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Da contra-hegemonia política às políticas contra-hegemônicas: as ações afirmativas para negros na sociedade brasileira

From political counter-hegemony to counter-hegemonic policies: affirmative action for blacks in brazilian society

Marcelo Martins Silva
Universidade Federal do ABC, Brasil
Ramatis Jacino
Universidade Federal do ABC, Brasil
Sidney Jard Silva
Universidade Federal do ABC, Brasil

Da contra-hegemonia política às políticas contra-hegemônicas: as ações afirmativas para negros na sociedade brasileira

Ciências Sociais Unisinos, vol. 55, núm. 1, pp. 01-11, 2019

Universidade do Vale do Rio dos Sinos Centro de Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

Recepção: 25 Outubro 2018

Aprovação: 02 Abril 2019

Resumo: A presença de negros em espaços valorizados na sociedade brasileira é caracterizada por sua sub-representação. Esse aspecto foi historicamente hegemônico nos projetos de nação gestados no país. Apesar disso, a população negra produziu instituições e ações contra-hegemônicas em momentos e em épocas diferentes. Argumentamos que as ações afirmativas para negros no Brasil aparecem como uma dessas perspectivas contra-hegemônicas no recente cenário político brasileiro. Esse artigo pretende discutir como se estabeleceu a hegemonia racial no país; a resistência da coletividade negra e o papel das ações afirmativas para população negra no escopo de uma contra-hegemonia racial. Por meio de uma discussão teórica e dados secundários, concluímos que as ações afirmativas para negros no Brasil se configuram como uma das estratégias mais relevantes na atualidade para romper com os padrões hegemônicos das relações raciais brasileiras.

Palavras-chave: Hegemonia Racial, Contra-hegemonia, Ações Afirmativas.

Abstract: The presence of blacks in valued spaces in Brazilian society is characterized by their under-representation. This aspect was historically hegemonic in the projects of nation elaborated in the country. Despite this, the black population produced counter-hegemonic institutions and actions at different times. We argue that affirmative action for blacks in Brazil appears as one of those counter-hegemonic perspectives in the recent political scenario. This article intends to discuss how the country’s racial hegemony was established; the resistance of the black community and the role of affirmative action for the black population in the scope of a racial counter-hegemony. Through a theoretical discussion and secondary data, we conclude that affirmative actions for blacks in Brazil are one of the most relevant strategies today to break with the hegemonic patterns of brazilian race relations.

Keywords: Racial Hegemony, Counter-hegemony, Affirmative Action.

Introdução

A dinâmica político-institucional brasileira pouco espaço reservou, ao longo da história republicana, à participação efetiva da população negra nas decisões fundamentais que a afetam política, econômica e culturalmente. Discussões sobre as desigualdades raciais perpassam o debate, atual e histórico, sobre o desenvolvimento das relações raciais no Brasil, especialmente por uma razão: a desigualdade, mais que a mistura, é o mote do desenvolvimento das relações raciais no Brasil, ainda que existam especificidades diferenciando as regiões que apresentam maior ou menor grau dessas desigualdades.

No entanto, hegemonicamente, as discussões em torno da formação social brasileira advindas de concepções míticas como a de “democracia racial”, com o intuito de fundar uma identidade nacional, ganharam relevância e sobrepujaram o debate sobre a situação material da população negra. O elogio da mestiçagem, em determinado momento, sufocou uma comoção social mais relevante por parte dessa população, mas, em paralelo, dado o grau de repressão, o espaço que restou foi ocupado por insurgências pontuais e ações contra-hegemônicas.

A contra-hegemonia é parte da história do negro no Brasil desde o período escravista. Movimentos de resistência à precarização imposta e de luta por cidadania foram estratégias de sobrevivência. Recentemente, as ações afirmativas aparecem como uma alternativa contra-hegemônica, dentro de suas limitações, para dirimir as desigualdades raciais e aumentar a presença da população negra em espaços socialmente valorizados.

Esse trabalho está estruturado em três seções, além dessa introdução e das considerações finais: na primeira discutiremos sobre a presença de uma hegemonia racial no país, aproximando a leitura das relações raciais com os pressupostos teóricos do conceito de hegemonia, principalmente a partir da obra de Antônio Gramsci (Wallerstein, 1991; Hanchard, 1996; Gramsci, 1999; 2007; Guimarães, 2009). Na segunda, discorreremos sobre as ações contra-hegemônicas que historicamente marcaram a atuação política do negro no Brasil, desde os tempos da colônia (Gonzalez, 1982; Fernandes, 1989; Moura, 1990, 1992; Wallerstein, 1991; Gomes, 2005; Domingues, 2007; Brito, 2010). Na terceira, trataremos das ações afirmativas para negros no país, destacando seu caráter contra-hegemônico, ainda que reformista, ante a uma situação de precarização imposta à população negra (Jaccoud e Beghin, 2001; Moehlecke, 2002; Azevedo, 2004; Domingues, 2005; Piovesan, 2007; Paixão, 2015).

A hegemonia racial

A aproximação do arcabouço conceitual do processo de formação da sociabilidade nacional moderna - que em determinado momento passou a ser denominada “democracia racial”2 - com o pressuposto hegemônico na definição das políticas sociais do Estado brasileiro para negros até os anos 1990, quando, a partir de então, começam as discussões voltadas à prática das ações afirmativas, nos leva a brevemente problematizar a noção de hegemonia, presente, principalmente, na obra de Antônio Gramsci.

Gramsci afirma (1999, p.388) que o principal fundamento para o exercício da hegemonia é o consentimento, e este, sendo ativo e voluntário, assumiria a forma de um regime liberal democrático (Gramsci, 1999, p.436). Nesse sentido, uma perspectiva se torna hegemônica ante outras possíveis concepções de mundo, e, por vezes, é “acolhida” acriticamente por determinada classe ou grupo, conflitando com suas condições de vida. Este conflito, no âmbito da sociedade civil, se intensifica na

...fase em que as ideologias geradas anteriormente se transformam em “partido”, entram em confrontação e lutam até que uma delas, ou, pelo menos, uma única combinação delas, tenda a prevalecer, a se impor, a se irradiar por toda a área social, determinando, além da unicidade dos fins econômicos e políticos, também a unidade intelectual e moral, pondo todas as questões em torno das quais ferve a luta não no plano corporativo, mas num plano “universal”, criando assim a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados. (Gramsci, 2007, p. 41).

A hegemonia engloba tanto a ideologia3, no sentido de uma representação social que expressa uma determinada leitura da realidade; uma determinada percepção do “real”; quanto a cultura, compreendida aqui como um modo de vida de determinado povo ou grupo social que se expressa por meio de práticas, produção material e simbólica e é erigida a partir de uma base material/social de determinada sociedade, ou seja, os homens, ao produzirem as condições para sua existência material, produzem ideologias e culturas que são condicionadas e condicionam essas mesmas condições. Essa aparente tautologia ocorre devido à simultaneidade desses processos sociais na história, variando entre momentos mais especulativos (da prática descolada da base material), a outros em que a ação prática expressa os conflitos políticos subjacentes nos processos sociais. Em geral, as abstrações que diferenciam as instâncias que produzem o todo social (infra e superestrutura) têm valor apenas metodológico, isto é, para facilitar como se pensa e se organiza este todo social pois, na prática, há uma histórica interrelação e interdependência dialética, que é também insuprimível, de todos os aspectos da vida humana.

A hegemonia na concepção gramsciana pode ser definida, portanto, como

...uma combinação de direção moral, política, cultural e intelectual com dominação; de liderança ideológica e cultural com coerção. É uma supremacia exercida através do consentimento e da força, da imposição e da concessão, de e entre classes e blocos de classes e frações de classe. (Almeida, 2011, p. 3).

Neste sentido, para fins de nossa discussão, o que seria uma hegemonia racial? Seria, seguindo o já exposto, a supremacia de uma determinada concepção das relações raciais em uma determinada sociedade em que o consentimento e a força se combinassem para sua manutenção. Hanchard (1996, p. 227) argumenta que, no Brasil, a hegemonia racial se apresenta como um processo em que “...práticas racialmente discriminatórias com respeito à educação, ao emprego e a outros aspectos da vida, coexistem lado a lado com a falsa promessa de igualdade racial expressa na ideologia da democracia racial”. Segundo o autor, existe uma cultura política, autoritária e patriarcal que impossibilitou o rompimento com este traço hegemônico da ideologia racial brasileira, inclusive em relação aos movimentos negros que tenderiam a “fetichizar” e reificar a cultura negra em detrimento da política. A fetichização incorreria em contradições entre as aspirações socioeconômicas da população negra e sua assimilação cultural e, neste contexto, o caráter nacional da necessidade de uma igualdade racial no âmbito material seria limitado por tal assimilação. A perspectiva de uma democracia racial capilarizou-se em lugares negros, mas a noção de uma igualdade racial de fato (nos âmbitos cultural, político e socioeconômico) não produziu o mesmo efeito nos lugares não negros. A hegemonia racial assimiladora e excludente se estabeleceu ante a igualdade racial de fato, isso...

...porque para uma cultura ser identificada ou classificada como tal, não basta identificar que várias pessoas têm as mesmas ideias e práticas. É preciso, mais que isto, que estas ideias e práticas sejam reconhecidas, vividas, assumidas, respeitadas pelo grupo e capazes de influir no pensamento e na ação do grupo dos indivíduos a este. (Almeida, 2011, p. 5).

Ou seja, o aparato ideológico culturalista que transitava ora por consentimento, ora por coerção, e ora por ambos (como no período da ditadura militar) era o obstáculo para a luta política por igualdade racial na sociedade civil, e não alcançava, assim, a sociedade política. A violência por séculos de escravidão e a etnização da força de trabalho no período pós-abolição, reproduzida desde então, foram os principais motivos pela imobilidade ascendente e a falta de representatividade da população negra no país.

Wallerstein (1991, p.55-56) argumenta que o racismo é funcional ao capitalismo ao etnizar ou racializar a força de trabalho. A hierarquia dos postos de trabalho, por meio da qual a população discriminada é menos recompensada, reconcilia a necessidade de máxima acumulação de capital com o mínimo de distúrbios sociais. Toda força de trabalho disponível é necessária ao capitalismo em expansão e, como o critério do mérito não legitima a hierarquia ocupacional, o racismo aparece como opção, baseando-se em características adscritivas ou não do sujeito para rebaixar a totalidade dos salários e aumentar as taxas de lucro. Assim, em toda parte se vê a população dividida em vários agrupamentos étnicos, cujos marcadores são a cor da pele, a língua, a religião ou algum outro constructo cultural, gerando conflitos violentos.

Para tal configuração, argumenta Wallerstein (1991), se faz necessária uma ideologia racialista em que amplos segmentos da população mundial sejam divididos em subclasses humanamente inferiores. Porém, existem particularidades em formações sociais específicas (como a brasileira) que possibilitam uma ressignificação desta ideologia em termos não mais negativos, mas assimilacionistas, como o é o mito da democracia racial. Skidmore (1991, p.7) indica que o assimilacionismo racial brasileiro se deve ao fato de que a elite brasileira acreditava explicitamente em uma superioridade racial branca, que a diferiria da crença em uma supremacia racial branca, característica dos norte-americanos. A supremacia seria impossibilitada por conta da mestiçagem inerente à formação social da nação, porém, a superioridade branca era indiscutível, e o branqueamento da população por meio da miscigenação, por essa perspectiva, uma necessidade.

Com a decadência da sociedade patrimonialista e a emergência de um novo modelo de acumulação no país, a partir da Era Vargas4, a inversão da miscigenação de mal necessário à sua valorização cultural foi a solução que surgiu como cânone no pensamento social brasileiro para equilibrar os antagonismos sociais. Em outras palavras, na lógica da modernização conservadora, as coisas mudavam para permanecerem exatamente como estavam: a sociedade patrimonialista e racista permaneceria incólume mesmo com a urbanização e modernização do país.

Desta forma, o principal autor que questionava o racismo científico à época, Gilberto Freyre, o fez mantendo viva a ideia de “raça”, sem superá-la, relativizando e deslocando-a do campo da biologia para o da cultura. Portanto, a perspectiva eurocêntrica que orientou o racismo científico de cunho biologista, orientou também o culturalismo que o questionava. Esta perspectiva que aqui tratamos como uma hegemonia racial e que posteriormente seria intitulada de democracia racial é a continuação da ideia do embranquecimento, não mais pela substituição ou exclusão do negro, mas por sua mistura com o elemento branco “superior”, por sua assimilação. Neste sentido, Antônio Sérgio Guimarães (2009, p.55) vai afirmar que:

Seria, entretanto, um erro pensar que o pensamento antropológico do meado deste século - seguindo os passos de Gilberto Freyre - mudou radicalmente os pressupostos racistas da ideia de embranquecimento. Na verdade, a tese do embranquecimento foi apenas adaptada aos cânones da antropologia social, passando a significar a mobilidade ascensional dos mestiços na hierarquia social.

Essa foi a principal estratégia para evitar uma comoção social numa sociedade em que o peso demográfico de negros, de pele escura e clara, era superior, em algumas épocas, ao dos brancos. Se negros mestiços de pele mais clara se sublevassem, em conjunto com os outros, contra a ordem estabelecida, seria um grande problema à elite branca. Portanto, alguma mobilidade ascensional se fazia necessária, e quanto mais clara a cor da pele, mais próximo a ascensão na hierarquia social.

A contra-hegemonia racial

Assim como a hegemonia é a unidade dialética entre os termos consenso e coerção - ou seja, apesar de serem aparentemente antitéticos, existem em conjunto, complementam-se, pois o primeiro constitui base da hegemonia, e o segundo a torna sustentável no tempo -, a contra-hegemonia representa uma tentativa de romper dialeticamente com um determinado princípio hegemônico, que é ao mesmo tempo prático e teórico. O dissenso constitui-se como possibilidade dialética de se transformar em um novo consenso por conta, principalmente, da coerção, na forma de mobilizações, violentas ou não. Não existem fatalismos nesse processo, uma perspectiva contra-hegemônica pode nunca chegar a ser hegemônica na sociedade civil ou mesmo nunca chegar à sociedade política de fato.

Brito (2010) salienta que a contra-hegemonia só é viável como superação de determinado preceito hegemônico, quando existem condições materiais para tanto. A disputa por hegemonias ocorre para além das diferentes visões de mundo, mas também na apropriação daquilo que dá suporte material para estas diferentes visões. Esta disputa se dá principalmente no âmbito da sociedade civil, em que uma determinada visão do mundo se sobrepõe ante outras, ainda que não tenha alcançado a sociedade política, isto é, ainda que não tenha no Estado suporte para sua reprodução. É nesse sentido que os grupos de pressão são fundamentais para questionar e lutar contra o status quo, desde que tenham base material e social para tanto.

Uma contra-hegemonia (ou hegemonia alternativa) racial demanda, fundamentalmente, o rompimento com a noção de universalidade5, que em geral caracteriza as concepções de mundo das classes dominantes. Wallerstein (1991) argumenta que a noção de universalismo decorre, ao mesmo tempo, de uma tradição intelectual vinculada ao trio de religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo e islamismo) e uma ideologia apropriada a economia-mundo capitalista. O iluminismo teria expandido a noção de “escolhidos” destas religiões aos direitos naturais nos quais a igualdade moral e direitos humanos são atributos de nascença em oposição aos privilégios adquiridos.

A noção de universalismo que o Wallerstein está problematizando, em oposição aos particularismos, é a noção de “homem” em abstrato próprio da revolução francesa no qual seríamos todos iguais do ponto de vista dos direitos naturais. Numa época de ausência de centralismo político-territorial (ou de estados-nações) as grandes tradições religiosas ditavam o universal abstrato, ou “todos são filhos de um deus”, no entanto, o líder religioso, intermediário do deus em questão, é quem definia os “escolhidos” que ascendiam socialmente numa sociedade fechada, assim como aqueles que eram “menos” humanos ou simplesmente não tinham alma.

Na ideologia do iluminismo, em geral burguesa e proprícia ao capitalismo, a ascensão socioeconômica passa a ser um atributo de nascimento de todos os homens. Não haveriam escolhidos definidos como tal numa sociedade racional e secularizada. Os particularismos (privilégio adquirido, corporativismo, barreiras comerciais e etc.) principalmente os não mediados pelas relações monetárias, eram barreiras para a realização do ciclo do capital, pois uma força de trabalho livre pressupõe igualdade formal, liberdade formal e etc. Ou seja, qualquer impedimento particular na transformação de capital, força de trabalho e produtos em mercadorias vendáveis são indesejáveis, ou como afirma o autor: “Así, decimos que las relaciones sociales capitalistas son una forma de “disolvente universal” que lo reduce todo a una forma de mercancía homogénea cuyo único criterio de valoración es el dinero” (Wallerstein, 1991, p. 53). No entanto, na prática têm vigorado os privilégios (particulares) adquiridos ainda que o discurso e o norte sejam universais. Portanto, a noção de universalismo, ainda que relevante, não conseguiu, de fato, do ponto de vista político e econômico, ultrapassar o que antes era preconizado pelas grandes tradições religiosas.

O princípio iluminista da meritocracia não foi o suficiente para convencer as pessoas de que a desigualdade na fruição da riqueza produzida era legítima porque medida a partir de critérios baseados no desempenho e aptidões individuais. Essa assertiva, segundo Wallerstein (1991); é discutível; porque, via de regra, as pessoas piores recompensadas tendiam a se conformar com o privilégio hereditário, baseando-se em crenças misticas ou fatalistas de ordem eterna.

É por essa brecha que os particularismos ideológicos (racismo, sexismo) entram em cena, justificando o rebaixamento de parte da força de trabalho, mas mantendo-a funcional para a expansão do sistema capitalista. Como o discurso universalista (“somos todos iguais”, “temos todos os mesmos direitos” e etc.) não convence na prática, apesar de reproduzido ideologicamente, a diferenciação na hierarquia ocupacional não pode ser mantida na base da coerção direta, é preciso aparatos ideológicos que diferenciem as pessoas para que a diferenciação na distribuição de recursos sociais alcance legitimidade.

Nesse sentido, afirma o autor:

“Pero si se quiere obtener el máximo de acumulación de capital es preciso reducir al mínimo simultáneamente los costes de producción (y por ende los costea que genera la fuerza de trabajo) y los derivados dé los problemas políticos, y por tanto reducir al mínimo simultáneamente -y no eliminar, ya que es imposible- las reivindicaciones de la fuerza de trabajo. El racismo es la fórmula mágica que favorece la consecución de ambos objetivos”(Wallerstein, 1991, p. 56).

No entanto, o particularismo, ao se tornar simbiótico ao universalismo, também torna possível seu reconhecimento e sua ressignificação paradoxal como estratégia de ruptura, já que no interior do próprio universalismo existem hegemonias conflitantes e paradoxais. É a partir da ruptura com o universalismo abstrato e do reconhecimento das próprias condições de vida e de opressão que é possível a busca pela superação da fetichização e reificação das formas de viver e de pensar das classes dominantes, e, portanto, possível a insurgência.

Os espaços contra-hegemônicos ou espaços de insurgência aparecem, numa perspectiva gramsciana, justamente nos limites do consentimento, pois:

Para que os grupos dominantes obtenham o consenso na sociedade, eles permitem que os grupos subalternos se organizem e expressem seus projetos sociais e políticos. Com isso, vão se constituindo mediações entre a economia e o Estado, que se expressam na sociedade civil: o partido político, o sindicato, a imprensa, a escola (Souza, 2013, p. 55).

É na ressignificação dialética desses espaços que os grupos subalternos, cientes das suas condições de vida, produzem hegemonias alternativas, ou resistências ao status quo. Isso porque a contra-hegemonia é justamente aquela que, longe de ser uma modalidade necessária para o exercício de poder da classe dominante, é um pré-requisito estratégico dos socialmente subalternizados. No caso de uma contra-hegemonia racial no Brasil, esta se deu a partir da ação política do negro ao longo de sua história.

Ainda no período escravista os negros, escravizados, livres ou forros, já produziam uma contra-hegemonia à hegemonia dos senhores, dentro dos limites possíveis. Existiam grandes dificuldades em combater a principal instituição econômica colonial, um dos pilares da economia mercantil ocidental, o tráfico de escravizados. Além disso, o arcabouço ideológico que justificava a escravidão e sua necessidade econômica era produzido por intelectuais cooptados e subordinados à estrutura de poder escravista, com a perspectiva comum de “... negros, índios e mestiços em geral como bárbaros, pagãos, gentios sem capacidade civilizadora e os brancos (...) aqueles elementos que impulsionaram a nossa sociedade em direção à civilização.” (Moura, 1990, p.213).

Nesse contexto, só eram possíveis movimentos de insurgência dentro do sistema, ao que Joaquim Nabuco (2003, p.61) chamaria de “conspiração perpétua” ou a luta constante para a formação de uma nação livre da escravidão. O negro participou de lutas insurgentes próprias e de outrem. Ocorreram insurgências radicais, expressas principalmente na quilombagem que, segundo Clóvis Moura (1992, p.22), foi o principal agente de mudança social durante a escravidão e, consequentemente, a principal prática política contra-hegemônica:

A sua dinâmica expressava a contradição fundamental da época, isto é, aquela que existia entre os escravos e os seus senhores e aparecia, em consequência disso, em todas as áreas e épocas em que o sistema de produção escravista foi estabelecido (Moura, 1992, p.22 ).

Ainda que seu epicentro fosse o quilombo, a quilombagem foi além, abrangendo uma série de manifestações de resistência e se estabelecendo como a expressão mais radical das contradições do regime escravista. Conforme Florestan Fernandes (1989, p. 76-77), ocorreram simultaneamente dois movimentos abolicionistas no país: um de caráter liberal burguês e outro que englobava negros (escravizados e livres) e trabalhadores pobres, inclusive brancos. O primeiro apenas rearranjava as benesses dos senhores de escravizados, travestindo-as em moldes supostamente modernizadores, mas não atacava na essência a exploração do trabalho e, principalmente, não buscava garantir a cidadania aos negros escravizados que logo seriam livres e aos já forros, num sistema que definhava. O segundo era, de fato, um movimento modernizador, seja do aspecto econômico, político ou do social. Como bem argumentou Florestan Fernandes, a modernização do país (industrialização, urbanização, proletarização e etc.) se originou não no “mundo que o português criou”, mas no “mundo que o escravo produziu” (Fernandes, 1989, p. 80).

No início do período republicano, o negro procurou a princípio se organizar, percebendo a precariedade em que se encontrava com a forma pela qual a profunda mudança social (fim da escravidão) havia se estruturado. Diferente das aspirações individualistas que orientavam as classes dominantes, a perspectiva do negro para a resolução dos problemas da sociedade foi mais abrangente, compreendendo o caráter social das possibilidades de mudanças e modernização efetiva do país. Gomes (2005) analisa mobilizações políticas no período pós-abolição a partir de três organizações negras: a Guarda Negra (1888-1889); a Frente Negra Brasileira - FNB (1931-1937); e a Legião Negra (1932). O autor em relação à situação pós-abolição argumenta que:

Antes invisíveis, os negros (não só os libertados no 13 de maio) foram considerados personagens novos nas disputas políticas. Com a organização da Guarda Negra no Rio de Janeiro, em finais de 1888, a mobilização negra ganhou renovada visibilidade. As ruas e os editoriais dos jornais, cada um a seu modo, transformaram-se em palcos de confrontos de ideias (Gomes, 2005, p. 15).

A guarda negra foi criada com a função de proteger a liberdade dos negros e a figura da Princesa Isabel; foi, portanto, uma organização de caráter monarquista. Ainda que reacionária do ponto de vista político, era contra-hegemônica ao confrontar às novas aspirações dos antigos senhores que naquele momento pendiam para um liberalismo republicano racista e segregador. A questão de fundo era a participação política da população negra num ambiente em que setores agrários hegemônicos se viam prejudicados com a abolição. Seria mais difícil explorar economicamente, nos moldes do escravismo, o negro cidadão e cônscio de sua parcial cidadania de direito.

Paralela aos movimentos, a imprensa negra ganha força nessa época, discutindo “...as diversas mazelas que afetavam a população negra no âmbito do trabalho, da habitação, da educação e da saúde..” (Domingues, 2007, p.105). Ao mesmo tempo em que festejava a abolição, refletia a seu respeito. Longe de um aparato meramente cultural, a imprensa negra propunha uma reflexão política, com “... temas que abordassem a autovalorização da população negra, sua visão de mundo e suas formas políticas, culturais e religiosas de organização e participação...” (Gomes, 2005, p.31). Ainda que desprovidos de um programa político definido e organizado e de um projeto ideológico mais amplo, é uma façanha, como afirmou Fernandes (1989, p. 35), forjar uma contra-ideologia nas condições sociais em que vivia a população negra no período.

Na década de 1930, com a Frente Negra Brasileira (FNB), o movimento negro enrijece-se no que diz respeito às suas proposições políticas. Ainda que dentro dos limites da ordem estabelecida, exigia uma democratização plena das prerrogativas republicanas, bem como sua extensão a todos os cidadãos. A FNB, de alcance nacional e com maior homogeneidade no discurso e nas orientações em torno da questão racial, transformou o movimento negro no Brasil em um movimento de massa, principalmente com a participação efetiva das mulheres negras (Domingues, 2007, p.106). A FNB possuía forte inclinação nacionalista e chegou mesmo a “namorar” o integralismo e a sua forte penetração popular (Gomes, 2005, p.53), mas, devido ao seu alcance, polarizou-se internamente por meio de grupos dissidentes como a Frente Negra Socialista. A FNB, transformada em partido político em 1936, foi obliterada pelo Estado Novo de Getúlio Vargas em 1937 - assim como outros partidos e associações políticas - desarticulando o germe político negro mais relevante desde a abolição até então.

Com o fim da ditadura de Getúlio Vargas em 1945, o movimento negro ressurge e se amplia, ainda que menos aglutinado em torno de uma organização específica (GOMES, 2005, p. 108). Provavelmente a mais relevante organização contra-hegemônica negra de sua época, o Teatro Experimental do Negro (TEN) foi fundado em 1944 no Rio de Janeiro, e tinha em Abdias Nascimento sua liderança mais proeminente. Para além da dramaturgia, o TEN atuou para elevar culturalmente a condição do negro, além de lutar por direitos civis e humanos e por uma legislação antidiscriminatória no país (Gomes, 2005, p.109). Além do TEN, outras instituições surgiram, como a União dos Homens de Cor (UHC) e vários periódicos e jornais que impulsionaram a imprensa negra.

Em 1964, com o golpe civil/militar, a repressão contra o elemento negro, principalmente o pobre, amplia-se e desarticula organizações que buscavam combater o racismo. Militantes negros eram acusados de inventar uma questão racial no Brasil, já que por aqui não haveria esse problema. A questão racial foi retirada do espaço público em prol de uma hegemonia auto-crática e racista. A submissão pelo medo na atuação da polícia repressiva do Estado tinha como finalidade, a longo prazo, impedir qualquer forma de organização do negro e a manutenção de um grande contingente de mão de obra barata, a mais barata disponível (Gonzalez, 1982).

Na medida em que a ditadura civil/militar vai perdendo força, organizações populares e sindicais vão ressurgindo, algumas ainda na semi clandestinidade. Os negros também se dispõem a reerguer suas entidades e/ou a criar novas. Nesse contexto surge, em 1972, o Centro de Cultura e Arte Negra - CECAN em São Paulo e, ao longo da década, entidades similares no Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e Pernambuco. Os clubes negros dedicados ao entretenimento, que não sofreram repressão significativa por parte do regime autoritário, vão se politizando e seus integrantes passam a engrossar as fileiras dos movimentos reivindicatórios.

O Grupo Palmares, surgido em 1971 no Rio Grande do Sul, como associação cultural visava “...promover estudos sobre história, artes e outros aspectos culturais, particularmente em relação ao negro e ao mestiço de origem negra.” (Estatuto do Grupo Palmares apud Campos, p. 54, 2006). Com o amadurecimento das ideias propostas, o caráter do grupo vai se alterando lentamente num caminho mais político, de contestação, de aproximação com as ideias pan-africanistas e socialistas. Essa organização foi pioneira na disseminação junto ao movimento negro da proposta do poeta e pesquisador Oliveira Silveira, de comemorar-se o dia 20 de novembro, presumível data da morte de Zumbi de Palmares, como a data máxima dos negros brasileiros. A idéia era contrapor-se ao 13 de maio que, na compreensão da militância negra, havia sido imposto pelas oligarquias herdeiras do regime escravista com o objetivo de invisibilizar o protagonismo dos negros para a derrocada daquele regime.

Com o fim do Grupo Palmares, no final dos anos 1970, no bojo de movimentos populares, sindical e estudantil, o movimento negro se reorganiza em termos de força política em torno do Movimento Negro Unificado (MNU). O caráter contra-hegemônico se radicalizava politicamente porque, como afirmaram Fernandes (1989, p. 70-71) e Domingues (2007, p.117), atacava direta e explicitamente a ordem existente, com um discurso racial contundente, uma estratégia de inclusão diferencialista e uma defesa das forças políticas da esquerda marxista (que se formaram política e ideologicamente a partir da organização trotskista “Convergência Socialista”).

O MNU possuía várias bandeiras e metas, como a de transformar o movimento negro em movimento de massas; combater a violência policial; organização de sindicatos e partidos, isto é, uma participação político-institucional mais efetiva; luta pela introdução de história e cultura afrobrasileira nos currículos escolares; apoio internacional e organização nacional na luta contra o racismo no país; e a desmistificação e demitificação da democracia racial brasileira. A contra-hegemonia já não dizia mais respeito à condição do negro e à luta por democracia de fato, mas à forma mesma como a sociedade brasileira (civil e política) se via e organizava suas relações sociais. Nesse sentido, “africanizar-se” como o fez o movimento negro nesse período ia contra os padrões estabelecidos, seja estéticos, ideológicos ou religiosos. Esteticamente houve a incorporação da indumentária e da culinária africanas como padrões, assim como uma ruptura com valores “brancos” estabelecidos (Domingues, 2007, p.116). Ideologicamente combate-se a mestiçagem, vista como um arcabouço ideológico alienante, diluidora da identidade negra no Brasil, além de que esta favoreceria um nacionalismo que sempre esteve a serviço da elite branca, que por sua vez implicava em um genocídio étnico-cultural e físico do negro brasileiro.

Portanto, politicamente, o movimento negro, em diferentes momentos e por diferentes perspectivas, foi buscando espaço para que os negros fossem artífices da própria história. A inserção política da população negra no país, institucionalmente ou não, foi uma luta contra-hegemônica que não se encerrava nas organizações, mas buscava penetrar no tecido social, defendendo a universalidade de valores que já deveriam ser universais como a igualdade e equidade.

Ações afirmativas: possibilidades contra-hegemônicas

A ação do movimento negro foi fundamental para que nas décadas seguintes, quando setores da esquerda política conquistaram parcelas do poder estatal, parte de suas demandas passem a ser atendidas pelo Estado. Jaccoud e Beghin (2001) apontam ações governamentais na direção da superação das desigualdades raciais. Nas décadas de 1980 e 1990 ocorreram iniciativas no Estado brasileiro, resultantes da pressão do movimento negro, que buscavam responder àquelas demandas. A criação do Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no emprego e na Ocupação - GTDEO - e do Conselho de Participação da Comunidade Negra do governo do estado de São Paulo (que se mantém até os dias atuais) são dois significativos exemplos.

No Rio de Janeiro, na década de 1990, foram criadas a Secretaria de Defesa e Promoção das Populações Negras e a Delegacia Especializada em Crimes Raciais, as duas foram extintas anos depois. O mesmo ocorreu em outros Estados com a criação e posterior extinção de órgãos específicos para tratar da problemática racial. A extinção destes órgãos mostra não só o despreparo institucional para lidar com a questão, como a resistência embasada, principalmente, na ideia de democracia racial. Ainda na mesma década, em 1995, ocorre a “Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida”, liderada pela Central Única dos Trabalhadores que, então, elegera seu primeiro presidente negro. Em decorrência desta foi criado um grupo de trabalho de valorização da população negra e, um ano mais tarde, no I Programa Nacional dos Direitos Humanos (IPNDH), aparece um tópico específico sobre a questão racial. Também foram efetuadas ações no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em razão das denúncias da Organização Internacional do Trabalho (OIT) das desigualdades raciais no mercado de trabalho do Brasil.

Na década de 2000, com os preparativos para participação do Brasil na III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, promovida pela ONU e realizada em Durban, na África do Sul, em 2001, a questão racial volta à tona com mais força e se multiplicam estudos sobre as mazelas raciais brasileiras e possíveis ações para superação destas. Neste sentido, várias medidas focadas na população negra foram desencadeadas, inclusive na área jurídica. Ainda que trabalhemos com a hipótese de que as consequências destas ações foram mais relevantes no âmbito cultural e identitário do que no material, é inegável que a percepção que os movimentos negros e suas ramificações culturais e religiosas (Movimento Hip Hop; religiões afro; e etc.) construíram de si como sujeitos políticos e coletivos transformou qualitativamente o debate público sobre a questão racial.

Em 2003 foi criada a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) com o intuito de formular, articular e coordenar políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial, garantindo, em tese, a transversalidade da questão racial nas diferentes esferas de governo. Tendo ou não a SEPPIR como parceira, várias iniciativas foram desenvolvidas nesta década: as ações afirmativas nas universidades públicas, a aprovação da lei nº. 10.639/03 que tornou obrigatório o ensino de História da África, cultura africana e afro-brasileira no currículo da educação básica; o Programa de Combate ao Racismo Institucional; Programa de Promoção da Igualdade de Oportunidade para Todos do Ministério Público do Trabalho; Programa Brasil Quilombola; o Estatuto da Igualdade Racial; etc.

Apesar de todas as conquistas e de um debate multifacetado, recentemente são as ações afirmativas que aparecem como o principal corolário do debate sobre as desigualdades raciais no Brasil. As ações afirmativas, instituto relativamente recente no direito brasileiro, constituem, segundo Piovesan (2007, p.41):

... medidas especiais e temporárias que, buscando remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo de igualdade, com o alcance da igualdade substantiva por parte de grupos socialmente vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais, dentre outros grupos.

Essas medidas visam à equiparação dos grupos humanos que, sem nenhuma justificativa para tanto (de base natural ou moral), são diferenciados econômica, social e politicamente. É, de fundo, ao contrário do que antagonistas dessas medidas afirmam, uma política com inspirações universalistas, ainda que seu público seja específico por um determinado marcador físico ou de origem . É fundamental essa noção para que se diferencie de políticas anteriormente em voga no país no intuito de impulsionar a imigração ou incentivo para educação de filhos de latifundiários ricos, falamos das políticas de incentivo à imigração europeia no final do século XIX - Decreto nº 528, de 28 de junho de 1890, que estabeleceu como “inteiramente livre a entrada nos portos da República” de imigrantes válidos e aptos para o trabalho, excetuados os indígenas, ásiaticos ou da africanos, cuja admissão no País dependia de autorização do Congresso Nacional -; e a “Lei do boi” de 1968 que criava uma bolsa universitária para filhos de “agricultores”, que na realidade eram os filhos de grandes latifundiários.

O próprio paradoxo “discriminação positiva” já a transforma em uma política contra-hegemônica, considerando que sua existência pressupõe reconhecimento de contradições também paradoxais. A igualdade material, diferente da igualdade formal, evoca um direito coletivo e ao mesmo tempo individual. Pressupõe que a individualidade seja promovida e enriquecida no desenvolvimento humano, e este, por sua vez, existe de forma coletiva. O individualismo monádico se contrapõe ao desenvolvimento humano geral em função de alguns poucos que se estacionam em seus privilégios, barrando, portanto, o desenvolvimento de uma mais rica individualidade.

A noção de ação afirmativa tem sua origem nos EUA6 nos anos 1960 e nas manifestações em prol dos direitos civis e leis antissegregacionistas. Com a pressão para o fim das leis segregacionistas, também se instaurou a pressão para que o Estado agisse em função de melhorar as condições daqueles mais prejudicados por tais leis até possível equiparação social (Moehlecke, 2002, p. 198). No entanto, essas políticas foram expandidas e adotadas para outros segmentos sociais fragilizados e outras nações de vários continentes. Seu caráter contra-hegemônico, ainda que dentro da ordem estabelecida, suscitou uma forte resistência de setores conservadores e até mesmo de alguns setores progressistas da sociedade.

As ações afirmativas, além de outras coisas, visam reformar o capitalismo e não confrontá-lo. Ainda que não seja a panacéia dos problemas dos negros no Brasil, é uma medida importante que deve ser entendida como paliativa e teleologicamente temporária. A lógica do capital não é confrontada com as ações afirmativas, considerando que o objetivo é promover iguais oportunidades de competição no mercado.

Apesar disso, a estratégia de discriminar positivamente gera resistência de setores que, no discurso, defendem o avanço da sociedade capitalista e ampliação do Estado de direito. O argumento em geral utilizado é de que essas políticas feririam a equidade e a meritocracia. Como já argumentamos, equidade não é algo de fato na nossa sociedade. Nunca foi. A sociedade brasileira foi cindida entre senhores e escravos; é cindida entre oprimidos e opressores; e as características fenotípicas, aliadas a uma história de exploração, nunca possibilitaram nenhum traço de igualdade entre os grupos que aqui habitavam e habitam. Portanto, equidade é só um discurso formal, moral, sem base material. Para a meritocracia vale a mesma linha de raciocínio. O mérito como critério social é vago7, uma vez que haveria de ter como premissa a igualdade de oportunidades, para que o resultado seja de fato desconhecido e o esforço pessoal válido socialmente. Se as condições no percurso são díspares, o resultado será conhecido. Mesmo por parte de alguns críticos oriundos de setores progressistas - ainda que a maior parte desses setores sejam favoráveis e trabalhem em favor das ações afirmativas - as políticas de cunho racial tenderiam a desmobilizar uma ação mais efetiva no sentido de mudanças estruturais nas relações racias no Brasil. Nesse sentido, políticas universalistas seriam mais eficazes no combate às desigualdades raciais e na abolição do racismo (Azevedo, 2004). Como bem argumentou Domingues (2005, p.29), baseando-se em Trotsky: “...tem-se que saber combinar as reivindicações específicas e gerais; tem-se que abraçar um programa mínimo no qual, mediado por medidas transitórias, sinalize-se para um programa máximo que rompa com as estruturas do sistema”. As ações afirmativas não são um fim em si (Domingues, 2005, p.29), são políticas transitórias num contexto em que a maioria da população não tem condições materiais para empreender uma luta mais efetiva em prol da igualdade racial.

Além de intervir diretamente no conflito distributivo e questionar as relações de classe no país, inserindo o elemento raça na discussão, as ações afirmativas de cunho racial incomodam, pois são o reconhecimento de uma mazela social que vai contra a ideia de uma democracia racial no país, ou de que o racismo é um problema de suma importância nas questões políticas e econômicas no Brasil.

A despeito das desigualdades raciais reconhecidas pela maior parte dos autores que se debruçam sobre esse tema, a noção de democracia racial volta ao debate. Como aponta Marcelo Paixão, ainda que se reconheça a democracia racial como mito, “... o mito guarda uma importância por ele mesmo, tendo em vista sinalizar um tipo de desejo coletivo, ausente de outras realidades onde a discriminação racial não faria questão de se manifestar de forma velada” (Paixão, 2015, p.25). E continua o autor:

...considerando que toda sociedade se articula em torno de mitos de origem, o da democracia racial seria apenas um entre tantos outros (tal como o sonho americano de ascensão individual através do próprio esforço, ou dos franceses de viverem na terra da liberdade, igualdade e fraternidade etc.). Destarte, neste modo de entendimento, o mito da democracia racial, dado seus pífios resultados em termos da efetiva igualação das condições de vida dos diferentes grupos de raça/cor, deixava de ser positivado pelos seus aspectos concretos e terminava sendo por aquilo que viriam a ser os seus desejos de um mundo livre de racismo, preconceito e da discriminação racial e de cor (Paixão, 2015, p.25).

Nessa linha de raciocínio, a mera crença na existência de “raças” do ponto de vista da orientação das políticas públicas seria inócua, já que uma definição racial fechada não encontraria eco na população. A ausência de uma linha de cor definida e a complexidade das possíveis classificações demandam, segundo esses autores, falar de um Brasil “... ontologicamente dividido entre negros e brancos...” para supor a ideia de afrodescendentes (Fry e Maggie, 2004, p.157). Ou seja, teme-se que a política subordine a cultura e rompa com a cosmogonia do brasileiro em relação à democracia racial. Assim, no lugar de combater as desigualdades raciais com ações afirmativas que necessitam de uma classificação mais rígida, como requer a maior parte dos movimentos negros, criariam uma “cisão racial” até então desconhecida no país. Seria, portanto, neste entendimento, a repetição do modelo norte-americano no Brasil sem as mediações com a realidade brasileira. O apego aos elementos culturais e a percepção identitária forjada por um mito nacional tendem a justificar as desigualdades raciais, combinando mistura racial com racismo; valorização da cultura negra com genocídio do povo negro, em especial do jovem (CRP SP, 2014); elogio da diversidade com manutenção das desigualdades entendidas como intrínsecas ao modelo e etc. Paixão (2015) argumenta que o padrão desigual hierarquiza a interação entre os grupos raciais, em que os brancos se encontram no polo superior dominante, tanto do ponto de vista moral quanto cognitivo, e os negros deveriam se adequar ao padrão sendo-lhe complacente. Conclui o autor:

Na medida em que estes grupos não reivindicassem igualdade, mais uma vez em termos econômicos, poder e de prestígio social, as relações entre ambos os grupos poderiam transcorrer de forma amistosa nos momentos específicos das festividades, do lazer e da religião (as áreas moles do contato racial). Ou seja, as assimetrias são o preço que se paga pela paz. Assim, no interior deste ponto de vista, são as disparidades raciais que garantem a qualidade dos modos de interação entre brancos e negros no Brasil. Esta é a chave do entendimento da Lenda da Modernidade Encantada. Ou melhor, esse é o segredo do racismo à brasileira. (Paixão, 2015, p.28).

Segundo o autor, a resistência às ações afirmativas se fundamenta nestes dois elementos: um normativo, a “paz” racial; e outro concreto, as desigualdades raciais. Reconhecer as últimas e manter-se fiel à primeira é substituir a realidade por um desejo; é hipostasiar o paradoxo da “democracia racial” de modo a aceitar que uma ideia mítica, com o poder de criar “verdades”, possa ser normativamente aceita e a realidade assimétrica das desigualdades raciais, não. As desigualdades raciais não podem ser combatidas e vencidas apenas no campo das ideias e as ações afirmativas, ainda que insuficientes, têm sido até então o método mais racional do ponto de vista das estratégias, pois é a estratégia no âmbito do Estado que atua no conflito, deslocando e alocando recursos. É claro que a complexidade das relações raciais brasileiras talvez exija uma criatividade maior nas políticas, de modo que sejam não apenas afirmativas, mas transformadoras, atacando a raiz do problema, neste sentido combinando políticas universais e específicas que não se excluem.

O exemplo das ações afirmativas nas universidades federais demonstra a possibilidade de uma política que combina o específico do ponto de vista racial (cotas raciais) com o mais geral. As vagas reservadas às cotas são distribuidas de modo que metade é destinada para estudantes de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita e a outra metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um salário mínimo e meio. Em ambos os casos também é levado em conta o percentual mínimo correspondente ao da soma de pretos, pardos e indígenas no estado, de acordo com o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)8.

Daflon e Feres Júnior (2014, p. 33-34) afirmam que a agenda de reivindicações do movimento negro brasileiro a partir dos anos 1980 foi fundamental para mudanças substantivas num período posterior na condução das políticas de cunho racial no país. No que diz respeito à educação superior, foram desenvolvidos programas como o ProUni (Programa Universidade para Todos); Fies (Fundo de Financiamento Estudantil); as políticas de cotas nas universidades públicas; e o Programa Bolsa Permanência, “... um auxílio concedido a estudantes de baixa renda das universidades federais e beneficiários do ProUni”. Mas certamente as mais polêmicas dessas ações afirmativas referem-se às cotas raciais nas universidades públicas.

São ações com possibilidades contra-hegemônicas na medida em que a educação superior no Brasil foi, “...concebida até então prioritariamente como um lugar de formação de quadros de elite...” (Daflon e Feres Júnior, 2014, p.31). Esse deslocamento institucional para uma maior democratização do ensino superior significou, a partir das políticas citadas, a inserção de parte da população negra no âmbito dessa modalidade de ensino, espaço até então bastante dificultado ao acesso desse grupo social.

Tomando como exemplo a Universidade de Brasília, cujo programa de cotas foi implementado em 2004, percebemos um importante incremento de ingressantes negros na universidade até o ano de 2018, 7.648 alunos9, segundo dados da própria universidade. Ainda segundo a mesma fonte, em 2004, 16 alunos negros ingressaram na pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado), em 2017 esse número foi de 671. No segundo semestre de 2017, 50,6% dos alunos da univesidade eram autodeclarados pretos e pardos10. Números como esses podem ser encontrados ao verificarmos pesquisas sobre os impactos das cotas nas universidades (Santos, 2013) e mostram uma mudança no perfil dos alunos, tornando-se mais próximo, do ponto de vista representativo, do perfil demográfico da população brasileira quando consideramos a variável cor ou raça.

Portanto, as ações afirmativas na universidade, e também para além desta, trazem à tona um conflito necessário em torno da questão racial, negado durante muito tempo por estratégias assimilacionistas que buscavam silenciar as demandas da população negra. O movimento negro, atuando para politizar e ressignificar a questão racial no Brasil, “...reeduca e emancipa a sociedade e a si próprio” conforme afirmou Gomes (2012), e as ações afirmativas possuem um lugar de destaque na busca para que o processo contra-hegemônico de emancipação seja de fato e cada vez mais efetivo.

Considerações finais

No Brasil, as três formas de exercício da hegemonia racial dominante, a partir da década de 1930, se estabeleceram sutilmente.

A coerção se dá pela extrema violência em que jovens negros foram e são tratados por forças repressivas do Estado (e não apenas), denominado por muitos militantes e autores de “genocídio da juventude negra” (Santos e Alves, 2015; CRP SP, 2014). É uma coerção velada, disfarçada de segurança pública e que leva anomia e incertezas às famílias negras pobres de áreas periféricas. Os jovens, em idade produtiva e em plenas condições de ajudarem suas famílias, são lançados à marginalidade social e suas implicações psicológicas; forçados a encararem a precariedade como única opção possível. Mas quais as reais razões de tanta precariedade social em um país que se envaidece da sua miscigenação afirmando que não há barreiras sociais impostas a nenhum grupo? A noção de democracia racial vista como perspectiva é positiva. O problema, a nosso ver, é como essa ideia é defendida e instrumentalizada. Não é só um mito ou dever-ser, mas uma noção que foi e é politizada num espectro liberal como forma de afirmar que as desigualdades socioeconômicas no Brasil não tem um componente racial.

O consenso é alcançado pela difusão da noção de que vivemos em uma sociedade multirracial de classes, em que os preconceitos e discriminações não se estabelecem na forma de racismo e, mesmo quando esse é reconhecido, é dito que precisa ser silenciado para que não abale o modo pelo qual a população enxerga a si mesma. O consenso gira em torno da noção de que o conflito que seria causado pelo combate ao racismo seria negativo, ainda que a “paz” racial signifique precarização de um dos grupos.

A direção se exerce afastando os negros do poder político e econômico, por meio de mecanismos reprodutivistas (educação, mercado de trabalho) e simbólicos (culturais, morais). Como corolário, a sub-representação do negro no meio político e em cargos de gerência/direção é bem significativo. São esses cargos e ocupações que definem as classes dirigentes; quem formula e direciona as políticas públicas e privadas.

Apesar de cada vez mais visíveis e debatidos, parece que existe um acordo tácito para que esses mecanismos não fiquem em evidência na proporção em que a situação concreta suscita. A contra-hegemonia racial, histórica e hodiernamente, tem essa perspectiva: tentar romper com os padrões hegemônicos por meio de diversas estratégias, e as ações afirmativas aparecem como uma das estratégias de ação atuais das mais relevantes. Ao buscar garantir espaço para negros nas universidades e cargos públicos, busca-se uma maior eficácia distributiva na composição social destes espaços, que influenciam políticas públicas e padrões culturais na nossa sociedade. São interessantes as observações de Segato (2005, p.10) sobre políticas de ações afirmativas:

O que introduz uma política de cotas e discriminação positiva nesta cena? Introduz o que chamei de eficácia comunicativa. Se a cor da pele negra é um signo ausente do texto visual geralmente associado ao poder, à autoridade e ao prestígio, a introdução desse signo modificará gradualmente a forma em que olhamos e lemos a paisagem humana nos ambientes pelos que transitamos. À medida que o signo do negro, o rosto negro, se fizer presente na vida universitária, assim como em posições sociais e profissões de prestígio onde antes não se inseria, essa presença tornar-se-á habitual e modificará as expectativas da sociedade. A nossa recepção do negro habilitado para exercer profissões de responsabilidade será automática e sem sobressaltos.

Apesar de essa assertiva ser insuficiente e, sob certo aspecto, romântica, essa é a chave para avaliarmos as políticas de ação afirmativa em uma perspectiva contra-hegemônica: a presença do negro em espaços políticos e econômicos relevantes, já que hegemonicamente na história do país os negros estiveram presentes como base de sustentação laboral da sociedade, mas sem o direito à fruição do produto do seu trabalho.

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Notas

2 Isto é, o contexto brasileiro na diáspora em que a inexistência de barreiras legais para a ascensão do negro numa sociedade multirracial de classes no Brasil remeteria a uma democracia social e a um consenso racial democrático em que a meta-raça brasileira equilibraria as tensões ainda presentes sob a forma de preconceitos e discriminação individuais em relação à população negra.
3 Quando falamos de ideologia não estamos nos referindo a uma “falsa consciência”, mas a determinadas representações assumidas que não condizem com as condições de vida, especialmente materiais, dos indivíduos ou grupos. O “mérito’ como critério social é uma dessas representações ideológicas assumidas e defendidas, por vezes, por pessoas que foram excluídas de um arcabouço educacional/cultural e culpabilizam sua “falta de inteligência ou esforço” por não ascenderem no mercado de trabalho.
4 O período do Varguismo foi marcado tanto pela assimilação do discurso da democracia racial como elemento de integração nacional, afirmando, portanto, os benefícios da miscigenação; quanto pela repressão a movimentos negros como no caso do banimento da Frente Negra Brasileira (Andrews, 1985, p.54). A tese da democracia social em substituição de uma democracia política que acompanhava o ideal de “nacionalidade mestiça” condizia com um discurso nacionalista e uma prática autoritária que caracterizou a maior parte da Era Vargas.
5 A noção de universalidade que problematizamos aqui é tanto aquela própria das classes dominantes que resistem as políticas ou demanda de grupos específicos baseados na noção de que os direitos humanos são universais e, portanto, uniformes, naturais e imprescritíveis, preconizada a partir do igualitarismo abstrato da revolução francesa (Frederico, 2016, p.241), quanto aquela que propõe um “universalismo à esquerda” baseado na “universalidade das determinações de classe”, portanto, também preconizada a partir de um universalismo abstrato. Nesse sentido a divisão dos trabalhadores entre as diferentes particularidades dificultaria a luta contra o capitalismo (Lessa, 2007, pp.104-105).
6 Daflon e Feres Júnior (2014, p. 33) identificam a Ìndia como o país onde a mais antiga experiência de ação afirmativa foi incorporada (nos anos 1950) a dispositivos legais com a finalidade de elevar a participação política de grupos marginalizados pelo sistema de castas.
7 O mérito como critério individual, como expressão do esforço individual, deve ser valorizado, mas esse é diferente do critério social que preconiza que a ascensão socioeconômica ocorre conforme esse esforço sem problematizar as condições materiais e as dinâmicas sociais subjacentes.

Autor notes

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