anúncio da candidatura, em 14 de outubro de 2016, até o anúncio da porta-voz da mesma em 28 de maio de 20174. Junto a isso, ficamos atentos aos comentários veiculados em jornais e portais online no intuito de compreender a recepção da proposta. Nossa postura metodológica seguiu o sugerido pelos próprios zapatistas em alguns dos comunicados analisados: escutar e tentar compreender o proposto antes de formular juízos de valor5.
Os zapatistas têm uma história pública de 23 anos, porém sua origem remonta à resistência indígena, à atuação da Teologia da Libertação6 e aos grupos leninistas-foquistas da década de 1960, que tiveram como principal representante a Frente de Libertação Nacional, grupo guerrilheiro urbano que tentou desestabilizar o governo mexicano através de focos revolucionários, porém foi desarticulado pela contrainsurgênciaência estatal. Os remanescentes desse grupo foram para a Selva Lacandona em 1984, se unir aos indígenas, formando o EZLN. A resistência indígena remonta ao violento processo de colonização espanhola, porém em tempos mais recentes é importante destacar que haviam organizações civis que já lutavam pelos direitos indígenas em Chiapas.
Em 1994, ocorreu um levante majoritariamente indígena no sul mexicano que tinha como bandeira a luta pela democracia, liberdade e justiça. Em meio a um contexto de opressão econômica e social, essa população indígena conseguiu estabelecer uma relativa autonomia territorial para construir um cotidiano em que seus modos de vida sejam respeitados. Apesar dos zapatistas ainda contarem com um exército armado, garantindo a proteção aos territórios, sua defesa é muito mais dependente dos vínculos que o movimento estabeleceu com a sociedade civil mexicana e internacional, dado que desde 1996 nenhum tiro é disparado em confrontos. A construção zapatista não depende de apoios estatais nem empresariais, mas apesar - ou justamente por conta - disso conseguiu estabelecer escolas, clínicas, meios de comunicação, produções agrícolas e governo autogeridos7.
É preciso também resgatar que o CNI surgiu em 12 de outubro de 1996, na Cidade do México, como uma proposta do EZLN, ainda que os distintos povos indígenas no México já se organizassem desde o início da década de 1940, em Pátzcuaro, no departamento de Michoacán, no que ficou conhecido como o Primer Congreso Indigenista Interamericano. Posteriormente, em 1974, o Congreso Indígena de Chiapas, foi realizado no estado, a partir da organização coletiva dos governos estatal e federal, junto à liderança da igreja Católica, Samuel Ruiz. No ano seguinte, ainda contando com um certo diálogo estatal, se criou o Consejo Nacional de Pueblos Indígenas. Esse histórico é importante para situar os intentos de criação anteriores ao CNI, como um chamado à participação das populações indígenas em processos de assembleia de escopo nacional, mas também enquanto uma das deliberações dos Acordos de San Andres8, de 1996. Ainda assim, alguns episódios de intensa repressão aos indígenas, sobretudo em Ostula, em 2011, enfraqueceram o CNI e seus encontros, que só voltou a se reunir em 2013, por intermédio do EZLN (Horizontal, 2017).
O espaço criado pelo CNI9, portanto, surge com o objetivo de gerar reflexão e solidariedade, de forma a fortalecer as lutas de resistência, com instâncias únicas de representação, organização e tomada de decisões. Uma questão surgida no anúncio da candidatura e que causou bastante confusão foi: qual o papel do EZLN e do CNI nessa construção? Os meios de comunicação se apressaram em afirmar que o EZLN tinha uma candidata à presidência e os comentários afirmavam que eles haviam finalmente entrado para a política institucional. Porém, como demonstraremos na descrição histórica a seguir, o EZLN foi o responsável pela ideia da proposta, mas não por toda sua construção. Desde o começo, quando a proposta lhe foi apresentada, o CNI assumiu toda a responsabilidade por ela. A confiança do EZLN no CNI está baseada em uma relação de vinte anos entre os povos que constroem o Congreso e no fato de que ele “se manteve com seus altos e baixos, leal a sua essência, e ainda que com sua dor distante dos meios de comunicação, representando ao setor mais atingido pela Hidra10” (Moisés e Galeano, 2017b). Aos zapatistas restaria proteger, acompanhar e apoiar a candidatura, assim como todos os povos do CNI, apesar de seu inegável protagonismo.
A construção da candidatura
Em uma conversa, o Subcomandante Moisés afirma que, para o Subcomandante Galeano, essa iniciativa deveria ser “tão grande, ou maior que o primeiro de janeiro de 1994” (Moisés e Galeano, 2017b) - data do levante zapatista. Descontando certo exagero discursivo, usual nos comunicados, percebemos a importância que a candidatura tem para as lutas zapatistas. Comecemos, portanto, com uma descrição cronológica de como se deu esse processo11.
A ideia da proposta surgiu entre 2013 e 2014. Não se sabe ao certo quem a teve, mas ela foi considerada importante e começaram as reflexões de como levá-la adiante (Moisés e Galeano, 2017b). Essa é uma informação difícil de ser verificada, mas o importante é que ela aponta para o fato de que a proposta inicial realmente foi forjada pelos zapatistas. Entre os dias 9 e 13 de outubro de 2016, ela foi apresentada ao Quinto Congreso Nacional Indígena que ocorreu na sede do CIDECI-Unitierra, em San Cristóbal de Las Casas, Chiapas. Na época estavam reunidos delegados representantes do CNI que comemoravam o vigésimo aniversário da organização. No dia 13 de outubro, a plenária aceitou a proposta zapatista e, a partir daí, a candidatura se transforma em um projeto do CNI. No dia 14 de outubro, a decisão foi publicizada no México e internacionalmente (Moisés e Galeano, 2017b).
Dado que o CNI tem como um de seus princípios não tomar decisões importantes nos encontros, cada povo voltaria para as comunidades para fazer consultas e depois retornariam com o resultado, ou seja, primeiro perguntam e depois decidem. O resultado seria conhecido na segunda etapa do Quinto Congreso. Nessa consulta estava em jogo a aprovação da proposta de um conselho indígena de governo que teria a palavra materializada por uma mulher indígena, a qual seria candidata independente em nome do CNI e do EZLN para as eleições de 2018. Decidiu-se que se algum povo não apoiasse a decisão não seria forçado a participar nem a sair do CNI. A autonomia de cada um na participação da candidatura seria respeitada: “Cada um poderá decidir se essa luta é boa, se a ideia é boa, e se responde ao chamado dela” (Moisés, 2017). Essa é a forma de organização praticada pelos zapatistas, na qual a autonomia se operacionaliza na possibilidade de decisões contrárias à da maioria. Apesar do protagonismo zapatista, a negação de ordens hierárquicas demonstra que não foi uma decisão de um comitê central ao qual os povos indígenas do CNI teriam que se submeter. Porém, esse processo ocorreu em alguns momentos de forma turbulenta e em meio a ameaças que visavam intimidar a realização da consulta12.
A segunda etapa do Quinto Congreso Nacional Indígena ocorreu entre os dias 29 de dezembro de 2016 e 1 de janeiro de 2017. O congresso ocorreu novamente no CIDECI, tendo apenas o seu último dia realizada no caracol zapatista Oventik13. Nesse momento foram compartilhadas as consultas realizadas em cada um dos povos pertencentes ao CNI, para dessa forma ser decidida a aceitação da candidatura. Como as respostas foram positivas, definiu-se que seria realizada, entre 26 e 28 de maio de 2017, uma assembleia constituinte do Conselho Indígena de Governo para o México, na qual seria anunciada a porta-voz, ou seja, a candidata que constaria oficialmente na eleição de 2018. O Conselho Indígena de Governo começa a ganhar mais contornos, apesar de ainda ser incerto como funcionaria organizacionalmente essa proposta em caso de uma eventual vitória.
Cada povo elegeu dois delegados como representantes para a assembleia constituinte, sendo preferencialmente um homem e uma mulher. Entre os dias 26 e 28 de maio, os cerca de 1800 indígenas, entre delegados e convidados, do CNI, estavam novamente reunidos no CIDECI, definindo os seus 71 integrantes e tornaram público o nome da sua porta-voz14. María de Jesús Patrícia Martínez, Marichuy, é uma mulher nahua de Tuxpan, ao sul de Jalisco, estado que pertence à mesorregião mexicana chamada Bajío Occidente, localizada na parte central do país. Tem uma história de luta por sua comunidade e se dedica à medicina tradicional.
Essa iniciativa surpreendeu porque há muitos anos o que estivesse relacionado à política institucional era deslegitimado pelos zapatistas com a expressão Mau Governo. Em sua negação do modelo de política hegemônico - que segundo o EZLN, sempre ignorou as especificidades do pensamento e da vida indígena - há a discordância de que a política deva ser monopolizada por setores partidários. As críticas aos políticos e aos partidos aparecem com frequência nos comunicados, tendo como fundo um projeto de autonomia que garanta a independência das comunidades zapatistas, porém, ainda assim já houve aproximações do EZLN com candidaturas específicas15.
Passado mais de uma década desde os últimos diálogos com a política institucional, chegou a hora da candidatura. No comunicado de divulgação da proposta da candidatura, os zapatistas e o CNI afirmam que é a hora de tomar a ofensiva (CNI e EZLN, 2016). A questão que se coloca é: qual o motivo de ter chegada a hora? Mais do que o vislumbrar de uma oportunidade política, essa resposta está relacionada a uma situação de extrema precariedade na vivência cotidiana da população indígena mexicana. Isso está sintetizado no acréscimo que os zapatistas fazem ao já conhecido lema anti-eleitoral “nossos sonhos não cabem nas suas urnas”: “tampouco nossos pesadelos” (Moisés e Galeano, 2017b). Os pesadelos se concretizam como pobreza, porém também como morte, nos muitos assassinatos de que são vítimas, e quem mais sofre com isso são as mulheres indígenas. Os povos pertencentes ao CNI têm um entendimento de que vivem atualmente uma guerra por suas próprias sobrevivências, pois há uma exacerbação dos despejos e da repressão (CNI e EZLN, 2017b). Em uma situação de tamanha dificuldade, a resposta não é a aceitação, mas a iniciativa.
Ela-somos
Refletiremos em relação à construção da candidatura, com o auxílio de oximoros, ou seja, de figuras retóricas que, aparentando o erro, se contrapõem ao senso comum. Na afirmação de um paradoxo, nos confrontamos com uma contradição em termos, o que faz com que se possa dar conta retoricamente das contradições próprias ao mundo vivido. No caso dos oximoros, a contradição se combina em elementos linguísticos semanticamente opostos. Essa é uma operação muito utilizada pelos zapatistas e que serve de denúncia para a impossibilidade da coerência dar conta do vivenciado na construção da autonomia. Essa forma de raciocinar e se exprimir de traços dialéticos permite a síntese em expressões de processos bastante complexos e contraditórios pelos quais eles passam. Por isso, essa nos parece uma chave interessante para exprimir a análise da candidatura do CNI.
Terminada a parte inicial, adotaremos nas próximas seções dois oximoros como chave heurística condensadora das questões centrais que essa candidatura traz à tona. O primeiro deles é “ela-somos”. A expressão “el-somos” foi usada pelos zapatistas na divulgação do Subcomandante Moisés como substituto de Marcos em 2013. Naquele contexto, o oxímoro buscava quebrar com a lógica da representatividade, pois afirmava que um indivíduo seria toda a coletividade. Retomamos a expressão no contexto da candidatura, pois essa contradição em termos remete à questão fundamental relacionada à escolha de uma mulher indígena para ser a porta-voz, ou seja, nos permite pensar a respeito das relações entre os zapatistas e as lutas feministas. O segundo oximoro que nos serve de síntese é o “mandar obedecendo”. A ideia aqui é que aqueles que estão em posições de mando, na verdade devem obedecer às ordens da coletividade mais ampla. Através dessa expressão poderemos debater a relação dos zapatistas e do CNI com a democracia representativa, assim como o programa a ser defendido que até agora foi apenas esboçado. Ademais, discutiremos os objetivos da candidatura.
Uma das questões que mais lançou luz à polêmica da candidatura de um indígena à presidência do México, em 2018, foi o fato de, especificamente, tratar-se de uma candidata mulher. Isso, tanto pelas críticas à cultura machista no México, quanto pelo aparente descaso do zapatismo com as lutas feministas. O que defenderemos aqui, contudo, é que o que foi lido como negligência, na verdade, nada mais é do que um apelo pela unidade das lutas dos de abajo, materializada na figura dos indígenas, que não necessariamente possuíam suas pautas unificadas pelo feminismo liberal, tal como esse se apresenta, com alguma frequência, à opinião pública.
É importante ressaltar que a construção da candidatura feminina, não se deu de forma consensual, dado que a proposta atual de uma mulher indígena, que conhecesse sua língua originária e cultura, passou por um estágio anterior de busca de uma candidata ou candidato, cogitando, inclusive, que fosse “o candidato”. A proposta de um nome masculino foi rechaçada pela cúpula do movimento em assembleia, dispondo-se a enfrentar não somente o racismo, mas o sistema patriarcal e machista. A ideia original era que “em torno a esse Conselho e a essa mulher indígena, poderia gerar-se um grande movimento que movesse todo o sistema político” (Moisés e Galeano, 2017b).
Isso deve ser considerado no bojo do entendimento de um afastamento inicial do EZLN com posições e proposições feministas, o que, igualmente, não significa que essa bandeira não tenha sido alçada anteriormente à candidatura à presidência. Pelo contrário, o EZLN parece ter inaugurado o feminismo indígena no México, com um posicionamento plural em relação ao feminismo, e quanto às mulheres indígenas de dentro e de fora do país. O feminismo indígena mexicano é documentado por Millán (1996), Hernández-Castillo (2001), Curiel (2007), que consideram o levantamento zapatista como uma forma particular de defender os direitos das mulheres inexistentes até então no México, combinando identidade étnica e de gênero. No final dessa mesma década, Rovira (1997) enfoca a centralidade das mulheres dentro do EZLN, que, ao entrarem no movimento, subvertem papéis de gênero tradicionais.
Assim como, desde 1994, o movimento de mulheres indígenas no México parece ter apurado bastante suas questões, como afirma Cruz (2004), que se, em um primeiro momento eram desordenadas, logo adaptaram-se ao conjunto de demandas dos povos indígenas. Se na década de 1970, inicia-se uma organização dos setores indígenas, em que as companheiras ainda são coadjuvantes e as questões de gênero não são priorizadas, na década seguinte, há uma maior organização das mulheres, influenciadas pela Teologia da Libertação.
Contudo, a situação das mulheres indígenas de Chiapas em particular, mas do México, no geral, evidencia uma dupla discriminação que tem na candidatura de uma mulher indígena à presidência mexicana, uma inflexão importante. Rovira (1997) menciona um episódio em que uma mulher indígena mostra agradecimento ao EZLN, ainda em 1994, por aumentar a sensação de liberdade experimentada pelas mulheres, devolvendo-lhes humanidade, dado que anteriormente eram tratadas como “animais” (1997, p. 47). Esse sentir-se livres, dentro do EZLN contrastava com a realidade das indígenas fora do movimento. Um fato que fundamenta esse argumento, segundo Rovira (1997), é a permissão do casamento entre etnias distintas, como tzotziles com tzeltales, entre as indígenas zapatistas. Ademais, nos acampamentos, se operaria frequentemente uma inversão nos papéis de gênero, à medida que homens também começam a cozinhar e desempenham atividades anteriormente tidas como exclusivamente femininas.
Em relação à história das mulheres indígenas no movimento, é preciso recuperar a criação de uma lei revolucionaria das mulheres do EZLN16, surgida a partir da discussão sobre as necessidades particulares das mulheres para além das demandas gerais. As leis foram comunicadas antes do levantamento em 1994, em 8 de março de 1993, e segundo o relato de uma indígena a Rovira (1997, p. 114), “o primeiro levantamento do EZLN foi em março de 1993 e foi encabeçado por mulheres zapatistas. Não houve baixas nem vencedores. Coisas dessas terras”. Tais leis possuíam, potencialmente o efeito, de desestruturar as bases familiares e comunitárias tradicionais, dado que indicavam que as mulheres não podem ser obrigadas a se casar à força, que têm o direito de decidir quantos filhos querem ter, além de mencionar que as mulheres têm o direito de estudar, trabalhar e receber um salário justo.
O anúncio dessas leis ocorreu à época da projeção da comandante Ramona, indígena tzotzil alçada à popularidade repentina após o segundo mês do levantamento armado, em 1994, símbolo de mulher combatente, mesmo que seu papel fosse eminentemente político (Rovira, 1997). Essa importante liderança, em 1996, realiza o discurso de abertura do CNI, ainda que, internamente, a situação das mulheres no movimento permanecesse negligenciada, com a sistemática negação da criação de mesas sobre situações específicas às mulheres. No ano seguinte, na Terceira Assembleia do CNI, em 1997, as mulheres finalmente organizaram uma mesa na qual poderiam discutir seus problemas e propostas específicas de gênero.
Ao buscar estabelecer-se em conferências de gênero internacionais, as mulheres indígenas ocultavam problemas pouco refletidos como a dificuldade de se expressar dentro do próprio movimento indígena (Nascimento, 2012). Por compartilharem as mesmas obrigações, podemos observar mulheres em posições de chefia, inclusive de homens, uma mudança significativa frente à cultura tzotzil, em que uma mulher não pode falar com outros homens, ou uma mulher tzeltal, que só pode falar quando o marido lhe autoriza.
Conquanto se registrem avanços, persiste um problema relativo à titularidade da terra, uma questão fundamental para as mulheres indígenas, que padecem da ausência de direitos em relação ao acesso à terra, o que dificulta sua subsistência e permanência no campo. Além do sistema jurídico restringir a titularidade de propriedades fundiárias aos homens, as normas comunitárias, usos y costumbres17, privilegiam os homens na administração dos bens comuns do casal.
Nos comunicados, desde o anúncio da candidatura, a figura da menina “Defensa Zapatista”, parece buscar dar conta do que consideramos como certa inflexão de um posicionamento mais crítico e feminista, de maneira que a própria figura do apocalipse ganha um contorno de gênero: “o apocalipse que, segundo conta a menina auto denominada Defesa Zapatista, é de gênero” (Galeano, 2017a). O comunicado segue, afirmando como as independências e revoluções até o momento foram falsas ou incompletas, dado que a proposta sempre foi “que nós mulheres, demos nosso sangue, enquanto eles dirigem ou simulam dirigir”, para na mesma comunicação, iniciar uma espécie de mea culpa, “e sempre a mulher abaixo, ontem e hoje. Inclusive no coletivo que fomos e somos” (Moisés e Galeano, 2017a). Se anteriormente o feminismo, para os zapatistas, era assunto de foro íntimo, o movimento vem a público afirmar o que era antes velado e que o outro mundo possível é uma possibilidade só na medida em que as mulheres tomem as posições dianteiras (Galeano, 2017b).
Da mesma forma, o EZLN se posiciona em um papel de vanguarda do feminismo, quando em um comunicado da comandante Erika demonstra desconhecer o significado das palavras submissa, conciliadora e fraca, o que implicaria que, de fato, os zapatistas vivem em outro mundo (Galeano, 2016b). Dessa maneira, as jovens zapatistas já poderiam rechaçar propostas de casamento, ler e escrever em sua língua nativa e em espanhol, ascender à universidade e não satisfazerem-se com respostas como “a mãe terra, com sua sabedoria infinita, fez essa flor assim como é, porque tudo está em harmonia com a força universal que emana da natureza (Galeano, 2016a).
Os comunicados após o anúncio da candidatura também mencionam o conceito de patriarcaladera, em vez de patriarcado, no qual os homens mandam e as mulheres estariam à disposição de suas demandas, e diversas vezes, ainda que por meio de fábulas, se afirma que as mulheres devem apoiar-se a si próprias. Isso em um mundo em que a violência contra as mulheres tornou-se banalizada, “natural”, e até “lógica” (“sim, elas buscaram isso”, diz a sociedade inteira), não somente o estupro, mas também o sequestro, o desaparecimento e o assassinato de mulheres.
“Mandar obedecendo”
O segundo oximoro nos é útil por explicitar que os indígenas demonstraram com essa candidatura que participar de uma eleição presidencial não significa necessariamente uma posição ativa no processo de manutenção e legitimação da democracia representativa. “Nenhuma reivindicação de nossos povos, nenhuma determinação e exercício de autonomia, nenhuma esperança tornada realidade respondeu às formas eleitorais que os poderosos chamam de democracia” (CNI e EZLN, 2017a). Em meio a uma série de opressões, as elites sempre colocam como solução o voto, a criação do que os zapatistas chamam de “poder de cima”. Porém, isso é interpretado pelo movimento como uma tentativa de continuarem controlando os destinos alheios, mantendo a heteronomia típica da democracia representativa.
A essa solução, os zapatistas sempre responderam com resistência e rebeldia. Através de uma defesa cotidiana do autogoverno, os zapatistas têm se esforçado em radicalizar a democracia no intuito de enfraquecer a atuação do Estado e do mercado na sustentação da sociedade (Brancaleone, 2013). Na construção discursiva dessa candidatura, a negação da democracia representativa se dá a partir de uma dupla negativa: dos partidos e do poder.
O Conselho Indígena de Governo não faria parte de nenhum partido mexicano e a candidatura ocorreria de forma independente. Como explicado anteriormente, essa é uma possibilidade no sistema eleitoral que foi explorada pelos indígenas. A negação dos partidos se baseia na ideia de que essa forma de organização só “gerou morte, corrupção e compra de dignidades” (CNI e EZLN, 2016). Em vários comunicados surgem menções aos principais partidos mexicanos - o Partido Revolucionario Institucional (PRI), o Partido Acción Nacional (PAN) e o Partido de la Revolución Democrática (PRD) -, porém elas são sempre de caráter negativo. Em tom jocoso, Galeano pergunta qual o grau de estabilidade de um sistema político-partidário que tanto se afeta quando alguém diz publicamente que vai fazer uma consulta com os seus pares acerca da possibilidade de participar nas eleições (Moisés, 2017). Além da negação da participação na lógica partidária, o Conselho Indígena afirma não pretender competir com os partidos, pois para isso teria que haver uma equivalência que defendem não existir: “não nos confundam, não pretendemos competir com eles porque não somos o mesmo, não somos suas palavras mentirosas e perversas” (CNI e EZLN, 2017b).
Ainda assim, em relação aos limites do sistema político mexicano, Ceceña (2006) observa que um dos legados do EZLN seria o questionamento acerca da representação política e de suas práticas. Os zapatistas desde 199418, já passaram por distintas etapas de rechaço-diálogo com a política institucional e as eleições (Brancaleone, 2015), cuja inflexão até o momento teria sido o episódio de um chamado ao boicote às eleições nacionais de 2006, em meio a Outra Campanha (la Outra Campaña) do EZLN. O subMarcos mencionava a indiferenciação dos projetos de poder entre os partidos disputando as eleições. A esquerda institucional rechaçou a sua fala, acreditando que seu principal candidato, Andrés Manuel López Obrador, tinha chances reais de vencer essa eleição e o alegado boicote os teria prejudicado, em uma contenda na qual venceu o candidato do PAN, Felipe Calderón, com uma margem estreita, de cerca de 0,1% dos votos. Percebe-se, portanto, que a contenda com os partidos políticos de esquerda não é algo recente. Isso é particularmente significativo no caso de López Obrador dado que, em 2018, sua candidatura, dessa vez pelo partido Movimiento Regeneración Nacional (Morena), se viu novamente prejudicada por uma iniciativa zapatista. Em algumas declarações públicas (Universal, 2016), esse fato não passou despercebido pelo próprio López Obrador que sabe o quanto o apoio zapatista poderia ajudar em sua campanha.
Uma outra dimensão da negação da democracia representativa se dá com a negação da busca do poder. Os zapatistas continuam afirmando, desde o levante em 1994, que a luta deles é anticapitalista de abaixo e à esquerda, ou seja, não é uma luta pelo controle do poder estatal. Nessa candidatura há uma continuidade com a antiga defesa zapatista de que só é possível a sobrevivência da humanidade no longo prazo se o capitalismo for derrotado, e de que a democracia representativa está imbricada na perpetuação do capitalismo (CNI e EZLN, 2016). Em diversos comunicados os indígenas dizem explicitamente que essa iniciativa não é uma busca pelo poder. Galeano chega a afirmar que já ofereceram ao EZLN a possibilidade de ingressar no sistema eleitoral e usufruir das suas benesses particularistas. O argumento se desenvolve com a ideia de que, se nem nas próprias comunidades zapatistas o EZLN exerce cargos de poder, não faria isso em cargos institucionais (Moisés e Galeano, 2017b).
Com relação ao programa de governo que seria defendido, os comunicados apontam algumas de suas características principais. A primeira delas é que o Conselho Indígena de Governo estava sendo apresentado como uma nacionalização das Juntas de Bom Governo19. Mais do que fazer o que o próprio Conselho decide, ele seria responsável por dar conta daquilo que dizem os povos mexicanos - indígenas e não indígenas. Ou seja, seria guiado pelos princípios do mandar obedecendo: “servir e não ser servido; representar e não suplantar; construir e não destruir; obedecer e não mandar; propor e não impor; convencer e não vencer; descer e não subir” (Moisés e Galeano, 2017b). No intuito de demonstrar que os indígenas já possuem o conhecimento prático necessário para governar, os zapatistas realizam uma comparação entre as formas através das quais o governo lida com a gestão de vários aspectos da vida (educação, comunicação, segurança, processos de decisão), e a forma indígena de fazê-lo. Nessa, é ressaltada a superioridade de sua própria gestão, pois o critério seria a capacidade de estabelecer uma existência mais digna (CNI e EZLN, 2017b).
Em termos mais específicos, o CNI aponta uma série de questões que defenderiam na candidatura e em uma eventual gestão. Entre elas podemos apontar que muitas estão relacionadas com a garantia de justiça para os mexicanos subjugados. Há uma defesa da aplicação efetiva dos direitos humanos para diminuir o massacre dos de baixo. Nessa lista programática, a palavra dignidade é recorrente e serve para adjetivar qual espécie de moradia, alimentação e trabalho buscam construir. Também buscariam defender o direito à saúde, à educação e ao transporte. Além disso, mencionam uma série de sujeitos pelos quais lutam: campesinos, trabalhadores, empregados, comerciantes, cidadãos e povos originários. Em termos mais abstratos, os princípios norteadores da campanha seriam: autonomia, autogestão, liberdade, justiça e democracia (Moisés, 2017).
Se essas eram as propostas declaradas da candidatura, surge a importante questão de qual era o seu principal objetivo. Ela teria como intuito vencer a eleição ou seria apenas um meio para atingir outros fins? Desde o começo da proposta de uma candidatura presidencial, os zapatistas sabiam que muitos seriam os empecilhos. O sistema eleitoral está constituído para beneficiar os partidos. Caso ganhassem, seria grande o risco de fraude. Se conseguissem o reconhecimento não conseguiriam fazer muita coisa porque quem manda no Estado mexicano é o poder financeiro internacional. Porém, não apesar disso, mas justamente por conta dessa ineficácia das eleições, é que decidiram concorrer (Moisés e Galeano, 2017b). O que nos leva a defender que o principal objetivo dessa candidatura foi ser um artifício para aumentar os laços entre os de baixo, ou seja, a candidatura era um meio e não tinha como fim ganhar as eleições. Essa interpretação está baseada na constante ratificação de que a luta não é por poder, mas pela possibilidade de auto-organização (Moisés e Galeano, 2017b). A candidatura era vista como a possibilidade de estabelecer um diálogo com todo o México.
A candidatura deve, portanto, ser entendida como um movimento de confluência entre aqueles que resistem. Há a busca de estabelecer pontes, tendo como pano de fundo o argumento de que a luta a que o CNI se propõe é uma luta de todos os explorados. Os diálogos começaram com a consulta ao CNI e o processo de recolher as assinaturas também possibilitou que aumentassem os vínculos entre os dispostos a contribuir. As implicações organizativas desse esforço devem ser significativas para a articulação das mais diferentes lutas em todo o território mexicano, quer sejam em termos de fortalecimento do CNI e da influência zapatista, quer sejam na promoção de iniciativas de autonomia entre outros povos indígenas não componentes do CNI.
Para além dos ganhos organizacionais, com a candidatura foi possível visibilizar a condição opressiva à qual muitos dos mexicanos estão submetidos. Parece-nos ser um grande tema dessa proposta a dicotomia visibilidade e invisibilidade. Entendendo que “o que não existe é, na verdade, ativamente produzido como não existente, isto é, como uma alternativa não-credível ao que existe” (Santos, 2002 p. 246). Colocar em foco o que se pretende esconder é uma importante operação política. Se os indígenas estão cada vez mais invisíveis em suas dores e mortes, a candidatura seria uma das medidas para visibilizar. Assim como na questão crucial da luta feminista que deverá se beneficiar consideravelmente dos debates e confrontos que surgiram com a incômoda possibilidade de uma candidatura de uma mulher indígena. Ela tem, portanto, um importante caráter de denúncia.
Como é possível perceber, com isso os zapatistas recolocam em destaque nas suas iniciativas uma disputa pela nação mexicana. Desde o começo de sua história pública, a ideia de nação foi mobilizada, porém seu uso, apesar de estratégico, não é costumeiramente rígido. É interessante perceber que, com a candidatura, os zapatistas reatualizam três formas diferentes de utilizar “nação” que já estavam presentes há vinte anos (De Angelis, 1998). Em primeiro lugar, temos a nação como um ideal do qual os indígenas devem fazer parte. Para combater a marginalização dos indígenas, a nação, de que falam conjuntamente com o CNI, é aquela que inclui as diversidades - extrapolando o argumento, atualmente isso significa incluir as pautas feministas. A segunda forma busca concretizar uma “afinidade subversiva”. A candidatura como construção de pontes tem como objetivo promover essas afinidades entre todos aqueles que resistem. Por fim, a percepção de nação é usada para questionar o uso do governo dos símbolos nacionais como meio de legitimação. A disputa serve para deslegitimar o monopólio da elite no uso de símbolos nacionais. Em resumo, os usos da palavra “nação” demonstram uma dupla filiação zapatista: querem ser reconhecidos como parte da nação, mas também como parte dos setores subalternos. Isso significa que, quando se propõem a construir uma nova nação com a candidatura, eles se propõem a mudar, juntamente com todos aqueles que resistem, uma estrutura de caráter excludente e opressor. Não a partir de votos, mas da auto-organização.
Comentários finais
Quando lidamos com oxímoros, há certa dificuldade na compreensão da unidade entre dois elementos contraditórios, e portanto, não é à toa seu recurso analítico, pois o mesmo ocorreu na interpretação dessa proposta por atores políticos mexicanos e internacionais. Os comunicados destrincham algumas acusações que receberam, que, em linhas gerais, podem ser divididas em: “divisionistas”, dos que acreditam que o EZLN deveria ter unificado na candidatura da esquerda institucional, representada por Andre Lopéz Obrador, nas últimas três eleições, não subtraindo votos desse e “traidores”, dos que afirmam ser essa ação uma guinada do EZLN em busca do poder e da participação na política institucional. Quer seja por enfraquecerem uma candidatura considerada mais viável ou por adotarem uma estratégia interpretada como reformista, em ambos os casos, está implícita a ideia de que estão “fazendo o jogo da direita”. Os dois tipos de acusação se completam porque as divisionistas estão em um âmbito de trâmites eleitorais que só adquirem sentido se o EZLN for incoerente com suas palavras e atualmente busque ocupar cargos de poder.
Porém, como o artigo tenta demonstrar, a candidatura possuiu um caráter de aposta - não na vitória eleitoral, mas na propagação das resistências. Em muitos dos comunicados o EZLN repete que a luta não é pelo poder - e acreditamos neles, não somente pelo que dizem, pois afirmar que não é pelo poder não resolve essa ardilosa questão. Para tanto seria necessária uma concepção extremamente voluntarista da ação que acreditasse que isso pode se resolver pela vontade. Assim como a esquerda institucional crê que quando ocuparem cargos da presidência, tudo será diferente porque são dissemelhantes aos que ocupam atualmente os cargos, os zapatistas em alguns momentos têm uma concepção voluntarista que deve ser matizada. Porém acreditamos não ser uma guinada à luta pelo poder baseados nas resistências históricas dos povos indígenas mexicanos e porque essa candidatura se propôs a apresentar um modelo para novas formas de organização estatal. Os indígenas vivenciam cotidianamente organizações autônomas que se levadas a cabo em âmbito nacional colocariam dilemas difíceis de serem solucionados no modelo de democracia representativa atualmente em vigor no México. Parece-nos, portanto, mais provável que o CNI se mantivesse leal a sua vida cotidiana do que ao jogo eleitoral, no qual acabaram de entrar e do qual já se propõem a mudar as regras.
Outra crítica bastante apontada pelos comunicados é uma que se negou a qualquer diálogo com a candidatura, e essa se manifestou em discursos de cunho eminentemente machistas e racistas. O argumento central aqui é que indígenas e mulheres não seriam capazes de governar o país. Quando os delegados do CNI ficaram receosos com a proposta por conta do racismo presente na sociedade mexicana, os zapatistas responderam para além do racismo, há também um desprezo que nega a humanidade aos indígenas (Moisés e Galeano, 2017b). A esse tipo de crítica, o CNI tem respondido com um esforço de diálogo e organização com esses sujeitos marginalizados na sociedade mexicana. Acreditamos que as solidariedades criadas nesse esforço nacional devem se mostrar mais relevantes do que seriam os possíveis frutos de uma vitória eleitoral.
Em suma, a recepção da proposta foi muitas vezes mal-intencionada, pois deturpou a iniciativa colocando interpretações onde não havia sistematização prévia. Chegou-se até mesmo a retomar uma acusação antiga de que os zapatistas seriam produtos criados pelos EUA, na qual o subMarcos seria um agente infiltrado pronto a garantir os interesses desse país no México. Relevando essas acusações, o fato é que ocorreram ataques à proposta de candidatura vindos de todo o espectro político, demonstrando justamente sua potência.
O discurso de justificação da candidatura passou pela ideia de que há uma crise generalizada na sociedade mexicana que afeta mais fortemente os indígenas e as mulheres. Sabendo da ineficiência da candidatura, do racismo, do machismo e da ganância das elites que sempre governaram o México, o CNI decidiu reagir através dessa iniciativa. Ela não teve como objetivo ganhar, mas sim visibilizar as condições de precariedade e dialogar com os semelhantes, conhecer suas realidades e dar a conhecer as realidades dos povos que compõem o CNI. Tudo isso sendo interpretado como uma resistência a esse contexto de exploração. Porém, apesar do diagnóstico positivo que defendemos, uma importante questão só poderá ser respondida com o passar do tempo: quais os efeitos a médio e longo prazo de um esforço desse tamanho na construção cotidiana da autonomia? O certo é que, apesar da não concretização da candidatura20, ela foi uma importante iniciativa de resistência.
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Notas
Autor notes
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