Servicios
Servicios
Buscar
Idiomas
P. Completa
O constructo economia plural nos estudos relacionados com a economia solidária: revisão sistemática no período 2000-2016
Suzana Melissa de Moura Mafra da Silva; Washington José de Souza; Ana Paula Borba Costa
Suzana Melissa de Moura Mafra da Silva; Washington José de Souza; Ana Paula Borba Costa
O constructo economia plural nos estudos relacionados com a economia solidária: revisão sistemática no período 2000-2016
The theoretical construct plural economy in studies related to the solidarity economy: Systematic review from 2000 to 2016
Ciências Sociais Unisinos, vol. 54, núm. 3, pp. 317-327, 2018
Universidade do Vale do Rio dos Sinos Centro de Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: Trata-se de resultado de pesquisa de natureza qualitativa, realizada sob a forma de revisão sistemática da literatura na produção acadêmica em economia plural, tendo como referência o uso do construto economia plural em textos científicos nacionais e internacionais disponíveis no Portal de Periódicos Capes. A revisão contemplou o período de 2000 (ano do registro da primeira produção acadêmica) a 2016. A busca gerou 112 ocorrências quando utilizados os termos “Economia Plural”; “Plural Economy”; “Economia Solidária”; “Solidary Economy”; e “Outra Economia”. Para o tratamento das informações coletadas, foram aplicados os seguintes critérios de inclusão e exclusão - artigos publicados no período de 2000 a 2016, originais e publicados em periódicos (avaliação por pares) e estudos que relacionam simultaneamente as temáticas economia plural e economia solidária -, resultando em 19 artigos para posterior análise. Ficou evidente a recorrência de uma visão de multidimensionalidade atribuída ao construto economia plural, quando empregado em estudos no âmbito da economia solidária, que ultrapassa o domínio da Economia, aproximando-se da Filosofia e da Ciência Política, quando interpretado, respectivamente, sob os vieses da racionalidade substantiva e de novas configurações institucionais.

Palavras-chave: economia pluraleconomia plural,economia solidáriaeconomia solidária,outra economiaoutra economia.

Abstract: This text brings results of a qualitative research, carried out from an approach of systematic review of the literature on academic production regarding plural economics, having as reference the use of the plural economy construct in national and international scientific texts, available in the Portal de Periódicos Capes. The study takes into account the period from 2000 (the year of the first academic production) to 2016. The search generated 112 occurrences by using the terms “Economia Plural”; “Plural Economy”; “Economia Solidária”; “Solidary Economy”; and “Outra Economia”. For the treatment of the information collected, the following inclusion and exclusion criteria were applied - articles published in the period from 2000 to 2016, originals and published in periodicals (peer review), and studies that relate simultaneously the themes of plural economy and solidarity economy -, which resulted in 19 articles for further analysis. The recurrence of a multidimensional view attributed to the construct plural economy, when used in studies in the field of the economy of solidarity, goes beyond the field of Economy, reaching Philosophy and Political Science when they consider, respectively, the biases of the substantive rationality and new institutional configurations.

Keywords: plural economy, solidarity economy, another economy.

Carátula del artículo

Artigos

O constructo economia plural nos estudos relacionados com a economia solidária: revisão sistemática no período 2000-2016

The theoretical construct plural economy in studies related to the solidarity economy: Systematic review from 2000 to 2016

Suzana Melissa de Moura Mafra da Silva
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Washington José de Souza
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Ana Paula Borba Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Ciências Sociais Unisinos, vol. 54, núm. 3, pp. 317-327, 2018
Universidade do Vale do Rio dos Sinos Centro de Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

Recepção: 26 Junho 2018

Aprovação: 04 Outubro 2018

Introdução

A atribuição de sentido subjetivo a conceitos tradicionalmente clássicos tem sido um fenômeno frequente, principalmente nas ciências sociais, o que decorre, naturalmente, na gênese de novos constructos e na delimitação de determinados campos dentro de uma grande área. Tal fenômeno pode ser visualizado, por exemplo, na área e no conceito de economia, que tem, nos últimos anos, incorporado novas denominações, ou, pode-se dizer, particularidades para caracterização de domínios determinados. Denominações como economia social, economia solidária, economia plural, por exemplo, atribuem ao termo econômico caráter substantivo, diferente da perspectiva formal de relação entre fins e meios, e, normalmente, referente à escassez (Laville, 2009).

O fenômeno descrito gera, em certos casos, multiplicidade de explicações e aplicações desses constructos, visto que se encontram na condição de recém-incorporados a discussões ou campos tradicionalmente formais e clássicos. É nesta problemática de conceitos polissêmicos que o presente estudo se debruça, especificamente analisando fontes das quais partem o constructo de economia plural. A tentativa de conceituação de economia plural perpassa ideias como a de “uma abordagem da economia real que parte do pressuposto de que as relações entre os produtores e entre estes e a natureza são regidas por princípios econômicos plurais e assumem formas institucionais igualmente diversas” (Laville, 2009, p. 145). Pode ser tratada, também, como a superação da redutibilidade da economia ao polo mercantil, entendendo ser a economia plural constituída por mais dois polos de produção e distribuição de riquezas (além do mercantil), quais sejam: economia não-mercantil e economia não-monetária. Estes polos permitem a identificação de princípios do comportamento econômico que extrapolam a noção de mercado autorregulado, evidenciando a redistribuição, a domesticidade e a reciprocidade (Polanyi, 1980).

Dias articula duas concepções (França Filho e Laville, 2004; Polanyi, 1992 inDias, 2011) acerca da economia plural, ao apresentá-la como a rearticulação da esfera econômica às demais esferas da sociedade, enfatizando, além do mercado, relações de reciprocidade, redistribuição e domesticidade. Somam-se ao conceito de economia plural, alguns outros, como a lógica de dádiva, elaborada por Mauss em 1923 e que “constitui um sistema de relação de trocas específico, baseado em três momentos - o dar, o receber e o retribuir - em que os bens circulam de modo horizontal, com o objetivo de perenizar os vínculos sociais” (França Filho, 2010, p. 192). Pelas interfaces que apresenta, a ideia de economia plural aparece aplicável à economia solidária, visto que esta trata de uma proposta de economia em que as práticas organizativas se caracterizam como singulares e, sua análise, permite uma visualização desde perspectivais economicistas a olhares mais antropológicos (França Filho, 2007).

Sob tais pressupostos, o presente estudo analisa formas de emprego do constructo Economia Plural nas produções acadêmicas relacionadas à economia solidária. Esta compreensão mostra-se importante por, a partir dela, ser possível identificar uma conceituação sistemática acerca da economia plural quando da utilização desta na perspectiva da economia solidária. Para tanto, faz-se relevante examinar e revisar a literatura científica a fim de identificar percursos e aplicações que os autores têm utilizado para conceituar e aplicar o constructo economia plural. A revisão da literatura está, assim, norteada pela seguinte questão: que síntese científica emerge da utilização do constructo economia plural nas pesquisas relacionadas à economia solidária? Para a narrativa do estudo, após esta introdução, o texto traz, na sequência, a descrição da metodologia da revisão sistemática realizada e os resultados obtidos, estes, discutidos e sintetizados em quadro, de modo a permitir rápida identificação do direcionamento dos conteúdos abordados. Seguem-se, então, as considerações finais, que apresentam um panorama geral dos achados da pesquisa, a identificação de limitações e direcionamentos para estudos futuros.

Procedimento metodológico

A metodologia utilizada nesta pesquisa é a de revisão sistemática da literatura, que consiste numa

[…] forma de síntese das informações disponíveis em dado momento, sobre um problema específico, de forma objetiva e reproduzível, por meio do método científico. Ela tem como princípios gerais a exaustão na busca dos estudos analisados, a seleção justificada dos estudos por critérios de inclusão e exclusão explícitos e a avaliação da qualidade metodológica (Lima et al., 2000, p. 143).

Trata-se, assim, de estudo de desenho transversal descritivo de enfoque misto (Sampieri et al., 2013), cuja operacionalização ocorre de forma qualitativa, utilizando-se, para a coleta de dados, a pesquisa bibliográfica e, como instrumento de análise de dados, a análise documental. Inicialmente, foi construída uma ficha de pesquisa de modo a dar suporte à orientação dos critérios estipulados para a revisão sistemática, durante a pesquisa bibliográfica, contendo, tanto as palavras-chave a serem pesquisadas, quanto os critérios de inclusão e de exclusão.

Para esta revisão foi consultado o indexador Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e, nele, as seguintes bases de dados: Cengage Learning, Dialnet, DOAJ, Emerald, ProQuest, SciELO, Scopus, SPELL, Springer Science e Wiley. Baseando-se na questão de pesquisa apresentada na seção introdutória - qual seja “que síntese científica emerge da utilização do constructo Economia Plural nas pesquisas acerca da Economia Solidária?” -, foi possível elencar, como palavras-chave, os seguintes termos: “Economia Plural” ou “Plural Economy”; “Economia Solidária” ou “Solidary Economy”; “Outra Economia”. Aqui constructo é entendido como “variável mensurada que acontece dentro de uma hipótese, teoria ou sistema teórico” (Sampieri et al., 2013, p. 221).

Visto que se trata de pesquisa norteada pela síntese científica do emprego do constructo economia plural na economia solidária, buscou-se a presença, nos artigos científicos pesquisados, de ambos os termos. Para tanto, foram utilizadas as palavras-chave enunciadas e lidos títulos, resumo e palavras-chave de cada texto identificado. Quanto ao filtro temporal da pesquisa, o intervalo considerado para a seleção dos artigos compreendeu o período de 2000 a 2016. O início do ano 2000 se dá em virtude de terem sido, naquele ano, registradas as primeiras publicações nacionais relacionando os temas economia plural e economia solidária. A pesquisa buscou tanto a literatura nacional quanto internacional, de modo a obter um amplo panorama das abordagens do tema.

A busca pelos artigos nas bases de dados selecionadas ocorreu em novembro de 2016, seguindo estes procedimentos:

  1. (1) acesso à base de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) a partir da utilização da rede da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e do acesso à Plataforma SPELL;

  2. (2) as buscas pelas palavras-chave foram combinadas entre si (“economia plural” OR “plural economy”; “economia plural” OR “plural economy” AND “economia solidária” OR “solidarity economy”). Foram excluídos automática e manualmente artigos de jornais, resenhas, teses e dissertações; artigos anteriores ao ano 2000 e artigos que não relacionavam as temáticas escolhidas, gerando um total de 112 registros.

  3. (3) lidos os títulos, os resumos e as palavras-chave dos artigos encontrados, foram aplicados os critérios de inclusão, quais sejam: (a) artigos publicados no período de 2000 a 2016; (b) artigos originais publicados em periódicos (avaliação por pares); (c) estudos que relacionam as temáticas economia plural e economia solidária;

  4. (4) após a aplicação dos critérios, 19 artigos foram identificados dentro desses critérios e lidos na íntegra para a análise de conteúdo a partir das seguintes categorias: ano de publicação; objetivos; utilização e tratamento do constructo economia plural; natureza da relação estabelecida entre economia solidária e economia plural.

Há disparidade entre a quantidade total de registros encontrados (112) e de artigos selecionados para análise (19). Isto se deu em virtude do modo de funcionamento do Portal de Periódicos da CAPES como indexador de bases de dados. Vários artigos do Portal aparecem em mais de uma base o que eleva o número de ocorrências e que, portanto, tiveram que ser depurados. Outro motivo relaciona-se ao fato de que um dos critérios exige que os estudos estejam relacionando economia plural e economia solidária, tratando-os simultaneamente, o que exclui estudos que têm como objeto outras temáticas/abordagens ou os dois temas isoladamente. A seguir encontra-se o Quadro 1 com a caracterização completa dos artigos que preencheram os requisitos desta revisão sistemática.

Quadro 1
Síntese da produção científica coletada (2000-2016).

Chart 1. Synthesis of the scientific production collected (2000-2016).

Resultados e análises

Conforme explicitado na seção anterior, o processo inicial de busca resultou em 112 ocorrências no Portal de Periódicos CAPES. Após a aplicação dos critérios de inclusão, 19 artigos responderam satisfatoriamente e foram selecionados para apreciação detalhada, apresentada nesta seção. O quadro com as informações referentes aos artigos (apresentado na seção anterior) permite uma melhor visualização das perspectivas que serão abordadas na análise. Inicialmente, é nítida a concentração temporal entre os anos de 2008 e 2012 visto que, dos 19 artigos analisados, 14 foram publicados ao longo dos 5 anos correspondentes a esse intervalo de tempo. Antes de 2008, há apenas duas publicações, uma no ano 2000 e outra em 2001, permitindo inferir que é recente o interesse dos pesquisadores pela temática de interfaces entre economia plural e economia solidária.

Vê-se, diante das publicações analisadas, forte presença de trabalhos nacionais, visto que, dos 19 trabalhos analisados, 6 são publicações brasileiras. Outros 13, apesar de maioria, estão distribuídos entre diversos países: Canadá (3), França (3), Espanha (3), Reino Unido (1), Bélgica (1), Dinamarca (1) e Alemanha (1). Há, portanto, maior interesse nas universidades e entre pesquisadores nacionais por tal perspectiva de abordagem. Outro elemento que merece destaque, entre os artigos analisados, é a presença predominante de ensaio teórico como gênero textual. É provável que isto se deva ao fato de ter a temática se tornado objeto de interesse recente, bem como uma noção de economia distinta do que se tem no ideário social e nas lógicas puramente mercadológicas e monetárias predominantes no seio das sociedades.

A forma de utilização do constructo economia plural é a principal categoria de análise desta revisão sistemática. Há estudos que apresentam de modo indireto o constructo economia plural, aproximando-o da ideia orientada às pessoas, sem detalhamento ou identificação de referencial quando do uso, evidenciando uma noção de “economia mais pluralista” (Julià e Chaves, 2012; Chaves e Monzón, 2012; Dacheux e Goujon, 2011) e pontuando a ideia de elemento característico da economia social, do terceiro setor (Julià e Chaves, 2012; Amin, 2009; Chaves e Monzón, 2012; Mendiguren e Etxezarreta, 2015; Gaiger, 2009; Laville, 2002). Lima (2010) e Mendiguren e Etxezarreta (2015), por sua vez, apresentam os empreendimentos autogestionários como representantes de uma economia plural e democrática dentro do capitalismo. Para Lima (2010) isto faz-se numa situação paradoxal: a manutenção de ambas as economias coexistindo com lógicas distintas.

Seguindo o foco na economia plural, os trabalhos que se debruçam de modo objetivo na temática colocam-na como uma das teorias contrárias ao reducionismo da economia à noção de mercado (Gaiger, 2008, 2009; Portela, 2009; Lévesque, 2009; França Filho, 2001, 2013; 2010; Lemaître e Helmsing, 2012; Chaves e Monzón, 2012; Laville, 2002), o que, imediatamente, traz característica da economia solidária, visto que esta apresenta entrelaçamento entre a vida econômica e social, não tendo as mesmas propriedades da produção e organização do trabalho capitalista (Gaiger, 2008, 2009; França Filho, 2001, 2013; Mendiguren e Etxezarreta, 2015).

Uma aproximação entre as duas economias é delineada por Portela (2009) a partir da perspectiva de Laville (2009, p. 148), ao apresentar a “pluralização da economia para situá-la num quadro democrático” como uma das formas propostas pela economia solidária, de “humanização da economia mercantil global” (Portela, 2009, p. 117). França Filho (2001, 2013), por sua vez, vê a economia plural como a hibridação de recursos sob a presença de diferentes racionalidades da dinâmica organizacional, que dá conta de uma ampla dimensão da vida econômica. Para Gaiger (2009), trata-se de aplicar à economia plural a característica de possuir dimensões sociais e políticas vinculadas à atuação econômica. Outro importante elemento trazido por França Filho (2001) diz respeito à solidariedade, o que, para ele, rege a economia plural. Este entendimento estabelece, novamente, relação com a economia solidária, visto que a dimensão da solidariedade, para o autor, é comum às duas abordagens econômicas. No entanto, um aspecto interessante de análise é a perspectiva que o autor tem de que a economia plural não necessariamente vai de encontro ao mercado. Esta compreensão, de certo modo, contrapõe-se a uma perspectiva já apresentada, desenvolvida por Lima (2010), que vê a coexistência das economias de mercado e plural sob relação paradoxal, entendendo que as lógicas de ambas vão de encontro uma à outra.

Gazzoli et al. (2014) apresentam o imbricamento entre os setores público, privado e terceiro setor, abordando a influência que há entre ambas, gerando uma “hibridação” das formas institucionais que regem as relações sociais. Um aspecto interessante percebido em Gazzoli et al. (2014) é a não restrição da economia plural ao plano macrossocial, de modo que defendem implicações daquela nas formas institucionais e microssociais, o que pode ser claramente percebido nas ações das instituições de terceiro setor a partir das interações que faz com os demais setores (público e privado).

Os trabalhos que conceituam o constructo economia plural, advêm de ideias da multidimensionalidade da economia - e da imbricação dessas lógicas - proposta por Polanyi: economia não-monetária (princípio da domesticidade e reciprocidade), economia não-mercantil (princípio da redistribuição) e economia mercantil (oferta e demanda), o que aparece com frequência, principalmente em Gaiger (2008), Lévesque (2009), França Filho (2001, 2010), Gazzoli et al. (2014), Lemaître e Helmsing (2012); Mendiguren e Etxezarreta (2015). Os princípios que orientam essa multidimensionalidade podem ser assim compreendidos: o princípio da redistribuição diz respeito à produção centralizada por uma autoridade para a partir daí, realizar a redistribuição (esse princípio pode ser identificado a partir das ações estatais); o princípio da reciprocidade diz respeito a um laço social específico entre indivíduos e grupos, prevalecendo elementos subjetivos, podendo ser incluída aqui a noção de dádiva (França Filho, 2010), altruísmo e interesse próprio - esta, faz-se de uma combinação complexa e ensejante de discussões no campo da economia solidária, visto que tal princípio encontra-se nela incluso -; e o princípio da domesticidade refere-se à produção para o consumo próprio.

Outra perspectiva de análise do constructo economia plural é a aproximação deste com o conceito de paraeconomia em Guerreiro Ramos, proposta por França Filho (2010). Em seu trabalho, o autor coloca o constructo economia plural como inacabado (“não está dado em si mesmo”) em Polanyi e convida à analise da noção de economia plural como estando imbricada ao conceito guerreirista de paraeconomia e à economia solidária como exemplo de uma “outra economia”. Tal aproximação parece plausível quando se observam fundamentações semelhantes nas propostas, de desvinculação do mercado e enquadramento a dimensão (Polanyi) ou enclave (Guerreiro Ramos) de outra natureza.

Dos trabalhos analisados, cinco trouxeram como discussão central a economia plural. Lévesque (2009) apresenta - a partir de pesquisas em economia social e solidária, das principais contribuições teóricas da nova sociologia econômica e da socioeconomia dos territórios - uma específica concepção do constructo economia plural. Analisando a economia solidária, o autor a entende a partir da hibridação dos recursos proposta por Polanyi (1980). A análise da nova sociologia econômica permitiu ver a pluralidade da economia a partir das relações sociais existentes no mercado (que só funciona a partir daquelas), das ligações fortes ou fracas proporcionadas por essas relações sociais e, numa dimensão cultural, da pluralidade de formas que circundam a moeda. O autor defende a existência de reciprocidade e vínculos sociais na própria economia de mercado, o que a confere caráter plural.

Esta percepção, advém do Movimento Anti-utilitarismo nas Ciências Sociais (MAUSS). No que diz respeito à socioeconomia dos territórios, Lévesque (2009) vê a perspectiva de pluralidade da economia a partir da dinâmica de governança territorial que se centra nos atores privados, públicos e na sociedade civil, diferentemente de governanças concorrencialistas e de regime público. Tem-se no trabalho de Lévesque (2009) uma extensa contribuição à visualização das perspectivas pelas quais pode ser analisado o constructo economia plural, visto que nele há diversas dimensões. O autor percebe a economia social e solidária como fontes de inspiração sub-exploradas para a construção de uma economia plural a partir do território, bem como, de uma democracia aberta aos cidadãos.

Lemaître e Helmsing (2012) igualmente exploram a concepção polanyiana de economia como processo político institucionalizado, considerando tal concepção como uma compreensão substantiva da economia. Os autores trazem a reconceituação que Polanyi faz acerca da economia em sentido plural: uma compreensão de economia com viés de inclusão de todos os fenômenos relacionados com interdependências entre seres humanos e ambiente natural. Os autores trazem, enfim, a ideia de que na economia plural as dimensões de mercado, estatal e reciprocitárias são analisadas sem qualquer relação hierárquica. Seguindo o mesmo caminho, Laville (2008a) apresenta a necessidade de instituições que assegurem a pluralização da economia de modo a inscrevê-la num quadro democrático, o que se faz necessário pelo comprometimento com a democracia quando a lógica de mercado se torna modelo único e sem limites. O autor apresenta como desafios à economia plural: superação do reducionismo econômico; capitalismo como sistema dominante; desenvolvimento de práticas e políticas para um pluralismo econômico.

Numa contribuição a esta análise, Evers (2000) acrescenta ao constructo a dimensão sociocultural cujas divisões e hierarquias conferem, às sociedades que as adota, uma característica multicultural. Neste sentido, o trabalho de Klein et al. (2012) traz a esta revisão importante dado, que é o da aplicação (ou a materialização) da economia plural em uma sociedade contemporânea, a quebequense. O trabalho evidencia a presença da economia plural por meio da constatação de hibridação de diferentes formas de governança, o que de certo modo se aproxima da perspectiva de desenvolvimento territorial trazida por Lévesque (2009). A pluralidade ultrapassa a ideia de diferentes modelos coexistindo na sociedade para a perspectiva de pluralidade de atores e ações. Assim, há o desenvolvimento social e territorial pela multiplicidade de atores que participam dos processos de governança bem como pela presença da economia privada, pública e social no território.

Conclusão

A partir da revisão sistemática dos artigos científicos identificados sob os critérios aqui adotados - publicados no período de 2000 a 2016, originais e publicados em periódicos (avaliação por pares) e estudos que relacionam simultaneamente as temáticas economia plural e economia solidária - é possível perceber, inicialmente, o incremento no volume de publicações nos últimos anos. É possível identificar, também, que, apesar de alguns trabalhos não utilizarem de modo sistemático o constructo economia plural (a partir de conceituação e referenciação), a noção desta temática encontra-se presente e é tida sob várias perspectivas que contemplam o multiculturalismo nas sociedades, para além da dimensão puramente econômica.

A leitura que prevaleceu entre os trabalhos analisados foi a associação da economia plural desvinculada da ideia de economia como sinônimo de mercado e dinheiro. Nos trabalhos que apresentam o constructo de modo mais sistemático, há forte presença da visão polanyiana de multidimensionalidade da economia, permitindo inferir que, apesar de vários autores considerarem a noção de economia plural não acabada em si mesma, a perspectiva de Polanyi é válida à leitura acadêmica de validação do constructo economia para além das dimensões mercantil e monetária. Outro elemento analisado na revisão foi a forma de utilização do constructo dentro da perspectiva de economia solidária. É possível identificar que os pesquisadores realizam constantemente a aproximação entre as duas temáticas, o que torna clara a percepção da economia solidária como forte expressão da economia plural, visto que ambas coincidem em valores como solidariedade, democracia, humanização da economia, presença da dimensão política e social no comportamento econômico, sob uma compreensão substantiva. O Quadro 2 apresenta a síntese dos sentidos atribuídos à economia plural quando utilizada na economia solidária.

Quadro 2
Sentidos atribuídos à economia plural quando utilizada na economia solidária.

Chart 2. Senses attributed to the plural economy when used in the solidarity economy.

A partir da análise dos trabalhos que trouxeram como temática central a economia plural, esta pode ser visualizada dentro de múltiplas perspectivas (desenvolvimento territorial, relações sociais no mercado, paraeconomia), o que leva a perceber o caminho que o constructo ainda tem a percorrer e as diferentes abordagens que podem contemplá-lo ou serem seus frutos. Compreende-se, deste modo, a economia plural para além da hibridação entre mercado, setor público e terceiro setor, o que corresponde a entendê-la pelo menos a priori, como forma multidimensional de se discutir e desenvolver a economia, considerando, nesta, perspectivas humanas, sociais e políticas.

Um dos destaques da análise realizada foi a experiência, em dois trabalhos, do caso do Quebec, tido como exemplo de economia plural nas Américas, tendo se mostrado um “ponto fora da curva” entre os demais trabalhos, que traziam a economia plural em perspectiva teórica. Compreendendo que o presente trabalho não esgota toda a compreensão que se tem acerca do constructo economia plural, sugere-se, para estudos futuros, estender a análise a teses e dissertações numa perspectiva de tempo maior, de modo que se possa identificar contribuições que têm sido desenvolvidas no âmbito da formação acadêmica no Brasil e no mundo.

Material suplementar
Referências
AMIN, A. 2009. Extraordinarily ordinary: working in the social economy. Social Enterprise Journal, 5(1):30-49. https://doi.org/10.1108/17508610910956390
CHAVES, R.; MONZÓN, J.L. 2012. Beyond the crisis: the social economy, prop of a new model of sustainable economic development. Service Business, 6(1):5-26. https://doi.org/10.1007/s11628-011-0125-7
DACHEUX, E.; GOUJON, D. 2011. The solidarity economy: an alternative development strategy? International Social Science Journal, 62(203-204):205-215. https://doi.org/10.1111/j.1468-2451.2011.01804.x
DIAS, T.F. 2011. Gestão social em empreendimentos econômicos solidários: uma abordagem no Oeste Potiguar. Natal, RN. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 230 p.
EVERS, A. 2000. Les dimensions sociopolitiques du tiers secteur. Sociologie du travail, 42(4):567-585. https://doi.org/10.1016/S0038-0296(00)01115-8
FRANÇA FILHO, G.C. de. 2001. A problemática da economia solidária: uma perspectiva internacional. Sociedade e estado, 16(1-2):245-275.
FRANÇA FILHO, G.C. de. 2007. Teoria e prática em economia solidária: problemática, desafios e vocação. Civitas-Revista de Ciências Sociais, 7(1):155-174. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2007.1.2041
FRANÇA FILHO, G.C. de. 2010. Decifrando a noção de paraeconomia em Guerreiro Ramos: a atualidade de sua proposição. Organizações & Sociedade, 17(52):175-197. https://doi.org/10.1590/S1984-92302010000100010
FRANÇA FILHO, G.C. de. 2013. A problemática da economia solidária: um novo modo de gestão pública? Cadernos EBAPE. BR, 11(3):443-461.
GAIGER, L.I.G. 2008. A economia solidária e o valor das relações sociais vinculantes. Revista Katálysis, 11(1):11-19. https://doi.org/10.1590/S1414-49802008000100002
GAIGER, L.I.G. 2009. Antecedentes e expressões atuais da economia solidária. Revista Crítica de Ciências Sociais, 84:81-99. https://doi.org/10.4000/rccs.401
GAZZOLI, P.; JETTÉ, V.; DUMAIS, L.; VAILLANCOURT, Y. 2014. Nouvel essor des fondations au Québec et au Canada: Pour une analyse sociopolitique fondée sur le concept d’économie plurielle. Annals of Public and Cooperative Economics, 85(2):165-191. https://doi.org/10.1111/apce.12034
JULIÀ, J.F.; CHAVES, R. 2012. Introduction: social economy, a third sector in a plural people-oriented economy. Service Business, 6(1):1-4. https://doi.org/10.1007/s11628-011-0130-x
KLEIN, J.-L.; FONTAN, J.-M.; HARRISON, D.; LÉVESQUE, B. 2012. The Quebec system of social innovation: a focused analysis on the local development field. Finisterra, 47(94):9-28.
LAVILLE, J.L. 2002. Sociologie économique et économie solidaire. Revista Economia & Gestão, 2(4):9-26. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/economiaegestao/article/viewFile/99/92. Acesso em: 01/11/2016.
LAVILLE, J.L. 2008a. Do século 19 ao século 21: permanência e transformações da solidariedade em economia. Revista Katálysis, 11(1):20-42. https://doi.org/10.1590/S1414-49802008000100003
LAVILLE, J.L. 2009, Economia Plural. In: A. CATTANI; J.L. LAVILLE; L. GAIGER; P. HESPANHA (orgs.), Dicionário internacional da outra economia. Coimbra/São Paulo, Ed. Almedina, p. 145-149.
LEMAÎTRE, A.; HELMSING, A.H.J. 2012. Solidarity economy in Brazil: movement, discourse and practice analysis through a Polanyian understanding of the economy. Journal of International Development, 24(6):745-762. https://doi.org/10.1002/jid.2865
LÉVESQUE, B. 2009. Economia plural e desenvolvimento territorial na perspectiva do desenvolvimento sustentável: Elementos teóricos de sociologia econômica e de socioeconomia. Política & Sociedade, 8(14):107-144. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2009v8n14p107
LIMA, M.S. de; SOARES, B.G.O.; BACALTCHUKC, J. 2000. Psiquiatria baseada em evidências. Rev. Bras. Psiquiatr., 22(3):142-146. https://doi.org/10.1590/S1516-44462000000300010
LIMA, J.C. 2010. Participação, empreendedorismo e autogestão: uma nova cultura do trabalho? Sociologias, 12(25):158-198. https://doi.org/10.1590/S1517-45222010000300007
MENDIGUREN, J.C.P.; ETXEZARRETA, E. 2015. Sobre el concepto de economía social y solidaria: aproximaciones desde Europa y América Latina. Revista de economía mundial, 40:123-144.
POLANYI, K. 1980. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro, Campus, 360 p.
PORTELA, J. 2009. A economia ou é solidária ou é fratricida. Revista Crítica de Ciências Sociais, 84:115-152.
SAMPIERI, R.H.; COLLADO, C.F.; LUCIO, M. del P.B. 2013. Metodologia da Pesquisa. 5ª ed., Porto Alegre, Penso, 624 p.
Notas
Quadro 1
Síntese da produção científica coletada (2000-2016).

Chart 1. Synthesis of the scientific production collected (2000-2016).

Quadro 2
Sentidos atribuídos à economia plural quando utilizada na economia solidária.

Chart 2. Senses attributed to the plural economy when used in the solidarity economy.

Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por Redalyc