Artigos
Recepção: 06 Julho 2017
Aprovação: 16 Maio 2018
DOI: https://doi.org/10.4013/csu.2018.54.2.11
Financiamento
Fonte: Fundação de Inovação e Amparo à Pesquisa do Espírito Santo
Fonte: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Número do contrato: 688855583/2014
Descrição completa: Agências de Fomento: Fundação de Inovação e Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Processo: n° 688855583/2014.
Resumo: Com base em dados empíricos, este artigo explora as relações entre a representação descritiva e substantiva de mulheres e afrodescendentes em assembleias estaduais de três regiões do Brasil. O modelo proposto, com base na análise de papéis e mecanismos de socialização eleitoral, compara a representação descritiva e substantiva de mulheres (N=15) com uma amostra randomizada de deputados homens (N=65), o que possibilitou mensurar possíveis efeitos causados por fatores como gênero e cor da pele na produção legislativa e na atuação parlamentar das deputadas e deputados amostrados. Os dados para a pesquisa foram coletados a partir do repertório biográfico e da produção legislativa das deputadas e dos deputados, disponibilizado pelas Assembleias Legislativas, de entrevistas semiabertas e de um questionário fechado de 65 itens, que permitiram estabelecer correlações entre as variáveis de interesse e comparar o perfil, a trajetória política e a atividade parlamentar das deputadas com uma amostra correspondente de legisladores homens. Comparados ao grupo de controle, foram encontrados índices significativamente maiores de produção legislativa específica entre representantes descritivos, embora nem todos os integrantes desses grupos atuem como embaixadores ou pautem sua atuação parlamentar preponderantemente em torno das questões pertinentes à democracia de raça e gênero.
Palavras-chave: legislativo, representação descritiva, gênero, raça.
Abstract: Based on empirical data, this article explores the relationships between the descriptive and substantive representation of women and black people in state assemblies in three regions of Brazil. The proposed model, based on the analysis of roles and electoral socialization mechanisms, compares the descriptive and substantive representation of women (N = 15) with a random sample of male deputies (N = 65), which made it possible to measure possible effects caused by factors such as gender and skin color in the legislative production and in the parliamentary performance of the sampled deputies. Data were collected from the biographical repertoire and legislative production of deputies. Personal interviews were carried out and a questionnaire of 65 items was administered. Correlations between the variables of interest and the profiles of the deputies, their political trajectory, and parliamentary activity were established. A sample of men legislators was compared against a sample of female ones. Compared to the male group, significantly higher rates of female deputies’ specific legislative production were found, although not all members of the descriptive groups behave as ambassadors or ground their parliamentary activities mainly on issues pertaining to democracy of race and gender.
Keywords: legislative, descriptive representation, gender, race.
Introdução
O propósito deste artigo é analisar as correlações entre as variáveis gênero/raça e a representação parlamentar no Brasil. A escolha dessas duas categorias de análise se deve ao fato de que, do ponto de vista histórico, mecanismos de discriminação semelhantes - como o não-reconhecimento das diferenças de raça e gênero, que se desdobra em padrões de violência e discriminação recorrentes na sociedade - incidem sobre ambas as categorias, embora com dinamismos e intensidades diferentes (Oliveira, 1999; Bandeira e Batista, 2002). De um lado, as relações de gênero perpassam todas as relações sociais, o que significa dizer que seus efeitos se verificam não apenas entre as mulheres, mas em toda ordem social e política. De outro lado, as hierarquias sociais baseadas na cor da pele criam situações objetivas de desqualificação e sofrimento existencial para os não-brancos que conduzem a práticas preconceituosas e discriminatórias.
A análise dos mecanismos de reprodução das desigualdades de gênero e raça no âmbito da representação política apresenta o claro desafio de compreender as condições reais de existência de mulheres e negros em contextos nos quais prevalecem direitos formalmente iguais. O contraste entre as condições reais de existência e a formalidade das garantias legais é comumente evocado em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) favoráveis às ações afirmativas3. Por exemplo, o ministro Celso Mello, decano do STF, em recente decisão sobre a constitucionalidade da Lei de cotas para negros no serviço público federal (Lei 12.990, de 09 de junho de 2014), justificou seu voto com base nesse contraste:
De nada valerão os direitos e de nenhum significado serão revestidas as liberdades se os fundamentos em que esses direitos e liberdades se apoiam, além de desrespeitados pelo poder público ou eventualmente transgredidos por particulares, também deixarem de contar com o suporte e o apoio de mecanismos institucionais, como os proporcionados pelas políticas de ações afirmativas (Celso de Mello, STF, 2017, ADC 41).
Já a ministra Carmen Lúcia, na mesma Ação Declaratória de Constitucionalidade, (ADC 41) salientou que “muitas vezes, o preconceito é insidioso e existe de forma acobertada ou traduzida em brincadeiras, que nada mais são do que verdadeiras injúrias, que indignam”. Para ela, ações afirmativas como a que consta da Lei 12.990/2014 demonstram que “andamos bem ao tornar visível o que se passa na sociedade”.4
É por isso que formas “insidiosas e acobertadas” de discriminação de gênero e raça exigem mecanismos de análise mais refinadas. No campo político, tal discriminação coincide com diferenças de classe, raça e gênero, conforme assinalado por Philips (1995, p. 32): “se os níveis de participação e envolvimento têm coincidido tanto com diferenças de classe, gênero e raça, isso deve ser tomado como evidência prima facie de desigualdade política”.
No texto a seguir, empregamos os termos gênero e raça como categorias de análise político-social. Gênero é aqui entendido (i) como elemento constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos e (ii) como forma primária de dar significado às relações de poder (Scott, 1995, p. 86). Tal conceito possibilita visibilizar o feminino como elemento constitutivo das práticas que homens e mulheres vivenciam na construção das instituições político-sociais.
Por democracia de gênero nos referimos a um conjunto de ideias gestadas na década de 1990 em países europeus como a Alemanha (Geschlechterdemokratie), nos Estados Unidos (engendered society) e no mundo de língua espanhola (el nuevo pacto entre los géneros), e que propõe uma mudança no contrato social entre os sexos. A democracia de gênero tem como objetivo criar condições para o progresso em direção à igualdade de gênero através da responsabilidade compartilhada entre homens e mulheres em espaços públicos e privados.
Igualdade ou equidade de gênero, por sua vez, refere-se à distribuição justa dos direitos, oportunidades, recursos, responsabilidades e tarefas entre os gêneros, respeitando as diferenças entre mulheres e homens. Democracia de gênero, portanto, envolve a democratização das relações interpessoais sem a qual é impossível aprofundar a democratização das sociedades - seja no espaço público ou no privado - e os processos de institucionalização democrática. A vantagem semântica da utilização do termo democracia de gênero é que ele aponta para o amplo consenso social existente em torno da noção de “democracia”. Porém, em termos de conteúdo e objetivos, democracia de gênero é sinônimo de igualdade de gênero (Gomáriz e Meentzen, 2003).
O termo raça, por sua vez, deve ser entendido no contexto da “política de identidade” (Plutzer e Zipp, 1996), que se refere às alianças políticas formadas com base em alguma semelhança demográfica. Aplicada à demografia racial, a política de identidade utiliza a noção de uma origem racial comum para alavancar políticas públicas, incluindo a eleição de candidatos com identificações raciais politizadas. Procura-se, assim, entender as relações entre a sub-representação não-branca e as variáveis contextuais como cor da pele, educação e crenças sobre a estratificação racial.5
Recorte teórico
Instituições políticas democráticas são muitas vezes avaliadas pelo gênero, etnia e raça dos representantes eleitos (Guinier, 1994; Paolino, 1995). Implícita nestas avaliações é a suposição de que as instituições políticas democráticas que não possuem quaisquer representantes de grupos historicamente desfavorecidos são injustas. E o debate normativo sobre a representação política muitas vezes presume, implícita ou explicitamente, que uma representação substantiva adequada exigiria uma representação descritiva mais proporcional (Phillips, 1995; Mansbridge, 1999).
Teóricos políticos contemporâneos têm apoiado tais pressupostos oferecendo diversas explicações para a representação política de grupos historicamente desfavorecidos (Pitkin, 1967; Mansbridge, 1999; Phillips, 1995; Sapiro, 1981; Thomas, 1991). Atualmente, a “representação descritiva” se tornou sinônimo de “representação de grupo”, “política de presença” ou ainda “auto representação”, termos que aqui são usados indistintamente.
No entanto, a correlação entre representação descritiva e substantiva não é necessária, precisando ser testada empiricamente. Rehfeld (2009) argumenta que qualquer representante - sejam quais forem suas características descritivas, como sexo, raça ou etnia - exerce de várias maneiras suas funções no Parlamento, dependendo das seguintes variáveis: (i) a que tipo de eleitores eles se dirigem; (ii) de quem dependem financeiramente; (iii) qual agenda recebe melhor avaliação política; (iv) qual o escopo da atuação política (nacional ou local); (v) qual o grau de dependência e sensibilidade em relação à base eleitoral.
Pitkin (1967) assinala que a ideia de “representação descritiva” concebe o parlamento como uma espécie de “mapa”, que representaria uma imagem perfeita da sociedade, embora em tamanho reduzido. Segundo a autora, tal representatividade “mimética” acabaria promovendo a responsividade em detrimento da accountability, que seria substituída pela similitude. Assim, as decisões políticas corresponderiam à vontade dos eleitores simplesmente porque seriam tomadas por pessoas similares a eles. Com isso, ainda segundo a autora, o que os representantes fazem perde importância em relação a quem eles são. Nessa lógica, um aspecto valioso da representação política, a accountability dos representantes para com seus eleitores, passaria à segunda plana.
Já Phillips (1995) prefere definir a política de presença como a adoção de cotas de representação para integrantes de determinados grupos sociais, o que não excluiria a necessidade de qualquer representante passar pelo processo eleitoral e assim prestar contas aos seus eleitores. Portanto, a similitude seria um complemento à accountability: os representantes continuariam dependentes do voto popular, mas os interesses de determinados grupos sociais seriam levados em conta graças à presença de um contingente de integrantes nos espaços decisórios. Isso porque a sanção de que os eleitores dispõem - o poder de retirar ou manter os representantes em seus cargos a cada eleição - parece insuficiente para garantir a responsividade dos parlamentares. Do ponto de vista histórico, a mera accountability vertical se mostrou incapaz de proteger as minorias em todos os parlamentos de democracias avançadas.
Young (2000), por sua vez, observa que, quando a vida política é pensada exclusivamente em termos de “promoção de interesses”, fórmulas eleitorais que visam assegurar a presença de determinados grupos nas esferas de poder perdem força. A autora argumenta que, se, por um lado, cada um é o melhor juiz de seus próprios interesses, então os grupos hoje marginalizados não precisariam nada além da mera igualdade política formal para eleger seus representantes, sem necessidade de medidas especiais. Por outro lado, se os indivíduos estão submersos na “falsa consciência” e encontram obstáculos para a identificação de seus interesses verdadeiros, tais fenômenos de alienação continuariam presentes, independentemente do acesso de tais ou quais pessoas ao poder.
Para contornar tal objeção, Young (2000) propõe uma perspectiva social em vez de uma abordagem baseada apenas na promoção de interesses individuais ou coletivos: a representação política de grupos marginalizados é necessária não só porque seus integrantes compartilham dos mesmos interesses, mas porque compartilha de uma mesma “perspectiva social”, ou seja, um modo de se ver o mundo determinado por certos padrões socialmente estruturados de experiências de vida. Trata-se, portanto, de um “ponto de partida”, não de chegada. A ideia de “perspectiva” permite captar a sensibilidade da experiência formada pela posição do grupo, sem postular um conteúdo unificado. As mulheres, por exemplo, podem conceber de diferentes maneiras seus interesses - e esses interesses podem muito bem ser defendidos por homens. Mas elas trazem para a arena pública determinadas vivências comuns, vinculadas à posição subordinada que hoje ocupam em diferentes espaços sociais, que dão forma a uma perspectiva que nenhum homem, por mais sensível que seja aos problemas femininos, é capaz de incorporar. Em outras palavras, o acesso das mulheres, ou das demais minorias, às instâncias de representação política e de deliberação pública seria necessário não só pelo compartilhamento de ideias e interesses, mas por uma dimensão social vinculada a padrões de experiências compartilhadas.
Podemos resumir o acima exposto dizendo que uma representação política de grupos considerados prejudicados envolve pelo menos três dimensões: (i) interesses, ou seja, aquilo necessário para que agentes individuais ou coletivos alcancem seus fins; (ii) opiniões ou valores e princípios que fundam as decisões políticas; (iii) perspectiva social entendida como padrões de experiências de vida socialmente estruturados. Este artigo explorar tais dimensões ao analisar os resultados da pesquisa de campo realizada em três Assembleias Legislativas do país.
Presença feminina e de não-brancos na política
Segundo dados do Inter Parliamentary Union (IPU),6 na maior parte do mundo as mulheres já não estão confinadas à esfera da vida privada e/ou familiar, estando presentes de forma bastante expressiva no mercado de trabalho, no ativismo político e são a maioria nas universidades. Porém, quando se trata de participação na arena político-institucional, as mulheres permanecem subrepresentadas em escala global. No Brasil, dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE, 2014) mostram que as mulheres perfazem 51,7% do eleitorado. Porém, sua participação na política está muito aquém desse percentual e a paridade longe de ser alcançada. Hoje a representação feminina, em média, mal alcança dois dígitos. Nas eleições de 2014, apenas 13% dos representantes estaduais/distritais eram mulheres (de um total de 1.049 cadeiras). Na Câmara dos Deputados esse índice ficou em 9,9% (de um total de 513 cadeiras). No Senado Federal a bancada feminina eleita alcançou 13,6% (de um total de 81 cadeiras).
Embora a presença de mulheres no Legislativo tenha iniciado uma trajetória ascendente, a previsão é ainda modesta para os próximos 10 anos. Segundo estimativa do Senado Federal, as mulheres serão pelo menos 10% do Legislativo em 2019, 12% em 2023 e 16% em 2027.7 A previsão é válida para os cargos de deputada federal, deputada estadual e vereadora. Paradoxalmente, tal estabilidade se encontra em um patamar que mantém uma grande desigualdade em termos de gênero, uma vez que a bancada feminina na Câmara Federal tem se mantido em torno de 8% desde há mais de uma década. Esse dado se torna ainda mais curioso, se considerarmos que a legislação eleitoral brasileira prevê cotas partidárias para as mulheres desde 1997, quando houve uma ampliação considerável das candidaturas femininas, mas que não se traduziu em um incremento real do número de eleitas.
Apesar da determinação legal (Lei 9504/1997, §3o, Art. 10), as cotas eleitorais têm funcionado apenas como um indicativo, ao estabelecer um percentual mínimo de 30% de candidaturas de mulheres, sem prever qualquer sanção ao descumprimento da norma. O percentual não vem sendo cumprido pela maioria dos partidos, que alegam não conseguir candidatas, devido ao baixo interesse do público feminino pela disputa política. Desse modo, no Brasil, ao contrário de outros países, as cotas eleitorais não têm apresentado resultados efetivos para reverter a sub-representação das mulheres no Legislativo (Araújo, 2001; Araújo, 2005; Alves e Araújo, 2009, Sacchet, 2012).
Com relação aos não-brancos, há um projeto de lei em curso na Câmara dos Deputados (PEC 116/2011), de autoria do Dep. Luiz Alberto (PT/BA), que estabelece cotas progressivas de cadeiras para negros (pretos e pardos) na Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas, e na Câmara dos Deputados por cinco legislaturas - prorrogáveis, no máximo, por igual período, totalizando 40 anos. Atualmente, para 50,7% da população negra do país, correspondem apenas 3,5% de parlamentares negros e 0,6% de deputadas negras.
Segundo a proposta, o percentual de vagas nas casas legislativas reservado para parlamentares oriundos da população negra corresponderia a dois terços do percentual de pessoas que se tenham declarado pretas ou pardas no último censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística na circunscrição do pleito, desde que o número de lugares reservados não seja inferior a um quinto ou superior à metade do total de vagas.
O autor da emenda argumenta que a proposta “combina radicalidade com contenção” e esclarece que “a radicalidade se encontra no fato de que se quer produzir uma mudança qualitativa imediata nas casas legislativas. Não se trata de criar mecanismos para que, aos poucos, a população negra se inclua nos órgãos decisórios do Estado brasileiro, mas de reconhecer que ela está pronta para fazê-lo e que a democratização do país exige que ela o faça imediatamente. A contenção reside no fato de que não se mudam de forma profunda e permanente as regras de composição das casas legislativas. A inovação sugerida na PEC se adaptará, durante um período predeterminado, a praticamente qualquer sistema eleitoral implantado ou por implantar no país” (CCJC, 2013).
Questões, desenho de pesquisa e coleta de dados
O sistema eleitoral brasileiro fornece incentivos máximos para o cultivo do “voto pessoal” (Carey e Shugart, 1995). Por um lado, uma série de características institucionais de nosso sistema (e.g., a baixa fidelidade partidária) fomenta estratégias de representação que enfatizam fatores pessoais, como capacidade de liderança, competência administrativa e visibilidade midiática entre outros. Por outro lado, quaisquer que sejam suas características individuais - independentemente do gênero e de origens étnicas ou raciais -, os parlamentares são, antes de tudo, candidatos de um partido ou de uma coligação de partidos, cuja prioridade é obter uma pluralidade de votos em suas bases eleitorais para serem reeleitos. Com base em tais pressupostos, formulamos as perguntas que constam no Quadro 1.

Três Assembleias Legislativas foram selecionadas, uma no Nordeste (ALBA), uma no Sudeste (ALES) e uma no Sul (ALEP) como pesquisa-piloto que pretende se estender por outros estados da Federação e alcançar a Câmara dos Deputados. O objetivo é comparar a atuação parlamentar e o perfil das deputadas e dos representantes autodeclarados negros com uma amostra randomizada de deputados brancos nos dois níveis de representação (estadual e federal).
Como instrumento inicial da pesquisa, foi elaborado, e previamente testado, um questionário padronizado, intitulado A representação descritiva e substantiva de mulheres e negros na Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas8, contendo 65 questões fechadas. O questionário foi preenchido pelas deputadas e pelos deputados durante entrevistas pessoais. Como há uma grande desproporção entre deputadas (N= 15) e deputados (N=132), optou-se por trabalhar com uma amostra certa para as mulheres e uma amostra aleatória para os homens das três Casas Legislativas (n=65), conforme a Tabela 1.9

O questionário foi dividido em três baterias de perguntas. A primeira teve por finalidade coletar dados sobre o perfil dos respondentes: sexo, cor, idade, religião, profissão, grau de escolaridade, filiação partidária, nível de representação, mandatos exercidos anteriormente e participação em Comissões Legislativas. Por último, solicitou-se ao respondente indicar sua posição ideológica em uma escala de sete categorias, da “extrema esquerda” (1) à “extrema direita” (7).
A segunda bateria de questões ofereceu aos participantes quatro categorias de respostas (“muito importante”, “importante”, “pouco importante” e “sem importância”) e teve como objetivo medir o grau de importância que os parlamentares atribuem à (i) democracia de gênero e raça; (ii) cor da pele e gênero nas campanhas políticas; (iii) aos eleitores mulheres e negros para as carreiras políticas; (iv) aos critérios de contratação de assessores (filiação partidária, identidade de gênero, identidade de raça e competência técnica); (v) aos meios institucionais utilizados para promoção da democracia de gênero e raça (discurso em plenário, elaboração de projetos de lei, proposta de emenda à Constituição, moção de aplauso, audiência pública e comissões de inquérito); e, finalmente, (vi) o grau de satisfação de cada respondente com o próprio partido, no que se refere à promoção da igualdade de gênero e raça, questão medida por uma escala de cinco valores variando de “muito satisfeito” a “muito insatisfeito”.
Na terceira bateria de questões, quatro categorias de respostas (“concordo totalmente; concordo mais do que discordo; discordo mais do que concordo; discordo totalmente”) foram oferecidas como respostas a um conjunto de assertivas: (i) cinco assertivas relacionadas à representação de mulheres e negros na política; (ii) cinco referentes ao aperfeiçoamento da democracia de gênero e raça; (iv) quatro ligadas à representação de negros na política. Duas questões sobre a utilização de estratégias de campanha especificamente orientadas para atrair os votos de mulheres e negros também foram incluídas. A essas últimas, os respondentes foram convidados a responder “sim” ou “não”.
Perfil dos respondentes
Alguns parâmetros de interesse da amostra (N=80) servem para melhor contextualizar a presente análise. O primeiro deles refere-se à proporção entre as variáveis sexo e raça (autodeclarada) entre os respondentes (Gráfico 1).

A proporção insignificante de negros(as) na política não é novidade. O que chama a atenção é o fato de que, mesmo em distritos eleitorais onde a maior parte da população é formada por negros e mulheres, o representante eleito é majoritariamente branco e do sexo masculino. Na amostra, 38,5% dos respondentes são parlamentares da Bahia, estado da federação com maior proporção de afrodescendentes. Apenas três deputados se autodeclararam “preto”. A maioria marcou a opção “pardo”, mesmo entre aqueles eleitos por municípios com 98% de população negra (IBGE, 2014).
Outro parâmetro de interesse é o modo de inserção na carreira política que aqui se procura identificar através da análise do perfil de cada respondente no que se refere a cargos eletivos e não eletivos ocupados antes do atual mandato, à filiação a movimentos sociais de base, ao papel que a exposição mediática favorável exerceu durante a disputa eleitoral, ao parentesco com políticos consolidados e ao poder econômico. Tal classificação levou em consideração o tipo de “capital” indicado pelos respondentes como fator preponderante para seu ingresso no campo político. A tipologia adotada se insere numa malha social formada por recursos, saberes e legitimidades na qual transitam os agentes políticos. Por “capital político”, entendemos aquele tipo de capital simbólico que confere reconhecimento e legitimidade ao indivíduo para agir na política, compreendendo desde treinamento cognitivo para ação política até as redes de relações sociais e o poder econômico. Como toda forma de capital, o capital político é distribuído de modo assimétrico na sociedade (Bourdieu, 1989).
O Gráfico 2 indica que a ocupação de cargo público eletivo, tanto no Executivo quanto no Legislativo, bem como o parentesco com políticos, foram as principais fontes de capital político das deputadas (40% e 27%), contra 20% e 12% dos deputados. Esses dados corroboram a literatura no que diz respeito à importância do parentesco e do exercício anterior de cargos públicos como fatores determinantes para a (re)eleição de candidatas no Brasil (Sacchet, 2009; Miguel et al., 2015). Com relação a cargos públicos não eletivos, a literatura aponta que o “saber técnico especializado”, aquele tipo de capital que Costa (2001, p. 236) designa como “profissionalização e politização de competências”, confere notoriedade e popularidade aos candidatos, possibilitando que sejam eleitos para cargos eletivos. O know-how especializado costuma abrir as portas para a participação direta nos altos escalões da burocracia estatal, em qualquer de suas esferas.

É preciso salientar, entretanto, que parcela significativa das deputadas que conquistaram espaço no serviço público concentrou-se nas secretarias e fundações de governos municipais ou estaduais especializadas em áreas socialmente construídas como “femininas”, relacionadas sobretudo à educação, assistência social, crianças e adolescentes. Foi o caso, por exemplo, de uma deputada do Partido Trabalhista Cristão (PTC), eleita pela primeira vez para a Assembleia Legislativa do Espírito Santo “graças ao desempenho técnico como Secretária Municipal do Desenvolvimento Social do Município de Linhares, de 2005 a 2008” (entrevista, ALES, 09/05/2015). Em todo caso, deve-se observar, a partir dos dados abaixo, que mesmo a presença feminina em cargos públicos não-eletivos representa menos da metade que a dos homens, indicando a presença de barreiras até mesmo na distinção do capital.
A participação em movimentos sociais também se revelou uma fonte importante de capital político para as mulheres que ingressaram nas Assembleias Legislativas, embora nenhuma delas tenha indicado filiação a movimentos de base feministas. Pelo contrário, durante as entrevistas, notou-se um certo desconforto entre as deputadas em relação à agenda feminista mais radical, sobretudo no que diz respeito a temas polêmicos, como aborto e homossexualidade. Uma deputada do Partido Popular Socialista (PPS) do Paraná deixou claro tal posicionamento: “Eu me sinto feminina, não feminista!” (entrevista, ALEP, 12/05/2015). Em sentido oposto, os movimentos de base católicos foram responsáveis por 13% da inserção política das respondentes, enquanto os deputados se destacaram pela participação em sindicatos de trabalhadores (17%) e, em menor medida, em movimentos de base evangélicos (5%).
Os dados acima se conciliam com as respostas à questão relativa à trajetória política dos respondentes: a maioria deles iniciou a carreira política no Legislativo (46,7% mulheres e 40% homens) e no Executivo (13,3% mulheres e 23,1% homens) municipais, seguindo a tendência já estudada na literatura especializada.10 Tais dados confirmam ainda a relevância da competição local enquanto indutora de políticas públicas em outros níveis de representação, a despeito das profundas clivagens existentes entre os estados e municípios brasileiros, e de processos de socialização política significativos. Importante assinalar que, dada a baixa produção legislativa dos vereadores(as) nos municípios de médio e pequeno porte, o atendimento das demandas individuais dos eleitores, através de mecanismos formais e informais, desempenha um papel central no processo de socialização política dos futuros aspirantes ao Legislativo estadual (ver Rocha e Kerbauy, 2014, p. 23-29).
Outra variável fundamental para análise da representação de gênero e raça nas Assembleias Legislativas refere-se à filiação partidária, uma vez que o controle do processo decisório, a organização dos trabalhos legislativos e a ocupação de cargos e comissões no Parlamento dependem do tamanho da bancada de cada partido. Em nossa amostra, 21 partidos estão representados. As mulheres foram eleitas por nove agremiações, e os homens, por vinte delas, o que confirma a tendência de que as mulheres se elegem em um número mais concentrado de partidos se comparadas aos homens (ver Araújo, 2001, p. 167). A preferência da representação feminina pelos partidos de esquerda é marcante. Dos três maiores partidos nas Assembleias Legislativas analisadas, 26,7% das deputadas pertencem ao PT (maior bancada na Bahia) 13,3% ao PMDB (maior bancada no Espírito Santo e segunda no Paraná), e 13% ao PSD, contra 7,7% de deputados do PT, 15,4% do PMDB e 10,8% do PSDB.
Por um lado, a maioria das mulheres foi eleita por partidos de alta representação (PT e PMDB), seguindo a lógica do quociente eleitoral: partidos grandes podem apresentar maior quantidade de candidatos. Por outro lado, partidos de esquerda tendem a ser mais abertos a setores sociais historicamente discriminados, como é o caso das mulheres e negros. A Assembleia da Bahia é exemplar nesse sentido: dos doze representantes eleitos pelo Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições de 2014, quatro são mulheres. Acrescente-se a isso a inegável influência do capital político emanado do parentesco com políticos, que, no caso das deputadas, chega a 27%.
Com relação ao posicionamento no espectro ideológico (autodeclarado), os valores prevalentes indicam centro-esquerda para a representação feminina e centro-direita para a masculina (Gráfico 5). Tal resultado vai ao encontro ao acervo de pesquisas internacionais que aponta diferenças qualitativas na orientação sócio-político de homens e mulheres. Pesquisas longitudinais conduzidas nos Estados Unidos e Europa, por exemplo, indicam uma clara tendência dos homens a se identificarem e apoiarem políticas e ideologias que promovem “hierarquias sociais de grupos” (group-based hierarchy), o que inclui, entre outros, apoio ao militarismo, nacionalismo, xenofobia, homofobia, coerção, patriotismo, conservadorismo e racismo. Já as mulheres se mostram mais propensas a favorecer políticas públicas que visam transformar as relações hierárquicas e desiguais da sociedade, compreendendo ação afirmativa de raça e gênero, extensão da assistência social e direitos humanos, educação para tolerância, multiculturalismo e respeito às orientações sexuais dos indivíduos (Ekehammar, 1985; Choudhury e Pratto, 1995; Pratto et al., 1997).



Dado que a polarização ideológica esquerda e direita11 é relevante para a estruturação e o posicionamento dos partidos políticos no Brasil, uma variável dummy foi elaborada para medir a consistência ideológica-programática dos deputados e deputadas representados em relação à filiação partidária.12 O Gráfico 6 indica uma relativa consistência ideológico-programática das escolhas partidárias dos respondentes. Os valores agregados dos partidos tradicionalmente de esquerda (PT, PDT e PC do B) correspondem a 49% do espectro ideológico de esquerda, enquanto os partidos de direita (PMDB, PSDB e DEM) perfazem 39% do espectro ideológico de direita.13

Esses resultados seguem na mesma direção dos achados de Novaes (1994), e Limongi, (1994, 1999), Almeida e Moya (1997) e Nicolau (2000), entre outros. Segundos tais autores, os alinhamentos majoritários e a disciplina partidária correspondem aos cortes clássicos entre esquerda e direita. Tais alinhamentos repetem o desenho ideológico das coligações eleitorais, ainda que não signifiquem organicidade ou fidelidade partidária e prática legislativa colegiada. Segundo Novaes (1994, p. 114), “as estruturas partidárias são frágeis, mas as afinidades ideológicas conformam campos estáveis”.
Variáveis de interesse
Campo historicamente dominado pelos homens, a política está estruturada de forma a possibilitar a reprodução e institucionalização das hierarquias de gênero e raça. O próprio ethos político privilegia valores e crenças associados à masculinidade, prejudicando consideravelmente a aspiração política das mulheres, ainda nas etapas iniciais do processo eleitoral. A dupla jornada de trabalho e as dificuldades de conciliar a vida privada com as exigências da competição política - que, em geral, demandam longas e imprevisíveis horas de trabalho - fazem com que o ingresso na carreira política seja uma oportunidade para algumas poucas mulheres. Isso é agravado pelo fato de que o sistema eleitoral brasileiro, baseado em listas abertas, está focado nos/as candidatos/as, tornando a campanha mais cara para estes/as e tem, portanto, efeitos negativos para as mulheres, que, em geral, conseguem menos recursos e dispõem de menos tempo do que os homens. Sendo assim, movimentos feministas frequentemente clamam pela modificação do sistema eleitoral em favor das candidaturas femininas no sentido, por exemplo, da instituição do financiamento público exclusivo de campanha e da lista fechada, com alternância de sexo.
Do ponto de vista teórico, a desigualdade de gênero e raça em termos de ambição política, que se manifesta na disparidade do número de candidaturas de mulheres e homens, viola o princípio da representatividade democrática, dado que mulheres e negros constituem a maioria do “demos” em nosso país (52%, IBGE).14 Só marginalmente tais grupos populacionais podem participar ou intervir nos processos políticos que definem seus direitos e defendem seus interesses.15 Tal déficit de representatividade se reproduz nas Assembleias aqui amostradas. Na Bahia, as deputadas ocupam 11% do total de cadeiras e os pretos apenas 7,6%. No Espírito Santo, a bancada das mulheres representa 13% das cadeiras, e no Paraná 7,5%. Em ambos os casos, não há representação de pretos. Na amostra, as deputadas perfazem 18,8% contra 81,3% de deputados.
Os obstáculos encontrados pelas mulheres-candidatas no processo de socialização pré-eleitoral foram verificados, nesta pesquisa, mesmo nas legendas programaticamente “comprometidas” com a causa feminista. A maioria das lideranças partidárias discrimina as mulheres de várias formas. Em primeiro lugar, tendem a investir nos candidatos(as) que, em sua percepção, têm mais chances de se eleger, isto é, os candidatos(as) à reeleição. Ora, como a taxa de reeleição das mulheres chega a ser 10 pontos percentuais menor do a dos homens (cf. Alves e Araújo, 2009, p. 21), elas recebem apenas uma fração do fundo partidário para campanha eleitoral. Em segundo lugar, os líderes partidários costumam incluir mulheres sem nenhum capital político como candidatas apenas para cumprir a formalidade legal.
Mesmo entre os partidos de esquerda, como o Partido dos Trabalhadores, Partido Democrático Trabalhista e Partido Socialismo e Liberdade, nos quais foram adotadas cotas para mulheres na direção partidária, as mulheres enfrentam dificuldades para captar recurso e conseguir apoio financeiro às suas campanhas. É o caso do Partido dos Trabalhadores, agremiação que mais elege mulheres: as candidatas a deputada federal (20,9% do total de candidaturas) receberam tão somente 7,6% dos recursos do diretório nacional para as eleições de 2014. Nos estados, o partido costuma destinar às candidatas a cota mínima do fundo partidário (5%) instituído por lei (12.034/2009) (TSE, 2014). A existência de tal disparidade sugere que as mulheres são discriminadas tanto nos partidos quanto no Parlamento. Em consequência, a composição excludente e elitista das Assembleias Legislativas, que se inicia fora delas, reproduzida em todo processo eleitoral pelos atores que dele participam.
O testemunho de uma deputada do Partido dos Trabalhadores (PT), embora já em seu terceiro mandato na Assembleia Legislativa da Bahia, manifesta bem as dificuldades que invariavelmente experimenta à época de eleições:16
Nas eleições de 2014, o PT baiano conseguiu preencher 20% da cota de candidaturas femininas, mas destinou apenas 5% do fundo partidário para elas. Isso indica que até o PT, historicamente comprometido com a luta pela igualdade de gênero, não acredita na competitividade política das mulheres. Nós temos de lutar em todas as arenas para alcançar nosso espaço nas esferas de poder, até mesmo dentro de nossos partidos, pois as lideranças masculinas ainda não se deram conta de que, sem mulheres na política, não há democracia! (entrevista, ALBA, 17/04/2015).
Já uma deputada do Partido Social Democrático (PSD), representante do sudoeste baiano na Assembleia em Salvador, destaca:
Há vários fatores que concorrem para desestimular as candidaturas femininas. O primeiro, e mais importante, é o econômico, pois a mulher é avessa a riscos. Ela pensa duas vezes antes de se lançar em uma aventura política, sobretudo quando isso envolve o patrimônio familiar. O segundo é uma questão, eu diria, cultural: mulher não costuma votar em mulher. Nas últimas eleições (2014) as mulheres perderam 27 cadeiras nas Assembleias estaduais do país. Na Bahia, passamos de 10 para 7 representantes (entrevista, ALBA, 14/04/2015).
Outra é a percepção de um deputado do Partido Republicano Brasileiro (PRB), da Assembleia do Paraná, com relação ao voto do eleitorado feminino:
Mulher não vota em mulher? Por que não o faria? Creio que existe um tabu nesse sentido. O homem, quando solteiro, tem um jeito peculiar de administrar o seu patrimônio. Mas quando se casa, ele consegue fazer muito mais, com os mesmos recursos, porque a mulher consegue dar um tom de boa administração e cuidado, de controle e de organização ao lar. Todas mulheres sabem disso. Mulher vota em mulher, sim! Mas faltam incentivos institucionais para o sucesso das candidaturas femininas (entrevista, ALEP, 19/05/2015).
De fato, pesquisa feita pelo Senado Federal (2014), revelou que que 87% das mulheres entrevistadas nunca havia pensado seriamente em candidatar-se a um cargo político. A pesquisa revelou ainda que, na visão das entrevistadas, o motivo mais frequente (apontado por 41% delas) para que as mulheres deixem de se candidatar é a “falta de apoio dos partidos”, seguido da “falta de interesse por política” (23%). A aparente falta de interesse das mulheres pela política encontra raízes em fatores culturais, como a diferenciação de papéis de homens e mulheres na sociedade. Por ocupar o espaço público, a política (ϖόλις) sempre foi considerada um domínio masculino, enquanto que às mulheres foi reservado o espaço doméstico (οίκος). Tal percepção, fortemente enraizada na cultura popular (“lugar de mulher é na cozinha”), não poderia deixar de se refletir nas respostas à questão “várias formas de preconceito operam para excluir as mulheres das elites políticas”, com a qual 45% dos respondentes concordaram.
Indagada por quê apenas 4 mulheres ocupam cadeiras na Assembleia do Paraná, de um total de 63, uma deputada do Partido Popular Socialista (PPS) responde:
Eu realmente não tenho uma explicação para isso. Creio que é mais uma questão cultural do que política. A mulher pensa e age de modo diferenciado. É importante ter uma presença feminina na política para equilibrar o pensamento machista e o comportamento patriarcal dominantes nas esferas de poder. Por exemplo, desde que eu assumi o mandato, eu tento participar da Comissão de Agricultura da Assembleia, porque sou agropecuarista por profissão. A região de Guarapuava, no sudoeste do estado, é uma das mais desenvolvidas do Brasil. Ocorre que a Comissão é dominada por líderes que ainda desconfiam da capacidade de atuação de mulheres em áreas pretensamente reservadas aos homens, como agricultura e economia. Eles impedem minha participação na Comissão e ainda me oferecem em compensação aquilo que seria, a meu ver, o equivalente à `cozinha´ do parlamento: o assistencialismo social e filantrópico! Eu me recuso a entrar nesse jogo (entrevista, ALEP, 12/05/2015).
Para tentar corrigir o déficit de representação feminina na política, foram criadas as cotas de sexo, as quais partem do pressuposto de que mulheres, como grupo historicamente alijado das esferas de poder, têm direito imediato à reparação na forma de uma ação afirmativa. A Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, substituída pela Lei 12.034, de 29 de setembro de 2009, obriga os partidos a preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo nos âmbitos municipal, estadual e federal. Associado a esse esforço, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a promover propaganda institucional, em rádio e televisão, destinada a incentivar a igualdade de gênero e a participação feminina na política. O lançamento da campanha, “Mulher na Política”, em março de 2014, pelo TSE, parece ter tido algum resultado, tanto com relação ao aumento no número de candidatas nas eleições de 2014 (46,5%)17, quanto no indeferimento de partidos e coligações por falta de cumprimento de cota.
Apesar de todo esse esforço, o balanço geral para as eleições de 2014 foi frustrante para representação feminina. Na Câmara dos Deputados, houve aumento de 1% na representação de mulheres (de 8,8% em 2010 para 9,9% em 2014). Nas Assembleias estaduais e distrital houve um decréscimo de 14,89% em relação a 2014 (TSE, 2014). Razões apresentadas para tal resultado, variam desde “falta de interesse das mulheres pela política” até o próprio sistema eleitoral, que favoreceria o “poder patriarcal existente na sociedade”.
Por um lado, é mais fácil incluir mulheres como candidatas apenas para cumprir a lei de cotas, do que promover, de fato, a sua candidatura. Entretanto, um dos fatores que mais contribui para a ineficácia das cotas eleitorais em diminuir o déficit de representação das mulheres é o fato de que a esmagadora maioria das candidaturas femininas é meramente “proforma”, isto é, apenas para atender os requisitos legais. Os partidos, simplesmente, não investem, não incentivam nem levam a sério as candidaturas de mulheres. Muitos nem sequer chegam aos 30% previstos em lei, razão pela qual não foi difícil chegar ao percentual de 73,75% de concordância entre os entrevistados com a afirmação de que “as cotas eleitorais são meras candidaturas laranjas” para fins burocrático-eleitorais.
É o que, em outras palavras, afirma um deputado do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) na Assembleia Legislativa do Paraná:
Há uma total ausência de ações concretas, por parte dos partidos, para incentivar a disputa eleitoral de mulheres nas eleições estaduais. As agremiações se limitam, quando muito, a alcançar a cota mínima de mulheres (30%), as quais apenas emprestam seus nomes aos partidos, mas na realidade não disputam as eleições para valer. Soma-se a isso a falta de incentivo do poder público e o fato de que os eleitores têm dificuldade em distinguir e direcionar seus votos àquelas mulheres que realmente têm chances de sucesso eleitoral (entrevista, ALEP, 13/05/2015).
Entretanto, seria precipitado concluir que a política de cotas eleitorais é ineficiente em si mesma. Sacchet (2008) mostra a necessidade de se avaliar os resultados de tal política de acordo com cada contexto e momento específico. Se a institucionalização das cotas serviu para incrementar a representação das mulheres em alguns países, noutros ela enfrenta barreiras político-estruturais que condicionam negativamente seus resultados. Portanto, ainda que generalizações possam ser feitas sobre as cotas como projeto político, não podemos fazer o mesmo sobre os seus resultados.
Outra variável de interesse diz respeito à percepção dos respondentes quanto a questões em torno do gênero e da raça e seu possível impacto em diferentes aspectos de suas carreiras políticas. Cinco questões foram apresentadas e uma escala de quatro valores foi oferecida como resposta. Paradoxalmente, as categorias “gênero” e “cor da pele”, quando questionadas “em tese”, foram avaliadas como “sem importância, mesmo entre mulheres e negros (56% e 76%, respectivamente). Talvez a polissemia do termo “gênero” - uma expressão que se tornou altamente politizada e debatida ultimamente -, tenha suscitado interpretações contraditórias sobre seu significado e importância. De qualquer modo, para a minoria de parlamentares comprometidos com movimentos de base feminista e negro, a adesão às categorias “gênero” e “cor da pele”, como politicamente relevantes, foi quase unânime.
É o caso, por exemplo, de uma deputada do Partido Socialista Brasileiro (PSB), na Assembleia Legislativa do Amapá:
Sou ativista negra desde meus 16 anos. Defendo a causa da mulher negra em meu estado graças ao apoio que encontrei no Partido Socialista Brasileiro, que me deu a oportunidade de ser Secretária do Meio-Ambiente da Prefeitura de Macapá. Fui a primeira mulher a ocupar a Superintendência do INCRA no estado e a primeira a assumir a Secretaria Estadual da Indústria, Comércio e Mineração. Essa experiência no Executivo foi determinante para consolidação junto aos movimentos de base negro e feminista e minha eleição como deputada estadual. Ainda assim, eu sinto, no dia a dia da vida parlamentar, aquilo que chamaria de ‘cascata de desprezo’ pelo fato de ser mulher e negra!18
Já as questões referentes à importância - para atuação parlamentar e campanha política - do “eleitorado negro e feminino” (93%), da “democracia de raça” (77%) e da “democracia de gênero” (79%), receberam altos escores positivos, o que parece indicar uma percepção diferenciada dessas categorias: quando associadas a “eleitores” ou à “democracia”, tanto o “gênero” quanto a “raça” parecem ser ressignificadas e remeter para ideias pragmáticas de “obtenção de votos” ou de “igualdade para todos”. Pode indicar também uma tendência a uma estratégia “inclusiva”, que, por razões pragmáticas, procura de-enfatizar essas clivagens sociais (McCormick e Jones, 1993).
Produção legislativa e atuação parlamentar
A terminologia aqui adotada para classificar diferentes tipos de atuação parlamentar, especificamente focados nas questões de gênero e raça, se baseia na tipologia de estratégias eleitorais usadas por Rehfeld (2009), Mansbridge (1999) e Collet (2008). Em um extremo do espectro tipológico aqui apresentado, encontra-se a atuação parlamentar “comprometida”, que é avaliada por elevado índice de produção legislativa específica, pela utilização de estratégias eleitorais baseadas na identidade de gênero e raça, e por opiniões claramente favoráveis à promoção da democracia de gênero e raça. No extremo oposto do espectro, a atuação parlamentar “descomprometida” caracteriza-se por índice nulo de produção legislativa específica, pela não utilização de estratégias eleitorais baseadas na identidade de gênero e raça, e por opiniões claramente desfavoráveis à promoção da democracia de gênero e raça. No centro do espectro, encontra-se a atuação parlamentar “inclusiva”, que apresenta baixo índice de produção legislativa específica, não utiliza estratégias eleitorais baseadas em gênero e raça, muito embora valorize o voto de mulheres e negros; apoia em princípio a democracia de gênero, mas discorda dos métodos práticos de como promovê-la, a exemplo da política de cotas de cadeiras para grupos minoritários.
Tal tipologia foi operacionalizada e medida através de um constructo, o “índice de produção legislativa específica”, que é o produto do número de proposições específicas aprovadas (aquelas que normatizam questões de gênero e raça, como a proteção dos direitos da mulher e a política de cotas em geral) pelo peso específico de cada tipo legislativo.19 De fato, a literatura indica a taxa de sucesso de proposições apresentadas, ou seja, aquelas que efetivamente se transformam em normas jurídicas, como proxy de representação substantiva e de comunicação com as bases eleitorais, sobretudo em distritos de grande magnitude (Norton e Wood, 1993).
Segundo o Regimento Interno das Assembleias Legislativas aqui estudadas, proposição legislativa é toda matéria sujeita à deliberação das respectivas casas. Os tipos de proposição considerados principais, visto que se originam nas normas descritas no art. 59 da Constituição Federal, são: Propostas de Emenda à Constituição (PEC), Projetos de Lei Complementar (PLC), Projetos de Lei Ordinária (PL), Projetos de Resolução (PR) e Projetos de Decreto Legislativo (PDL). Os valores do índice de produção legislativos específicos encontrados nas três Assembleias (ALBA, ALES e ALEP) variam de 0,00 a 3,80 com valor médio de 0,27 conforme a Tabela 2.

Para proceder à análise comparativa entre deputadas e deputados, foi criada uma variável dummy com valor 1 para as deputadas das três Assembleias. Ao se calcular os valores médios, constata-se que o total da produção legislativa específica das mulheres (M=14,55, SD=1,15), nas três Casas Legislativas (ALBA, ALES e ALEP), é mais do que o dobro da média total apresentada pelos homens (M=6,75, SD=0,25), sugerindo um tipo de atuação parlamentar mais “comprometida” com a agenda feminista em comparação com os deputados.
É preciso salientar, no entanto, que dependendo da configuração legal dos estados o poder de agenda do Legislativo estadual encontra-se seriamente comprometido por limitações constitucionais que reservam as iniciativas mais relevantes ao Executivo. É o que explica o deputado Bira Corôa (PT), único deputado a se declarar “negro” e não “pardo” da Assembleia Legislativa da Bahia:
A Constituição estadual da Bahia foi escrita pelos ‘coronéis”, à época do ‘caciquismo’ político e desde então não foi modificada. Ela restringe ao máximo a iniciativa do Legislativo de propor e aprovar matérias relevantes nas áreas da economia, saúde, educação e mesmo na área social. Estamos fadados a basicamente aprovar as contas do Executivo e propor medidas simbólicas como declarar de utilidade pública entidades beneficentes ou conceder medalhas a gente da elite baiana. Uma vergonha que só pode ser contornada se trabalharmos a quatro mãos com o Executivo estadual. É o que fizemos para aprovar a Lei que institui Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa do Estado da Bahia (Lei 20785/2014).
No Espírito Santo, por exemplo, estudos recentes indicam estar correta a tese do ultrapresidencilismo estadual
(Abrúcio, 1998), ou seja, a constatação de que, no plano subnacional, a característica predominante na relação Executivo-Legislativo é a hipertrofia dos governos estaduais em relação às Assembleias. Por outro lado, nem todos os governadores arcaram com o mesmo custo e agiram da mesma forma para obter esse desempenho (Pereira, 2014). Ao comparar a produção legislativa capixaba dos anos de 2011 e 2015, Palassi Filho (2016) identificou que o Executivo capixaba possui - como, de resto, também ocorre em plano nacional (Cf. Figueiredo e Limongi, 1999) - elevadas taxas de dominância e de sucesso sobre o Legislativo, permitindo ao governador impelir ou impor aos deputados sua própria agenda.
Na mesma direção, a análise da produção legislativa no Espírito Santo no período de 2007-2010 permitiu a Pessine (2013) constatar a existência de uma “sobreposição” dos interesses do governo sobre a Assembleia Legislativa. A produção da ALES naquela legislatura revelou a preferência dos deputados por matérias sociais e honorificas, cujo objetivo, em muitos casos, é apenas o de sinalizar para o eleitorado a defesa de determinada causa. A princípio, os números até poderiam indicar uma preocupação da agenda do Legislativo - já reduzida pela dominância do Executivo - com as questões discutidas neste trabalho, como gênero e raça, por exemplo. Porém, não somente a aprovação das proposições sociais de origem parlamentar é baixa (45,5%), como, deste conjunto, a maior parte das matérias se refere a declaração de utilidade pública. O caso da ALES, portanto, retrata bem a situação descrita pela deputada petista da Bahia.
Outro indicador de atuação parlamentar é a relação entre índice de produção legislativa (eixo y) e estratégias de campanhas (eixo x), aqui representadas por duas variáveis nominais: “sim” ou “não” para identificar os parlamentares que utilizaram as categorias de gênero e raça em suas campanhas eleitorais. O Gráfico 10 mostra uma relação positiva entre escores elevados de produção legislativa (M=0,70 e M=0,92) e a utilização de estratégias de gênero e raça em campanhas eleitorais.




Não obstante, quando indagadas se utilizaram algum apelo especialmente dirigido a atrair o voto feminino durante as últimas eleições (2014), algumas deputadas mostraram mais sensibilidade à estratégia catch-all (pega todos). Foi o caso de uma deputada do Partido Trabalhista Cristão (PTC) da Assembleia Legislativa do Espírito Santo:
Eu fui no geral. Meu apelo foi para todos. Primeiramente, porque meu mandato visa atender as demandas de meus eleitores, independentemente de sexo, raça ou cor da pele. Eu não posso ter um eleitorado exclusivamente feminino. Mas isso não impede que, aqui no Parlamento, eu dedique boa parte de minha agenda com temas relacionados aos interesses das mulheres. Por exemplo, eu faço questão de participar de todas as Comissões que de alguma forma tratam de assuntos relacionados à mulher, seja a questão da violência doméstica, seja a proteção da maternidade e outras demandas específicas (entrevista, ALES, 09/06/2015).
Por outro lado, a relação entre filiação partidária e produção legislativa revela que o Partido dos Trabalhares (PT) é a agremiação com os maiores escores de produção de leis para a defesa e promoção dos direitos da mulher e dos negros (1,11), quase três vezes o segundo colocado, o PMDB (0,46). Tal resultado se deve, por um lado, ao fato de que o PT é a agremiação com maior número de deputadas nas três Assembleias (26%). Por outro lado, a estreita vinculação do PT com movimentos de base feminista e negro, nos três estados analisados, fomenta uma cultura política interna naturalmente sensível às questões de gênero e raça.
A posição autodeclarada no espectro ideológico, sem a clivagem de sexo, é outra variável que pode indicar correlações importantes com a produção legislativa. Quase metade dos respondentes (45%) se identifica com o “centro”, que pode ser definido como “uma combinação de ideias que caracteriza a ex-pectativa de um Estado suficientemente forte para diminuir as desigualdades sociais, mas sem ameaçar a ordem estabelecida” (Singer, 2009, p. 84). A preferência por essa zona ideológica de conforto confirma a aversão às polarizações ideológicas que caracteriza nossa cultura política.
Embora a maior proporção dos respondentes tenha se identificado com o “centro” (Gráfico 5), a produção legislativa de gênero e raça se concentra quase exclusivamente à esquerda do espectro ideológico, como claramente indica o Gráfico 12. Tal resultado pode estar relacionado ao fato de que todos os partidos de esquerda no Brasil - sobretudo nos Estados da Bahia e do Espirito Santo, líderes do ranking nacional de violência doméstica e crimes contra a mulher (IBGE, 2014) -, têm um especial comprometimento com a luta pelos direitos da mulher e dos negros, bem como com a igualdade de gênero e raça.


Conclusão
A representação descritiva e substantiva de mulheres e negros nas Assembleias Legislativas aqui analisada remete para discussões teóricas acaloradas sobre qual seria o papel da democracia representativa no Brasil. De um lado, os defensores da tese da “desconexão” (Mansbridge, 1999; Pitkin, 1967) argumentam que o escopo da representação política é antes de tudo a defesa dos direitos e a promoção dos interesses substantivos dos representados por meio das funções deliberativas e agregativas. Em outras palavras, quando se trata de representação política, o “fazer” (representação substantiva) é mais importante do que o “ser” (representação descritiva). De outro lado, argumenta-se, a democracia pressupõe a representação de uma pluralidade de perspectivas e de interesses nas esferas de representação. Nesse sentido, a inclusão de mulheres e afrodescendentes na política seria uma condição sine qua non da representatividade democrática, dado que os próprios processos deliberativos pressuporiam a manifestação de diferentes perspectivas e interesses de variados grupos. O mesmo ocorreria com os processos agregativos, os quais, ao buscarem equiparar e balancear interesses em conflito, seriam mais bem servidos por representantes descritivos, uma vez que as pessoas e os grupos sociais tendem a conhecer melhor seus próprios interesses e experiências (Phillips, 1995; Sapiro, 1981).
Embora a relação aparentemente automática entre as experiências pessoais dos representantes descritivos e sua atuação parlamentar seja discutível em muitos aspectos, sabe-se que as ideias dos deputados e deputadas não estão de todo dissociadas de suas vivências materiais, psicológicas e sociais. Portanto, uma composição mais plural dos espaços político-decisórios propiciaria a expressão de diferentes perspectivas. Isso favoreceria políticas voltadas a interesses e necessidades sociais mais amplas e impediria que a exclusão de tais perspectivas tornasse invisíveis questões e demandas pertinentes a grupos sociais historicamente alijados da política. Não se discute, aqui, a necessidade, relevância ou efetividade de tais políticas tal como poderiam vir a ser formuladas pelos representantes políticos.
Assim, ainda que pareça ingênuo supor que a simples presença de mulheres e negros possa garantir a defesa dos interesses desses grupos populacionais nas esferas políticas, os resultados desta pesquisa dão suporte empírico à ideia de que a representação descritiva nessas três Assembleias, no caso de aprovação de leis específicas, é bastante relevante. Foram encontrados índices significativamente maiores de produção legislativa específica entre os representantes descritivos (mulheres e negros), o que indica uma atuação parlamentar “comprometida” com a promoção da democracia de gênero e raça.
Por outro lado, no que diz respeito à importância das categorias “gênero”, “raça” e “cor da pele” para a atuação parlamentar dos respondentes, quando tratadas isoladamente, apenas uma minoria as considerou importantes. Uma vez associadas a outros conceitos, como “eleitores” e “democracia”, essas mesmas categorias aumentam consideravelmente em importância, o que sugere um comportamento parlamentar mais próximo de uma atuação “inclusiva” ou “desracializada”. Já a relação ideologia/ produção legislativa revelou que as agremiações localizadas à esquerda do espectro ideológico se mostraram substancialmente mais produtivas do que aquelas que ocupam a direita desse espectro, o que indica maior sensibilidade às questões pertinentes à promoção da igualdade de gênero e raça.
Em suma, podemos concluir que a representação descritiva é um imperativo normativo e empírico da democracia no Brasil. Normativo porque as noções tanto de um indivíduo abstrato e de um bem comum impermeável às diferenças individuais são incompatíveis com a realidade da dominação política, econômica e cultural de alguns grupos específicos. Enquanto não houver no Brasil condições para mulheres e negros, isto é, a maioria de nosso eleitorado, participarem em posição de igualdade do processo de tomada de decisão política com o homem branco e rico, a proposta de inclusão por meios de medidas especiais é o único instrumento efetivo para alterar a composição do corpo legislativo e para impulsionar mudanças substantivas em outras estruturas externas à esfera política.
Do ponto de vista empírico, a questão central foi saber quais resultados a representação descritiva, em concreto, traz para mulheres e negros no Brasil. Em outras palavras, a relevância da presença feminina e negra nos organismos de representação deveria ser contextualizada e o debate em torno da igualdade de gênero e raça deveria considerar não só aspectos teórico-normativos, mas sobretudo os resultados objetivos que a representação descritiva tem trazido para melhorar a vida desses grupos historicamente desfavorecidos.
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Notas
Autor notes
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